PGR

O Globo: PGR denuncia Lula, Gleisi e mais 4 por corrupção e lavagem de dinheiro

O ex-presidente Lula, preso em Curitiba, a senadora Gleisi Hoffmann, o ex-ministro Paulo Bernardo e mais três foram denunciados ontem pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Eles teriam sido beneficiados em esquema da Odebrecht

André de Souza e Aguirre Talento, do O Globo

-BRASÍLIA E SÃO PAULO -  A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou ontem o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e mais quatro pessoas pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. De acordo com a denúncia, a empreiteira Odebrecht prometeu US$ 40 milhões a Lula em 2010 em troca de decisões políticas que beneficiassem a empresa. Entre essas decisões está, por exemplo, o aumento da linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para obras tocadas pela companhia em Angola.

O processo está no Supremo Tribunal Federal (STF), aos cuidados do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato na Corte. Segundo a acusação, o dinheiro, que totalizava R$ 64 milhões na época, ficou à disposição do PT. Parte teria sido usada em 2014 na campanha de Gleisi ao governo do Paraná.

Também foram denunciados os ex-ministros Paulo Bernardo (marido da senadora) e Antonio Palocci, o empresário Marcelo Odebrecht, e Leones Dall'Agnol, chefe de gabinete de Gleisi. Para que eles se tornem réus e tenha início um processo penal, é preciso que a Segunda Turma do STF, composta atualmente pelos ministros Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso Mello, aceite a denúncia.

Além da condenação, Dodge pediu que os petistas sejam obrigados a pagar valores milionários. Para Lula, Paulo Bernardo e Palocci, a denúncia solicita a condenação à reparação, juntos, de US$ 40 milhões, valor da vantagem indevida, mais R$ 10 milhões de indenização por dano moral coletivo. Para Gleisi e Paulo Bernardo, Dodge solicita reparação de R$ 3 milhões pela propina, mais R$ 500 mil de dano moral coletivo. Também pede que Gleisi devolva à União R$ 1,8 milhão referente ao valor inexistente declarado à Justiça Eleitoral.

A PGR sustentou ainda que, em 2014, Gleisi e Paulo Bernardo aceitaram receber R$ 5 milhões via caixa dois. Os pagamentos teriam alcançado pelo menos R$ 3 milhões. A entrega do dinheiro teria sido sido viabilizada por Benedicto Júnior, executivo da Odebrecht, e Leones Dall'Agnol, que trabalhava para Gleisi. Tanto Benedicto quanto Marcelo Odebrecht fecharam acordos de delação.

PAGAMENTOS DISSIMULADOS
Um dos métodos usados por Gleisi para lavar dinheiro da propina da Odebrecht, segundo a PGR, foi declarar pagamentos inexistentes à Justiça Eleitoral. A denúncia aponta que Gleisi declarou à Justiça Eleitoral ter pago R$ 3 milhões à empresa Oliveiros Marques Comunicação e Política, mas o dono da empresa, Oliveiros Domingos, afirmou em depoimento que só recebeu efetivamente R$ 1,1 milhão.

“Ocorre que R$ 1.830.000,00 dessa prestação de contas à Justiça Eleitoral foram ocultados (não foram efetivamente gastos) e dissimulados como despesa de campanha para escamotear a natureza e origem criminosas: recebimento dessas vantagens espúrias”, escreveu Raquel Dodge.

A PGR considerou válidas as provas documentais obtidas a partir da delação da Odebrecht. “Os depoimentos prestados nas colaborações premiadas dos executivos da Odebrecht foram ponto a ponto corroborados por uma série de provas documentais (e-mails, planilha produzida em sistema periciável e anotações), todas praticadas de forma espontânea e contemporaneamente àqueles fatos de 2010”, escreveu Dodge na denúncia, apontando ainda informações obtidas a partir da quebra de sigilos telefônicos.

Em seu depoimento, a senadora negou as acusações e afirmou que não pediu recursos à Odebrecht em 2014. Sua defesa não foi localizada. As defesas de Paulo Bernardo e Antonio Palocci afirmaram que não poderiam comentar porque não tiveram acesso ao teor da investigação. Procurada, a defesa de Lula não respondeu até o fechamento desta edição.

Dos seis denunciados, apenas Gleisi, por ser parlamentar, tem foro privilegiado no STF. Mas Dodge entendeu que as acusações dos outros cinco têm relação com os crimes atribuídos à senadora.

LULA TENTA LIBERAR DINHEIRO
A ex-presidente Dilma Rousseff vai depor ao juiz Sergio Moro no próximo dia 25 de junho, no processo em que Lula responde à acusação de ter sido favorecido por obras no sítio de Atibaia (SP) feitas pelas construtoras Odebrecht e OAS e pelo pecuarista José Carlos Bumlai. Dilma foi intimada ontem por um oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e falará como testemunha de defesa de Lula. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também foi incluído na lista de testemunhas do petista.

Preso desde o último dia 7, Lula pediu a Moro a liberação de parte dos recursos bloqueados pela Justiça — R$ 8,9 milhões em fundos de previdência e R$ 660 mil em contas bancárias. Alegou que, sem dinheiro, não consegue se defender nos oito processos, divididos entre Curitiba e o Distrito Federal. Em despacho ontem, Moro pediu que seja demonstrada a origem lícita dos valores.

Na petição, a defesa de Lula atribuiu os investimentos a valores recebidos da LILS Palestras, mas o juiz afirmou que “seria oportuno” esclarecer a “origem remota” dos recursos.

Os pagamentos feitos pelas empreiteiras à LILS Palestras e as doações ao Instituto Lula são alvo de investigações da força-tarefa da Lava-Jato.

Também ontem, a juíza Carolina Lebbos voltou a indeferir visitas ao ex-presidente na sede da Polícia Federal de Curitiba. Seis líderes de centrais sindicais, que estarão hoje na capital paranaense para um ato conjunto pelo 1º de Maio, Dia do Trabalhador, pediram para visitar Lula na cadeia na quarta-feira.

O ato das centrais começa pela manhã, quando caravanas prometem se reunir em torno do prédio da PF para o tradicional “bom-dia Lula” dos acampados no local. O clima é de preocupação depois que os manifestantes pró-Lula foram alvo de ataque a tiros na madrugada de sábado.

(Colaboraram: Cleide Carvalho e Katna Baran)


O Globo: Raquel Dodge vai ao STF contra R$ 99 milhões para comunicação do governo

PGR pede que destinação para comunicação instucional seja suspensa

POR RAYANDERSON GUERRA

RIO - A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a destinação prevista de R$ 99 milhões, em favor da Presidência da República, para a comunicação institucional do governo. Na Ação Direta de Insconstitucionalidade (ADI), Dodge argumenta que o governo não pode se valer de dinheiro público para convencer a população sobre uma "proposta polêmica", como a reforma da Previdência. A procuradora pede que seja concedida uma liminar para suspender a destinação dos recursos para a comunicação institucional.

“É natural que cada governo busque a implementação de uma dada ordem de propostas políticas. Se, porém, o governo entende que deve esforçar-se por persuadir a população do acerto de uma proposta polêmica, não pode valer-se de recursos financeiros públicos para promover campanha de convencimento que se reduza à repetição de ideias, teses e juízos que não são de consenso universal", diz na ação.

Para Dodge, a comunicação pública deve ter caráter estratégico não apenas para os governos, mas, e sobretudo, para a cidadania.

“O dever de transparência abrange, inclusive, o dever de clareza quanto a posições de governo expressas em propagandas denominadas institucionais”.

Do ponto de vista constitucional, a procuradora-geral argumenta que a Constituição atribui à publicidade dos órgãos públicos um caráter educativo ou de orientação social e veda a promoção pessoal de autoridades públicas.

“A publicidade em favor de uma medida notoriamente controvertida é substancialmente distinta de uma publicidade em favor da conscientização da população sobre a necessidade de cuidados, por exemplo, para evitar a proliferação do mosquito da dengue”, compara. “Neste caso, há consenso em que a saúde pública se beneficia das medidas propugnadas. No caso da reforma da previdência, esse consenso não existe – por isso mesmo não se pode verter recursos públicos exclusivamente para favorecer um dos polos da controvérsia”.

Dodge pede que o STF conceda uma liminar para suspender a eficácia da norma quanto à destinação da verba. Ela argumenta que o dano gerado aos brasileiros pode ser irreparável.

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, no plantão durante o recesso judiciário, requisitou informações com urgência e prioridade sobre a matéria aos presidentes da República, Michel Temer, e do Congresso Nacional, Eunício Oliveira (PMDB-CE), no prazo de dez dias. O relator é o ministro Marco Aurélio Mello.

A Advocacia-Geral da União (AGU) ainda não se manifestou sobre o assunto.

 

 


Diogo castor: O decreto do insulto

O decreto parece ter sido feito sob encomenda para os condenados da Lava-Jato e criminosos da elite

Na última semana, causou polêmica a publicação do tradicional decreto de indulto natalino pelo presidente Temer.

A controvérsia recaiu na generosidade dos requisitos para concessão do indulto para crimes cometidos sem violência. Diferentemente dos textos publicados nos outros anos, que fixavam penas máximas para o condenado fazer jus ao benefício, o atual decreto não fixou pena máxima.

Além disso, também inovando, o perdão da pena pode ser concedido àqueles presos que cumpriram o mísero percentual de 20% da sanção aplicada na sentença, estando dispensados expressamente do pagamento de qualquer condenação pecuniária para obtenção do perdão do resto da condenação.

Segundo o ministro da Justiça, a adoção de uma postura mais liberal nos requisitos do indulto foi uma “decisão política” de Temer, que teria sido alertado que afrouxamento da punição contava com manifestações contrárias do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério Público, da força-tarefa da Lava Jato e até da Transparência Internacional.

O leitor pode pensar que a medida vai contribuir para desafogar o sistema carcerário brasileiro, que, nas últimas informações divulgadas, possui atualmente 726 mil presos para 358.663 vagas disponíveis. Ledo engano. O indulto só beneficia presos já condenados, enquanto 40% dos encarcerados no Brasil são presos provisórios.

