O Globo

Merval Pereira: Dilemas legais e bom mocismo de Bolsonaro

Presidente da CPI, senador Omar Aziz, acha que o procurador-geral da República não pode simplesmente “matar no peito” e não agir

Merval Pereira / O Globo

O bom-mocismo do presidente Jair Bolsonaro tem a ver, sobretudo, com a proximidade do julgamento de alguns dos processos que podem atingi-lo e do encerramento da CPI da Covid, que discute internamente como encaminhar o relatório final de maneira que tenha consequências práticas. Há questões técnicas que podem obrigar a CPI a fazer dois ou três relatórios, cada um endereçado a um órgão próprio, como sugere o professor e jurista Aurélio Wander Bastos, que alertou a comissão de que não cabe ao Ministério Público Federal dar seguimento a acusações de crime de responsabilidade.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz, acha que o procurador-geral da República, Augusto Aras, não pode simplesmente “matar no peito” e não dar seguimento ao relatório, mas a legislação pode ajudá-lo a não acusar o presidente da República, como temem os membros da CPI. A Constituição brasileira, ao definir as competências da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), estabelece que ela tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, devendo suas conclusões, se for o caso, ser encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal.

Ocorre, porém, como lembra Wander Bastos, que não cabe ao procurador-geral da República denunciar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) crime de responsabilidade do presidente da República, como também, por força da Constituição, fazer a denúncia desse, ou de qualquer outro crime, junto à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal.

Ao Supremo, cabe apenas processar e julgar, nas infrações penais comuns, os crimes do presidente da República. Esse é, diz Wander Bastos, o dilema colocado para a CPI, porque, encaminhadas as conclusões ao Ministério Público, a Constituição não esclarece o destino dos crimes de responsabilidade apurados.

A denúncia da Procuradoria-Geral da República, nos casos de crime de responsabilidade do presidente da República, deveria ser enviada ao STF, mas a Constituição não prevê explicitamente a competência do Supremo para julgar crime de responsabilidade do presidente, admitindo apenas para julgamento seus crimes comuns.

A Constituição, ressalta Wander Bastos, também não reconhece a competência do Senado para julgar crimes de responsabilidade do presidente da República, até porque a acusação não terá sido admitida por dois terços da Câmara dos Deputados, como requer o texto constitucional. Wander Bastos analisa que a CPI está efetivamente diante de uma dificuldade legal, tendo em vista que a Lei de Impeachment fala em denúncia de crime de responsabilidade enquanto direito do cidadão, mas a Constituição não abre essa competência para comissões ou órgãos de direito coletivo, exceto se a denúncia na Câmara dos Deputados for promovida por cidadão presidente de órgão ou comissão. A denúncia teria de ser individualizada no senador Omar Aziz, presidente da CPI.

Por isso, o jurista Wander Bastos sugere que seja feito um relatório específico para o caso de crime de responsabilidade do presidente da República e outros dois, um sobre crimes comuns, que poderiam ser julgados pelo STF, e outro sobre crimes contra os direitos humanos. Em outra ponta, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está disposto a julgar em outubro a chapa Bolsonaro-Mourão no processo que se refere aos disparos em massa pelo WhatsApp na campanha eleitoral de 2018.

Com as provas conexas do processo das fake news que corre no STF, a acusação será muito contundente. Não há, porém, expectativa de que o TSE casse a chapa. Todos os julgamentos de políticos e presidentes da República, assim como o impeachment, são políticos. Caso Bolsonaro se contenha até lá, não haverá clima político para que a chapa seja impugnada, nem para que fique inelegível. As revelações que sairão do julgamento, mesmo que o resultado final não seja a cassação, serão muito significativas da maneira como ele governa e de como chegou ao poder. E, politicamente, será muito ruim para ele.

Fonte: O Globo


Fernando Gabeira: Brasil de bolsonaro mostra o dedo para o mundo

O jornal alemão Frankfurter Allgemeine disse que o Brasil mostrou o dedo para o mundo

Fernando Gabeira / O Globo

Era uma alusão à posição negacionista de Bolsonaro, que não apenas recusa a vacina, como quebrou o código de honra da ONU, que esperava um encontro de imunizados. Na verdade, a manchete era uma síntese da atitude de Bolsonaro com a do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que mostrou o dedo para manifestantes contrários ao governo.

