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Paul Krugman: Como o Partido Republicano se tornou selvagem
Democracia dos EUA está sob ameaça de um tribalismo malévolo
Sempre houve pessoas como Donald Trump: egocêntricas, inclinadas à autopromoção, convictas de que as regras se aplicam apenas ao povinho, e de que aquilo que acontece ao povinho não importa.
Mas o moderno Partido Republicano não se parece com qualquer coisa que tenhamos visto no passado, pelo menos na história dos Estados Unidos. Se ainda existe alguém que não está totalmente convencido de que um dos nossos dois grandes partidos políticos se tornou inimigo não só da democracia, mas da verdade, os acontecimentos transcorridos depois da eleição deveriam bastar para eliminar quaisquer dúvidas.
Não é só porque a maioria dos republicanos da Câmara e muitos senadores republicanos estão apoiando os esforços de Trump para reverter sua derrota eleitoral, embora não existam provas de fraude ou de irregularidades generalizadas. Veja a maneira pela qual David Perdue e Kelly Loeffler estão conduzindo sua campanha no segundo turno das eleições para o Senado na Geórgia.
Eles não estão fazendo campanha em torno das questões políticas ou mesmo de aspectos reais do histórico pessoal de seus oponentes. Em lugar disso, afirmam, sem qualquer base nos fatos, que os oponentes são marxistas ou estão “envolvidos no abuso de crianças”. Ou seja, as campanhas para reter o controle republicano do Senado se baseiam em mentiras.
No domingo, Mitt Romney execrou as tentativas de Ted Cruz e de outros republicanos do Congresso de reverter o resultado da eleição presidencial, questionando: “Será que a ambição eclipsou os princípios”? Mas que princípios Romney acredita que o Partido Republicano defende, nos últimos anos? É difícil ver qualquer coisa que embase o comportamento recente dos republicanos a não ser a busca de poder de qualquer que seja a maneira.
Em 2003, escrevi que os republicanos haviam se tornado uma força radical, hostil aos Estados Unidos em sua forma atual, e que potencialmente ambicionavam criar um Estado de partido único no qual “as eleições sejam apenas uma formalidade”. Em 2012, Thomas Mann e Norman Ornstein alertaram que o Partido Republicano “não se deixa influenciar pelo entendimento convencional dos fatos” e “desconsidera a legitimidade da oposição política”.
Quem se surpreende diante da avidez de muitos integrantes do partido por reverter os resultados de uma eleição com base em acusações especiosas de fraude simplesmente não estava prestando atenção.
Mas o que propele a queda dos republicanos à escuridão?
Será uma reação populista à elite? É verdade que existe ressentimento com relação à mudança na economia, que privilegia as áreas metropolitanas com populações de nível de educação elevado, em detrimento das áreas rurais e das cidades pequenas; Trump recebeu 46% dos votos, mas venceu a eleição em condados que representam apenas 29% do PIB (Produto Interno Bruto) dos Estados Unidos. Existe uma forte reação adversa dos brancos à crescente diversidade racial do país.
Mas os últimos dois meses representam uma lição prática sobre até que ponto a ira das “bases” na verdade é orquestrada pelas lideranças. Se uma grande parte da base republicana acredita, sem qualquer fundamento, em que a eleição foi roubada, isso acontece porque os líderes do partido vêm repetindo essa acusação. Agora os políticos mencionam o ceticismo generalizado quanto aos resultados da eleição como motivo para rejeitar o resultado –mas foram eles mesmos que conjuraram esse ceticismo, do nada.
E o que é notável, se estudarmos os antecedentes dos políticos que fomentam o ressentimento contra as elites, é o quanto muitos deles são privilegiados. Josh Hawley, o primeiro senador a declarar que objetaria à certificação dos resultados da eleição, protesta contra a elite, mas se formou na Universidade Stanford e na Escola de Direito de Yale. Cruz, que hoje lidera os esforços para subverter a eleição, tem diplomas de Princeton e Harvard.
O ponto não é que eles sejam hipócritas, e sim que não se trata de pessoas que tenham sido maltratadas pelo sistema. Assim, por que parecem tão dispostos a derrubá-lo?