Dos crimes que ocupam os primeiros lugares nas estatísticas de aprisionamento no Brasil, que são tráfico de drogas (28%), roubo (25%), furto (12%) e homicídio (11%), somente os condenados por furto poderão fazer jus ao benefício. Isso porque tráfico de drogas e homicídio não admitem indulto por serem crimes hediondos, enquanto o roubo não se enquadra nos requisitos camaradas do decreto por ser cometido com violência.

Quais os principais crimes que poderão se enquadrar no decreto? Todos os crimes de colarinho branco, como corrupção e lavagem de dinheiro, que, coincidentemente, são os delitos por que Temer e quase toda a sua trupe estão denunciados ou já condenados.

O referido decreto parece ter sido feito sob encomenda para os condenados da Lava-Jato e criminosos da elite, mais ainda, ao dispensar expressamente a reparação do dano para crimes contra a administração, o que tem sido um obstáculo legal para progressão de regime dos condenados na Lava-Jato.

Ou seja, com uma “canetada”, o presidente da República perdoou 80% das penas de réus de colarinho branco no país.

O decreto de indulto natalino de 2017 viola os princípios da proporcionalidade, da individualização da pena e da moralidade administrativa. Ademais, foi editado por um presidente da República que goza do pior índice da popularidade da história e que é diretamente interessado na norma.

Ao editar o decreto, Temer demonstrou onde é capaz de chegar para aniquilar o combate à corrupção e à impunidade no Brasil. Resta aguardar que STF declare a inconstitucionalidade do autoindulto. Do contrário, a luta contra corrupção no Brasil se tornará um mero registro nos livros de História.


Merval Pereira: Lewandowski contra o STF

Ao devolver à Procuradoria-Geral da República, sem homologar, a delação premiada do marqueteiro Renato Pereira, o ministro Ricardo Lewandowski está indo de encontro a uma decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em que ficou derrotado pela maioria. Ele está, monocraticamente, se rebelando contra uma decisão final da própria Corte da qual faz parte.

No julgamento que definiu que os acordos gerados pelas delações premiadas só podem ser revistos caso seja constatada alguma ilegalidade, com base no §4º, artigo 966 do Código de Processo Civil, a maioria do plenário decidiu que o STF deveria avaliar a eficácia pura e simplesmente do acordo firmado, e não seu mérito.

Foi o decano Celso de Mello quem melhor definiu a postura do Supremo, afirmando durante os debates que o STF não pode recusar homologação de acordo de delação premiada aprovado pela Procuradoria-Geral da República, como fez agora Lewandowski, sob o risco de arquivar a investigação.

Pelo entendimento vitorioso no plenário, a legislação em vigor não permite a intervenção do magistrado nessa fase do processo. A homologação só deve levar em conta aspectos formais da delação, como definiu no voto que liderou a divergência o ministro Luís Roberto Barroso: os acordos fechados pela Procuradoria-Geral são analisados em um primeiro momento pelo relator dos processos, apenas sob o prisma da voluntariedade, espontaneidade e legalidade, e num segundo momento, pelo colegiado, na hora de dar a sentença, pela eficácia das denúncias.

Pelo texto aprovado por sugestão do ministro Alexandre de Moraes e assumido pelo relator, Edson Fachin, somente quando forem encontradas ilegalidades fixadas no Código de Processo Civil os acordos poderão ser anulados.

De maneira geral, será preciso que a sentença tenha sido fruto de “prevaricação, concussão ou corrupção do juiz”; “resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei”; “violar manifestamente norma jurídica; “for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória”.

Ou que fatos supervenientes sejam descobertos “posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”.

A tese vencedora, explicitada pelo decano Celso de Mello, foi a de que o Ministério Público não pode ser surpreendido por um “ato desleal” do Judiciário, sendo “dever indeclinável” do Estado “honrar o compromisso assumido no acordo de colaboração”, desde que o colaborador cumpra a sua parte.

“Não há sentido que, homologado o acordo e cumpridas as obrigações assumidas, venha o colaborador a ser surpreendido por um gesto desleal do Estado representado pelo Poder Judiciário.”

Ao devolver para a PGR a delação de Renato Pereira, marqueteiro de Sérgio Cabral, Ricardo Lewandowski criticou a competência do Ministério Público para negociar acordos de colaboração premiada, tentando reavivar uma tese que foi derrotada meses antes no plenário do STF.

Caso prevalecesse a tese do ministro Gilmar Mendes de que o STF poderia analisar e mudar os acordos feitos entre a Procuradoria-Geral e os delatores, a delação premiada estaria em risco, e é o que está acontecendo neste momento com a decisão do ministro Lewandowski. Na ocasião, autor da tese derrotada, o ministro Gilmar Mendes declarou que a partir daquela decisão as homologações dificilmente seriam feitas monocraticamente, e que pretendia aproveitar a brecha que vislumbrava para analisar os acordos para além de sua eficácia.

Ele se referia ao final do processo, quando o plenário do Supremo tem que analisar a eficácia da delação premiada já homologada para conferir se ela produziu os efeitos previstos. Mas o ministro Lewandowski, ao devolver para a PGR a delação e, mais que isso, retirar seu sigilo, ainda na fase de homologação, está assumindo uma posição contrária à decisão da maioria dos seus pares, com isso criando uma insegurança jurídica que pode colocar em xeque as delações premiadas em negociação.

Dependendo do desfecho desse caso, muitos delatores não se sentirão garantidos para negociar com o Ministério Público.

 


Correio Braziliense: "Eu não criminalizei a política. Criminalizei os bandidos", diz Janot

Na primeira entrevista depois de deixar o comando da Procuradoria-Geral da república, Rodrigo Janot relata ao Correio os bastidores dos momentos mais importantes da Lava-Jato

Ana Dubeux , Ana Maria Campos , Helena Mader
No quarto andar da sede da Procuradoria-Geral da República, funcionários trabalham para adaptar um amplo gabinete ao novo ocupante, que acaba de chegar. Um arco e flecha pendurado à parede divide o espaço com uma escultura de tuiuiu e com uma coleção de canetas — uma delas, em destaque, foi usada para assinar a delação premiada de executivos da Odebrecht.

De camisa polo e com visual despojado, Rodrigo Janot parece alheio ao bombardeio que vem recebendo há meses. O mineiro, de Belo Horizonte, deixou o posto de procurador-geral da República no mais conturbado momento de seus 33 anos de carreira. Até a transmissão de cargo à sucessora, Raquel Dodge, foi controversa: Janot não compareceu à cerimônia de posse. Na entrevista exclusiva ao Correio, Janot explica a ausência: “Quem vai em festa sem convite é penetra”.

O procurador revela que não foi convidado nem mesmo para transmitir o cargo. Se fosse ao auditório, teria de procurar um assento. Ele conta que não havia sequer uma cadeira reservada. Mas garante que não se sentiria constrangido em dividir a cena com políticos que denunciou, como o presidente Michel Temer. “As pessoas que têm de se sentir constrangidas”, aponta.
Em duas horas e 20 minutos de conversa, o ex-chefe do MP relata os bastidores de momentos importantes que marcaram a Lava-Jato: o pedido de prisão do então senador Delcídio do Amaral, a morte do ministro Teori Zavascki, a “escolha de Sofia” na imunidade concedida ao empresário Joesley Batista em troca de provas contra Temer e as suspeitas envolvendo integrantes do próprio Ministério Público.

Janot deixou o cargo, mas não se afastou da turbulência. Pelo contrário. Ele sabe que, agora, começam de verdade os ataques, principalmente na CPI da JBS, comandada por aliados de Temer. “Vão tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar desconstituir a figura do investigador”, diz. E já se defende: “Não levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em apartamento”. Para quem acha que o ex-procurador-geral exagerou, ele rebate: "Não criminalizei a política. Criminalizei os bandidos".

Por que o senhor não foi à posse da sua sucessora, Raquel Dodge?
Na minha terra, se diz o seguinte: a gente não vai a festa sem convite. Quem vai em festa sem convite é penetra.

O senhor não foi convidado?

Para a posse, definitivamente, não fui convidado. A gente tratou como seriam colocados os termos no convite. A primeira proposta foi com meu nome: “O procurador-geral da República convida”. Mas o pessoal da transmissão pediu para sair em nome do Ministério Público da União, por e-mail. Eu é que expedi esse e-mail.  Mas não recebi convite nenhum. Os convites para chefes dos poderes pediram para que eu fizesse nominalmente. Mandei aos presidentes do Supremo, da Câmara, do Senado, da República, aí sim, um ofício meu, enquanto procurador-geral. Meu mandato terminou domingo, dia 17, até lá eu era procurador-geral. Perguntei se queriam uma transmissão de cargo, mas me informaram que eu não posso transmitir aquilo que eu não tenho mais. Por isso que não fui, porque não fui convidado.

Não seria constrangedor sentar à mesa com pessoas que denunciou?

Não sentaria à mesa. Mas eu estou na minha casa, as pessoas que têm que se sentir constrangidas, não sou eu. Fiz o meu trabalho. Se tivesse sido convidado, iria, com certeza. Outro detalhe: também não tinha lugar reservado para mim no auditório, não. Eu teria que chegar e bater cabeça para achar uma cadeirinha.

Por que a rivalidade com Raquel Dodge chegou a esse ponto?

Não sei. Nunca houve uma rivalidade a esse nível, claro que não.

Substituições de equipe podem comprometer o trabalho em andamento na Lava-Jato?

Em tese, todos estão preparados para esse tipo de trabalho. É claro que as pessoas têm que trabalhar com quem têm afinidade. Isso é normal. Eu me espantei porque havia ofício formal, com convite para que toda a equipe da Lava-Jato continuasse. Existia um ato formal dela. Houve uma conversa com o pessoal da equipe, em que ela disse novamente que todos estavam convidados. Depois, ela começou a desconvidar.

O que houve?

