PMDB

Luiz Carlos Azedo: O ciclo de Maluf

“A trajetória de Maluf foi marcada por escândalos e denúncias de corrupção, mas o político paulista sempre conseguia se safar na Justiça. Era símbolo da impunidade e da compra de votos e de aliados”

Depois de muito protelar, ontem, a Mesa da Câmara cassou o mandato do deputado Paulo Maluf (PP-SP), por unanimidade. Ele havia perdido os direitos políticos em razão de condenação pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por lavagem de dinheiro, em maio de 2017. Em março deste ano, por razões humanitárias, o ministro Dias Toffoli autorizou que Maluf cumprisse prisão domiciliar. Estava preso desde dezembro do ano passado no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Em fevereiro, fora afastado do cargo pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Aos 86 anos, Maluf encerra um ciclo político iniciado na abertura do regime militar, quando se elegeu governador de São Paulo em eleição indireta, contra a vontade do presidente Ernesto Geisel, que apostava na eleição de Laudo Natel, de quem Maluf havia sido secretário de Transportes no começo dos anos 1970. Geisel subestimou a capacidade de articulação do então presidente da Associação Comercial de São Paulo, que visitou um a um os 1.261 delegados à convenção da Arena e, por isso, foi escolhido o candidato governista, por 617 votos, contra os 589 obtidos por Natel.

Ligado ao ex-ministro do Exército Sílvio Frota, Maluf foi uma invenção política do ex-ministro da Fazenda Delfim Neto, que se encantou com sua gestão à frente da Caixa Econômica Federal, na qual ampliou a oferta de serviços e criou o financiamento da casa própria. Por influência do então ministro da Fazenda, Costa Silva nomeou Maluf para a prefeitura de São Paulo, a contragosto do então governador, Abreu Sodré. Foi na prefeitura que construiu a imagem de tocador de grandes obras, a maioria viárias, como o polêmico Minhocão, trechos importantes das Marginais Tietê e Pinheiros e vários viadutos e avenidas.

Repetiu a estratégia no governo de São Paulo, onde executou grandes obras, abriu estradas e pavimentou o caminho para disputar a Presidência da República. Em 1982, renunciou ao mandato e concorreu à Câmara, sendo eleito por 672.927 eleitores, o mais votado do país. No Congresso, Maluf iniciou a estratégia para se tornar o candidato a presidente da República do PDS (antiga Arena), na sucessão do general João Figueiredo. Com os mesmos métodos de abordagem individual de delegados que usara em São Paulo, conseguiu derrotar, na convenção do partido, o candidato do Palácio do Planalto, o ex-ministro dos Transportes Mario Andreazza, que havia se notabilizado em razão da construção da Ponte Rio-Niterói e da Rodovia Transamazônica.

A emenda das eleições diretas havia sido derrotada no Congresso, apesar do grande apoio popular, e a escolha do futuro presidente se deu de forma indireta, no colégio eleitoral, no qual o PDS tinha maioria de votos. Ocorre que o candidato do PMDB era Tancredo Neves, o governador de Minas, uma velha raposa do antigo PSD, que recebeu o apoio velado de outro veterano pessedista, Amaral Peixoto, então presidente do PDS; do vice-presidente Aureliano Chaves, que havia sido preterido por Figueiredo; e dos caciques regionais Antônio Carlos Magalhães, Marco Maciel e José Agripino, que fundaram o antigo PFL. José Sarney saiu do PDS e se filiou ao PMDB para ser vice na chapa de Tancredo; acabou assumindo a Presidência com a morte de Tancredo.

Persistência

A derrota não afastou Maluf da política. Disputou e perdeu a prefeitura de São Paulo para Luiza Erundina, então no PT, em 1988. No ano seguinte, se lançou candidato a presidente da República pelo PDS, ficando em quinto lugar, mas apoiou Collor de Mello no segundo turno. Em 1990, bateu na trave na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, pois venceu o primeiro turno e perdeu no segundo para Luiz Antônio Fleury (PMDB). De tanto insistir, em 1992, se elegeu prefeito de São Paulo, derrotando o petista Eduardo Suplicy. E, depois, conseguiu eleger seu ex-secretário de Fazenda Celso Pitta como sucessor, mas deu errado. Foi o pior prefeito que São Paulo já teve.

Mesmo assim, Maluf não desistiu. No ano 2000, com rejeição de 66% dos paulistanos, foi derrotado por Marta Suplicy (PT), a quem chamou de desqualificada e levou um sabão. “Cala a boca, Maluf!” — a resposta de Marta — virou um bordão de campanha e ela ganhou a eleição com 58,51% dos votos. Maluf voltou a concorrer à prefeitura em 2004, desta vez perdendo para José Serra. Teve 12%. Na eleição seguinte, também para a Prefeitura em 2008, sua votação caiu para 5,1%. Mesmo com capital político reduzido, Maluf continuou no jogo. Seu “gran finale” foi na campanha de 2012: retirou sua candidatura e decidiu apoiar o petista Fernando Haddad (PT), num acordo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff.

A trajetória de Maluf foi marcada por escândalos e denúncias de corrupção, mas o político paulista sempre conseguia se safar na Justiça. Era um símbolo da impunidade e da utilização de recursos públicos na compra de votos e de aliados, para a qual estabeleceu um padrão quase inexpugnável. Somente foi condenado por lavagem de dinheiro, em 2017, pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2005, chegou a ser preso preventivamente, por 40 dias. Também teve um mandado de prisão expedido pela Interpol, em 2010, a pedido da promotoria de Nova York. Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com Maluf, nem que ele mudou ao longo de sua trajetória política. Quem mudou foram os antigos desafetos.

 


Fernando Gabeira: Marolas e tsunami

Delação da Odebrecht castiga não só o PT, mas outros partidos, como PSDB e PMDB, e devasta a política na América do Sul

Aos trancos, caminhamos. Caiu o foro privilegiado, caiu o esquema de doleiros que atendia a políticos e milionários de modo geral. Houve também uma evolução interessante, naquela decisão de retirar a delação da Odebrecht do processo contra Lula. Menos de uma semana depois, a delação da Odebrecht voltou a assombrar. Dessa vez, Lula e mais quatro foram denunciados pelos investimentos em Angola. Se volto ao tema é apenas para enfatizar a amplitude da delação da Odebrecht, uma empresa que se organizou de forma profissional e sofisticada para corromper autoridades. Talvez tenha sido a maior do mundo nessa especialidade.

No entanto, não apenas os ministros Gilmar, Lewandowski e Toffoli tentam neutralizar as confissões da Odebrecht. Há uma dificuldade geral de reconhecer sua importância. Inicialmente, foi descrita como um tsunami. Mas não era. Ela apenas castiga com ondas fortes não só o PT, mas também outros partidos, entre eles, PSDB e PMDB.