Não acredito que seja apenas por serem cinicamente calculistas, ou que estejam fingindo para satisfazer as bases. Como já afirmei, na verdade é a base que está seguindo orientações da elite do partido. E a loucura dessa elite não parece ser apenas fingimento.
Meu melhor palpite é de que estamos contemplando um partido que se tornou selvagem –que cortou o contato com o resto da sociedade.
As pessoas comparam o Partido Republicano ao crime organizado ou a um culto, mas para mim os republicanos se parecem mais com os meninos perdidos de “O Senhor das Moscas”. Eles não recebem notícias do mundo externo, porque suas informações vêm de fontes partidárias que simplesmente não reportam fatos inconvenientes. Não estão sujeitos a supervisão adulta, porque, em um ambiente polarizado, há poucas disputas competitivas.
Assim, eles cada vez mais olham apenas para si mesmos, e se engajam em esforços cada vez mais absurdos para demonstrar sua lealdade à tribo. O partidarismo deles não se relaciona a causas, ainda que o partido continue comprometido com o corte dos impostos dos ricos e com punir os pobres; o objetivo é afirmar o domínio daqueles que estão por dentro, e punir quem fica de fora.
A grande questão é por quanto tempo os Estados Unidos na forma que conhecemos serão capazes de sobreviver diante dessa tribalismo malévolo.
A atual tentativa de reverter o resultado da eleição presidencial não terá sucesso, mas já se estendeu por muito mais tempo e atraiu muito mais apoio do que qualquer qualquer pessoa previa. E a menos que alguma coisa aconteça para romper o domínio das forças inimigas da democracia e da verdade sobre o
Partido Republicano, um dia elas terão sucesso em matar o experimento americano.
* Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.
Tradução de Paulo Migliacci
Paul Krugman: Com Janet Yellen no Tesouro, política econômica dos EUA será ditada por quem sabe o que está fazendo
Escolha de Joe Biden para o cargo anima economistas não só por ela ter uma carreira notável no serviço público e ter sido uma pesquisadora séria; existe algo de revanche contra Donald Trump
É difícil extrapolar o entusiasmo dos economistas com a escolha de Janet Yellen para próxima secretária do Tesouro. Parte dessa euforia reflete o caráter revolucionário da sua nomeação. Ela não só é a primeira mulher a comandar essa secretaria, mas será a primeira pessoa a assumir todas as três posições de comando da política econômica dos Estados Unidos - como presidente do Conselho de Assessores Econômicos, do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e do Tesouro.
E, sim, existe algo de revanche contra Donald Trump, que negou a ela um muito merecido segundo mandato como presidente do Fed, ao que consta porque achava que ela era muito baixinha.
Mas a boa notícia sobre Janet Yellen vai além da sua notável carreira no serviço público. Antes de assumir o cargo ela era uma pesquisadora séria. E, em particular, uma das figuras na vanguarda de um movimento intelectual que ajudou a salvar a macroeconomia como uma disciplina útil quando essa utilidade estava sob ataques internos e externos.
Antes de chegar a esse ponto, uma palavra sobre o tempo que ela passou no Federal Reserve, especialmente quando participou do conselho diretor da instituição, no início de 2010, antes de presidi-la.
Na época, a economia dos Estados Unidos vinha lentamente se recuperando da Grande Recessão - uma recuperação impedida, não por acaso, pelos republicanos no Congresso que fingiam se preocupar com a dívida pública impondo cortes de gastos que afetaram de maneira importante o crescimento econômico. Mas a questão dos gastos não era o único tema do debate; também eram ferozes as discussões sobre a política monetária.
Especificamente, muitas pessoas da direita condenavam os esforços do Fed para salvar a economia dos efeitos da crise financeira de 2008. A propósito, entre elas estava Judy Shelton, uma pessoa totalmente desqualificada que Trump ainda tenta colocar no conselho diretor do Fed e que, em 2009, alertou que as políticas adotadas pela instituição resultariam numa “ruinosa inflação” (o que não ocorreu).
Mesmo dentro do Federal Reserve havia uma divisão entre os que preconizavam medidas mais duras em relação à inflação e os defensores de uma política mais leniente permitindo um pequeno aumento da inflação que, no final, incentivaria o crescimento e a criação de empregos, e que o combate à depressão devia ser prioritário. Janet Yellen era um deles e uma análise feita em 2013 pelo The Wall Street Journal concluiu que, entre os articuladores políticos do Fed, ela foi a mais precisa nas previsões.
