polarização

Luiz Carlos Azedo: Lula livre para 2022

O fantasma petista assombra os eleitores que elegeram Bolsonaro e dele estavam se afastando, por causa de seus desatinos na pandemia

Como dizia o maestro Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin surpreendeu o mundo político e até seus colegas de Corte ao anular todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa “interpretação técnica” do princípio do “juiz natural”. Tomou por base a jurisprudência do próprio Supremo, contra a qual se opusera quando a maioria dos ministros decidiu desmembrar os processos da Odebrecht, OAS e JBS do caso da Petrobras, remetendo-os para Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo, decisão que esvaziou a força-tarefa de Curitiba e sua própria relatoria no escândalo da Lava-Jato.

A decisão foi cirúrgica: acabou com a inelegibilidade de Lula e frustrou as expectativas de punição do ex-ministro Sérgio Moro e dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, cuja suspeição foi arguida pela defesa de Lula. No mundo jurídicos e nos meios políticos, a aposta era de que somente a condenação de Lula no processo do triplex de Guarujá seria anulada, por suspeição de Moro, enquanto a condenação no caso do sítio de Atibaia seria mantida, no aguardado julgamento da suspeição pela Segunda Turma do Supremo. Presidente dessa Turma, desculpem-me o trocadilho, o ministro Gilmar Mendes ficou com o voto na mão.

Para o presidente Jair Bolsonaro, seus aliados e boa parte da oposição não petista, a anulação do processo do triplex de Guarujá e a suspeição dos protagonistas da Lava-Jato seriam o cenário ideal: Lula fora da eleição e Moro desmoralizado. Fachin pôs tudo de pernas para o ar, porque liberou Lula para concorrer à Presidência da República e manteve o ex-ministro Sérgio Moro no jogo de 2022, protegendo ainda os procuradores da Lava-Jato, a investigação da qual é o relator no Supremo e que estava à beira da extinção.

Outros réus poderiam pedir anulação de seus respectivos processos, pois é disso que se trata, principalmente para os advogados que atuam na Lava-Jato e sempre questionaram os métodos heterodoxos de Moro e dos procuradores de Curitiba. Na prática, a decisão de Fachin pode garantir a presença de Lula na eleição porque uma condenação em segunda instância, no Tribunal Regional Federal de Brasília, uma Corte garantista, leva em média 6 anos; além disso, como Lula tem mais de 70 anos, o caso já estará prescrito, pois os fatos ocorreram há quase dez anos e a prescrição cai de 16 para oito anos.

Tensão institucional
No plano imediato, o principal foco de tensão é dentro do Supremo, que voltará a se dividir profundamente. Em recente decisão sobre os processos criminais, a Corte estabeleceu que nenhuma decisão monocrática pode ser reformada por outro ministro ou pelas Turmas, no caso dos processos criminais, somente pelo plenário da Corte. O Ministério Público Federal (MPF) já anunciou que recorrerá da decisão, e não será surpresa se a defesa de Lula insistir na suspeição de Moro e dos procuradores, sendo acolhida pelo ministro Gilmar Mendes, na reunião de hoje da Segunda Turma.

O segundo foco é o Congresso, principalmente a Câmara, cujo presidente, Arthur Lira lidera as articulações para acabar com a Lava-Jato. O Centrão e maioria das bancadas do PT e do PSDB apostavam na suspeição de Moro. O terceiro, o Palácio do Planalto, muito mais interessado no fim da Lava-Jato e na inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A retórica de Bolsonaro sobre a decisão mira o desgaste do Supremo junto aos militares e uma parte da opinião pública. A candidatura de Lula já está precificada. No esquema binário da narrativa bolsonarista, a esquerda é o inimigo principal. O fantasma de Lula assombra os eleitores que elegeram Bolsonaro e dele estavam se afastando, por causa de seus desatinos na pandemia e outras questões nas quais confronta os grandes consensos. Com Lula livre, o discurso golpista de Bolsonaro ganha uma dimensão eleitoral antecipada, com sua cantilena contra a urna eletrônica. Ou seja, quer ganhar no voto ou no grito.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-livre-para-2022/

Marco Aurélio Nogueira: Virando a página para trás

Lula, de novo elegível, não tem um mar aberto a sua frente. Não joga o jogo sozinho

É difícil avaliar a repercussão e os desdobramentos da decisão de Edson Fachin que, de uma só vez, monocraticamente, considerou sem validade todas as condenações de Lula. O ministro considerou que a Vara Federal de Curitiba não era o foro adequado para julgar os processos do ex-presidente, remetendo-os à justiça do Distrito Federal.

É mais fácil pensar no que a motivou. Fachin sabia que seria derrotado na Segunda Turma, antecipou-se a ela e deve ter tentado esvaziar a provável suspeição de Sergio Moro, artífice das condenações. Se terá êxito nisso não se sabe. Depois que se decidiu liberar os áudios da Vaza-Jato a Lula, era só questão de tempo soltar as amarras do ex-presidente, fazendo com que os processos voltassem à estaca zero.

Tudo isso tem um preço: como fica a imagem do STF, órgão supremo que precisou de cinco anos para descobrir que tudo que havia sido endossado pelos tribunais inferiores não passava de erro, de farsa, de injustiça? Há um quê de desmoralização que não passa despercebido. Pior para a vida institucional do País, que fica sem retaguarda.