A delação da Odebrecht cruzou fronteiras e devastou a política tradicional na América do Sul. No Peru, por exemplo, praticamente todos os ex-presidentes foram atingidos, um deles caiu, outro foi preso por um bom período. Talvez a dificuldade de avaliar como a delação da Odebrecht bateu fundo seja uma espécie de constrangimento nacional pelo fato de o Brasil ter se envolvido oficialmente no ataque às democracias latino-americanas.

O escritor peruano Vargas Llosa afirmou que a delação da Odebrecht fez um grande favor ao continente. E disse também que Lula era um elo entre a empresa e os governos corrompidos. Nesse ponto, discordo um pouco. O esquema de corrupção que cruzou fronteiras não era apenas algo da Odebrecht com a ajuda de Lula. Era algo articulado entre o governo petista e a empresa. A abertura de novas frentes no exterior não se destinava apenas a aumentar os lucros da Odebrecht, embora isto fosse um elemento essencial. Dentro dos planos conjuntos, buscava-se também projetar Lula como líder internacional, ampliar a influência do PT em todas as frentes de esquerda que disputavam eleições.

A ideia não era apenas ganhar dinheiro, embora fosse, em última análise, o que mais importava. O esquema brasileiro consistia em enviar marqueteiros para eleger aliados, com o mesmo tipo de financiamento consagrado aqui: propina da Odebrecht. Da mesma forma como tinha se viabilizado na esfera nacional, o PT exportava seus métodos com um objetivo bem claro de ampliar seu poder de influência no continente.

Portanto, Lula não era simples emissário da Odebrecht. A empresa estava consciente de seu projeto de influência. Não sei se ideologicamente acreditava numa América Latina em que todos os governos fossem como o do PT. Mas certamente a achava a mais lucrativa e confortável das estratégias e se dedicou profundamente a ela. Uma das hipóteses que levanto para que o tema não fosse visto com toda a transparência é o constrangimento em admitir que através de seu presidente e de uma política oficial de financiamento o Brasil se meteu até o pescoço na degradação das democracias latinas. Algum dia, teremos de oficialmente pedir desculpas. Nossas atenuantes, no entanto, são muito fortes: foi a Lava-Jato que desmontou o esquema, e o uso do dinheiro foi um golpe nos contribuintes nacionais.

Esta semana, o Congresso decidiu que vamos pagar o crédito de R$ 1,1 bilhão à Venezuela e a Moçambique.

Subestimamos o papel do Brasil e pagamos discretamente as despesas da aventura. Gente fina é outra coisa.


Jarbas Vasconcelos: O que de fato esperar do 'novo' MDB?

O que esperar deste "novo" PMDB, que agora volta a se chamar MDB? A esta pergunta o senador Romero Jucá se propôs a responder aqui mesmo, neste espaço (20/12).

Mas, como um hábito corriqueiro da sua pessoa, ele falta com a verdade. Esconde e manipula os fatos para, como sempre, deles se aproveitar. Um cidadão que não reúne as mínimas condições de ser um senador —com uma trajetória marcada por denúncias e inquéritos envolvendo corrupção— não pode liderar um partido que, na sua história, tem o DNA de homens como Ulysses Guimarães e Pedro Simon.

A origem do PMDB está na luta pela democracia e na prática republicana da política. Esses pilares passam longe da condução que impôs ao partido o desqualificado e medíocre Romero Jucá, que tem a necessidade peculiar de estar sempre no poder e dele se locupletar.

Nos últimos 20 anos, foi líder do governo Fernando Henrique Cardoso e do governo Lula, ministro de Lula e ministro do governo Temer, cargo que só deixou após a revelação de que agia nos bastidores para acabar com a Lava Jato.

Fazer política e liderar um partido é, antes de tudo, respeitar as diferenças. O próprio presidente Michel Temer, que por 14 anos presidiu o PMDB, compreendeu essa realidade. Jucá faz o contrário. Fez constar no dia a dia do partido a prática da intervenção e da ameaça.

Por interesse próprio, está agindo em Pernambuco para tomar de golpe a legenda e entregá-la ao senador Fernando Bezerra Coelho, que tal qual Jucá não preza a coerência na vida pública.

Fernando Bezerra Coelho também tem uma história marcada por adesismos de ocasião e segue enrolado com a Justiça. Como uma espécie de nômade partidário, foi filiado ao PDS, ao antigo PFL, ao PMDB, ao PPS, ao PSB e agora voltou a integrar o PMDB.

Ele foi aliado de Lula, ministro de Dilma Rousseff e, agora, integra a base de Temer. Alardeia em Pernambuco que representa o "novo". Deve ser o mesmo conceito de "novo" que Jucá usou na convenção nacional para justificar a mudança no nome do partido. Merecem-se.

Não tenho dúvidas de que a prática da intervenção —que remonta aos tempos mais sombrios que este país já viveu e agora faz parte da gestão do "novo" MDB— não ficará restrita a Pernambuco ou à minha pessoa. Vai ser replicada nos demais Estados onde Jucá e seus amigos encontrem resistência. No modus operandi dele, quem se contrapõe às suas ideias e projetos vai ser alvo, como eu fui e estou sendo, de perseguição e truculência.

Por isso, é hora de as vozes e de as posturas contrárias a tudo isso se fazerem presentes. É hora de outros membros do partido reagirem para evitar que esse rolo compressor antiético e amoral siga em frente; caso contrário, ele atingirá muitos daqui pra frente.

Decidi ir contra essa maré nefasta que Jucá impõe ao partido que ajudei a fundar. Decidi lutar em todas as frentes políticas e legais possíveis. É isso que faço em meu Estado, onde acionei a Justiça. Vou até as ultimas consequências por entender que minha história, minha trajetória de mais de 40 anos de vida pública, não vai ser manchada por uma pessoa como Romero Jucá.

O "choque de gestão" que Jucá mencionou e que fará à frente do "novo" MDB só realmente acontecerá se atingir em cheio sua própria pessoa. É preciso que a Justiça faça a parte que lhe cabe e prossiga, com a devida atenção e celeridade, com as investigações que o envolvem.

É necessário que um cidadão com a conduta de Romero Jucá, que parece debochar das instituições e, sobretudo, do povo brasileiro, tenha o que merece. Sair algemado do Congresso Nacional é pouco para quem tanto mal fez e faz ao país.

Eu disse na tribuna da Câmara dos Deputados e reafirmo: não me curvarei. Estar na trincheira e na resistência democrática lutando e combatendo homens como Romero Jucá faz parte da minha vida e da história do partido que ajudei a criar. E assim será. Sempre!