Por que ela acertou? Parte da resposta, eu diria, remonta ao seu trabalho acadêmico na década de 1980.
Na ocasião, como já afirmei, a macroeconomia útil estava sob ataque. O que quero dizer com “macroeconomia útil” é o entendimento, compartilhado por economistas como John Maynard Keynes e Milton Friedman, de que as políticas fiscal e monetária devem ser usadas para o combate das recessões e reduzir o impacto negativo sobre as pessoas e sobre a economia.
Esse entendimento não falhou quando foi testado na realidade, pelo contrário, a experiência do início dos anos 1980 confirmou vigorosamente os prognósticos da tese macroeconômica básica. Mas estava sob ameaça.
De um lado, políticos de direita defendiam doutrinas excêntricas, especialmente a tese de que os governos podem engendrar um milagroso crescimento reduzindo impostos devidos pelos ricos. De outro lado, um número importante de economistas rejeitava qualquer papel da política no combate das recessões, afirmando que ele era desnecessário se as pessoas agissem racionalmente em seus próprios interesses, e que a análise econômica sempre devia supor que as pessoas são racionais e buscam seus próprios interesses. E mesmo um pouco de realismo sobre o comportamento humano renova a defesa de políticas agressivas para combater as recessões. Em trabalhos posteriores, Yellen mostrou que os resultados para o mercado de mão de obra dependem muito não só dos cálculos de ganhos e lucros, mas também da percepção de equidade.
Tudo isto parece ininteligível, mas posso responder, pela minha própria experiência, que esse trabalho teve um enorme impacto sobre muitos economistas jovens, basicamente dando a eles permissão para serem mais sensatos.
E me parece que existe uma linha direta do realismo disciplinado da pesquisa acadêmica de Janet Yellen para seu sucesso como estrategista econômica. Ela sempre foi alguém que compreendeu o valor dos dados e modelos. E com efeito, a reflexão rigorosa se torna mais, e não menos, importante em tempos como estamos vivendo hoje, quando a experiência passada oferece pouca orientação sobre o que deveríamos estar fazendo. Mas ela também nunca esqueceu que a economia tem a ver com pessoas, que não são as máquinas de calcular insensíveis que os economistas às vezes querem que elas sejam.
Agora, nada disso significa que as coisas necessariamente irão de vento em popa. A corrida não é dos velozes, como o pão não é dos sábios, e tampouco o entendimento dos responsáveis pelas políticas garante o sucesso, mas o tempo e a oportunidade possibilitam tudo isto. O gabinete de governo de Trump foi um show de palhaços - possivelmente o pior gabinete na história dos EUA. Mas foi apenas em 2020 que as consequências da incompetência deste governo ficaram totalmente aparentes.
Mas é imensamente tranquilizador saber que a política econômica será ditada por uma pessoa que sabe o que está fazendo. / Tradução de Terezinha Martino.
Paul Krugman: As ações estão subindo. Assim como a miséria
A economia real, ao contrário dos mercados financeiros, ainda está em péssimas condições
Na terça-feira, o índice de ações S&P 500 registrou uma alta recorde. No dia seguinte, a Apple se tornou a primeira empresa americana da história a ser avaliada em mais de US $ 2 trilhões. Donald Trump está, claro, tentando nos convencer de que o desempenho do mercado de ações comprova que a economia se recuperou do coronavírus. Uma pena para os 173 mil americanos que morreram, mas, como ele diz, “essas coisas acontecem”.
Mas a economia provavelmente não está parecendo assim tão bem aos olhos dos milhões de trabalhadores que ainda não conseguiram seus empregos de volta e que acabaram de ver seu auxílio-desemprego cortado. O benefício suplementar de U$ 600 por semana promulgado em março expirou, e a substituição que Trump propôs é, em essência, uma piada de mau gosto.