Não sei. No sábado, fiz uma feijoada para a despedida da minha turma. A turma dela ligou para dois colegas meus, o Fernando (Alencar) e o Rodrigo Telles, desconvidando-os. Com relação ao Rodrigo Telles (que auxiliou Janot na investigação contra Agripino Maia), o que disseram é que havia muita resistência ao nome dele, não disseram de quem, e sobre o Fernando, disseram que ele ultrapassava o percentual que o Conselho (Superior do Ministério Público) estabeleceu para o recrutamento de pessoas. Esses foram desconvidados no sábado.

Fora do MP, o senhor foi muito questionado, sobretudo por causa do processo relacionado à JBS. Saiu de uma posição de herói e, de uma hora para outra, passou a ser apontado como vilão...

Existem estratégias de defesa. Quando o fato é chapado, quando o fato é mala voando, são R$ 51 milhões dentro de apartamento, gente carregando mala de dinheiro na rua de São Paulo, gravação dizendo “tem que manter isso, viu?”, há uma dificuldade natural para elaborar defesa técnica nesses questionamentos jurídicos. E uma das estratégias de defesa é tentar desconstruir a figura do acusador. É assim que eu vejo. De repente, passo a ser o vilão da história, o dito vilão da história, porque há necessidade de desconstituir a figura do acusador. O que fizeram comigo vão fazer com outros. Tenha certeza absoluta.

Mas o senhor enfrenta críticas de acusados desde o início. O senador Collor, por exemplo, já soltou impropérios contra o senhor... 

Mas numa proporção muito menor… Ele só xingou minha mãe várias vezes (risos). Mas agora cheguei ao poder real. No núcleo de poder, no centro dessa Orcrim (organização criminosa), e a reação é essa mesmo. Eu já imaginava que isso aconteceria, mas não imaginava que seria nessa proporção. Não imaginava como viria o coice. A orquestração é visível.

Ao se despedir, na sexta-feira, o senhor falou em sofrimento…

É um desgaste danado, você catalisar tudo sozinho… Eu tinha que manter a equipe funcionando até 17 de setembro. Foi tudo muito intenso. Investigações importantes foram chegando maduras nas duas ou três últimas semanas do meu trabalho. Essas investigações dependiam de atos de terceiros também. Para a denúncia da organização criminosa do PMDB da Câmara, tive que aguardar a conclusão do inquérito. O delegado só relatou o inquérito na segunda-feira, um excelente relatório, de mais de 400 páginas, que mostra um retrato da atuação dessa organização criminosa. De um lado, eu tinha que manter a equipe funcionando e tirando deles a pressão para que trabalhassem com eficácia e eficiência. Eu tinha que absorver tudo isso sozinho, não é para criança, não. Não é brinquedo, não. Só pancada. Não é para amador.

Na delação de Joesley, houve questionamentos com relação ao fato de ele revelar crimes tão graves e ir embora de avião particular para os EUA. Como lidou com a revolta que isso suscitou?

Eu tinha uma escolha de Sofia. Ele chega, nos traz uma demonstração, que foi um pequeno take do áudio, que revelava crimes em curso praticados pelo alto escalão da República. O presidente da República, um senador importante que teve 50 milhões de votos na eleição anterior, um deputado federal, a prova fazia menção a um colega meu infiltrado. Eram crimes gravíssimos e em curso. Tomo conhecimento disso, vejo que tem indicativo de prova. Eles disseram: “A gente negocia qualquer outra coisa, menos a imunidade”. A minha escolha de Sofia era: se eu não pego o material que eles tinham, eu não poderia investigar, eu teria que ficar quieto vendo esses crimes acontecerem ou então eu tinha que negociar a imunidade.

O fato de Joesley ir para a cadeia é de certa forma um alívio para o MP depois de tantas críticas? 

Ele foi mais esperto que ele mesmo. A esperteza capturou ele próprio. A gente tem que deixar muito claro: a colaboração premiada é um instituto novo para a gente, já aprendemos muito. Quando a gente faz um acordo desse, é de natureza penal, a gente está negociando com bandido, bandi-dê-ó-dó. O cara, porque é colaborador da Justiça, não deixa de ser bandido. As coisas têm que ser muito claras. A mesa de negociação é um lugar muito duro, um ringue mesmo. O colaborador tem que vir de coração aberto, tem que vir para o lado do Estado. Tem que falar tudo. Quem faz juízo sobre a prática ou não de delito é o MP, não o colaborador, ele tem que entregar tudo. A gente tem muito anexo que não tem nada de palpável, mas a gente recebe e analisa. O juízo nós que fazemos. E o que eles fizeram? Eles esconderam fatos. Trouxeram “A” mas não nos trouxeram “B”. Porque não trouxeram “B”, está contaminado todo o acordo. Só que o fato de ele não trazer o “B” não influencia nem tangencia o “A”. Não contamina. A rescisão me permite continuar usando a prova. Mas dá um gosto amargo, o sujeito não pulou o lado, continuou ao lado da bandidagem.

E as denúncias envolvendo o ex-procurador Marcelo Miller? O fato de ele ter negociado com o grupo JBS quando ainda fazia parte da equipe da PGR compromete a validade das provas?

Existe uma investigação em curso, mas, se ele fez isso, foi sem o nosso conhecimento. E se fez sem o nosso conhecimento, ele não pode contaminar um ato que é nosso. Se ele fez, não está comprovado ainda, vai ter que responder por isso.

O fato de ele ter abdicado de uma carreira como ao MP não despertou dúvidas na sua equipe?

No último um ano e meio, cinco colegas saíram.
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

É o salário?

É dinheiro. Também é muita responsabilidade, muita restrição. O fato de ele ter saído não suscita nenhuma suspeita. O Marcelo trabalhou forte na colaboração da Odebrecht. Ele já tinha voltado para o Rio de Janeiro havia um ano e continuou na força-tarefa como colaborador, eventualmente era chamado a fazer alguma colaboração aqui. Mas não estava no núcleo.

O senhor se sente traído?

Eu quero ver a conclusão da investigação para fazer algum juízo. O caso do Ângelo (Goulart) está investigado, ali eu me senti traído, com certeza.

O procurador Ângelo Goulart criticou sua forma de atuação, disse que o senhor agia rapidamente para chegar ao presidente Temer…

É engraçado isso, ele não trabalhou comigo. O Ângelo trabalhava no eleitoral, nem no mesmo prédio ficávamos. Quando foi chegando ao fim do mandato, como tinha interesse de permanecer em Brasília, ele perguntou se poderia ser designado para a força-tarefa da Greenfield, da PRDF.

É verdade que o senhor vomitou quatro vezes ao tomar conhecimento desses fatos relacionados ao procurador Ângelo Goulart?

Sim. É muito triste isso de prender um colega. Tem um crime militar que a gente chama de perfídia. Perfídia é o sujeito que é do teu grupo e que vende esse grupo para o inimigo. Ele passa a ajudar o inimigo a te dar tiro. Esse é o sentimento que deu na gente. A situação é muito ruim, sentir que contaminou.

O procurador Ângelo alega que atuou para tentar encabeçar as tratativas da eventual delação. Ele agiu motivado por dinheiro?

Essa linha de defesa ele já adotou no processo administrativo disciplinar aqui dentro. Ele tentou se passar por herói. Como se ele tivesse se oferecido a eles para poder derrubá-los. Como se fosse o mocinho, o super-homem. Mas como faz um trabalho desses de atuação infiltrada sem falar com os russos? Ele faz isso sem falar com os colegas, com ninguém? Não falou com o Anselmo (Lopes, coordenador da Operação Greenfield). Agora vamos ver os fatos. Houve uma reunião em que o Anselmo fez um desenho à mão da estratégia da investigação. Esse papel foi aparecer com um advogado da JBS. A troco do quê? Ele foi pilhado numa ação controlada em que conversa com desenvoltura. Depois, ele tem gravada a conversa com o advogado. Tudo isso ele bolou sem avisar ninguém? É fantasioso. E acertou dinheiro, sim, R$ 50 mil por mês.

Há provas de que ele recebeu dinheiro?

Tem relato do Francisco (de Assis, advogado), tem advogado acertando, dizendo que tinha dinheiro, tem o croquis do planejamento, tem gravação, visitas. A expressão que a gente usa é “batom em certo lugar”.

Ainda citando o que ele diz, o senhor se referia a sua sucessora como a bruxa?

Não. É aquela coisa, como se faz para desconstruir o acusador.

Essa campanha que o senhor menciona para tentar atacar o acusador como foi?

O nível é muito baixo, chegaram à minha família, à minha filha.

Saindo do cargo, acredita que vai diminuir?

Pelo contrário. A notícia que tive é: vai aumentar. A pressão para cima de mim só vai aumentar.

Teme que a CPI da JBS vire instrumento de vingança?

A CPI não é da JBS. O relator já afirmou que o escopo da CPI é investigar os investigadores. O escopo da CPI não são os empréstimos da JBS no BNDES. Ninguém falou sobre isso. Estão falando em convidar também o Ângelo, o Eugênio Aragão.

Em um texto divulgado na internet, o procurador Aragão defendeu Ângelo, e disse que ele apenas atuava com métodos heterodoxos para conseguir acordos de colaboração...

Sabe por quê? Quem trouxe o Ângelo para atuar no eleitoral foi o Dr. Eugênio Aragão.

Como vai se proteger desses ataques que o senhor já prevê?

Primeiro, quero descansar, vou tirar 20 dias, viajar. Depois, vou ver as estratégias. A imprensa tem que ser muito atuante agora. Essa CPI não pode ser a CPI dos investigadores. Essa CPI tem que seguir o escopo dela. Não é a CPI dos empréstimos do BNDES? E querem investigar quem? Eu? Eu não participei de empréstimo nenhum da JBS. O acordo da JBS foi judicial. Foi homologado pelo Supremo e foi reafirmado pelo Supremo. Como o Congresso pode querer desconstituir isso?

Vão tentar usar o Miller contra o senhor na CPI?

Vão tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar desconstituir a figura do investigador. Não levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em apartamento.

Acredita que a população vai aceitar uma atuação como essa da CPI?