* Jarbas Vasconcelos, advogado, ex-senador e ex-governador de Pernambuco (1999-2006), é deputado federal (PMDB)

 


Luiz Carlos Azedo: A vocação do PMDB

O Palácio do Planalto trabalha um projeto de centralização política e alinhamento incondicional do PMDB ao presidente Michel Temer, pré-condição para uma candidatura própria em 2018

O PMDB realiza hoje sua convenção nacional diante de sua maior contradição: desde as eleições de 1989, a legenda abdicou de sua vocação presidencialista, construída na oposição ao regime militar e na campanha das Diretas Já, para se colocar como partido parlamentarista, cujo poder de fogo foi demonstrado em dois impeachments, o de Fernando Collor de Mello, em 1992, e o de Dilma Rousseff, no ano passado. Em todas as eleições presidenciais, os candidatos da legenda à Presidência da República foram “cristianizados”, inclusive o líder histórico do partido, Ulysses Guimarães. Agora estão diante de um dilema, lançar a candidatura à reeleição do presidente Michel Temer ou apoiar um aliado do governo de outro partido.

Aparentemente, o grupo de mais prestígio no Palácio do Planalto — o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), que preside o partido, e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-geral da Presidência) — trabalha um projeto de centralização política e alinhamento incondicional ao presidente Michel Temer, o que seria a pré-condição para uma candidatura própria do PMDB em 2018. Ontem, durante evento da Fundação Ulysses Guimarães, responsável pela formação política e produção de propostas, como o documento “Uma ponte para o futuro”, que norteia a atuação do governo, Jucá deu mais uma declaração que reforça essa orientação. Disse que a cúpula do partido valorizará e dará “tratamento diferenciado” aos mais leais, numa alusão cifrada aos recursos dos fundos eleitoral e partidário.

“Vamos dar um tratamento mínimo a todos, mas a executiva nacional vai ter o cuidado de atuar de forma que aquelas figuras que são mais emblemáticas, que são candidatos a governador, a senador, a deputado federal, que têm sido leais ao partido, devem receber efetivamente um tratamento diferenciado”, disse. A crítica mirou dissidentes como os senadores Renan Calheiros (AL), Roberto Requião (PR) e Kátia Abreu (TO). Jucá negou retaliações, mas sugeriu que os insatisfeitos deixem a legenda: “Não podemos ter uma pessoa querendo implodir um partido, atirando contra o partido e fazendo ações deliberadas para atacar o presidente da República (…) Quem age desse jeito deveria procurar outro partido. Não é o partido do MDB que dá espaço para traição”.

Na verdade, devido à impopularidade do governo e ao desgaste causado pela Operação Lava-Jato, mesmo estando no centro do poder, a legenda já sofre a pressão de forças centrífugas, que derivam para o apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente. É o caso dos três caciques regionais já citados, sendo que Requião é um dos nomes que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva leva em consideração caso seja impedido de disputar a eleição. Inclusive, já estariam em curso negociações com a senadora Gleisi Hoffman (PR), presidente nacional do PT, para a eventualidade de ter que trocar de legenda com objetivo de ser o candidato apoiado pelos petistas em 2018, no caso de Lula se tornar inelegível por causa da Lava-Jato.

Velha sigla
Uma das decisões previstas para hoje será o restabelecimento da velha sigla do partido, que surgiu com o caráter de movimento de oposição legal depois que os velhos partidos da Segunda República foram fechados pelos militares, em 1966. No começo do regime bipartidário imposto pelo regime, o desempenho do PMDB contra a Arena, partido do governo, nas eleições de 1966, 1968 (municipais) e 1970, foi medíocre, a ponto de quase se autodissolver. Mas renasceu das cinzas após seu presidente, senador Oscar Passos, passar o comando da legenda para Ulysses Guimarães. Nas eleições de 1974, o antigo MDB ocupou quase três quartos das vagas em disputa para o Senado, além de duplicar a bancada na Câmara dos Deputados. Havia se tornado o instrumento legal e eleitoral de um amplo movimento de oposição ao regime.

Com o restabelecimento do pluripartidarismo, em janeiro de 1980, após a anistia, o MDB introduziu o pê na sigla. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro protagonizou a campanha das Diretas Já, em 1983, e a eleição de Tancredo Neves, em 1985, possibilitou o restabelecimento da democracia. Mas o novo presidente faleceu sem tomar posse. Quem assumiu o governo foi o vice, José Sarney, um dissidente do antigo PDS (ex-Arena, hoje PP), recém-filiado ao partido,

Durante a Constituinte, o relator, senador Mário Covas, que pretendia ser candidato a presidente da República, não aceitou um acordo para aprovar o parlamentarismo, cujo preço seria a aceitação de cinco anos de mandato para o presidente Sarney, o que acabou aprovado mesmo assim. Desde então, ninguém conseguiu governar o país sem o apoio do PMDB, nem mesmo FHC e Lula. Quem tentou fazê-lo em confronto com a legenda não conseguiu: Collor e Dilma acabaram depostos. Atualmente, o partido governa Rondônia, Sergipe, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Tocantins, Espírito Santo e Alagoas. Controla 1.038 prefeituras, entre as quais as de Florianópolis, Cuiabá e Goiânia. Tem 59 deputados federais (dos 86 que elegeu em 2014) e 21 senadores. Continua sendo o maior e mais enraizado partido do país.


Luiz Carlos Azedo: O homem de Cunha

Ministro encarregado das negociações com as bancadas, sendo do PMDB, Marun se tornaria o político mais poderoso na Câmara, ofuscando Maia

O presidente Michel Temer chegou a anunciar o deputado Carlos Marun (PMDB-RS) como novo ministro da Secretaria de Governo, encarregado das articulações políticas no Congresso, no lugar do deputado Antônio Imbassahy (PSDB-BA), mas teve que recuar diante da grande reação negativa, a começar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não quer passar de cavalo a burro. É o que aconteceria com a substituição do tucano pelo líder da tropa de choque do ex-deputado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, que hoje está preso em Curitiba.

Ministro encarregado das negociações com as bancadas, sendo do PMDB, Marun se tornaria o político mais poderoso na Câmara, ofuscando Maia. O parlamentar gaúcho é o herdeiro do espólio parlamentar de Cunha, que está em cana, mas não morreu. Trocou o poder que tinha de ajudar os amigos nas campanhas eleitorais pelo silêncio a cerca desse e outros assuntos. Cunha “puxa cadeia” com galhardia: dedica-se exclusivamente a estudar os processos da Operação Lava-Jato e cruzar informações. Cada minuto do seu silêncio é valioso para gregos e baianos.