Mesmo antes do corte da ajuda, a quantidade de pais de família relatando dificuldades para dar de comer aos filhos estava crescendo rapidamente. Esse número com certeza aumentará nas próximas semanas. E também estamos prestes a ver uma enorme onda de despejos, porque as famílias não estão mais recebendo o dinheiro de que precisam para pagar o aluguel e porque a proibição temporária aos despejos, assim como o auxílio suplementar ao desemprego, acabou de expirar.
Mas como pode haver essa desconexão entre a subida das ações e o crescimento da miséria? Os caras de Wall Street, que adoram letras e siglas, estão falando de uma “recuperação em forma de K”: valorização das ações e aumento da riqueza individual no topo da pirâmide, queda da renda e forte sofrimento na base. Mas isto é uma descrição, não uma explicação. O que está acontecendo de fato?
A primeira coisa a notar é que a economia real, ao contrário dos mercados financeiros, ainda está em péssimas condições. O índice econômico semanal do Federal Reserve de Nova York sugere que, embora tenha atingido seu ponto mais baixo alguns meses atrás, a economia ainda se encontra em uma depressão mais profunda do que em qualquer momento da recessão que se seguiu à crise financeira de 2008.
E, desta vez, as perdas de empregos se concentram entre os trabalhadores com salários mais baixos – ou seja, precisamente os americanos sem recursos financeiros para enfrentar tempos difíceis.
Mas e as ações? A verdade é que os preços das ações nunca se ligam intimamente ao estado da economia. Como diz uma velha piada de economistas, o mercado previu nove das últimas cinco recessões.
As ações sofrem, sim, o impacto de crises financeiras, como as rupturas que se seguiram à quebra do Lehman Bros. em setembro de 2008 e o breve congelamento dos mercados de crédito em março. Fora isso, os preços das ações seguem bastante desconectados de coisas como emprego ou mesmo PIB.
E, hoje em dia, a desconexão está ainda maior do que de costume.
Pois a recente ascensão do mercado foi amplamente impulsionada por um pequeno número de gigantes da tecnologia. E os valores de mercado dessas empresas têm muito pouco a ver com seus lucros atuais, muito menos com o estado da economia em geral. Em vez disso, esses valores refletem as percepções dos investidores sobre um futuro bem distante.
Veja o exemplo da Apple, com sua avaliação de US $ 2 trilhões. A Apple tem um índice preço/lucro – a relação entre sua avaliação de mercado e seus lucros – de cerca de 33. Uma maneira de olhar para esse número é dizer que apenas 3% do valor que os investidores colocam na empresa reflete o dinheiro que eles esperam ganhar ao longo do próximo ano. Eles esperam que a Apple seja lucrativa daqui a alguns anos, mas pouco se importam com o que acontecerá na economia americana nos próximos trimestres.
Além disso, os lucros que as pessoas esperam que a Apple obtenha daqui a alguns anos estão especialmente grandes porque, afinal, onde mais elas vão botar seu dinheiro? Os rendimentos dos títulos do governo americano, por exemplo, estão bem abaixo da taxa de inflação projetada.
E a avaliação da Apple na verdade está menos exagerada do que a de outras gigantes da tecnologia, como Amazon ou Netflix.
Portanto, as ações das gigantes da tecnologia – e as pessoas que as possuem – estão em alta porque os investidores acreditam que se sairão muito bem no longo prazo. A economia em recessão pouco importa.
Infelizmente, os americanos comuns obtêm muito pouco de sua renda com ganhos de capital e não podem viver de projeções otimistas sobre suas perspectivas futuras. Não adianta muito dizer ao proprietário do apartamento que você aluga para não se preocupar com sua atual incapacidade de pagar o aluguel, porque você com certeza terá um ótimo emprego daqui a cinco anos. Esse argumento só fará com que você seja expulso do apartamento e jogado na rua.
Então, esta é a atual situação dos Estados Unidos: o desemprego ainda está extremamente alto, em grande parte porque Trump e seus aliados primeiro não quiseram levar o coronavírus a sério, depois pressionaram por uma reabertura antecipada da economia em um país que não atendia a nenhuma das condições para a retomada dos negócios – e até agora se recusam a apoiar estratégias básicas de proteção, como o uso generalizado de máscaras.