A primeira coisa que me ocorreu é que durante muito tempo falamos do brasileiro como um homem cordial. É uma visão idealizada. No entanto jamais poderíamos suspeitar que uma delegação brasileira “mostrasse o dedo para o mundo na ONU”e que isso se transformasse na manchete de um dos principais jornais alemães.

Quando Bolsonaro defendeu a hidroxicloroquina, dizendo que a História e a ciência fariam justiça ao tratamento precoce da Covid-19, lembrei-me de seu esforço no Congresso para aprovar uma pílula contra o câncer, desenvolvida por um pesquisador de São Paulo. Bolsonaro tinha pela fosfoetanolamina a mesma empolgação e é incapaz de se perguntar hoje para quem a ciência e a História deram razão.

Tenho a impressão de que sua confiança na cura mágica cresce com a complexidade do nome do remédio. Certamente se interessou pela proxalutamida.

Dois dias depois do espetáculo de realidade paralela que ofereceu na ONU, Bolsonaro aparece com seis dedos na mão, numa imagem em suas redes sociais. Realmente, falam com os dedos, e essa linguagem foi bem captada dentro da van que levava Marcelo Queiroga. Ele mostrou o dedo médio, numa escolha claramente pornográfica. O chanceler Carlos Alberto França, diplomaticamente, optou pelos dois dedos que simulam uma arma, símbolo permanente do bolsonarismo.

Os seis dedos de Bolsonaro afirmam apenas como ele é mentiroso. Os dedos de Queiroga e do chanceler apontam para a essência da proposta bolsonarista: vulgaridade e violência.

Mas há algo que talvez os jornais estrangeiros não tenham captado. Embora Bolsonaro tenha sido eleito com a maioria dos votos, hoje seu governo é rejeitado por quase 70% da população.

Bolsonaro se orgulha de não ser vacinado. No entanto o Brasil, segundo algumas pesquisas, é o país com mais adesão popular à vacina.

Não vou cair na tentação de reafirmar pura e simplesmente a tese do homem cordial, mas o Brasil, na realidade, não pode ser confundido com o governo. A maioria dos brasileiros, longe de mostrar o dedo para o mundo, estende a mão para a humanidade. Sempre fomos um país solar, e alguns estrangeiros, cativados pela alegria de nossas festas populares, achavam até que a felicidade era um fator associado ao Brasil.

Certamente esgotaria meu espaço discorrer sobre as causas dessa transformação ou mesmo descrever como se gestou o ovo dessa serpente.

O impacto da passagem de Bolsonaro pela ONU me fez lembrar Peter Sellers no filme “Dr. Strangelove”. Bolsonaro falava de vacina, mas uma espécie de força estranha o levava a defender tratamento precoce e a combater passaportes sanitários. Havia um discurso feito para ele, e o braço rebelde que se levantava contra o consenso mundial, o pária que precisa comer pizza no passeio porque não pode entrar no restaurante.

Peter Sellers intepretava um personagem no filme de Stanley Kubrick com essa força contraditória em suas atitudes. De vez em quando, perdia o controle do braço e fazia uma saudação nazista. Se me lembro bem, em determinado momento, ele se levanta da cadeira de rodas e diz: “Mein Führer, posso andar”.

Não quero dizer com isso que Bolsonaro seja nazista. Seria banalizar uma grande tragédia da humanidade.

Seu novo espasmo numa entrevista a extremistas de direita da Alemanha:

—Algumas pessoas com Covid tinham comorbidade. Morreriam de qualquer jeito, dias ou semanas depois.

Mein Führer, consigo andar.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/mostrando-o-dedo-para-o-mundo.html


Pablo Ortellado: O bolsonarismo interpreta 2013

Protestos contra Dilma, a crise do governo Temer e a eleição de Bolsonaro seriam a expressão da outra metade das reivindicações

Pablo Ortellado / O Globo

Estreou em São Paulo o filme “Nem tudo se desfaz”, de Josias Teófilo. É uma leitura equivocada, porém muito interessante e reveladora, da história brasileira recente, ligando os protestos de junho de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff, a crise do governo Temer e a eleição de Jair Bolsonaro.