O presidente Michel Temer teve em Marun um esteio na luta contra a aceitação das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pela Câmara. Sua nomeação para o cargo não deixa de ser um reconhecimento pelos serviços prestados, mas faltou combinar com Rodrigo Maia, que comanda a Casa com amplo apoio, inclusive de partidos da oposição. Marun na Secretaria de Governo seria um candidato natural à presidência da Câmara, mas isso atrapalha o futuro de Maia, já que numa nova legislatura poderia pleitear a reeleição

Diante do impasse, Temer recuou. O xadrez da reforma ministerial não se restringe à aprovação da reforma da Previdência, vital para o governo obter resultados econômicos mais ambiciosos em 2018. Envolve também as ambições eleitorais de Maia e do presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), outro que pode querer se manter no cargo. E atores que se movimentam tendo em vista as eleições presidenciais, entre os quais o próprio Temer. O centro do tabuleiro será dominado por quem conseguir uma maioria sólida na Câmara, isso passa pelo realinhamento de forças partidárias na Casa, previsto para a janela de troca de partidos do mês de abril.

Maia não quer o PMDB ocupando o espaço que era do PSDB no Palácio do Planalto, quer que seu partido ocupe essa posição, uma vez que o desembarque tucano praticamente transforma a legenda no aliado principal de Temer. Há uma outra variável a ser considerada também: a situação no Rio de Janeiro. A cúpula do PMDB fluminense está toda na cadeia, o que equaliza as relações entre seus caciques, que continuam controlando o governo do estado — Luiz Fernando Pezão é um aliado leal aos seus companheiros que estão detrás das grades — e a Assembleia Legislativa. O ex-prefeito carioca César Maia, pai de Rodrigo, é candidato a governador, mas o ex-prefeito Eduardo Paes já está se preparando para deixar o PMDB e concorrer por outra legenda. Sonha com a volta ao ninho tucano. Não interessa ao presidente da Câmara um aliado de Cunha no Palácio do Planalto, operando com a bancada do PMDB fluminense.

Cristovam versus Huck
O namoro do presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), com o apresentador Luciano Huck, estressa as relações na cúpula da legenda. A seção paulista do partido, liderada pelo secretário de Agricultura de São Paulo, deputado federal licenciado Arnaldo Jardim, está firme com a candidatura do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e não abre. O líder da bancada na Câmara, Arnaldo Jordy (PA) e o deputado Rubens Bueno (PR), seu antecessor, apoiam a pré-candidatura do líder do PPS no Senado, Cristovam Buarque (DF), que Freire ignora solenemente.

Pela primeira vez em minoria na Executiva do partido que dirige há 26 anos, Freire usa a mídia e o próprio carisma para tentar empolgar as bases do PPS e reverter a posição da maioria da bancada. A tese do grupo de Freire é filiar Huck, formar um novo núcleo dirigente com os líderes do Agora e mudar o nome do partido. Ontem, em Porto Alegre, em pré-campanha, Cristovam ironizou a situação: “Meu partido, o PPS, deve pensar o amanhã, e não o agora. O agora já passou!”.

 


Hubert Alquéres: O condestável de Temer

Reza o folclore político que, ao passar a faixa presidencial para seu sucessor, Hermes da Fonseca teria dito a Venceslau Brás: “olha Venceslau, Pinheiro Machado é tão bom amigo que governa pela gente”. O mesmo pode-se dizer de Rodrigo Maia. Ele está tão próximo de Michel Temer que governa pelo presidente. Nomeou o novo ministro das Cidades, definiu como será a repartição do butim da pasta entre o “Centrão ampliado” e vai fazer o presidente do BNDES. Ai do ministro que não cair em sua graça. É tombo certo.

O fortalecimento do condestável de Temer foi uma decorrência natural do papel que jogou na votação das duas denúncias contra o presidente. Ainda que tenha sobrevivido ao seu Waterloo, Michel Temer saiu da refrega extremamente enfraquecido. Sua base de sustentação, antes estimada em 80% dos parlamentares, desidratou.

Sem votos para aprovar um mínimo de uma reforma da Previdência para chamar de sua, passou a depender dos parlamentares que sabem jogar o jogo do toma lá, dá cá. Deu-se a repetição de uma velha lei da política: presidente fraco, parlamentares vorazes. Mesmo se submetendo a essa lógica, ficou sem a garantia de que levaria adiante seu programa de reformas.

O jeito foi apelar para a figura emergente do presidente da Câmara, estabelecendo com ele um governo de coabitação, uma espécie de “parlamentarismo a lá Temer”, com Maia exercendo, de fato, o papel de primeiro ministro. Nada de substancial importância será implementado pelo governo sem o seu nhil obstat. É dele a responsabilidade de viabilizar qualquer votação, incluindo as mudanças na Previdência.

A assunção de Maia é produto da conjunção de uma série de fatores. A começar da mudança de perfil do governo Temer. Inicialmente o governo se sustentava em um tripé: o seu núcleo duro formado por velhos camaradas do PMDB, pela equipe econômica e pelo PSDB, que lhe emprestava credibilidade junto ao mercado e à sociedade.

Esse suporte ruiu. Não só porque alguns dos membros do núcleo duro foram abatidos pela Lava Jato, mas também porque a crise levou de roldão o PSDB, com os tucanos perdendo credibilidade e densidade. Reféns da dúvida existencial de ser ou não ser governo, os tucanos deixaram de ser um parceiro confiável. De fininho, estão saindo do governo.

Como em política não há tempo para o vácuo, o DEM ocupou o espaço, avançando na ampliação do Centrão com seu partido e mesmo com parlamentares do PMDB. O papel de Maia foi o de ser a argamassa desse novo pacto, transformando-se na liderança natural do chamado “Centrão ampliado”.

A dúvida é se é um movimento de fôlego curto ou se é de longo alcance, com vistas a 2018. O “Pinheiro Machado” de Temer pensa grande. De imediato quer turbinar seu partido, ampliando sua bancada de 29 para 45 deputados. Por sua vez, o presidente sonha em ter alguém na urna eletrônica que defenda o seu legado.

Com o PSDB perdendo protagonismo -- por enquanto não oferece expectativa de poder --, potencializa-se a centrifugação do centro, com os partidos deste campo buscando outras alternativas. Nesse quadro, a confluência dos interesses de Temer e Maia poderia desembocar em uma candidatura de centro-direita, com nome, RG e CPF: Henrique Meirelles.

Qual o grau de competitividade dessa candidatura, difícil prever. Teria, claro, o handicap de um tempo televisivo mastodôntico, o que em uma campanha eleitoral não é pouco. A certeza deste trunfo estaria na aliança do DEM, PMDB e as siglas do Centrão - PP, PR, PSD, entre outros.