Apesar desse fracasso épico, os desempregados ficaram com a cabeça fora da água durante meses graças ao auxílio federal, que ajudou a evitar uma catástrofe humanitária e econômica. Mas agora a ajuda acabou. E Trump e aliados estão encarando o iminente desastre econômico com a mesma seriedade com que encararam o iminente desastre epidemiológico.
Tudo sugere que, mesmo que a pandemia enfraqueça – o que não é, de forma alguma, uma certeza –, estamos prestes a ver um grande aumento na miséria nacional.
Ah, mas as ações estão em alta. Então por que deveríamos nos preocupar?
* Tradução de Renato Prelorentzou.
Samuel Pessôa: Os erros de Krugman
Melhor que o Nobel estude mais antes de escrever sobre economia da qual nada entende
Em artigo publicado no dia 9 no jornal The New York Times e reproduzido pela Folha, o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman argumentou que a crise brasileira é fruto de três fatores: queda dos preços das commodities, excesso de endividamento das famílias e política monetária e fiscal contracionista.
Concordando com os economistas heterodoxos brasileiros, a crise é essencialmente culpa do ajuste fiscal de Joaquim Levy.
A atual crise representa a maior perda de PIB, a segunda maior de PIB per capita e a recessão mais longa dos últimos 120 anos. No atual episódio, os termos de troca caíram 11%, se consideramos a média para os quatro anos findos no ano da crise em comparação aos quatro anos posteriores.
Nos outros quatro episódios, a queda equivalente foi de 44% para a crise de 1914, 32% em 1930, 32% em 1981 e 7% em 1990. Adicionalmente, o nível dos termos de troca no atual episódio, após a queda, ainda se manteve historicamente elevado.
Finalmente, esse foi um período de juros internacionais extremamente baixos, condição muito favorável para uma economia que importa capitais.
Houve uma elevação do endividamento das famílias, mas muito pior foi o endividamento das empresas —por exemplo, a Petrobras, que, sozinha, chegou a ser responsável por 8% de todo o investimento nacional, atingiu um nível de dívida equivalente a cinco vezes a geração de caixa. Na prática, estava quebrada.
Evidentemente, o investimento foi cortado.
Histórias com essa aplicam-se para indústria naval, toda a cadeia de óleo e gás, setor sucroalcooleiro e para diversas construtoras que se prepararam para atender os ambiciosos e irrealistas cronogramas do Minha Casa, Minha Vida.
Adicionalmente houve claros sinais de sobreinvestimento na indústria automobilística e toda sua cadeia produtiva.
O diagnóstico heterodoxo de crise keynesiana clássica de carência de demanda é incompatível com juros reais elevados e inflação também.
A política fiscal esteve longe de ser particularmente contracionista. As taxas de crescimento real do gasto primário nos anos de 2012 até 2016 foram respectivamente de 5,8%, 7,7%, 6,0%, -3,2% e 2,1%. Note que em nenhum ano o gasto primário cresceu abaixo do PIB. Estranho uma queda em cinco anos produzir esse estrago.
Finalmente, considerar a política monetária muito contracionista não faz o menor sentido, dada a experiência brasileira. As estimativas indicam que a taxa de juros neutra no Brasil era, em 2015,
da ordem de 5,5%.
O ciclo de alta das taxas de juros iniciou-se no primeiro semestre de 2013, após a inflação do tomate, e terminou em meados de 2015, com a taxa a 14,25%. Na média de 2015, a taxa real, considerando a inflação futura, rodou em torno de 7,5%, dois pontos percentuais acima da taxa neutra.
Para termos uma comparação com episódios passados, em 2003 a taxa de crescimento do gasto público foi de -3,7%, e o juro real foi de 13%. O crescimento foi 1,1%, e não a queda de 3,5% que tivemos em 2015.
Se Krugman tivesse olhado a evolução da inflação de serviços, o componente que responde à demanda, notaria que ela rodou em torno de 9% ao ano até o fim de 2016.
Achar que uma crise que se inicia no segundo trimestre de 2014, com queda de investimento desde o quarto trimestre de 2013 e tendo serviços rodando a 9% até o fim de 2016, se deve à carência de demanda agregada é verdadeira estultice.
Melhor que, da próxima vez em que Krugman for escrever sobre uma economia da qual ele nada entende, estude um pouco mais.
*Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.