Em 1985, Luc Ferry e Alain Renaut publicaram “O pensamento 1968”, que apresentava os protestos de maio de 1968 na França como um avanço do individualismo e as obras de Foucault, Derrida, Bourdieu e Lacan como expressão desse movimento. O filósofo Cornelius Castoriadis, que participou dos protestos, se indignou com a “ligação falaciosa” entre as manifestações e as obras de autores que “lhes eram completamente estrangeiras” e se surpreendeu como, passados poucos anos, com os protagonistas ainda vivos, um evento político de grande magnitude podia ser apresentado como seu oposto.

Algo assim aconteceu também com junho de 2013. Não deveria haver controvérsia sobre o que pediam os protestos. Diferentes pesquisas de opinião investigaram os manifestantes e encontraram sempre dois conjuntos de reivindicações simultâneas: de um lado, reivindicações sociais — transporte, educação e saúde; de outro, o combate à corrupção.

No filme, pouco se diz sobre as demandas sociais. Quando aparecem, são tratadas como uma ilusão, uma expectativa ingênua de que se cumprissem promessas vazias dos constituintes de 1988 — como se o SUS e a universalização da educação básica não tivessem sido implementados após 1988 e como se a cidadania não pudesse aspirar a direitos sociais ainda mais amplos.

Os protestos contra Dilma, a crise do governo Temer e a eleição de Bolsonaro seriam a expressão da outra metade das reivindicações, que o filme apresenta como as reivindicações que tiveram consequências reais, se esquecendo da redução das tarifas de transporte, das greves de 2013-2014 e das ocupações de escolas de 2015-2016.

Na verdade, ao olhar apenas para metade do conteúdo reivindicativo de junho de 2013, o filme reproduz a dinâmica da polarização que consistiu em os estratos de esquerda e de direita da classe política subordinarem o levante selvagem da sociedade civil, dividindo as demandas, jogando uma contra a outra, como se, para ser anticorrupção, fosse necessário ser contra as pautas sociais na figura de um Estado grande e, para defender a ampliação de direitos sociais, fosse necessário ser contra o combate à corrupção. A potente mobilização de uma sociedade civil contra a classe política se transforma assim no conflito fratricida entre lulistas e bolsonaristas.

Apesar de fazer uma leitura bolsonarista, que liga sem mediações adequadas junho de 2013 às eleições de 2018, o filme joga muita luz sobre a ascensão de Bolsonaro.

Seus momentos mais reveladores são quando apresenta as guerras culturais como uma luta populista contra o elitismo dos progressistas, quando mostra o caráter contracultural do politicamente incorreto e quando apresenta a centralidade da comunicação digital para a ascensão da nova direita. Por esses motivos, é um filme que merece ser visto.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/o-bolsonarismo-interpreta-2013.html


Ascânio Seleme: Casa dos horrores

No Brasil, Prevent Senior parece apenas mais um caso dos muitos que já foram banalizados pelo dia a dia de uma terra sem lei

Ascanio Seleme / O Globo

Coma exceção do Afeganistão e talvez da Síria, que têm problemas mais urgentes e tenebrosos, todos os países do mundo tratariam como escândalo espantoso um episódio como o da Prevent Senior. Não apenas porque a prestadora de serviços de saúde ministrou remédios sem eficácia a seus pacientes, mas porque usou parte da sua clientela, velha e indefesa, para fazer testes e experiências que resultaram na morte de pessoas. No Brasil, parece apenas mais um caso dos muitos que já foram banalizados pelo dia a dia de uma terra sem lei.

Os dados até aqui revelados pelos repórteres Ana Clara Costa e Guilherme Balza não deixam margem para dúvida, a Prevent Senior agiu deliberadamente de maneira criminosa e odienta. Desrespeitou o direito dos pacientes e seus familiares, não cumpriu com o seu dever profissional, moral e ético, omitiu ou fraudou informações e mentiu. O pacote de absurdos praticados por orientação expressa dos dirigentes da empresa, que alguns médicos se recusaram a obedecer, precisa ser ainda esmiuçado e em seguida seus responsáveis punidos com toda a extensão e com o absoluto rigor da lei.