Os estrategistas do Palácio do Planalto incensam a candidatura Meirelles confiantes na recuperação da economia e no seu impacto na população até as eleições. Temer seria, portanto, um cabo eleitoral não desprezível. Na hipótese de tudo dar certo, Rodrigo Maia se reelegeria presidente da Câmara em 2019 e continuaria como o condestável do novo governo, assim como Pinheiro Machado foi em vários governos da República Velha.

Sonhar não custa. Mas a vida costuma contrariar os sonhos. Além de Meirelles ser um andor pesado de se carregar, dada principalmente à sua falta de carisma, o grau de rejeição do governo Temer é de tal envergadura que seria suicídio político alguém disputar eleição como seu candidato.

Mais: o ritmo lento da recuperação da economia não justifica projeções triunfalistas para o horizonte de 2018. Se a economia crescer 2% no próximo ano, como estima a equipe econômica, não será nenhuma Brastemp. Dificilmente a melhora terá impacto profundo no humor dos brasileiros.

O governo de coabitação implica em riscos para o próprio Rodrigo Maia. Se a reforma da Previdência não for aprovada, será responsabilizado pelo fracasso. Dada a inanição do governo em matéria de popularidade, seu próprio partido pode pressioná-lo para descolar de Temer para não sofrer uma hecatombe eleitoral. Sem falar que terá de administrar a ciumeira do Senado e as armadilhas montadas por caciques peemedebistas.

Na linha fina em que terá de se equilibrar, convém ao condestável de Temer levar em conta o velho conselho de Pinheiro Machado: “nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo

 


Marco Aurélio Nogueira: Polarizações suicidas

PSDB em crise, PT recolhido, PMDB às voltas com as dificuldades de Temer, partidos em geral excitados com a aproximação de 2018. Todos fazem cálculos, tendo em mente a conquista dos eleitores. O troca-troca de legendas combina-se com a abertura da temporada de caça aos “melhores nomes”, a busca da posição ideal para apoiar esse ou aquele candidato, a preocupação com os desdobramentos do “efeito Temer” e das escolhas governamentais.

A fragmentação agradece, penhorada.

O estoque de artefatos polarizadores é grande: avanço ou retrocesso, reforma ou conservação, progresso ou reação, populismo ou responsabilidade, desenvolvimentismo ou neoliberalismo. Não faltam, evidentemente, os conhecidos esquerda x direita e PT x PSDB, ora em versões repaginadas ora no formato anquilosado de sempre.

A pergunta que ninguém faz é: a quem interessa a reposição dessas polarizações? Qual delas pode expressar os dilemas atuais do país e organizar os interesses fundamentais dos cidadãos?

O ponto comum das construções polarizadoras é a recusa ao diálogo, a reiteração de divisões improdutivas, a falta de uma articulação política que ofereça uma perspectiva de futuro para os brasileiros e modernize o país. Para dar vida a isso, criam-se campos ideológicos antípodas, soltos no ar, alimentados por frases de efeito modeladas sob encomenda e sem pé na realidade. Parte-se de uma visão de que a sociedade é mais dividida do que se vê, e com isso criam-se divisões por sobre divisões, agravando ainda mais o quadro.

Polarizações não devem ser temidas. São intrínsecas ao jogo político e ganham peso quanto mais a situação social é complexa, quanto mais a agenda nacional se mostra difícil e desafiadora, quanto mais o poder se mostra disponível.

Se não há consenso sobre quase nada, por que na política os polos não cresceriam? Se os próprios partidos não conseguem preservar seu molejo democrático e sua capacidade de alcançar uma autêntica “unidade dos distintos”, que autoridade teriam para condenar as polarizações?

O problema surge quando as polarizações fogem do controle e se artificializam, traduzindo-se em tensões insuperáveis, rupturas e intolerância. Podem assim se tornar crônicas, levando ao infinito a dialética amigo-inimigo e corroendo as bases mesmas de um consenso mínimo. Com isso, o que poderia haver de virtude nas polarizações se traduz por inteiro em seu contrário. Todos perdem. O caldeirão das crises políticas esquenta.

Com mais polarizações, aumenta a tentação de enquadrar tudo em esquemas binários tipo esquerda x direita. Com isso, pela própria dinâmica da luta ideológica radicalizada, deixa-se de lado o diagnóstico em benefício da agressividade verbal, do ardor retórico, do exagero performático. Para que tenha efeito, tudo é simplificado ao extremo, vira coisa plana, rasteira.

Vai-se assim num crescendo. No topo da escalada, o convite à boçalização cívica, o empobrecimento político, o desprezo pelos adversários ou pelos que pensam diferente, tudo devidamente empacotado por convicções e propagandas que simulam soluções rápidas e radicais, facilidades e biografias heroicas. Mentiras, invencionices e mistificações ganham livre curso.

É uma “guerra” complicada, pois não são se limita aos entrechoques ideológicos. Entram na liça também as opiniões – sempre mais desenfreadas – e as identidades, que buscam se afirmar por sobre classes, grupos de referência e partidos. Tudo devidamente turbinado pelas redes, onde as propostas para que se criem conexões e “pontes” (bridging) são fuziladas como se estivessem a priori comprometidas com concessões inadmissíveis. E nas redes, aliás, que melhor se expressa a tendência a que se hipervalorize o próprio gueto ou tribo e se menospreze tudo o que respira fora dele.

A consequência disso é a dificuldade para que se formem maiorias razoáveis, reflexivas, sem as quais propostas reformadoras ou lutas por direitos não têm como avançar. Viver a vida como se fosse uma batalha permanente pela afirmação de identidades particulares, por exemplo, pode ser o caminho mais curto para que os preconceitos se reproduzam. O eixo virtuoso – o combate sem trégua ao preconceito explícito ou subentendido – cede, por falta da capacidade de produzir apoio e persuasão.

Ao se engalfinharem em confrontos artificiais ou secundários, os “guerreiros” perdem de vista aquilo a que se deve dar prioridade. Vão ajudando a produzir quantidades absurdas de informação de má qualidade, saturando a agenda de proposições excludentes que nada acrescentam à construção democrática ou ao reformismo de que se necessita.

Essa modalidade inconsciente de burrice não é privilégio de nenhuma corrente política ou ideológica. É comum a todas.

Ela se mostra, à esquerda, pelas lentes do maniqueísmo e do esquematismo, que anunciam um “novo mundo” que estaria ao alcance da mão, bastando tão-somente uma boa dose de intransigência, de espírito contestador e de “vontade política”.

O bestialógico mais à direita é seguramente muito pior. Agrega gente que não se envergonha de praticar o reacionarismo mais tosco, burilando-o com frases de efeito e justificativas pífias. São pessoas que exibem publicamente sua simplicidade argumentativa, que falam de “marxismo cultural” sem saber do que estão falando, que manipulam descaradamente alguns gigantes do pensamento crítico (Marx, Benjamin, Gramsci, Marcuse) e são incapazes de reconhecer as sutilezas da política e do debate de ideias.