Também é fácil vislumbrar a espuma de ódio que esguichará da boca dos bolsonaristas. Não por medo ou raiva, mas sim porque verão no fato um instrumento de campanha eleitoral, que agora está definitivamente aberta. Sentir-se-ão turbinados, revitalizados. Vira-se uma página para trás, de volta a 2018, ao antipetismo e ao antilulismo que tanta força deu à eleição do capitão.

É uma boa notícia para Bolsonaro, pois agora, quando o governo se mostra mais perdido e atarantado do que nunca, com nuvens carregadas pela pandemia, pelas mortes, pelo desemprego, pelas dificuldades fiscais, foi jogada na mesa uma carta que pode justificar as seguidas omissões presidenciais: ele agora dirá que o velho “inimigo” de antes voltou ao ringue e precisa ser combatido. O mesmo trololó de antes, de sempre, com direito a um pouco mais de fúria contra o STF.

Do lado de lá, não dá para cravar que a notícia fará com que Lula se proclame imediatamente candidato. O ex-presidente poderá voltar a ser penalizado no médio prazo, a depender da velocidade com que trabalharem a Justiça do Distrito Federal e o Tribunal Regional da 1ª Região (TRF-1).

De certo mesmo é que a decisão de Fachin espirrará em outras eventuais candidaturas potenciais, tipo Ciro Gomes e Flávio Dino, que ficarão paralisados, na expectativa dos próximos lances.

Lula, porém, não tem um mar aberto a sua frente. Não joga o jogo sozinho. Volta ao jogo com a bandeira do “injustiçado” tremulando mais alto, o que é um trunfo importante. Mas sabe que não vencerá a eleição sem um vínculo com o centro, com o mercado, os bancos. Poderá subir o tom contra Bolsonaro, lançar feromônios para seduzir o povo que o adora, mas também precisará suavizar o discurso para atrair os moderados e oferecer a eles alguma perspectiva de poder.

Até mesmo algo diferente poderá acontecer: uma coalizão de centro-esquerda que faça direito as contas, avalie politicamente a correlação de forças e convença o ex-presidente a aderir a um tertius e a um programa que salve o País. Tudo está, afinal, para ser jogado e no tabuleiro não há peças irremovíveis, nem vitoriosos por antecipação.

*Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp


Alon Feuerwerker: Lula ficha limpa, por enquanto

Sobre a decisão do ministro Edson Fachin de anular as duas condenações de Luiz Inácio Lula da Silva (tríplex e sítio) em Curitiba, o argumento dos advogados era de que as acusações nada tinham a ver com a Petrobras. E por que decidir só agora? Segundo Fachin, porque os advogados só apresentaram esse argumento em novembro.

Questões juridicas à parte, é preciso fixar que a decisão representa uma vitória política para Lula e o PT. É claro que Lula pode ainda ser condenado pela Justiça Federal do DF, e se a condenação for confirmada em segunda instância voltará a ficar inelegível. Mas a partir de agora o cenário é outro.

Fachin não anulou os atos instrutórios de ambos os processos. O juiz em Brasília poderá, se desejar, simplesmente decidir em cima de tudo o que foi preliminarmente produzido sob a supervisão de Sergio Moro em Curitiba. Mas é possível que os advogados de Lula argumentem que Moro tampouco deveria ser o juiz encarregado de tocar a instrução.

Por que Fachin fez o que fez? Uma hipótese é tentar evitar que a Lava Jato descesse pelo ralo junto com os processos de Lula se a Segunda Turma declarasse a suspeição de Moro. Mas a esta altura é menos relevante para o quadro político. O fato é que Lula está de volta ao palco. E isso tem efeitos imediatos, como mostrou hoje a queda da Bolsa.

Quem ganha e quem perde? Ganham Lula e o PT. Mas também em algum grau Jair Bolsonaro, que vem sob fogo cerrado dos segmentos políticos “ao centro”. Com Lula no cenário, certamente será revivido o argumento de que o atual presidente seria uma espécie de mal menor para esse grupo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Rosângela Bittar: O Teorema Lula

Lula virou político de novo e restabeleceu o que parecia superado: a polarização

Desafio à esfinge: o que houve de determinante, em tão curto espaço de tempo, que levou o ex-presidente Lula a assumir sua candidatura à Presidência da República? Num dia ele lançou Fernando Haddad, despachando-o para liderar caravanas. Quinze dias depois, sem revogar a primeira ordem, declarou de viva-voz o que todos entenderam como um alto lá. Será ele mesmo o candidato. 

No primeiro movimento, o ex-presidente pretendeu tranquilizar o Supremo Tribunal Federal quanto à sua submissão à Lei da Ficha Limpa. Não seria candidato mesmo se lhe fosse favorável o julgamento, esta semana, relativo à suspeição do juiz Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá. 

Duas semanas se passaram e eis que o ministro Ricardo Lewandowski permitiu acesso da defesa aos diálogos entre os promotores da força-tarefa e o juiz da Lava Jato. São 10% as transcrições do grampo que se referem a Lula, agora em exame pelo ministro Gilmar Mendes, o relator do processo. 

Os advogados puderam constatar a extensão do comprometimento não apenas de Sérgio Moro, como do coordenador Deltan Dallagnol e até do então procurador-geral Rodrigo Janot. Verificaram que a Justiça teria dados suficientes para considerar Lula vítima de perseguição. Constataram que os que o prenderam admitiam não ter provas ou certezas. 

Ampliaram-se, então, as expectativas, até aí limitadas ao triplex. Agora seria possível rever também o caso do sítio de Atibaia. Anuladas as sentenças, recuperados os direitos políticos, Lula poderia ser candidato. Aí se precipitou, surpreendendo até quem esperava estabelecer com o PT uma aliança mais ampla ao centro e à esquerda. 