Além de matar pacientes, as orientações dadas aos funcionários da Prevent Senior serviriam também para esculachar os doentes com experimentos sem qualquer apoio científico e sem autorização formal de pacientes, famílias ou entidades que regulam o setor, como a Anvisa. A empresa diz que a orientação era dos médicos, não do seu corpo administrativo. Mentira. As reportagens mostram o contrário. Há casos, já fartamente documentados, de clientes da Prevent Senior que ligavam para a empresa para relatar casos de Covid e recebiam em casa horas depois, sem pedir, kits de cloroquina, ivermectina e outras drogas comprovadamente ineficientes no combate à doença.

O Hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, em São Paulo, virou uma casa de horrores. Pacientes, todos idosos, porque a empresa como o nome diz trata exclusivamente de seniores, foram tratados até a eclosão do escândalo como cobaias de experiências macabras. Se fosse um filme, você diria que o roteirista exagerou. Exagerou tanto que colocou dentro do hospital três personagens que se somaram ao esforço do gabinete paralelo do presidente Jair Bolsonaro para enfrentar a Covid por meios ineficazes. Estavam lá os médicos Nise Yamagushi e Anthony Wong e o empresário travestido de periquito Luciano Hang.

Nise, que se sentiu ofendida ao ser contestada na CPI da Covid, andou pelo Sancta Maggiore fazendo a interface do gabinete paralelo com a Prevent Senior. Wong, que como Nise pregava o tratamento precoce, morreu naquele hospital bombardeado pelo pacote completo de remédios ineficientes. Até ozônio pela via retal foi administrada em Wong enquanto ele estava desacordado num leito de UTI pouco antes de morrer. Hang levou para a casa de horrores a sua mãe, que obviamente morreu com tratamento inadequado.

O milionário, que poderia ter levado a genitora para se tratar no Einstein ou no Sírio Libanês, preferiu usar os serviços da Prevent Senior, possivelmente orientando por Nise ou outro membro do gabinete paralelo. Quando o caso se tornou público, Hang emitiu uma nota reclamando da “maldade humana” pelo que chamou de desrespeito com a sua mãe. Nenhuma palavra sobre a omissão da Covid no atestado de óbito da senhora que, como no de Wong, constavam diversas causas e nenhuma menção ao que a levou a ser internada.

Hang também nada disse sobre a continuada exploração do cadáver da mãe por ele próprio, que fez um vídeo para tratar disso e afirmou que ela poderia ter sobrevivido se tivesse tido “tratamento precoce”, levantando um cartaz com esses dizeres. Pior é que a pobre senhora foi submetida a toda a bateria de remédios do kit Covid da Prevent Senior. Até ozônio foi ministrado a ela. O empresário lamenta que não foi preventivo e não conseguiu salvar a vida da mãe. Mas, como disse o presidente que ele tanto mitifica numa entrevista a ativistas alemães de extrema-direita, a maior parte dos óbitos foi de pessoas com comorbidade que “apenas tiveram suas vidas encurtadas em alguns dias ou semanas”.

De volta em 2026

O maior equívoco da vida pública nacional pode dizer adeus temporariamente à política no ano que vem? Muita gente que circunda Jair Bolsonaro tem dito que ele pode não se candidatar à reeleição em 2022. O quadro ainda está sendo desenhado, mas a hipótese é bem concreta caso se confirme a inviabilidade da sua candidatura, já detectada por pesquisas. Neste caso, ele poderia dizer estar apenas cumprindo promessa de campanha. O Centrão até já se posicionou, sugerindo que poderia blindar a ele e seus filhos no Congresso para não serem punidos pelos crimes que cometeram. Como pacote adicional, Bolsonaro encaminharia ao Congresso uma PEC acabando com o instituto da reeleição. Neste caso, poderia voltar em 2026 sem ter de enfrentar um presidente no cargo.

Basta?