Para gente desse último tipo, tudo que respira, tudo que questiona o que está errado, tudo que canta um futuro mais justo, tudo que divulga sonhos e esperanças cabe em uma única caixinha: “comunistas”, que não somente comem criancinhas como querem infernizar a vida de todos e envenenar a alma dos viventes. Com tamanha estultice, só fazem empurrar o carro para trás.


Míriam Leitão: No Rio é pior

O Rio é o estado onde tudo aconteceu da pior forma. A crise econômica é mais profunda e prolongada, o assalto aos cofres públicos foi mais violento e disseminado, a crise da Petrobras o atingiu mais fortemente do que a qualquer outro estado. A deterioração fiscal tem sido mais aguda, com a aflição interminável do servidor público e seus salários atrasados.

Ontem foi mais um dia histórico no Rio, com a prisão do presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, depois da decisão unânime dos desembargadores do TRF. Eles votaram pela prisão do deputado, do líder do governo Edson Albertassi e de Paulo Melo, outro parlamentar.

Há uma semana Albertassi estava com um pé no Tribunal de Contas do Estado, apesar de todas as dúvidas que pesavam sobre ele. Tanto tempo depois de iniciado o mais sério combate à corrupção no Brasil e no Rio, o governador Luiz Fernando Pezão se considerou no direito de o indicar para a vaga e demitir o procurador- geral Leonardo Espíndola, que se recusou a defender a nomeação. As instituições tiveram que travar uma luta, a começar da ação popular do PSOL, para evitar que o deputado fosse para o TCE. Ontem, Picciani, Albertassi e Melo foram detidos.

O PMDB é o maior partido do Estado e há anos governa o Rio. As dúvidas sobre o enriquecimento rápido de deputados estaduais é assunto antigo. A memorável reportagem “Os homens de bens da Alerj", que ganhou prêmios no Brasil e no exterior, foi publicada há 13 anos.

Houve um dia em que o Rio tinha, ao mesmo tempo, dois ex- governadores presos. Garotinho foi solto, mas o conselheiro que ele indicou para o TCE, Jonas Lopes, que havia virado um dos líderes do esquema de corrupção, se tornou o grande delator. Confessou seus crimes e contou o que acontecia no TCE. Cinco conselheiros foram presos. Tiveram o mesmo destino do ex-governador Sérgio Cabral e alguns ex- secretários, como Sérgio Côrtes.

Cabral foi condenado em três dos 16 processos a que responde a penas somadas de 72 anos de prisão. As descobertas de como ele se apropriava do dinheiro público são de embrulhar o estômago, com aquelas extravagantes compras de joias, ouro, mansões e viagens internacionais.

Tudo tem sido mais escancarado no Rio. Empresas que lavavam dinheiro do esquema recebiam — e ainda recebem — benefícios fiscais milionários. E não há um fim nesse sofrimento estadual. Há uma continuidade delitiva, tanto que foi a tentativa de nomear o conselheiro do TCE que precipitou a operação “Cadeia Velha".

A dimensão da crise do Rio precisa ser entendida pela cúpula do Judiciário. Empresários do setor de transportes envolvidos em desvios foram soltos por decisão do ministro Gilmar Mendes. Agora alguns voltam à prisão por novas denúncias. Inclusive, há o temor de que o precedente do caso do senador Aécio Neves seja invocado em sessão marcada para hoje na Assembleia, e os deputados sejam liberados pelos seus pares.

No Rio, os crimes foram constantes, sérios. Endêmicos. Não foram casos isolados. Por muito tempo ele foi saqueado. É preciso enfrentar a crise com a certeza de que estamos diante da necessidade de reconstrução. O estado não pode mais viver situações como a que acaba de acontecer: numa semana Albertassi estava com um pé no tribunal que julga as contas dos órgãos públicos, e na outra semana ele está preso. Até a semana passada Picciani era um dos maiores centros de poder do Rio, ontem estava na cadeia. No Rio, as investigações não são sobre fatos passados apenas, mas também sobre o presente. Um presente contínuo.

Não por outra razão, o Rio tem sofrido mais na crise econômica. É o único estado do Sudeste que continua perdendo empregos de carteira assinada este ano. Foram fechadas 81 mil vagas até setembro, enquanto São Paulo criou 111 mil. No desemprego geral, o Brasil está em 13% e o Rio, 15%. Nos anos anteriores à crise, o estado teve a enorme vantagem dos royalties do petróleo em tempo de preços em alta. Esses recursos foram mal geridos e hoje a crise fiscal é maior e mais difícil de tratar do que a da maioria dos estados brasileiros. A esperança é de que tudo o que tem acontecido ajude o estado a fazer a travessia para uma outra estrutura de poder no Executivo e Legislativo. O Rio precisa recomeçar.

 

 


Merval Pereira: Um tapa na sociedade

Toda a cúpula do PMDB do Rio está neste momento na cadeia, com exceção do governador Pezão, que continua no posto apesar de todas as acusações, e do ex- prefeito Eduardo Paes, que está no exterior, também envolvido em várias denúncias. É um fato político relevante, essa prisão em massa de um grupo político inteiro, e a revelação de que todas as campanhas eleitorais dos últimos anos foram realizadas com o suporte de dinheiro desviado de obras públicas as mais diversas. A delação premiada do marqueteiro Renato Pereira é das peças mais devastadoras politicamente já surgidas nesses tempos de Lava Jato.

Não houve praticamente um setor da administração que não tivesse sido acionado para alimentar essa máquina partidária que domina o Estado há décadas. Nos votos dos juízes do Tribunal Regional Federal da 2 ª Região ( TRF- 2), a crise econômica do Estado foi atribuída à corrupção desenfreada desse grupo político, e a prisão foi apontada como a única maneira de estancar a prática de atos ilegais, que continuaram mesmo depois da prisão do ex- governador Sérgio Cabral.

É alta a probabilidade de que a Assembleia Legislativa do Rio decida ainda hoje não permitir a prisão de seu presidente, Jorge Picciani, e de outros dois deputados estaduais do grupo, que passaram a noite no mesmo complexo penitenciário onde está preso o ex- governador Sérgio Cabral, o chefe da organização criminosa que ainda controla a política estadual. O presídio de Benfica abriga todos os envolvidos nos processos da Operação Lava- Jato no Rio.