O que fará a seguir ainda está em análise. Poderá pedir a extensão dos argumentos do triplex para o sítio. Se não for possível, a defesa ingressará com novo pedido de habeas corpus específico. 

Desde que saiu da prisão, o ex-presidente só se manifestava para louvar a preservação da sua potência sexual, anunciava planos de casamento com Janja e sugeria uma vida reclusa em paradisíaca praia da Bahia. 

De repente, uma mudança e tanto. Lula virou político de novo e restabeleceu o que parecia superado: a polarização. O presidente Jair Bolsonaro exultou. Vinha projetando o fantasma do ex-presidente como adversário, agora o tinha na realidade. E a Lula sempre interessou o confronto com Bolsonaro. Ambos querem uma disputa de recíproca rejeição acreditando, cada um, que o outro tem pior conceito na praça. 

Este cenário é responsável pela ressurreição, nestes recentes episódios nada espontâneos, do aviso do general Villas Bôas ao STF sobre a inconveniência de restaurar os direitos eleitorais de Lula. Um episódio de dois anos atrás, subitamente atualizado pela edição do livro de memórias do ex-comandante, com novas revelações. Entre elas a de que o Alto Comando do Exército referendou a pressão que exerceu sobre a Suprema Corte. 

Desta vez, com um agravante: a explosão do apoio aos militares do núcleo de extremistas que sustentam Bolsonaro. Até como pretexto para mais uma vez agredirem o Supremo, o saco de pancadas do grupo. 

Uma frente que expõe a geleia geral de obscurantismo, negacionismo, diversionismo, golpismo e provocação. 

Como se o tempo tivesse dado uma meia-volta, volver. 

Tal enredo ainda não está consolidado. Nada impede que o STF contorne polêmicas e adote uma solução híbrida. Reconheceria a suspeição do juiz Sérgio Moro, mas não restabeleceria os direitos políticos de Lula, que permaneceria inelegível. E já houve precedente desta combinação: a decisão de Lewandowski, agora com sinais trocados, no impeachment da ex-presidente Dilma. Foi deposta, mas sem perder seus direitos políticos. 

Estará permeando este julgamento a animosidade jamais superada dos militares com a esquerda. Perfeitamente correspondida. 


Oliver Stuenkel: Como o fim da Guerra Fria contribuiu para a polarização dos EUA

Colapso da União Soviética eliminou a ameaça existencial que ajudava a estabilizar a política norte-americana

Quando ficou sabendo da queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, meu pai ficou extasiado. Correu pela casa gritando “Caiu o Muro!”, como se seu time de futebol tivesse vencido o campeonato. Horas depois, toda a família estava na estrada em direção a Berlim, onde dezenas de milhares de pessoas se aglomeraram para saudar cidadãos da Alemanha Oriental, que entravam na parte Ocidental de Berlim pela primeira vez. Sem compreender o significado geopolítico daquele episódio na época, me impressionei com meu pai abraçando pessoas desconhecidas, todo o mundo aos prantos.

Como a vasta maioria da sociedade norte-americana, meu pai, um berlinense que passou a adolescência nos Estados Unidos, viu no colapso da União Soviética um triunfo histórico dos EUA. Ele fazia questão de que minhas irmãs e eu cursássemos parte do Ensino Médio em uma escola nos Estados Unidos. À primeira vista, a década de 1990 lhe dava razão: foi um período marcado por um boom econômico nos EUA e muita confiança de um país que se via, pela primeira vez na história, sem rival no planeta.

Em retrospectiva, porém, ficou claro: o colapso da União Soviética plantou na sociedade norte-americana a semente da polarização destrutiva, hoje uma marca registrada da política contemporânea dos EUA. Os debates políticos nos Estados Unidos durante a Guerra Fria não foram sempre civilizados evidentemente. A carreira do senador Joseph McCarthy, um charlatão famoso nos anos 1950 por liderar o combate a supostos comunistas infiltradosno Governo norte-americano, é prova disso. Durante expressiva parte desse período histórico, porém, havia consenso na população americana de que, diante da ameaça soviética, haveria limites aos ataques a oponentes na política doméstica. Afinal, a disputa contra a URSS gerava uma espécie de acordo nacional, que unia todos os atores políticos nos EUA, independentemente de suas convicções ideológicas.

Livre de preocupações sobre a sobrevivência do país, o tom na política norte-americana nos anos 1990 mudou para pior. Carente do grande projeto nacional de derrotar o comunismo, a política começou a priorizar intrigas que apequenaram a elite política dos EUA. Liderado pelo deputado republicano Newt Gingrich em 1999, o processo de impeachment de Bill Clinton —do qual seria absolvido pelo Senado depois—indicava uma abordagem de vale-tudo e a demonização dos opositores. Duas décadas mais tarde, a fragilidade da democracia americana revelou-se ainda mais flagrante quando seguidores pró-Trump invadiram o Capitólio para impedir a certificação da vitória de Joe Biden. Como escreve Janan Ganesh, “o fim da Guerra Fria foi uma vitória da qual os Estados Unidos nunca se recuperaram.”

A última vez em que um candidato à presidência dos EUA ganhou mais de 400 votos no Colégio Eleitoral foi em 1988, quando George Bush pai, piloto da Força Aérea na Segunda Guerra Mundial, com longa experiência de política externa, venceu na vasta maioria dos Estados norte-americanos. Não se trata de uma coincidência. Desde então, todas as eleições presidenciais revelam um país profundamente dividido, com ambos os lados acusando o outro de inimigo da pátria, cuja vitória representaria o fim da república. Não surpreende, tampouco, que mais presidentes tenham sofrido processos de impeachment desde o fim do confronto ideológico com os soviéticos do que nos primeiros dois séculos da república estadunidense.