A saída do cenário de Bolsonaro bastaria? Não, não bastaria. Ele precisa ser julgado e condenado pelos inúmeros crimes que já cometeu e pelos que ainda vai cometer até deixar o Palácio do Planalto. Nem o impeachment sozinho seria suficiente para que o Brasil mostre ao mundo, depois da passagem grosseira do presidente Sujismundo e de sua comitiva por Nova York, que o seu maior dano histórico foi reparado.

Senado progressista

O Senado sempre foi a casa conservadora do Congresso Nacional, cabendo à Câmara um perfil um pouco mais (não muito) progressista. Esses papéis se inverteram desde a posse de Arthur Lira e a implantação da sua pauta para lá de heterodoxa. A Câmara virou um feudo do que há de mais retrógrado na política e o Senado passou a exercer a função de reparador de estragos produzidos pelos deputados. Foi o que aconteceu com a PEC da reforma política, com a revogação da permissão dada pela Câmara para as coligações em eleições legislativas. Por isso, aliás, Rodrigo Pacheco é pré-candidato a presidente. Já Lira...

Uma vez fantasma...

Como revelou o repórter Felipe Bachtold, a mulher do presidente da Câmara, Arthur Lira, denunciada como funcionária fantasma quando era empregada da Assembleia Legislativa de Alagoas, foi nomeada em julho secretária-adjunta da representação estadual do governo de Roraima em Brasília. No escritório, ninguém sabe dizer se aex-fantasma Angela Lira tem aparecido para trabalhar. Nem porque uma alagoana que mal conhece Roraima virou representante do estado na capital federal.

O que é pior?

O que parece mais patético: o deputado zerinho dizer que o prefeito de Nova York é marxista e os EUA podem se tornar uma grande Venezuela ou o apresentador Tucker Carlson, da Fox News, fazer ar sério e assustado como se estivesse ouvindo uma revelação?

Melhor calar

Não havia hora melhor para ficar calado, mas o vice Hamilton Mourão é daqueles que não pode ver uma geladeira aberta, acha que é flash de TV e começa a falar. Ao defender o machismo de Wagner do Rosário, dizendo ser normal as pessoas eventualmente darem uma aloprada, Mourão mostrou o que mesmo velhos oficiais aprendem na caserna.

Medalhas

Depois que a Assembleia Legislativa de São Paulo resolveu criar a medalha Erasmo Dias de Segurança Pública, vale avaliar se não cabem também a medalha Brilhante Ustra de Interrogatório Policial e a medalha Newton Cruz de Pacificação das Vias Públicas. Da mesma forma, pode-se pensar na medalha Jair Bolsonaro de Respeito aos Valores Democráticos.

Fenaj X Google

A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, a Zequinha, quer criar uma taxa progressiva a ser cobrada de plataformas digitais como Google, Facebook e Amazon para formar um fundo que promoveria o “jornalismo de qualidade” no Brasil.

Ir à igreja

Pesquisa da Bateiah Estratégia e Reputação revela que as pessoas estão ansiosas para a pandemia passar para poder, veja só, ir à igreja. A sondagem, que ouviu 1.455 pessoas em todo o país, mostra que 26,2% pretendem prioritariamente voltar aos seus templos quando a pandemia cessar. Outros 17,8% querem fazer turismo, enquanto 14,5% estão loucos para voltar a bater perna nos centros populares de comércio; 11,1% querem ir a restaurantes; 9,5% sonham em voltar para as academias de ginástica; e 8,7% querem retomar sua agenda cultural indo a teatros e a shows.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/casa-dos-horrores-25212355


Elio Gaspari: Uma viagem ao Brasil do atraso

Nunca na história da República se viu coisa igual: o governo de Pindorama está com os dois pés fincados no atraso

Elio Gaspari / O Globo

Com cerca de 590 mil mortos e perto de 10% da população tendo sido infectada pelo coronavírus, o Brasil tem um presidente que não se vacinou, combateu o distanciamento e defendeu a cloroquina. Seu primeiro chanceler se orgulhou por ter colocado o país na condição de pária, os agrotrogloditas continuam derrubando as florestas, e o pelotão palaciano que relutou em reconhecer o resultado da eleição americana tornou-se uma sucursal do trumpismo eletrônico.