O brasileiro é honesto. Espero que a cidadania seja ativa para enxergar esse tipo de manobra. Outra estratégia também é usar a imprensa estrangeira, já começaram a falar lá fora, e a falar forte. Quando começaram as alterações no grupo de trabalho da Lava-Jato, saiu uma notinha com a chamada "It begins" (“Foi dada a largada”, em tradução livre). O título diz tudo.

O que achou do fato de Dodge não ter citado nenhuma vez a Lava-Jato no discurso de posse? Foi pelo fato de a operação ter se tornado a marca do senhor?

A Lava-Jato não pertence ao MP, pertence à sociedade, ao mundo. Não é uma marca minha. Eu dei as condições necessárias para que outros colegas pudessem trabalhar, em Curitiba, no Rio, em São Paulo. A Lava-Jato não pertence mais ao Ministério Público. É um patrimônio da sociedade brasileira. Ela corre o mundo.

A Lava-Jato corre risco real?

Está cedo para avaliar. É preciso aguardar para ver como a coisa evolui. Se houver risco, não acredito que isso contamine nem Curitiba, nem Rio, nem São Paulo, que já têm investigações com pernas próprias.

O senhor foi flagrado conversando com o advogado Pierpaolo Bottini, que representa Joesley, em um bar. Não foi um encontro impróprio, dadas as circunstâncias?

Não era um bar, era uma distribuidora de bebidas. Vou àquele lugar todo sábado. Chego ali, tomo uma cerveja e vou embora para casa. Conheço todo mundo, conheço o dono, o César, desde a época em que ele vendia minhocas, conheço todos os frequentadores. A gente conversa, passa ali meia hora, uma hora. Abriu uma feijoada ali do lado aos sábados que é ótima.

Disseram até que essa reunião era comparável ao encontro de Joesley com Temer no Palácio…

Meio dia, em um lugar público, frequentado por um zilhão de pessoas? A conversa não durou 10 minutos, não falamos de trabalho, de nada disso. Falamos de cerveja. Aconselho passearem por lá, tem tudo quanto é cerveja artesanal.

O advogado Willer Tomaz, também denunciado, recebia em sua casa  figuras importantes, inclusive o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bessa. Causa suspeição?

Relacionamento da gente com advogado é uma coisa normal. Dos meus amigos que fiz em Brasília quando cheguei há 33 anos, a maioria é advogado. Todo mundo se conhece. E advogado de bandido não é bandido, a gente tem que ter esse relacionamento.

O senhor teve embates duros também com o ministro Gilmar Mendes. O STF vai enfrentar o tema da suspeição do ministro?

Vão ter que enfrentar, claro. Quando alguém argui suspeição, esse é um termo técnico normal. A arguição de suspeição é para garantia da atividade da magistratura e dos jurisdicionados. O magistrado tem que ser isento. Eles vão enfrentar, sim. O resultado, não sei.

Fazendo uma comparação com a Operação Mãos Limpas, na Itália, o senhor teme pela sua vida?

Temer, não! (risos).

Acredita que o MP estará com o senhor?

Acho que sim, não só o federal, o Ministério Público do Brasil inteiro. O Ministério Público brasileiro hoje está em outro patamar.

Durante sua gestão, onde errou?

Com certeza, erros aconteceram, mas não consigo fazer esse juízo agora. Preciso de um afastamento para poder enxergar.

A Lava-Jato é uma sucessão de delações. Como isso começou?

Tem um momento para mim que foi um divisor de águas. O que deu impulso danado nas colaborações foi a decisão do STF, que disse: condenou em segundo grau, vai para a cadeia. Os caras começaram a fazer conta. A estratégia era empurrar, agora não tem mais jeito. Esse foi, na minha leitura, um dos pontos que gerou essa mudança. Grandes delações também chamaram todas as outras.

O Supremo vai rever alguma delas?

Não acredito que o STF vai recuar. Seria um prejuízo enorme.

A delação do Delcídio, com a prisão de um senador no exercício do mandato, foi decisiva?

Sim. Divisor de águas foi a colaboração do senador. Ele gravou, os fatos eram gravíssimos, e era um senador, líder do governo. Quando fiz o pedido de prisão, sabia que tinha cruzado o rubicão e que tinha queimado a única ponte atrás da tropa, que não tinha mais recuo. Era só para a frente. Foi um momento de muita tensão, era uma novidade e eu não sabia o que aconteceria.

Com a morte de Teori, temeu pelo fim das investigações?

Temi, sim. Eu sou agnóstico, eu creio muito pouco. Com a morte dele, eu passei a crer ainda menos. Eu dizia: não é possível.

Suspeitou de assassinato?

No começo, claro. Mas a investigação foi feita por nós, pelo MPF, em Angra dos Reis, e estamos seguros de que foi acidente mesmo.

Foi o momento mais difícil?

Esse foi um dos mais difíceis, com certeza, foi devastador para todo mundo. Ele era muito firme. Ainda bem que o ministro Fachin também é.

Como avalia a atuação de Moro?

A gente está no meio de um lamaçal, no meio de bandidos, cheiro de podre para todo lado, só tem uma maneira de não se contaminar, a gente tem que ser reto. O Moro é duro, eu fui duro, e tem que ser mesmo.

O que foi essencial na Lava-Jato?

O grupo de Curitiba foi muito importante. O juiz foi muito importante. Uma parte que pouca gente fala, mas que permitiu chegar até agora, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que manteve com firmeza todas as decisões.

O Brasil mudou com a Lava-Jato?

Está mudando. Na minha terra, quando a gente fazia muita traquinagem, apanhava com vara de marmelo, aquela bem flexível. Aquilo na perna dói para caramba. Nós envergamos essa vara e temos que ter cuidado para ela não soltar, senão volta batendo em todo mundo e vai ficar em pé. Estamos nesse ponto de inflexão, a vara foi dobrada, mas não foi quebrada. E essa vara tem que ser quebrada.

Ainda tinha muita flecha?

Sim, tenho ainda algumas ali (aponta para arco e flecha que recebeu de índios).

Mesmo depois do início da Lava-Jato, muitos atos de corrupção prosseguiram. Gim Argello, por exemplo, negociava convocações para a CPI da Petrobras…

Com três anos e meio de Lava-Jato, vimos várias conversas não republicanas, malas para cá, malas para lá. Mas seria mais grave sem a Lava-Jato. A vara está envergada, mas não foi quebrada. Tem que ser quebrada.

O senhor falou de egoístas e escroques ousados. Eles estão em todas as instituições?

Sim, até na minha tem.

Como será julgado pela história?

Quero ser julgado de maneira isenta. Se eu errei, que apontem os erros. Se eu acertei, que mostrem os acertos. Só isso.

Uma das críticas é a forma como o MP consegue as delações, que os acusados falam só para fugir da cadeia. Um dos casos levantados é o do ex-ministro Palocci...

Essa história de que a gente prende para ter colaboração, muita gente falava isso, e a gente só mostrava a estatística: 85% são com pessoas soltas. A pessoa só tem medo de ser presa quando comete crime. É crime e castigo, tem até um livrinho com esse nome. A lei diz que a colaboração tem que ser espontânea, voluntária, se não for assim, não pode ser homologada. A iniciativa tem que ser do colaborador, com advogado. Não posso ter conversa escondida com colaborador. A negociação é dura. Concluído isso, a gente faz o contrato do acordo, o magistrado chama o colaborador, sem a nossa presença, e pergunta se foi instigado, incentivado, obrigado, ameaçado. Existe toda essa preocupação para que o colaborador possa falar. Quando ele fala, não basta imputar algo a alguém, tem que dar o caminho da prova. Diziam que era coisa de X9, de dedo duro. Ele tem que dizer o crime que cometeu, o comparsa dele, como participou desse crime e revelar o caminho da prova. Se imputa falsamente, ele comete crime. E não acabou a colaboração. Ela é homologada e, no fim do processo, o juiz analisa a eficácia dessa colaboração. O colaborador tem que ajudar a acusação na obtenção das provas. Se não fizer isso, ele perde a premiação. Se o colaborador der causa à rescisão, como acontece agora com Batista e Ricardo Saud, ele perde toda a premiação, responde pelos crimes que cometeu e toda a prova que ele deu para a acusação é válida. É uma situação muito delicada a do réu colaborador.

Como veio à tona esse novo áudio de Joesley?

Quando foi feito esse acordo, contrataram um grupo para fazer levantamentos dentro do grupo empresarial para identificar as provas para a orientação da colaboração. E, aos poucos, iriam fazendo os novos anexos e indicação dos fatos criminosos. Pediram 120 dias para fazer isso. No acordo, constaram aqueles anexos que trouxeram no primeiro momento e, no período de 120 dias, trariam complementos. Um pouco antes, pediram a prorrogação por mais 60 dias. A gente concordou com a prorrogação. Com medo de perderem o prazo e ter rescindida a colaboração, eles empurraram tudo para cá. Vieram muitos anexos e muitos áudios. Para agilizar, a gente dividiu tudo entre os colegas. No grupo da Lava-Jato, ficou todo mundo ouvindo os áudios. A Carol (procuradora Ana Carolina Rezende) ficou com um grupo de áudios. Tinha um anexo que envolvia uma pessoa cujo processo está em sigilo, o codinome era Piauí, com quatro áudios. O maldito áudio Piauí 3 não tinha nada a ver com esse anexo. O Piauí 1, 2 e 4 tinham a ver, eram conversas com determinado senador. A Carol, domingo de manhã, manda mensagem no nosso grupo dizendo que tinha um áudio jabuti, contrabando, de quatro horas, falando de Miller, de várias coisas. Viemos para cá, passamos a tarde aqui. Era um jabuti, um anexo de contrabando colocado sem nenhuma remissão de que não tinha nada a ver com Piauí. A PF disse que tinha recuperado 7 áudios, que estão sob sigilo, porque o advogado dos colaboradores disse que boa parte é conversa entre advogado e cliente. E que a perícia da PF teria recuperado mais 11 áudios.

 Joesley tinha apagado e a PF conseguiu resgatar?