Nesse contexto, a ascensão da China e a emergência de uma guerra fria entre os EUA e esse país asiático teriam o potencial de ajudar a sociedade americana a superar suas profundas divisões, que hoje representam ameaça à estabilidade política do país? À primeira vista, parece que não —afinal, apesar do seu sistema político formalmente parecido com o da União Soviética, qualquer um que pousa no aeroporto de Pequim ou Xangai logo percebe que a sociedade chinesa é profundamente capitalista e pelo menos tão materialista e individualista quanto a dos Estados Unidos. Enquanto na Guerra Fria (1947-1991) havia pouca interação econômica entre os EUA e a União Soviética, hoje, milhares de empregos norte-americanos dependem da China, dificultando um confronto como o proposto por Donald Trump nos últimos quatro anos. Um vasto número de estudantes chineses, muitos deles filhos da elite política da China, assegura a sobrevivência das universidades norte-americanas. Além disso, diferentemente da União Soviética, a China não tem planos de exportar seu modelo político ou econômico. Transformar o regime comunista chinês em bicho-papão com o fim de unificar os EUA não seria nada fácil.

Por outro lado, tudo indica que Trump é apenas sintoma de um novo consenso anti-China em Washington, reflexo de uma sociedade cada vez mais preocupada com o deslocamento de poder para o gigante asiático. O bloqueio de aplicativos chineses pelo Governo dos EUA e a disputa pela supremacia digital entre as duas potências, simbolizada pela atuação do Governo norte-americano contra a empresa chinesa Huawei, representam somente o começo de um novo sistema internacional marcado por esferas de influência de natureza tecnológica, dividindo o mundo em países que ou usam tecnologia americana ou preferem a chinesa. Parece provável que líderes políticos nos EUA tentarão aproveitar esse novo cenário para incitar o nacionalismo que ajudou a estabilizar o debate político durante a Guerra Fria.

Um estrategista da equipe de transição do Governo Biden me disse recentemente que a postura de Trump em relação à China era “talvez o único ponto de convergência que temos [com os Republicanos]”. Só o tempo dirá se esse entendimento será suficiente para ter início uma reaproximação entre Democratas e Republicanos de forma a superar a hiperpolarização que se apoderou da política norte-americana.

*Oliver Stuenkel é doutor em Ciências Política e professor de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel


El País: Polarização se revela como fator de risco na pandemia

Ideologia e partidarismo atrapalham a resposta à expansão do coronavírus, segundo muitos estudos. Um novo trabalho encontra correlação entre posicionamentos políticos e as mortes por covid-19 em certas regiões

Javier Salas, El País

“O vírus se tornou um indicador de identidade tribal”, advertia recentemente o psicólogo social Jonathan Haidt nas páginas do The New York Times. Referia-se à sociedade norte-americana, onde muitos estudos observaram que o cumprimento ou não das restrições para frear contágios de coronavírus está intimamente ligado ao voto dos cidadãos: o partidarismo influi mais no comportamento que a gravidade dos contágios no entorno. Um novo estudo aproxima agora esta realidade tribal ao contexto europeu e, pela primeira vez, mostra uma correlação direta entre as mortes por covid-19 e a crispação política em 153 regiões de 19 nações do continente. “Uma maior polarização social e política pode ter acabado por custar vidas durante a primeira onda da covid-19 na Europa”, conclui esse trabalho.

“Observamos que maiores níveis de polarização predizem [um excesso de] mortes significativamente maior. Por exemplo, a diferença no excesso de mortes entre duas regiões, uma sem polarização das massas (2,7%) e outra com níveis máximos (14,4%), é mais de cinco vezes maior”, aponta o estudo, em processo de publicação por uma revista científica. “Queríamos testar essa possibilidade da que tanto se falou e observamos que há uma associação bastante clara, correlações que vão nessa linha. Há indicadores claros de que [a polarização] prejudica seriamente o desempenho”, afirma Víctor Lapuente, da Universidade de Gotemburgo (Suécia), que assina o trabalho com seus colegas Nicholas Charron e Andrés Rodríguez-Pose, da London School of Economics.

Ou seja, os estragos decorrentes da pandemia aumentavam em regiões europeias onde havia mais divisão entre apoiadores e detratores dos seus respectivos Governos. A polarização é entendida como tribalismo identitário e animosidade contra o outro. Porque, como mostra este estudo, as maiores diferenças em excessos de mortalidade por covid-19 não se dão entre países, e sim entre os territórios dentro dos próprios países. Os autores propõem três mecanismos que explicariam esse fenômeno. Primeiro, que é mais difícil para os Governos construírem um consenso político sobre as medidas; segundo, que as prioridades são definidas em função das exigências dos grupos de pressão (empresários, por exemplo), em detrimento da saúde pública; e, terceiro, porque com a polarização as políticas se tornam mais populistas e menos baseadas em critérios de especialistas.