Nunca na história da República se viu coisa igual: o governo de Pindorama está com os dois pés fincados no atraso. Isso nunca aconteceu na República, mas no Império aconteceu, custando caro à terra das palmeiras onde canta o sabiá. Há ocasiões em que países decidem andar para trás. Quando isso acontece, uma névoa embaça a percepção. Só com o tempo é que as coisas ficam claras. É temerário pretender fixar num dia o triunfo da insensatez. Aqui vai uma tentativa para ilustrar o salto dado em direção ao atraso na manhã de 23 de fevereiro de 1843, quando começou a sessão do Senado do Império. Ele funcionava no prédio do campo de Sant’Anna, onde hoje está a Faculdade de Direito da UFRJ.

A sessão começou às 10h30m, e na ordem do dia estava o projeto do médico Thomas Cochrane para que o governo desse isenções tributárias e subscrevesse ações de uma companhia interessada em construir uma estrada de ferro que sairia do Rio de Janeiro em direção a São Paulo. A matéria havia sido aprovada na Câmara dos Deputados, mas fora rejeitada pela comissão da Fazenda do Senado.

(A primeira ferrovia dos Estados Unidos havia sido inaugurada em 1830, e desde 1840 lá existiam cerca de 4.500 quilômetros de trilhos.)

A proposta tomou chumbo. O senador Luiz José de Oliveira Mendes, futuro Barão de Monte Santo condenou-a:

“A ideia de estradas de ferro entre nós é uma daquelas apresentadas por especuladores que nenhuma intenção nem esperança têm de realizá-las. Ainda não temos estradas, nem de barro, como queremos pois fazer uma de ferro, e logo tão grande extensão!! Para passar por ela o quê? Quatro bestas carregadas de carvão, em um ou outro dia!!”

Especulador, talvez Cochrane fosse. Condenando o projeto, entraram dois gigantes da época, o senador Carneiro Leão, futuro Marquês do Paraná e Bernardo Pereira de Vasconcelos, grande jurista. Doente, comparecia às sessões em cadeira de rodas. Ambos defendiam as finanças da Coroa e condenavam a precariedade do projeto.

Bernardo apresentou argumentos técnicos e políticos.

Quanto à técnica: “Quero avaliar cada légua em mil contos de réis, porque são necessárias duas estradas, uma de vinda, e outra de volta.”

Coube ao pernambucano Holanda Cavalcanti corrigir a conta de Bernardo:

“O nobre senador baseia o seu cálculo em dois trilhos de ferro, na extensão de trinta léguas, e diz que são precisos 30 mil contos de réis; ora, e se eu lhe disser que podemos fazer a estrada em um só trilho?”

O líder conservador, pai do período que se denominou Regresso, achava que uma ferrovia precisava de dois pares de trilhos. Um para a ida, outro para a volta.

Quanto à política, Bernardo abriu a porteira de outro debate, pelo qual pretendia continuar a passar sua boiada:

“Eu, Sr. presidente, entendo que devemos cuidar de outros objetos e pôr de parte estes planos gigantescos; onde havemos ir procurar meios para estas despesas? Esperamos nós que o país vá em progresso hoje? (...) Não temos um grande obstáculo a isso na absoluta cessação do tráfico dos africanos? Há mais de um ano que não entra no Brasil um só africano...”

No plenário riu-se. Um senador lembraria depois que naquele ano entraram 17 mil negros escravizados. Outro corrigiria: “Muito mais, entraram pelo menos 50 mil.”

À época discutiam-se o valor de um tratado assinado com a Inglaterra pelo qual o Império havia se comprometido a acabar com o tráfico de negros escravizados e trazidos da África. Uma lei de 1831 dizia que seriam livres os africanos que desembarcassem no Brasil. Diversos senadores tratavam o tráfico pelo nome: “contrabando”.

O regresso prevaleceu. O projeto da ferrovia de Cochrane acabaria rejeitado, e a primeira locomotiva só circularia no Brasil em 1854, quando os Estados Unidos tinham cerca de 15 mil quilômetros de trilhos.