Isso. Na leitura que fizemos, isso não poderia ter sido um equívoco, foi uma casca de banana mesmo. O ministro Fachin lacrou os 11 áudios, nem nós conhecemos. Eles, com medo de um dos 11 áudios ser um dos que estão recuperados pela polícia, colocaram um jabuti. Lá na frente, quando estourasse o negócio, diriam que entregaram e nós ficamos calados. É óbvio que foi uma armadilha. E como desarma uma armadilha? Coloca luz sobre ela. Santa Carol! Se ela não fosse tão CDF, poderia ter passado.

Há alguma possibilidade de o desfecho da segunda denúncia contra Temer ser diferente no Congresso?

Acho que não. Mas a solução política não me interessa. Tenho que fazer o meu trabalho. A Câmara não rejeita a denúncia, ela autoriza ou não o processamento.

O senhor virou carrasco dos políticos corruptos?

Cada um tem que fazer o seu trabalho. O corrupto tem que entender que acabou a era de que nada acontece com ele. Grandes empresários, o poder econômico e o poder político, está todo mundo respondendo igualmente, não é mais a justiça dos três pês.

Como vê as acusações de que age com interesses partidários?

Primeiro eu era petista, indicado pela Dilma. Quando viram o meu radar, virei perseguidor de político. Não estou criminalizando a política, estou criminalizando bandido.

Como responde a críticos que dizem que o MP sai menor?

O MP sai gigante, pois é reconhecido fora do Brasil. Aonde você vai, os colegas de fora reconhecem nossa atividade, na França, na Suíça, nos EUA, todos os ministérios públicos do Mercosul reconhecem nossa atividade.

Depois dos 20 dias de descanso, como vai refazer a vida?

Tenho projetos que quero tocar, não quero sair dessa área de combate à corrupção. As pessoas de fora me pedem para não sair dessa área. Nossa atividade virou paradigma. O Brasil deu um passo gigantesco no combate à corrupção. Mas isso, para o bloco, não é suficiente. Se o Brasil continua esse caminho, e acho que vai continuar, pode começar a exportar corrupção. O bloco tem que caminhar de forma harmônica e as pessoas pedem que eu seja uma voz no combate à corrupção. Na PGR, vou atuar na área criminal do STJ.

Na eleição de 2018, como garantir renovação?

A cidadania vem com força para 2018. Ninguém aguenta mais ser enganado dessa forma. Agora, é importante também que a política faça a sua parte. Temos que ter reforma política profunda.

Como fazer isso com um Congresso contaminado?

Vamos imaginar que os novos políticos de 2018 recebam da cidadania uma cobrança muito forte para que haja essa mudança. Não podemos ter senador que teve zero votos, um deputado federal que teve 15 votos, que ninguém sabe quem é.

Com a saída de Dilma, a corrupção ficou mais explícita?

A cada dia que passa, a gente está jogando mais luz sobre a corrupção. É isso.

Murillo de Aragão: Os meios, os fins e os caminhos para cumprir a lei, na Lava Jato

A entrevista dada pelo procurador Ângelo Goulart Villela à “Folha de S.Paulo” nesta semana é muito triste, para dizer o mínimo. Villela revela um modus operandi preocupante em relação às investigações conduzidas pela Procuradoria Geral da República sob a liderança do agora ex-procurador geral Rodrigo Janot. É absolutamente inacreditável que Villela tenha ficado preso durante 76 dias sem ser ouvido.

Na entrevista de Villela, fica claro que, na gestão de Janot, não importavam os meios para se alcançarem os fins. Chega a ser inacreditável que, no afã de impedir que a atual procuradora geral, Raquel Dodge, sua inimiga, fosse escolhida para sucedê-lo, pudesse urdir uma trama para tirar o presidente da República do cargo por meio de denúncias “tabajaras”. É uma grave acusação. O pior é que ela vem acompanhada de outras evidências.

Em junho passado, a revista “IstoÉ” divulgou a transcrição de uma gravação, ocorrida sete dias antes de Ângelo Villela ser preso, em que uma colega sua alertava para a perseguição que Janot impunha a quem apoiasse Raquel Dodge. De acordo com a procuradora, a tática de Janot era apavorar quem está do lado de Dodge. Villela, que fora do grupo de Janot, estava apoiando Dodge. Dias depois, foi preso.

Que a política está apodrecida, todos sabem. Mas o caminho para o saneamento não passa pela transformação de ações que deveriam ser legais e legítimas em fazer justiça a qualquer preço.

Em editorial publicado no dia 10 último, “O Estado de S. Paulo” apontou a “atuação descuidada” de Rodrigo Janot no episódio da JBS. O açodamento em assinar o acordo com a empresa revela que o interesse não era buscar a punição justa, e sim fazer um movimento que pudesse mantê-lo no comando da PGR por meio de um preposto. O foco da atuação do Ministério Público e da Justiça deve ser a busca pelo direito, e não a manipulação das circunstâncias em benefício próprio.

A gestão de Janot bateu recordes em pedidos de abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal: foram 298 em seu primeiro mandato e 361 no segundo, de acordo com levantamento feito pelo site Jota. O que poderia ser um bom sinal pode não ser. Será que houve o devido cuidado e o devido respeito ao “rule of law”? Será que as investigações preliminares não foram conspurcadas por atitudes e práticas ilícitas? Será que Ângelo Villela poderia dar mais detalhes?

Afinal, ele próprio afirma que as delações do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e do ex-senador Delcídio do Amaral tiveram o mesmo modus operandi e foram todas vazadas antes de sua homologação. Afirma ainda que sabe de coisas piores do que pressão, blefe e estratégia ao longo das investigações. Villela desnuda um pouco do “iceberg Janot” e suas práticas. Ele diz, textualmente: “Já soube de coisas muito piores”. O que será que Villela sabe de pior?

Custa crer que tais informações não sejam objeto de investigação. Também é muito estranho prender Villela e não ouvi-lo por 76 dias. O ativismo judicial é prática corrente nos dias de hoje. Mas, quando extrapola para ilegalidades flagrantes, faz lembrar tempos obscuros, como os anos 60 e 70 no país. A lei deve ser cumprida. O caminho para isso, porém, deve ser reto e justo.

* Murillo de Aragão é cientista político

 


PGR: Raquel Dodge assume compromisso de fortalecer funções constitucionais do MP brasileiro

Primeira mulher a assumir o cargo de procuradora-geral da República, ela disse que dará igual ênfase à função criminal e à defesa dos direitos humanos

A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tomou posse nesta segunda-feira, 18 de setembro, como chefe do Ministério Público da União (MPU) e presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), pelos próximos dois anos. Em seu discurso, ela se comprometeu a desempenhar com equilíbrio, firmeza, coragem e seriedade todas as funções atribuídas pela Constituição ao Ministério Público. Primeira mulher a ocupar esse cargo, Raquel Dodge pretende reforçar o combate à corrupção, a defesa de direitos humanos, constitucionais e do meio ambiente, valorizando todas as áreas de atuação do MPF. Ela garantiu que dará igual ênfase à função criminal e de defesa dos direitos humanos.

“Recebo com humildade o precioso legado de serviço à pátria, forjado pelos procuradores-gerais da República que me antecederam, certa de que o Ministério Público deve promover Justiça, defender a democracia, zelar pelo bem comum e pelo meio ambiente, assegurar a voz a quem não a tem e garantir que ninguém esteja acima da lei e que ninguém esteja abaixo da lei”, afirmou. Coube ao presidente Michel Temer dar posse à nova PGR, que integra o Ministério Público Federal há 30 anos. Ela foi nomeada para o cargo em 13 de julho pelo presidente, após ser eleita pelos membros do Ministério Público para integrar a lista tríplice encaminhada ao Executivo.

Ao tomar posse, ela enfatizou a importância de manter a harmonia entre as instituições da República e disse que seguirá com a tarefa iniciada pelos seus antecessores - alguns em momentos de paz e outros de intensa tempestade -, pois o povo brasileiro mantém a esperança de um país melhor. Segundo ela, a sociedade se preocupa com o futuro e não tolera mais corrupção, por isso acompanha as investigações e cobra resultados. “Temos o dever de cobrar dos que gerenciam o gasto público que o façam de modo honesto, eficiente e probo, ao ponto de restabelecer a confiança das pessoas nas instituições de governança”, ressaltou.

Para ela, zelar pelo bem comum é tarefa necessária que exige coragem, pois o país passa por um momento de depuração. Além do combate à corrupção, a nova PGR se comprometeu a fortalecer as demais frentes de atuação do Ministério Público, como fiscal da Constituição e das leis. Ela destacou ser fundamental combater a violência, as falhas na educação e no sistema de saúde, zelar pela dignidade humana, pelo direito dos índios e minorias, pela liberdade de religião e credo e pela higidez do sistema eleitoral, com o objetivo de assegurar um futuro de paz no país e entre nações.

“É preciso desempenhar bem todas estas funções, porque todas ainda são realmente necessárias. Para muitos brasileiros a situação continua difícil, pois estão expostos à violência e à insegurança pública, recebem serviços públicos precários, pagam impostos elevados, encontram obstáculos no acesso à Justiça, sofrem os efeitos da corrupção, têm dificuldade de se auto-organizar, mas ainda almejam um futuro de prosperidade e paz social”, ressaltou.

Para garantir o desempenho das funções constitucionais do Ministério Público, Raquel Dodge disse estar certa de que continuará contando com o apoio orçamentário e jurídico dos demais Poderes da República. Também reforçou que estará ao lado de cada membro do MP brasileiro no exercício das funções previstas na Constituição e que conta com o apoio deles e dos servidores do MP nessa missão. “Os desafios são muitos, não é possível dizer que será fácil, mas confirmo que os problemas serão encarados com seriedade, com fundamento na Constituição e nas leis”, concluiu.

O presidente Michel Temer disse estar honrado em dar posse à primeira mulher no cargo de PGR, sobretudo no momento em que outras mulheres também ocupam a chefia do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da Advocacia Geral da União (AGU). "É uma honra poder dar posse a esta figura do mundo jurídico, pois nós todos sabemos dos atributos de sua vida profissional”, destacou. Temer reforçou alguns pontos do discurso de Raquel Dodge, como a harmonia entre os Poderes, entre os quais inclui o Ministério Público, e a importância das autoridades se submeterem ao cumprimento dos dispositivos legais. “O poder não é nosso, mas do povo”, frisou.