“Subjaz o medo da reação da mídia, de que a oposição caia matando. Nestas condições, não é possível tomar as melhores decisões, porque o contexto atende aos governantes”, comenta Lapuente, professor da escola de negócios ESADE. Os líderes ficam paralisados pelo medo de exagerarem ou ficarem aquém das circunstâncias, quando, contra a pandemia, a rapidez e a consistência são essenciais. “Seja rápido, sem remorsos. Se você precisar ter razão antes de se mexer, nunca ganhará”, avisou Michael Ryan, diretor de Emergências Sanitárias da OMS, já em 13 de março de 2020. “A Espanha é um caso particularmente sério”, observa Lapuente, “onde o debate foi muito dicotômico e a estratégia da comunicação domina a política”. Em um editorial, a revista médica The Lancet Public Health disse que “a polarização política e a governança descentralizada da Espanha também poderiam ter prejudicado a rapidez e a eficiência da resposta de saúde pública”.

Durante a gestão da pandemia, em alguns países medidas sanitárias que em princípio não têm nada de ideológico acabaram se politizando até níveis extremos. A atitude de Donald Trump sobre as máscaras determinava seu uso nos EUA, assim como o distanciamento social era maior entre eleitores democratas nos EUA, e menor entre partidários de Jair Bolsonaro no Brasil. Um estudo publicado na Nature Human Behaviour detecta “uma forte associação entre os níveis de animosidade partidária dos cidadãos e suas atitudes sobre a pandemia, assim como as ações que adotam em resposta a ela”. Outro, no Science Advances, é mais taxativo: “Nossos resultados apontam para uma conclusão inequívoca: o partidarismo é um determinante muito mais importante da resposta de um indivíduo à pandemia que o impacto da covid-19 na comunidade desse indivíduo”.

Joaquín Navajas, neuropsicólogo do Conicet (agência argentina de pesquisa científica), acaba de realizar um estudo analisando a polarização na resposta popular em quatro países com trajetórias pandêmicas muito interessantes de comparar: Argentina, Uruguai, EUA e Brasil. Primeiro perguntaram às pessoas sobre a quantidade de mortos que haveria em seu país, e não houve surpresas: quanto maior o apoio ao Governo, menor o número de mortos previsto. “O que nos surpreendeu muitíssimo é que não havia absolutamente nenhuma relação entre o prognóstico do número de mortes que citavam e seu grau de concordância com as políticas públicas pensadas para combater a covid”, observa Navajas, diretor do Laboratório de Neurociência da Universidade Torcuato Di Tella. De maneira aparentemente irracional, na Argentina e Uruguai os partidários da oposição prognosticavam mais mortes, mas mostravam menor apoio às restrições impostas por seus líderes para evitá-las.

Neste trabalho, também observaram que a ideologia não é determinante, já que não havia diferenças entre a Argentina e Uruguai, cujos governos têm sinais políticos distintos: os partidários do Governo opinavam da mesma forma em ambos os países, assim como os da oposição – só que um país é governado pela esquerda, e o outro pela direita. “O que importa é o tribalismo partidário”, sustenta Navajas. E acrescenta: “A incerteza sobre a falta de informação nos leva a procurar soluções na liderança. Não é estranho que esses tribalismos tenham se acentuado, durante milênios funcionou nos refugiarmos em nossa tribo para sobreviver”.“Em circunstâncias de alta desinformação e falta de informação, as pessoas observam os exemplos. Só podemos ser racionais se nossos líderes forem racionais”

“Em circunstâncias de alta desinformação e falta de informação, as pessoas observam os exemplos. Só podemos ser racionais se nossos líderes forem racionais”, argumentava recentemente a cientista política Sara Wallace Goodman, da Universidade da Califórnia. Ela publicou um estudo segundo o qual “os norte-americanos interpretam a pandemia de uma maneira fundamentalmente partidarista, e as condições objetivas da pandemia desempenham quando muito um papel menor na configuração das preferências das massas”.

Líderes e falsos dilemas

“Nas crises curtas isso não acontece porque todo mundo segue o líder e se considera traição [não fazê-lo]”, diz Eloísa del Pino, pesquisadora de políticas públicas do CSIC (agência espanhola de pesquisa científica), que estudou a gestão dos asilos para idosos durante a pandemia. “Mas quando essas crises se prolongam e aumenta o potencial de culpabilização, esses fenômenos se dão, e quando as medidas sanitárias se politizam, perdem eficiência”, resume.

A cada fator em disputa surge um falso dilema nas elites políticas e midiáticas, gerando tensão entre os cidadãos, que se sentem empurrados a decidir com teimosia identitária sobre assuntos científicos que desconhecem. Há alguns meses, saiu um estudo que explicava como o apoio político polarizava repentinamente assuntos até então neutros, podendo gerar uma animosidade inclusive maior: “O efeito positivo gerado entre os simpatizantes do partido e do seu líder é compensado pelo aumento da rejeição dos detratores”. Neste momento, o maior apoio à vacina contra a covid-19 na Espanha se dá entre os votantes dos partidos que governam, enquanto os seguidores do partido ultradireitista Vox são os que manifestam maior receio.“É grave que muitíssimas pessoas que morreram teriam se salvado com outra atitude. Isso mostra também que é mais difícil mudar o comportamento humano que conseguir a vacina em menos de um ano”

“Este trabalho [de Lapuente] demonstra que o resultado da pandemia também tem muito a ver com o comportamento das instituições e dos representantes políticos”, aponta Arantxa Elizondo, professora da Universidade do País Basco. Segundo ela, há duas questões que estão constantemente atrapalhando a resposta: o medo da paralisação econômica “e a busca por rentabilidade eleitoral sobre o bem-estar coletivo”. “E isso não é só uma falta de humanidade, é um erro colossal”, denuncia Elizondo, presidenta da Associação Espanhola de Ciências Políticas e da Administração. “Se for assim, a polarização custou vidas, é grave que muitíssimas pessoas que morreram teriam se salvado com outra atitude. Isso mostra também que é mais difícil mudar o comportamento humano que conseguir a vacina em menos de um ano”, resume Elizondo.