Tanto que o ex-governador continua tendo, dentro da prisão, regalias que presos comuns não têm, sempre se utilizando de métodos escusos como usar um pastor próximo a seu grupo para instalar um home theater na cadeia. O relato de que comandou uma salva de palmas para receber na prisão o ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro Carlos Arthur Nuzman revela o nível de cinismo do ex- governador e confirma que não se arrependeu de nada do que fez, mantendo ainda uma liderança dentro da cadeia, como os chefões da bandidagem carioca que fingia combater.

As denúncias contra Sérgio Cabral mostram que ele começou a participar do esquema corrupto da política do Rio de Janeiro quando ainda era deputado estadual e presidiu a Assembleia Legislativa, mesma função que hoje exerce o presidiário Picciani.

A longevidade do esquema, e sua força política no estado, demonstram como está arraigada na política estadual a corrupção. O PMDB é o único partido político do Rio com esquema eleitoral espalhado pelo estado, não havendo concorrência possível, pois PT e PSDB, os dois partidos mais fortes a nível nacional, têm estruturas muito fracas no Rio.

A legenda, no entanto, tornou- se tóxica no estado, diante da revelação dos esquemas de corrupção, e já na disputa pela Prefeitura do Rio o partido perdeu a condição de eleger seu candidato, que além do mais tinha problemas pessoais que o inviabilizaram.

A decisão por unanimidade do Tribunal Regional Federal da 2 ª Região de mandar prender os deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB, e sobretudo os comentários dos juízes sobre a necessidade de afastá-los do convívio da sociedade para que cessem de praticar crimes, revela que a provável decisão da Assembleia de liberá-los será considerada uma afronta não apenas ao Tribunal Federal, mas à opinião pública, que está sendo convocada para protestos em frente à Assembleia para pressionar os deputados.

 

 


Míriam Leitão: Efeito colateral

 

Toda reforma ministerial mais divide que agrega. O governante começa a mudança dizendo que quer aumentar a unidade da coalizão, mas acaba provocando novas resistências. Em cada cargo preenchido há uma pessoa satisfeita e muitas outras preteridas, um grupo atendido e vários contrariados. Mudança no Ministério agora pode reduzir a chance de aprovação da reforma da Previdência e não o contrário.

Se o presidente Temer pensa em fazer uma reforma ministerial para aumentar o apoio à reforma da Previdência, corre o risco de derrota, mesmo com uma proposta que foi emagrecida para ser aceita. Dos ministérios que estavam com o PSDB, o que atiçava mais a cobiça dos políticos era exatamente o que acaba de ficar vago com a saída de Bruno Araújo. O Ministério das Cidades tem recursos e toca projetos nos estados e nos municípios. Por isso, em época pré-eleitoral, é olhado com interesse porque pode alavancar candidaturas. O PP lançou num primeiro momento o nome de Gilberto Occhi, da Caixa. Se ele for aceito pelo presidente Temer, voltará ao cargo que ocupava no governo Dilma. Mais uma ironia da política de hoje.

Há quem, dentro do Planalto, defenda a reforma ministerial com o argumento de que se ela vai mesmo ser inevitável em março, por que não fazer agora? Naquele mês, sairão os que tiverem que se desincompatibilizar para se candidatar. Mas, agora, nem todas as candidaturas estão colocadas e decididas. Este é o pior momento para enfraquecer grupos que estão almejando vagas nas chapas regionais no ano que vem.

É por essas leis não escritas da política que reformas ministeriais são anunciadas com antecedência, em todos os governos, e são sempre adiadas. Ou vão emagrecendo ao longo do tempo até terminarem muito menores do que inicialmente imaginadas. Há vários precedentes, em todos os governos, de reformas anunciadas como amplas e imediatas e que foram adiadas e reduzidas.

Na área econômica, a tese defendida é que o governo deve se esforçar ao máximo para aprovar a reforma da Previdência, mesmo após tanta desidratação da proposta original. Argumenta-se que, se a idade mínima for aprovada, haverá uma redução do fluxo de aposentadorias, ainda que a regra de transição seja tão suave. E isso terá um efeito também no caixa dos estados. Mobilizar os governadores, portanto, pode ser uma forma eficiente de aumentar a chance de aprovação.

A esta altura é difícil até mensurar o impacto de uma mudança nas regras de aposentadorias e pensões porque foram muitas as concessões. Mesmo assim, a proposta é defendida internamente como uma forma de começar a desarmar a bomba-relógio fiscal do país.

O governo Temer tem falado em fazer uma reforma ministerial para agradar ao centrão e fortalecer os mais fieis nas votações recentes das denúncias. Pode ser um tiro pela culatra. Se o PSDB sair do governo, serão abertas vagas para agradar aliados. Mas, de todos os Ministérios ocupados pelos tucanos, o que mais interessava aos partidos da base era exatamente o que ficou desocupado. O que significa que o ex-ministro Bruno Araújo acabou facilitando a vida do governo. Mas, como foi ato isolado, não resolveu a crise do PSDB.

O partido dos tucanos continua perdido no seu labirinto, aprofundando as divisões internas que podem, muito provavelmente, acabar em cisão. O PSDB entrou no governo com o argumento de que seria cobrado se não ajudasse a encontrar uma saída no meio da crise do impeachment, e que defenderia reformas necessárias para estabilizar a economia. Não teve os ministérios econômicos, desgastou-se, dividiu-se na hora de votar as denúncias e não consegue tomar a decisão de sair, nem de ficar. Este, é bom lembrar, foi o partido que, em sete eleições presidenciais do período democrático, venceu duas no primeiro turno e disputou o segundo turno em outras quatro. Tem pouco tempo para se reorganizar para as próximas e difíceis eleições presidenciais.

O presidente Temer deu duas declarações infelizes: que sozinho não faria a reforma da Previdência e que iniciaria a reforma ministerial para concluí-la em dezembro. Pareceu jogar a toalha no primeiro caso e, por isso, teve que voltar atrás. E, no segundo, deixou o governo em suspenso e as ambições aguçadas.

 

 


Merval Pereira: PMDB do B

O PSDB, que já representou o novo na política, corre o risco de um triste fim, novamente se aliando ao PMDB velho de guerra. Interessante a estratégia do grupo do senador Aécio Neves (PSDB-MG) para não caracterizar a saída de Bruno Araújo do ministério de Temer como um protesto. Ele se antecipou a seus colegas, e foi anunciado que coordenará a campanha do governador de Goiás, Marconi Perillo, à presidência do partido.

Ao mesmo tempo, abre caminho para uma reorganização ministerial, deixando Temer com o cobiçado Ministério das Cidades livre para negociações. Com a decisão do governador de Goiás de não aceitar uma candidatura de consenso para a presidência do PSDB, insistindo em permanecer na disputa, fica claro que a candidatura do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, à Presidência da República não é consensual.