Participaram da cerimônia o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente do Senado, Eunício Oliveira e a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, entre outras autoridades. Raquel Dodge assume o cargo após o encerramento do mandato de Rodrigo Janot, que exerceu a função desde setembro de 2013.

Nova gestão - Para integrar sua equipe, Raquel Dodge escolheu como vice-procurador-geral da República, o subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, e como vice-procurador-geral eleitoral o também subprocurador-geral Humberto Jacques de Medeiros.

Para viabilizar o cumprimento das metas de trabalho de sua gestão, ela fará mudanças na estrutura do Gabinete. Uma delas é a criação de quatro secretarias: duas para tratar das funções penais originárias junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma para tratar de assuntos constitucionais e outra para Direitos Humanos e Defesa Coletiva. Outra mudança é a unificação das áreas de pesquisa, análise e perícias em uma única pasta. “Desse modo, daremos mais organicidade e prioridade ao trabalho, buscando intensificar a atuação nos tribunais superiores”, resumiu.

Raquel Dodge convidou para a equipe membros do Ministério Público que se destacam pela especialização jurídica, experiência profissional e conhecimento dos problemas do país. Foram escolhidos membros com atuação destacada em temas referentes a direitos humanos, meio ambiente, combate à corrupção, criminal, eleitoral, patrimônio público e cultural e cooperação internacional. Outra preocupação foi valorizar a participação feminina. Metade das principais funções da PGR será ocupada por mulheres. É o caso da Secretaria da Função Penal Originária no STF, que terá à frente a procuradora regional da República Raquel Branquinho ,e a Secretaria-Geral, chefiada pela procuradora da República Zani Cajueiro.

 

Confira o discurso de posse de Raquel Dodge


Lava Jato, porte de drogas e demarcações: o que pensa a nova procuradora-geral, Raquel Dodge?

Raquel Dodge assume nesta segunda-feira o comando do Ministério Público Federal, uma das instituições mais importantes e poderosas do país. Nomeada pelo presidente Michel Temer, ela vai substituir Rodrigo Janot como Procuradora-Geral da República (PGR) na condução das investigações da Lava Jato contra autoridades com foro privilegiado.

Mariana Schreiber
Da BBC Brasil em Brasília

Mas não só isso - além de combater a corrupção, a PGR pode realizar investigações e mover ações judiciais que envolvem as mais diversas áreas, como segurança pública, demarcação de terras indígena e consumo de drogas. E Dodge já declarou que dará igual prioridade para "a função criminal e a função de defesa de direitos humanos" do Ministério Público.

É de se esperar empenho para cumprir a promessa. Dodge vem sendo descrita como obstinada, disciplinada, centralizadora e, segundo resumiu o procurador Mário Lúcio Avelar ao jornal Folha de S.Paulo, um "trator para trabalhar".

Como a crise envolvendo a delação da JBS pode afetar o legado de Janot e o futuro da Lava Jato
No Ministério Público Federal desde 1987, seu trabalho mais notório foi à frente da Operação Caixa de Pandora, que revelou o chamado mensalão do DEM e levou à prisão do então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda.

E o que esperar agora da nova procuradora-geral? A BBC Brasil levantou declarações de Dodge em dez questões polêmicas para que você possa conhecer melhor a nova chefe do MPF.

1. Operação Lava Jato
Embora enfrente acusações de que teria sido escolhida por Temer para "frear" a Lava Jato, Dodge tem manifestado compromisso com a operação. Na semana passada, ela anunciou a criação de uma nova secretaria, de Função Penal Originária no STF, que cuidará dos processos criminais contra autoridades, abarcando o grupo de trabalho da Lava-Jato.

"A equipe será ampliada, porque novos fatos foram revelados e necessitam de uma atuação célere, para alcançar os resultados previstos na lei penal. A devolução das verbas públicas apropriadas ilicitamente, o desmantelamento dos esquemas de corrupção e a condenação penal são importantes objetivos em curso, que devem ter prioridade na atuação da PGR, para impedir a corrupção sistêmica e punir os responsáveis", já havia declarado em entrevista em junho ao jornal Estado de S.Paulo.

Em sua sabatina no Senado, Dodge destacou a independência dos procuradores da cada instância judicial para definir os rumos da investigação. No entanto, em meio às críticas quanto a supostos abusos na operação, defendeu que isso ocorra "sob o império do devido processo legal, com respeito aos limites impostos na legislação".

"De modo que a condução dos trabalhos será com base na prova, com base na lei, de forma serena, de forma tranquila, para que evitemos (…) o aviltamento da dignidade da pessoa humana", acrescentou.

2. Vazamentos em investigações sigilosas
Dodge afirmou ao jornal Valor Econômico e na sabatina do Senado que vai adotar novas medidas de controle interno do acesso às investigações, com objetivo de permitir rastrear eventuais vazamentos. Muitos políticos têm reclamado do suposto uso político dessas divulgações ilegais.

"Os vazamentos são impróprios, são incompatíveis com o devido processo legal, com o Estado democrático de direito, e é preciso adotar medidas internas que mantenham a credibilidade da nossa instituição", afirmou Dodge, aos senadores.

3. Condução coercitiva
Em sua sabatina no Senado, Dodge manifestou também "muita preocupação" com a aplicação da condução coercitiva, instrumento comumente usado pela operação Lava Jato para obrigar o investigado a comparecer para depor, mesmo que ele tenha o direito de ficar calado.

A principal controvérsia em torno desse mecanismo é que ele vem sendo usado pelo juiz Sergio Moro e outros magistrados sem uma prévia intimação do suspeito, como ocorreu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado.

Ao responder questionamento do senador Humberto Costa (PT-PE), Dodge disse que a condução coercitiva "deve ser utilizada sobretudo em relação a pessoas que se recusem a comparecer em juízo".

"Eu tenho muita preocupação com esse assunto, sobretudo para que não haja a exposição pública da pessoa investigada", afirmou.

4. Delação premiada
Dodge tem defendido a importância da delação premiada como instrumento "poderoso" para facilitar investigações contra organizações criminosas. Ela costuma destacar, porém, que o acordo de delação só deve trazer benefícios penais (redução da pena), sendo mantidas as sanções para reparação de dano (por exemplo, devolução de valores desviados).

"A lei penal exige reparação integral do dano e devolução total das verbas públicas apropriadas e desviadas ilicitamente", disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em junho.

A nova procuradora também destacou, em recente conversa com o jornal Valor Econômico, a importância de manter "a proporcionalidade entre os ganhos para a população e o benefício que está sendo deferido (ao delator)".

Janot tem recebido críticas de que o acordo com executivos da JBS, que delataram suposta propina ao presidente Michel Temer, teria sido muito benevolente, já que os executivos não cumprirão qualquer pena de prisão, mesmo que por tempo curto. Dodge, porém, tem se esquivado de comentar esse acordo específico.

Na sabatina do Senado, disse apenas que há previsão legal para que acordos de delação sejam revistos "quando o colaborador não cumpre a sua parte nesse acordo".
"Essa é uma possibilidade que está sempre na mesa na perspectiva de que há uma previsão legal expressa em relação a isso", afirmou.

5. Redução da maioridade penal
Dodge se posicionou contra a redução da maioridade penal em 2013, ao representar o Ministério Público Federal em debate sobre o tema na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

A procuradora argumentou que a Constituição proíbe que o Congresso aprove alterações no texto constitucional com objetivo de "abolir direitos e garantias individuais".

Dessa forma, disse ela, seria inconstitucional reduzir a maioridade penal e retirar o direito dos menos de 18 anos de não serem punidos penalmente.

"Reduzir a maioridade penal não garantirá o fim da criminalidade. É preciso garantir que os adultos por trás dos atos desses jovens sejam punidos com rigor", defendeu na ocasião.

6. Melhorar distinção de usuários e traficantes de drogas
Em diversas ocasiões, Dodge tem criticado o fato de pessoas pegas com pequenas porções de drogas receberem penas de prisão tão ou mais graves do que aquelas detidas com grades quantidades. Segundo ela, estudos do MPF apontam uma recorrência desse problema.

A procuradora defende que sejam adotados critérios mais claros para diferenciar usuários de drogas e pequenos e grandes traficantes. O enquadramento de pessoas com pequenas quantidades de entorpecentes como traficantes têm sido o principal fator a impulsionar o aumento da população carcerária no país.

"Pessoas apreendidas com três gramas de maconha receberam do Tribunal de Justiça a mesma pena, de 3 a 7 anos, que foi dada a quem traficava uma tonelada", destacou Dodge em 2015, durante debate promovido pela ONU sobre drogas e superpopulação carcerária no Brasil.

No ano passado, em evento na Embaixada da Espanha, ela defendeu a adoção de "algo como uma tabela, a exemplo do que já existe em Portugal e em outros países europeus, que correlacione a quantidade e a natureza da droga para distinguir o usuário do traficante".

No momento, está paralisado no STF uma ação que discute a descriminalização do porte de drogas para usuários, aguardando o voto do ministro Alexandre de Moraes. Em 2015, quando teve início o julgamento, Janot se opôs à descriminalização. Já o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a adoção de uma tabela similar à sugerida por Dodge.

7. Direitos humanos e violência policial
Embora tenha assumido compromisso em priorizar o combate à corrupção, Dodge tem destacado que o foco da sua gestão não será apenas esse. Dentro do Ministério Público Federal, ela tem uma trajetória ligada a questões ambientais e de direitos humanos.

Na sabatina do Senado, Dodge fez críticas, por exemplo, aos "autos de resistência" - registro de mortes por policiais, supostamente em legítima defesa, mas que muitas vezes são usados para acobertar execuções. A subprocuradora defendeu que esses casos devem ser registrados em boletim de ocorrência, para que seja iniciada uma investigação.

"O movimento de direitos humanos tem identificado, em relação a esse tema, os autos de resistência como um dos fatores que são causa da impunidade. E eu concordo plenamente que essa é uma questão que temos que resolver no País", defendeu.