À medida que a pandemia transcorria, descobriu-se que idosos e pessoas com doenças pré-existentes corriam mais risco. Mais adiante, acrescentaram-se aqueles com menos recursos e com piores condições de vida. Agora, se as conclusões destes estudos se confirmarem, podemos acrescentar outro fator de risco: viver em um país polarizado.


Demétrio Magnoli: 2 + 2 = 5

A polarização política saltou um degrau, convertendo-se em polarização cognitiva

A pandemia “é uma coisa política”. A Covid-19 “não é tão grave”. As UTIs “não correm risco de colapso”. As quarentenas “destinam-se a quebrar a economia”. Você, como eu, ouve teorias da conspiração desse tipo quase todos os dias. São bolsonaristas? Sim, mas não apenas. Ignorantes? Claro, mas também indivíduos com diplomas universitários — e de instituições prestigiosas. Não se (auto)engane: uma cisão cognitiva profunda atravessa a sociedade.

A extrema-direita não monopoliza as teorias da conspiração. O governo dos EUA sabia de antemão sobre os atentados do 11 de setembro (e talvez até tenha sido responsável por eles). Os EUA deflagraram a guerra na Síria para fortalecer Israel. Os judeus, donos do dinheiro, controlam Wall Street e dirigem a política americana no Oriente Médio. Sergio Moro perseguiu Lula, pois é agente do FBI ou do Departamento de Justiça dos EUA. 2 + 2 = 5: em certas circunstâncias, a esquerda compartilha a paixão pelo pensamento mágico.

A aprovação de Bolsonaro cresceu ao longo da pandemia — e não só entre beneficiários do auxílio emergencial. Na crise sanitária, dois Brasis separaram-se um pouco mais. Numa ponta, situa-se a população que circula na economia digitalizada e no funcionalismo público: os que conservaram seus empregos e salários durante as quarentenas. Na outra, a população presa à economia analógica ou presencial: os que enfrentam o desemprego, a perda de renda, a falência de negócios, a dissolução de patrimônios. Esqueça a conversa condescendente de que “estamos no mesmo barco”. Tente enxergar a paisagem do ângulo desses últimos.

Os “progressistas”, acampados na economia digitalizada, selecionaram seus especialistas. Os mais aclamados, arautos de uma epidemiologia fundamentalista, projetaram milhões de óbitos no Brasil, mesmo sob nossas precárias quarentenas. Nessa linha, exercitando o pensamento mágico, exigiram rígidos lockdowns de duração ilimitada. Como essa exposição do mais cru elitismo foi interpretada do lado de lá, entre trabalhadores “essenciais” de transportes e supermercados, donos de pequenos negócios comerciais, entregadores de aplicativos, ambulantes, empregadas domésticas?

A oferta de intelectuais e acadêmicos é elástica: todas as correntes políticas têm um estoque deles. Surgiram, previsivelmente, os especialistas do negacionismo. Primeiro, eles definiram a Covid como “gripezinha”. Depois, engajaram-se na “guerra da cloroquina” e na denúncia da “vacina chinesa”. No trajeto, apoiando-se nos dramáticos exageros e nas óbvias manipulações dos especialistas aclamados, engajaram-se nas suas próprias manipulações estatísticas, exibindo gráficos que comprovariam um absoluto fracasso de todas as quarentenas. A “ciência” — isto é, um discurso cifrado acompanhado por números —também pode ser posta a serviço de teorias da conspiração. Você tem uma “prova científica”? Ok, eles também: 2 + 2 = 5.

Teorias da conspiração sempre existiram, ainda que se espalhem mais rápido na era das redes virtuais. A demanda por elas vem de baixo, especialmente em tempos de crise, como resposta a difusas angústias sociais. Seu sucesso reflete a fragilidade dos laços de confiança que conectam a massa da população à “elite pensante”. A verdadeira novidade, fonte da força inédita que adquiriram, está no papel desempenhado pelas lideranças políticas da direita populista. Quando, como fazem Trump e Bolsonaro, o chefe de Estado torna-se porta-voz da irracionalidade, rompe-se a barreira psicológica da vergonha, coagulam-se crenças insanas e cada um ganha o direito de proclamá-las em público sem medo da censura alheia.

A polarização política saltou um degrau, convertendo-se em polarização cognitiva. A “elite pensante” não se interroga sobre as raízes da difusão popular de teorias da conspiração. Prefere a via fácil: dialoga exclusivamente com seus pares, repete incansavelmente suas próprias verdades e, nariz cada vez mais empinado, exibindo superioridade moral, faz troça dos “ignorantes”. Não entendeu o óbvio: rindo deles, você reforça as crenças que imagina combater. 2 + 2 = 5.


Carlos Pereira: Nova face da polarização

A não obrigatoriedade da vacina é o novo mote identitário de Bolsonaro

Vínculos identitários para serem duradouros necessitam de novas e constantes narrativas polarizadas que reforcem conexões de lealdade entre seus membros. Funcionam como elos que dão a sensação de aconchego e pertencimento. Também atuam como barreiras de proteção contra informações que contrariem as crenças e preferências do grupo. Como consequência, tendem a desenvolver hostilidades e aversão a valores e crenças de grupos rivais podendo até enxergá-los como inimigos.