A disputa pela presidência do partido será um divisor de águas, e se o grupo do senador Aécio Neves demonstrar que ainda controla as bases partidárias, provavelmente, aliado ao governo Temer, apresentará outro candidato, que poderá ser o prefeito João Doria ou o próprio Perillo, que há muito tem o sonho de se candidatar à Presidência da República.

Ou se aliar a uma candidatura que represente uma eventual retomada econômica, como a do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, filiado ao PSD de Kassab. Que, aliás, poderia apoiar também seu velho aliado, o senador José Serra, que pretende disputar o governo de São Paulo.

O centro da disputa passou a ser o futuro do PSDB visto pelas lentes do grupo do senador Aécio Neves, que já anunciou que pretende se candidatar a um cargo majoritário nas próximas eleições, governador de Minas ou senador.

Mesmo tendo o controle da maior base eleitoral do partido, o governador Geraldo Alckmin não tem influência importante nas demais máquinas estaduais, o que aparentemente o senador Aécio Neves mantém, apesar dos percalços por que vem passando. Se a opção desse grupo for mesmo por um candidato paulista, como Doria, em oposição a Alckmin, não restará ao governador outra saída que ir para o PSB, uma alternativa que estava em cogitação já desde que escolheu Márcio França para seu vice.

O PSB ganhará de qualquer maneira um governador de São Paulo, em troca de apoio a Alckmin numa coligação ou, no limite extremo, lançando-o à Presidência da República. A montagem prevista por Fernando Henrique, com a indicação de Alckmin como candidato de consenso à presidência do PSDB, levaria a uma decisão antecipada do candidato do partido à Presidência, e a um ambiente mais pacificado.

A resistência até o momento de Marconi Perillo, e agora o anúncio de que a saída de Bruno Araujo não significa o início da debandada tucana, mas o reforço de uma candidatura a presidente do PSDB com o apoio do Palácio do Planalto, demonstra que a estratégia do grupo de Aécio Neves é mais ampla.

Controlando o partido no ano da eleição, esse grupo poderá impor as soluções que lhe convierem. A destituição do presidente interino, senador Tasso Jereissati, combinada com o próprio presidente Michel Temer, faz parte de um acordo que certamente coloca o PMDB mais uma vez em uma coligação eleitoral que, se será prejudicada pela baixa popularidade governista e pela imagem fisiológica do partido, terá recompensas com o tempo de televisão e a máquina governamental.

Além da esperança de que a economia estará em melhores condições em 2018, beneficiando os aliados do governo. Resta saber se os mecanismos da velha política ainda serão úteis em um país que está polarizado entre posições radicalizadas à esquerda e à direita, e ansiando pelo novo, que tenta surgir, apesar do ambiente adverso.

O PSDB, que já representou o novo na política, corre o risco de um triste fim, novamente se aliando ao PMDB velho de guerra, transformando-se numa espécie de PMDB do B.

 


Merval Pereira: No precipício

O PMDB é um fator decisivo na vida do PSDB, desde sua fundação em junho de 1988, fruto justamente de uma dissidência do PMDB, à época dominado por Orestes Quércia, governador de São Paulo, o principal expoente da ala fisiológica do partido, até o momento da implosão atual, que tem justamente no fisiologismo peemedebista sua razão mais explícita.

Os tucanos hoje se encontram presos a uma contradição de sua própria história, pois não conseguem se desvencilhar de uma aliança carcomida com o PMDB, envolvido, como quase sempre, em acusações de corrupção e fisiologismo político, depois de ter vivido uma história de resistência e luta contra a ditadura em que políticos como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves davam o tom do partido.

Com a indecisão característica de um partido que só encontra posição majoritária quando um fato consumado se apresenta, o PSDB perdeu o timing de sair do governo, e pode morrer afogado, não com Temer, como se temia, mas por Temer e sua aliança de bastidores com o grupo de Aécio Neves, os dois pensando apenas em salvarem as próprias peles.

O interessante nessa situação atual é que o senador Aécio Neves, quando armava sua candidatura à presidência da República, mesmo antes de 2014, se recusava a projetar alianças com o PMDB justamente para se livrar da imagem fisiológica do partido. Queria assumir uma posição mais social-democrata, a mesma que hoje o senador Tasso Jereissati pretende preservar.

O PSDB, aliás, foi salvo de aderir a outro governo tóxico na época de Collor, que convidou seus principais líderes para seu ministério. A adesão, como agora, enfeitiçava uma ala do partido, mas a ação decidida de alguns, principalmente de Mário Covas, ex-candidato à presidência contra Collor, estancou essa possibilidade.

Desta vez a decisão correta de apoiar o governo legítimo de Michel Temer, que substituía a presidente Dilma Rousseff por ter sido escolhido vice-presidente pelo próprio PT, terminou sua validade no dia em que a gravação da conversa de Temer com Joesley Batista veio à tona, tirando completamente a legitimidade de seu governo.

Com a disputa interna para ficar no governo liderada pelo senador Aécio Neves, que, como disse Tasso Jereissati, está “agarrado ao cargo” sem pensar na coletividade, mas em seus interesses pessoais, o partido perde o significado, a identidade e a razão de ser, como já escrevi aqui. Qual é o projeto do partido hoje? Ficar no governo? Ter um bom candidato para 2018?

Essas angústias racham o partido, e o último lance dessa divisão profunda foi a escolha seguida de dois deputados ligados ao grupo de Aécio para serem relatores dos dois processos contra Temer, garantindo o apoio institucional do partido ao presidente, mas não a maioria dos votos.

As digitais do senador Aécio Neves, presidente afastado do PSDB, podem ser encontradas nessa manobra política que desmoralizou a posição majoritária no partido de abandonar o governo Temer.

Majoritária mas não decisiva. O senador Jereissati tem o apoio da maioria dos caciques e ganhou a simpatia dos chamados “cabeças pretas”, os jovens parlamentares e prefeitos que querem decisões mais agudas, como a saída do governo, como defendia o presidente interino. A pressão para que o partido decida logo sua nova direção e parta para uma posição de autonomia diante do governo Temer, apoiando as reformas, mas não com cargos no governo, permanece na disputa pela presidência do PSDB.

Tudo indica, porém, que o partido está ferido de morte e, pior do que da primeira vez em 1988, os dissidentes não têm para onde correr, pois não há tempo para criar um novo partido e nem parece à disposição uma legenda para abrigá-los até abril, data limite para os que quiserem se candidatar a algum cargo em 2018.

É previsível que as lideranças partidárias que se colocaram contra Aécio, se não tiverem força interna para derrotá-lo, se dispersarão no apoio às várias candidaturas já colocadas ou a serem colocadas. Mesmo com uma capilaridade grande pelo país, e uma força grande em São Paulo, o PSDB não terá condições de sobreviver politicamente a esse revés.