8. Demarcação de terras indígenas
Enquanto o governo Temer tem enfrentado fortes críticas por adotar medidas de interesse de ruralistas e contrárias às reivindicações de grupos indígenas, Dodge defendeu no Senado as demarcações de terras, que atualmente estão paralisadas.

"É um compromisso constitucional a delimitação das terras indígenas. Nós temos lá no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, inclusive, um prazo, que era de cinco anos, para que esse assunto estivesse resolvido. E eu creio que, quanto mais cedo essa questão estiver resolvida, mais segurança jurídica todos os brasileiros terão", afirmou na sabatina.

A futura procuradora-geral não chegou a se posicionar sobre o polêmico parecer assinado por Temer em julho que fixa o chamado "marco temporal", estabelecendo que índios não podem reivindicar terras que não estivessem ocupando em 1988, desconsiderando o fato de que, em geral, esses grupos foram expulsos violentamente antes disso.

No entanto, o subprocurador Luciano Mariz Maia, escolhido por Dodge para ser seu vice, condenou veementemente o parecer assinado pelo presidente.

9. Desarmamento
Questionada em sua sabatina sobre o direito ao porte de arma para autodefesa dos cidadãos, Dodge defendeu o Estatuto do Desarmamento, que dificultou o acesso a partir de 2003. Atualmente, parte do Congresso tenta revogar o estatuto.

"Eu, pessoalmente, invisto em uma cultura de paz ao longo da minha atuação na Procuradoria da República, e apoiei a aprovação do Estatuto do Desarmamento porque achei que, naquela ocasião, era uma situação que merecia um aumento no rigor, no controle de armas em uso no país", disse.

10. Remuneração e auxílio-aluguel para procuradores
Dodge defende a legalidade do pagamento de auxílio-moradia para integrantes do Ministério Público Federal, inclusive para aqueles que possuem casa própria, como é o seu caso. O benefício, também recebido por juízes federais, é de R$ 4.377,73 mensais.

Em entrevista ao portal UOL em 2015, ela afirmou que "a verba tem natureza indenizatória e, por isso, repara o gasto com moradia em locais onerosos, nas condições especificadas em lei".
O salário bruto dos membros do Ministério Público Federal varia de R$ 28 mil a R$ 33,7 mil, segundo a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

"A remuneração do membro do Ministério Público é acima da média nacional porque é de interesse público recrutar pessoas bem capacitadas para investigar e processar diariamente em juízo atos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros graves crimes, promover a defesa do regime democrático e de direitos humanos e zelar por serviços de relevância pública que tenham qualidade", afirmou.

 


Leandro Colon: Guerra na Procuradoria prejudica o país e favorece os corruptos

A Procuradoria-Geral da República amanhece sob novo comando. Assume Raquel Dodge, indicada pelo presidente Michel Temer, sai Rodrigo Janot, algoz do peemedebista nos últimos meses.

Janot avisou que não iria à posse porque não fora convidado. Dodge diz que o chamou por e-mail, assim como fez com todos os procuradores.

A Folha desta segunda-feira (18) mostra que o tiroteio dentro da PGR deve continuar: depois de ficar preso por 76 dias, a pedido de Janot, o procurador Ângelo Villela quebra o silêncio e, em entrevista à repórter Camila Mattoso, afirma que o colega construiu a delação da JBS para derrubar Temer com o objetivo de impedir a nomeação de Dodge, espécie de líder de grupo político antagônico.

As palavras de Villela, acusado por Janot de ter agido como um infiltrado da JBS dentro do Ministério Público, devem ser lidas com cautela, afinal é um denunciado atacando seu acusador. Porém, é uma versão de quem até pouco tempo atrás frequentava a casa de Janot. Eram amigos (o próprio Janot diz isso). Villela contou, por exemplo, que integrou um grupo reservado do gabinete da PGR para troca de mensagens onde o chefe chamava Dodge de "bruxa"

A lambança no caso JBS manchou um mandato que cometeu equívocos, mas que ao mesmo tempo deixou um legado para a Lava Jato. Se Eduardo Cunha hoje está na cadeia, deve-se ao esforço da equipe do ex-PGR. O imenso acordo de delação da Odebrecht teve uma participação fundamental de Janot. O saldo é de uma gestão turbulenta, com altos e baixos e métodos discutíveis. Uma gestão que como nunca jogou luz sobre a atuação do Ministério Público.

A entrevista de Villela é reveladora sobre as entranhas políticas de uma instituição dividida e da qual se depende tanto para combater os malfeitos com o dinheiro público. Não se espera que o grupo de Janot colabore com o de Dodge. A guerra está conflagrada na PGR. Perde o país com o racha. Bom para os corruptos.

 

 


O Estado de S. Paulo: Supremo prevê relação menos tensa com nova procuradora

Ministros da Corte avaliam que Raquel Dodge conduzirá a PGR de forma mais incisiva e com menos contratempos do que antecessor

Beatriz Bulla, Breno Pires e Rafael Moraes Moura, de O Estado de S.Paulo

Depois de um desgaste na relação entre Rodrigo Janot, no fim do mandato como procurador-geral da República, e o Supremo Tribunal Federal (STF), a expectativa na Corte é de que sua substituta, Raquel Dodge, titular da PGR a partir desta segunda-feira, 18, foque no papel institucional do Ministério Público Federal, sem descuidar dos rumos da Operação Lava Jato.

A forma como Janot conduziu o episódio do áudio do empresário Joesley Batista, dono do Grupo J&F, e Ricardo Saud, ex-executivo da holding, causou desconforto no STF. Ministros e auxiliares avaliaram que, quando anunciou a descoberta de uma gravação que trazia indícios de omissão de fatos graves por delatores, Janot expôs negativamente o Tribunal por ter revelado, sem explicar o contexto, que havia citações a integrantes da Corte.

Se o perdão judicial concedido por Janot aos executivos da J&F já era alvo de questionamentos, após o episódio da gravação surgiram dúvidas sobre se a PGR se descuidou neste acordo de colaboração.

Ministros do Supremo ouvidos pelo Estado elogiam o perfil da sucessora de Janot e dizem acreditar que, pela experiência na área do direito penal, ela vai atuar de forma firme e rigorosa, sem comprometer os desdobramentos da Lava Jato.

Em um sinal de deferência à Corte, Raquel fez questão de se encontrar com ministros antes de sua posse, apresentando a equipe e entregando pessoalmente convites para a solenidade, que terá a presença do presidente Michel Temer – alvo de duas denúncias de Janot, a mais recente apresentada na quinta-feira passada ao Supremo por organização criminosa e obstrução da Justiça.

Auxiliares da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, apostam em “um novo tempo”, com uma maior harmonização das relações com a PGR.

Único ministro do STF publicamente crítico a Janot, Gilmar Mendes não esconde a expectativa pela substituição do desafeto por Raquel. “Ela é uma pessoa qualificada, tem grande experiência institucional no Ministério Público e enfrenta um grande desafio pela frente: restaurar os laços de credibilidade da Procuradoria-Geral. Tenho a impressão de que ela restaura um quadro de normalidade, de confiança e de decência nos quadros da PGR”, disse.

O ministro – que se encontrou com Temer um dia antes de ele anunciar a escolha de Raquel, segunda mais votada na lista tríplice do Ministério Público – não participou do julgamento em que, por nove a zero, o STF rejeitou afastar Janot das investigações contra Temer no caso J&F.

O procurador-geral, por sua vez, pediu que o ministro fosse afastado dos julgamentos que envolviam o empresário Jacob Barata Filho. Ele apontou “vínculos pessoais que impedem o magistrado de exercer com a mínima isenção suas funções no processo”, como o fato de Gilmar ter sido padrinho de casamento da filha de Jacob. O pedido de suspeição de Gilmar não foi analisado.

Um ministro ouvido reservadamente avaliou que, sob o comando de Raquel, a PGR pode ser mais incisiva na Lava Jato, como forma de demonstrar independência. Esse ministro, entretanto, considerou que a Procuradoria poderá também ampliar sua atuação, mirando em outras áreas, como a defesa de direitos de minorias e ambiente.

Confiança. Para o ministro Luiz Fux, Raquel cumpre bem as “funções institucionais”. “Ela encarna a figura do MP como ele deve ser, é bem equilibrada, discreta, enérgica”, disse.

Luís Roberto Barroso disse achar que a nova procuradora-geral manterá a linha de atuação de seus antecessores. “Tenho a confiança de que ela prosseguirá na linha de transformação do Brasil que a Procuradoria-Geral da República tem imprimido em sucessivas gestões que incluem Cláudio Fonteles, Antônio Fernando, Roberto Gurgel e Rodrigo Janot”, afirmou Barroso.

Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, a Operação Lava Jato estará em “boas mãos”. “A alternância (de comando) é sempre salutar. Ela (Raquel) é republicana, ela é democrática. E nós temos quadros excepcionais no Ministério Público Federal. A doutora Raquel é uma pessoa aplicada, é uma pessoa que tem os olhos voltados para os interesses nacionais permanentes”, afirmou.

 


G1: Chega ao fim mandato de 4 anos de Janot à frente da Procuradoria Geral da República

Raquel Dodge toma posse nesta segunda (18) como procuradora-geral. Sob Janot, Operação Lava Jato abriu no STF 137 investigações, cujos alvos são Michel Temer, 4 ex-presidentes e 93 parlamentares 

Após quatro anos, chega ao fim neste domingo (17) o mandato de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria Geral da República (PGR). Nesta segunda-feira (18), toma posse no cargo Raquel Dodge.

Leia também:

A gestão de Janot no comando do Ministério Público Federal foi marcada pela maior investigação já realizada pelo órgão contra a corrupção.

Sob a condução de Janot e uma equipe de 10 investigadores, a Operação Lava Jato levou à abertura de 137 investigações atualmente em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), cujos alvos são:

  • 1 presidente (Michel Temer);
  • 4 ex-presidentes;
  • 93 parlamentares (63 deputados federais e 30 senadores);
  • 6 ministros do governo Temer;
  • 2 ministros do Tribunal de Contas da União (TCU).