Contrariando suas promessas de campanha, o presidente Jair Bolsonaro se aproximou dos partidos do chamado Centrão em busca de uma coalizão mínima que garantisse sua sobrevivência política. Além do mais, moderou o tom de seu discurso como uma forma de diminuir animosidades com outros poderes que caracterizaram o início do seu mandato.

Essas mudanças deram fôlego governativo ao presidente, mas paradoxalmente enfraqueceram suas conexões identitárias ao deixar sua base conservadora dispersa e sem referências. Percebendo a derrota iminente que seus candidatos sofreriam nas eleições municipais, Bolsonaro teve de encontrar, mesmo que tardiamente, um novo mote que reconectasse suas identidades polares com a sua base mais fiel.

A nova face da polarização política no Brasil parece ser a obrigatoriedade da vacina contra a covid-19. Essa é uma das evidências que acabam de ser reveladas pela terceira rodada da pesquisa de opinião sobre os impactos políticos da pandemia, que venho desenvolvendo com os colegas Amanda Medeiros e Frederico Bertholini, com o apoio da FGV e do Estadão.

Das 4.569 respostas válidas obtidas na pesquisa, 58% dos respondentes são favoráveis a que a vacina seja administrada de forma obrigatória aos brasileiros, 34% são contrários e 8% não sabem ou não responderam.

Como pode ser observado na figura 1, a distribuição dessa preferência é extremamente polarizada. A grande maioria dos que aprovam a performance do governo Bolsonaro (ótimo e bom, 20%) é contra a obrigatoriedade da vacina (84%). No extremo oposto, a grande maioria dos que reprovam o desempenho do governo (ruim e péssimo, 71%) defende que a vacina seja obrigatória (74%).

Para se ter uma ideia do impacto político desse tema, perguntamos aos respondentes se eles pretendem votar na reeleição de Bolsonaro em 2022. A figura 2 mostra que, como esperado, a esmagadora maioria dos que defendem a reeleição do presidente (pró-Bolsonaro, 18%) são terminantemente contra a obrigatoriedade da vacina (81%). Por outro lado, a maioria dos eleitores que não votariam em Bolsonaro em nenhuma circunstância (anti-Bolsonaro, 65%) defendem que a vacina seja obrigatória (76%). Existe ainda uma parcela não trivial de eleitores (anti-esquerda, 17%) que consideram votar na reeleição do presidente apenas se for para evitar a vitória do PT ou outro candidato de esquerda no segundo turno. Para esse grupo de eleitores supostamente decepcionados com o Presidente, a preferência em relação a obrigatoriedade da vacina não é polarizada (54% não e 37% sim).

O presidente tem defendido que a vacinação é um direito individual ao afirmar que “quem não tomar a vacina está fazendo mal para si mesmo e não para os outros”. Nas suas próprias palavras, quem defende a vacinação obrigatória é um “ditador”… “Não vou tomar, é um direito meu”, disse ele. Entretanto, para que uma vacina surta o efeito imunizante é necessária uma cobertura mínima. No caso específico do coronavírus, estudos indicam que, para alcançar uma eficácia de 80%, seria necessário a aplicação da vacina em pelo menos 75% da população.

Independentemente da recomendação científica, parece que Bolsonaro não consegue prescindir da polarização.

  • Cientista político e professor titular da FGV Ebape

Conselho Curador da FAP aprova prestação de contas e defende frente democrática

Frente democrática é alternativa à tensão e polarização políticas no país, conclui Colegiado da FAP durante reunião online

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O Conselho Curador da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) aprovou, neste sábado (25), a prestação de contas da entidade relativas ao ano de 2019, por unanimidade, e discutiu a conjuntura política do Brasil com sugestões para o fortalecimento da democracia. Pela primeira vez, o colegiado realizou reunião online, por meio de uma sala virtual com acesso exclusivo aos conselheiros, por causa da orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde) de manter o isolamento social em meio à pandemia do coronavírus.

O presidente do Conselho Curador da FAP, Cristovam Buarque, parabenizou a iniciativa da diretoria da fundação de realizar a reunião virtual e manter o compromisso com a prestação de contas. Ele lembrou que, enquanto atuou como senador, apresentou a proposta no Parlamento para que possibilitasse a participação virtual de senadores em discussões e votações, mesmo que estivessem em outros compromissos nos seus respectivos Estados.

O diretor-geral da FAP, Luiz Carlos Azedo, destacou as ações da fundação em defesa dos valores democráticos e republicanos. Segundo ele, a instituição tem se empenhado cada vez mais para atuar da melhor forma possível e levar resultado de qualidade à sociedade, por meio dos eventos, publicações e do curso de formação política Jornada da Cidadania.

» Confira como foi a Reunião do Conselho Curador da FAP no vídeo abaixo ou clique aqui.

https://youtu.be/65dJ8PhTLwQ

 

Investimentos

Em sua apresentação, o diretor financeiro Ciro Gondim Leichsenring detalhou todos os investimentos da fundação no ano passado, na ordem de R$ 584,1 mil, para a realização do IV Encontro de Jovens, dos Seminários Desafios da Democracia e Cidades Inteligentes, além de outros eventos. Todas as iniciativas tiveram a participação de importantes pesquisadores, professores de universidades e grandes nomes do mercado.

Leichsenring também destacou a grande importância das publicações da FAP, como as revistas Política Democrática online e impressa, as quais, segundo ele, colaboram muito para o pensamento crítico da sociedade. “São publicações importantes porque levam conteúdos de muita qualidade para o público”, disse.