Bernardo leva sua boiada

Semanas depois da sessão de 23 de fevereiro, Bernardo Pereira de Vasconcelos refinou sua argumentação negreira. No dia 25 de abril, afirmou: “A África tem civilizado a América”.

A frase chocou e nos dias seguintes ele a elaborou, valendo-se do exemplo dos Estados Unidos: “Os africanos têm contribuído para o aumento, ou têm feito a riqueza da América; a riqueza é sinônimo de civilização no século em que vivemos; logo a África tem civilizado a América, que ingrata não reconhece esse benefício.”

O fim do contrabando de africanos escravizados só aconteceu em 1850, quando a frota inglesa começou a bloquear os portos brasileiros.

A escravidão só acabou em 1888. Os Estados Unidos tinham mais de 320 mil quilômetros de ferrovias.

E que rumo tomou Bernardo Pereira de Vasconcelos? Quebrou a perna em dezembro de 1843, continuou defendendo o contrabando de escravizados e vivia bem.

Em abril de 1850, o Rio teve o que poderia ter-lhe parecido uma “febrezinha” e continuou indo ao Senado, onde discursou:

“Eu também estou persuadido de que se tem apoderado da população do Rio de Janeiro um terror demasiado, que a epidemia não é tão danosa como se têm persuadido muitos; não é a febre amarela a que reina.”

A 1º de maio, morreu, de febre amarela.

O ministro inglês no Rio anotou:

“Sua morte removerá um dos principais obstáculos para a supressão do comércio de escravos neste país.”

No dia 13 de agosto, o Senado aprovou o projeto que proibia o contrabando de escravizados.

Serviço: Bernardo vive

Os Anais do Senado do Império estão na rede.

Quem quiser pode ler todos os debates.

Vale a pena, até mesmo para se ver o tempo que os doutores perdiam discutindo pensões e prebendas para a turma do andar de cima.

Boa parte do tempo da sessão de 23 de fevereiro de 1843, quando Bernardo atirava contra a ferrovia de Cochrane foi consumido na discussão de pensões.

Às duas da tarde os senadores foram almoçar.

Saída de emergência

Mesmo que não tenha sido essa sua intenção, o ministro Paulo Guedes criou uma saída de emergência para Jair Bolsonaro ao dizer, com toda razão, que a instituição do mecanismo da reeleição foi “o maior erro político que já aconteceu no país”.

Durante a campanha de 2018, Bolsonaro condenou esse instituto e prometeu que não disputaria a reeleição. Agora, com 53% de desaprovação no Datafolha, se quiser, pode sair do páreo. Poderá apresentar um projeto de emenda constitucional acabando com a reeleição a partir de 2026.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/elio-gaspari-uma-viagem-ao-brasil-do-atraso-25203483


Míriam Leitão: O risco real é o de banalizar o crime

Se o impeachment não for o propósito neste momento estarão sendo revogados o artigo 85 da Constituição, a Lei 1079

Míriam Leitão / O Globo

Discordo radicalmente da afirmação de que iniciar um processo para o afastamento do Presidente Bolsonaro seria banalização do impeachment. O verdadeiro risco que o país corre é o de banalizar o crime. A começar pelo crime de responsabilidade. O presidente os comete em série. Se o impeachment não for o propósito neste momento estarão sendo revogados o artigo 85 da Constituição, a Lei 1079, artigos do código penal e todo o arcabouço institucional e civilizatório em torno do qual o Brasil refez o seu pacto social após a ditadura militar.

O presidente Bolsonaro tem provocado retrocessos em todas as áreas, ameaçado direitos e avanços. Não houve uma semana de paz em todo este governo. Um tempo em que ele não tivesse infringido alguma lei, algum inciso, algum dos nossos mais caros valores. Está claro, a esta altura, que um dos defeitos a corrigir nas leis brasileiras é o direito absolutista dado ao presidente da Câmara. Os crimes se acumulam, e os pedidos de impeachment são ignorados. A mesa do presidente da Câmara receberá em breve um novo pedido apoiado em relatório da devastadora Comissão Parlamentar de Inquérito. E o deputado Arthur Lira (PP-AL) poderá continuar ignorando, porque nada há no ordenamento legal brasileiro que modere esse poder. Está claro também que o país subestimou o risco que pode representar um procurador-geral da República alinhado com o governo e em busca da ambição de uma cadeira no STF. Apesar de tudo o que ele não fez, foi amplamente aprovado para mais um mandato.