Também são investigadas no Supremo mais de uma centena de pessoas sem o chamado foro privilegiado – como lobistas, doleiros, ex-diretores de estatais e políticos sem mandato envolvidos com as autoridades suspeitas.

Outras dezenas de pessoas, inicialmente investigadas no STF, tiveram os casos remetidos para instâncias inferiores após perda do foro privilegiado.

Fora a Lava Jato (relacionada a desvios de recursos de Petrobras, Eletrobras, Caixa e fundos de pensão, principalmente), o Ministério Público também investigou, sob o comando de Janot, outros esquemas de corrupção.

Destacam-se, por exemplo, as operações Zelotes (sobre compra de decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal – Carf –, venda de medidas provisórias e compra de caças suecos) e a Ararath (que desvendou a existência de bancos clandestinos destinados à lavagem de dinheiro em Mato Grosso).

Foi no período Janot que se intensificou no Brasil o uso do que é hoje considerada a principal arma de investigação dos chamados "crimes do colarinho branco": a delação premiada.

A cooperação internacional na operação alcançou 48 países com a repatriação de R$ 79 milhões em dinheiro sujo desviado para o exterior.

 Êxitos
Desde o início das investigações, Janot também obteve vitórias no Supremo que lhe possibilitaram aprofundar o trabalho de combate ao crime. Uma das primeiras foi a confirmação, em maio de 2015, pelo plenário do Supremo, do poder do Ministério Público para conduzir investigações.

Embora, na prática, procuradores já apurassem crimes, várias instâncias judiciais anulavam provas por entenderem que só a polícia podia tocar os inquéritos.

Janot também saiu vitorioso no julgamento que validou, em agosto de 2015, a delação premiada do doleiro Alberto Youssef, um dos primeiros a citar políticos no escândalo da Petrobras. Na decisão, o STF rejeitou o argumento de que personalidade "desajustada" do delator coloca em risco a validade do acordo.

Em outubro do mesmo ano, pela primeira vez na história, a PGR conseguiu extraditar um foragido com dupla cidadania. Condenado em 2012 no mensalão, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolatofugiu para a Itália em novembro de 2013 para escapar da prisão decretada pelo STF.

Outro fato inédito na história recente do país foi a prisão de um parlamentar durante o mandato. Em novembro de 2015, o STF aceitou o pedido de Janot para levar à cadeia o então senador e líder do governo Delcídio do Amaral. Ele foi gravado em conversa tentando evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

Em 2016, Janot também teve êxito na defesa da possibilidade de decretar a prisão de alguém após condenação pela segunda instância. Desde 2009, o STF só admitia a prisão após esgotados todos os recursos possíveis nas quatro instâncias existentes. A virada no entendimento, disse Janot, foi um "passo decisivo contra a impunidade no Brasil".


Críticas
O maior deslize de Janot, apontado por seus críticos, ocorreu no último mês dele no cargo. A delação da J&F, assinada em maio de 2016 pelos executivos da empresa com o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR, passou a ter considerado seu fim incerto na Justiça.

Embora a iniciativa de revisar o acordo tenha partido do próprio procurador-geral, pela suspeita de omissão de crimes pelos executivos da empresa, a colaboração virou objeto de desconfiança maior pela suposta participação do ex-procurador Marcello Miller, ex-auxiliar de Janot na Lava Jato, quando ele ainda integrava a PGR.

A questão ainda será discutida pelo Supremo, mas fora da gestão Janot – caberá à sua sucessora, Raquel Dodge, manter de pé as gravações feitas por Joesley Batista com o presidente Michel Temer e outros políticos citados.

Ainda dentro da novela J&F, a imagem do procurador saiu manchada, na avaliação de críticos a ele, com a divulgação de uma foto na qual ele aparece sentado numa mesa de bar em Brasília com o advogado de Joesley.

O flagrante ocorreu um dia antes da prisão do empresário, pedida pelo próprio Janot. Questionado, ele disse que o encontro ocorreu por acaso e negou ter falado sobre a prisão com o defensor.

Mesmo antes do imbróglio com a J&F, Janot sofreu alguns reveses na Lava Jato. Em abril de 2015, a Segunda Turma do STF tirou da cadeia, de uma só vez, nove executivos de empreiteiras que haviam sido presos preventivamente a pedido de Janot. A maioria considerou prolongados os quase cinco meses em que estavam encarcerados sem qualquer condenação na Justiça.

Revés semelhante ocorreu no início deste ano, quando o STF também mandou soltar o ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro do PP João Claudio Genu e o pecuarista José Carlos Bumlai, todos já condenados na Lava Jato.

Também é apontada como derrota de Janot a escolha, pelo presidente Michel Temer, da subprocuradora Raquel Dodge para sucedê-lo na PGR. Janot apoiava Nicolao Dino, que obteve a maioria dos votos na lista de três nomes indicados pela associação de procuradores – Dodge foi a segunda colocada.


Despedida
Apegado à família – é casado e tem uma filha –, torcedor fanático do Atlético-MG, apreciador de cerveja e culinária, Janot espera, enfim, deixar de lado os holofotes e a ira dos políticos.

Após a despedida do comando da PGR, na última sexta (15), ele deve entrar em férias de 30 dias, e depois voltar à PGR como subprocurador-geral da República, cargo que ocupava anteriormente.

Embora tenha cogitado se aposentar, deve permanecer no órgão e, com isso, manter foro privilegiado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – há o receio de que, devido às dezenas de acusações que fez contra políticos, passe agora a ser alvo de ações.

Os planos de Janot, no entanto, incluem, ainda em 2017, iniciar uma licença de um ano da PGR a que ainda tem direito.

Depois, ao se aposentar e após três anos de quarentena, o projeto é atuar na iniciativa privada, prestando consultoria na área de compliance, nome que se dá ao conjunto de políticas anticorrupção adtoadas pelas empresas.


Folha de S. Paulo: Amplitude da acusação desafia defesa de Temer

Em uma detalhada narrativa de 245 páginas, Janot denuncia Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Henrique Eduardo Alves, Eduardo Cunha e Rocha Loures pela prática de crime de organização criminosa transnacional.

ELOÍSA MACHADO e RUBENS GLEZER,
ESPECIAL PARA A FOLHA

Segundo a denúncia, Temer e seus aliados ocupavam postos políticos e negociavam apoio em troca do poder de indicação de nomes para cargos estratégicos em empresas e ministérios.

Se isso não é algo ilícito por si só, o mesmo não se pode dizer do proveito que a organização criminosa tirava da situação. A presença na Petrobras, em Furnas, no Ministério da Integração Nacional, no Ministério da Agricultura, na Caixa Econômica Federal e até na própria Câmara era um meio para o esquema de arrecadação de propinas.

A história é conhecida: empresas que queriam ser contratadas ou ter uma lei em seu benefício repassavam propina a Temer e seus aliados.

O papel dado a Michel Temer na organização criminosa é central; "dava a necessária estabilidade e segurança ao aparato criminoso, figurando ao mesmo tempo como cúpula e alicerce da organização", nas palavras de Janot.

Para corroborar essa narrativa de um longo e vasto esquema criminoso, a denúncia aponta uma série de provas que, ao menos nessa etapa, mostram indícios de materialidade e de autoria dos crimes.
São depoimentos, termos de colaboração premiada, áudios; interceptações telefônicas; mensagens de texto; tudo de famosos personagens do enredo da Lava Jato, como Sérgio Machado, Delcídio do Amaral, Marcelo Odebrecht e Nestor Cerveró. Mas é Lúcio Funaro quem traz os elementos de conexão de vários casos até Temer.

Essa amplitude de indícios impõe um desafio à defesa de Temer, que pediu ao STF a suspensão da denúncia –antes de seu envio à Câmara dos Deputados– até que se resolva sobre a validade das provas na delação de Joesley Batista. Mas essas provas sustentam apenas a denúncia por obstrução à Justiça. Todo o resto segue sem questionamentos.

A denúncia deverá ser remetida em breve para a Câmara dos Deputados e novamente será encaminhada a uma comissão para elaborar um parecer, possivelmente repetindo as negociações do governo para trocas e substituições de membros, na tentativa de obter uma manifestação de rejeição à sua tramitação. O país terá, então, a oportunidade de assistir mais uma vez às votações no plenário da Câmara.

Mas tudo indica que isso se dará em um contexto razoavelmente distinto da votação sobre a primeira denúncia.

Naquela ocasião, se denunciava um episódio de corrupção pontual de aproximadamente R$ 500 mil, enquanto agora se denuncia Temer por ser um dos protagonistas de um esquema criminoso desde 2002, intensificado em 2007 e comandado por ele a partir de 2016, sob a acusação de receber mais de R$ 500 milhões –mil vezes o valor da primeira denúncia–, agravada pelo fato de tentar a obstruir a investigação desses crimes durante o mandato presidencial. A gravidade pública dos fatos é muito maior.

Nesse contexto não será fácil para o governo angariar o apoio de deputados que têm um encontro marcado com o eleitorado em 2018. Mesmo com uma eventual rejeição de mais essa denúncia, é difícil imaginar que o Planalto e o Congresso consigam fazer algo que não apenas trabalhar para sua própria sobrevivência.

A Operação Lava Jato deve prosseguir para os diversos deputados, senadores e ministros já apontados como partícipes no esquema criminoso, dentre os quais os aliados de Temer, isolando-o. Isso sem dizer que o próprio Michel Temer pode vir a ser alvo de mais uma denúncia em inquérito recém-autorizado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a venda do decreto dos portos e propinas da Rodrimar.
Já não estamos mais estupefatos com o ineditismo de uma primeira denúncia contra um presidente em exercício; afinal, já estamos acompanhando o oferecimento de uma segunda denúncia e, muito provavelmente, de uma terceira.

Inédito, até mesmo incrível, será ter um presidente da República absolutamente impopular e exposto em um enorme esquema de vandalismo político, sendo capaz de resistir.

* ELOÍSA MACHADO e RUBENS GLEZER são professores e coordenadores do Supremo em Pauta FGV Direito SP