No total, em 2019, R$ 636,4 mil foram investidos em publicações, edições e lançamentos de livros, produção de teatro e filme, em ações de comunicação digital e no planejamento da Jornada da Cidadania. O curso de formação política é realizado pela FAP, por meio de uma plataforma online, interativa e com acesso gratuito aos alunos matriculados.

Frente democrática

Durante a reunião, os conselheiros demonstraram preocupação com o atual momento político do país. Eles apresentaram propostas, como a necessidade de se fazer uma ampla frente democrática em defesa da democracia, da Constituição e da independência entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A discussão partiu de um texto produzido pelo conselheiro Paulo Fábio Dantas Neto, escrito inicialmente para analisar os principais fatos políticos das últimas semanas, como a exoneração do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mesmo durante a epidemia do coronavírus. Durante a reunião, o autor atualizou o texto, incluindo no debate o caso do ex-juiz Sérgio Moro, que, nesta sexta-feira (24), pediu exoneração do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

» Paulo Fábio Dantas Neto: Notas sobre a conjuntura e o depois – abril 2020

Conforme lembra o sociólogo e diretor executivo da FAP Caetano Araújo, o colegiado também considerou a questão da pandemia, que, conforme discutido, trouxe à tona a necessidade de solidariedade e a importância de implementá-la, principalmente, na saúde pública. “Isso era algo que já existia na sociedade, mas que a pandemia escancarou ainda mais”, afirmou ele.

Além disso, o conselho curador também sugeriu a necessidade de pôr fim à lógica da polarização, substituindo-a pela cooperação. “Isso não é esquecer divergências, mas trabalhar consensos e deixar claros os pontos que são dissenso, outra linguagem da política, diferente da que tem predominado no Brasil, nos últimos cinco ano, que é a da polarização”, disse Caetano.


Eliane Cantanhêde: Guerra Santa

Católicos e evangélicos são sugados para a polarização entre Bolsonaro e Lula

O ex-presidente Lula adiou seu depoimento à Justiça no dia 11 para se encontrar com o papa Francisco no Vaticano. O presidente Jair Bolsonaro deu lugar de destaque no palanque e na foto do 7 de Setembro ao bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus. E é assim que as religiões vão sendo sugadas para o centro da polarização política no Brasil.

A Igreja Católica (ou parcela expressiva dela) se aliou a Lula e aos movimentos sociais na resistência à ditadura militar e esteve por trás da fundação do PT em 1980, ao lado de sindicatos, universidades e escolas. A aliança atravessou a Lava Jato sob silêncio e constrangimento.

As igrejas evangélicas, tradicionais e neopentecostais, estão há muitas eleições na base de Bolsonaro, seus filhos e ex-mulheres no Rio e compõem a “bancada da Bíblia”, mais forte e organizada no Congresso do que partidos.

O resultado é que o embate direto entre Lula e Bolsonaro e entre esquerda e direita ameaça se transformar num teste de forças também entre a estagnada Igreja Católica e as emergentes igrejas evangélicas. A tentativa de articular uma fusão desses grupos numa frente única no Congresso até existe, mas é duvidosa.

O que falar de uma foto de Lula com Francisco? Terá uma força política considerável, fazendo o link entre a imagem do papa mais popular e mais humanista em décadas com o discurso histórico do PT (atenção: sem entrar no mérito do que é real e do que não é). O uso político e partidário no Brasil será inevitável, em ano eleitoral.

Já a foto de Bolsonaro com Macedo causou espanto, pelo hábito da Universal de recolher o “dízimo” de seus fiéis e de, não raramente, estimular ingênuos, ignorantes e/ou desesperados a entregarem casas, carros e bens para a igreja, em troca do “reino de Deus”.

Essa prática, sob as nossas barbas e com a leniência dos poderes constituídos, começa a chegar à Justiça, com devolução de valores e indenização de vítimas. Mas é tão consolidada que é difícil combater e já extrapolou fronteiras para diferentes continentes. E Lula já age para disputar as graças (e os votos) dos evangélicos.

No Brasil, os governos não veem, ouvem nem falam sobre esse avanço que levou os “donos” de igrejas (uma filhote da outra, com sutis diferenças de designações) a figurar nas listas das grandes fortunas brasileiras. Nenhum político, ninguém que disputa eleições quer bater de frente com essa máquina de manipulação de almas, que pode trazer ou tirar votos.

Com Lula já era assim e com Bolsonaro tornou-se mais audacioso. Já não há dúvida do uso de cultos evangélicos na coleta de assinaturas para o partido do presidente, que prestigia evangélicos na composição do Ministério e já acenou com um nome “terrivelmente evangélico” para o STF e integra uma tal Aliança pela Liberdade Religiosa com EUA, Polônia e Hungria.

Uma curiosidade: apesar dos vínculos de Bolsonaro e de sua mulher, Michelle, com evangélicos, os militares são tradicionalmente católicos – e praticantes. Uma exceção é o ministro e general da ativa Luiz Eduardo Ramos, da Igreja Batista.

A disputa de Bolsonaro e Lula pelas igrejas tem efeito maléfico, inclusive para elas. Seus “podres” tendem a ganhar visibilidade. Na Igreja Católica, os templos ricos, o gosto pelas elites, até a pedofilia. Nas neopentecostais, os espaços espartanos em centros estratégicos das cidades para atrair e lucrar com o corre-corre de trabalhadores.

O direito à liberdade e à manifestação religiosa é reconhecido em todas as democracias e não se trata aqui de discutir religião, teologia, crenças e dogmas e, sim, alertar para o uso político e eleitoral das igrejas e da fé. Pode ser considerado ilegítimo e, de certa forma, imoral.