A professora Maria Hermínia Tavares de Almeida, da USP, explicou numa palestra no Brazil Lab, de Princeton, que o Brasil vive um paradoxo: o sistema é democrático, mas o presidente é autoritário. Ele não controla as instituições, mas a estratégia é de sistemática confrontação. A definição do momento é perfeita, o país tem resistido aos ataques autoritários, mas há um dilema diante de nós. Nessa confrontação ele tem cometido crimes. Se esse paradoxo não for enfrentado da maneira correta, punindo-se o infrator, a democracia vai sair debilitada deste período infeliz.

Não tem lógica o argumento de que não pode ser usado esse remédio constitucional porque ele já foi utilizado recentemente. Por mais traumático que seja o impeachment, não tentá-lo neste momento seria o mesmo que abdicar do dever de proteger a democracia brasileira com os instrumentos legais existentes. Os partidos que defendem a democracia, estejam de que lado estiverem na dispersão ideológica natural de um sistema plural, precisam defender incansavelmente o impeachment do presidente Bolsonaro. Porque nunca antes dele um presidente cometeu tantos crimes de responsabilidade. Bolsonaro cometeu crimes contra a vida humana na calamitosa gestão da pandemia.

Houve quem dissesse que a CPI não deveria ser instalada porque o país vive uma pandemia, era preciso unir o país no combate à crise sanitária, para depois verificar quem cometeu erros. Os trabalhos da Comissão mostram como estava equivocada a turma do deixa-disso. A CPI não apenas tem revelado fatos desconhecidos do país, como estancou transações criminosas armadas dentro do Ministério da Saúde. O país é informado do que não sabia, mesmo quando os depoentes repetem que se reservam o direito ao silêncio. A CPI trabalha tão bem que as intervenções dos senadores revelam mais do que os depoimentos. Eles mostram documentos e provas em cada pergunta que fazem. E sem dúvida a CPI fez o governo acelerar o processo de aquisição de vacinas que nos permite ter a esperança de sair deste pesadelo.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, acha que iniciar um processo de impedimento agora só conseguiria transformar o Brasil num país governado por um pato manco. O ex-presidente Rodrigo Maia temia iniciar um processo que poderia ter o efeito contrário do esperado, ele ser absolvido e se fortalecer. Há muitos grupos políticos fazendo cálculos do que poderá ganhar ou perder num eventual afastamento do presidente. Não conseguem ver que há algo mais valioso em perigo. Se um presidente como Bolsonaro sair impune, mesmo diante de tudo o que ele fez, faz e continuará fazendo, o país estará correndo o risco de se fixar esse patamar de degradação da função da Presidência da República.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-risco-real-e-o-de-banalizar-o-crime.html


Parecer entregue à CPI da Covid lista possíveis crimes de Bolsonaro

Grupo é liderado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior; outros juristas serão ouvidos nos próximos dias

Natália Portinari e Julia Lindner / O Globo

BRASÍLIA - Um grupo de juristas liderado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior entregou à cúpula da CPI da Covid, nesta terça-feira, um parecer que lista mais de dez eventuais crimes que podem ter sido cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro e integrantes do governo na gestão da pandemia. O documento, ao qual o GLOBO teve acesso, aponta que Bolsonaro cometeu sete crimes: crime de responsabilidade, crime contra a saúde pública, crime de prevaricação e crime contra a humanidade. O texto foi entregue ao relator Renan Calheiros (MDB-AL) e deve embasar juridicamente o relatório final. Outros grupos da área jurídica também serão ouvidos pelos senadores nos próximos dias.

LeiaPacheco anuncia devolução da MP editada por Bolsonaro que dificulta combate a 'fake news'

Além de Bolsonaro, o relatório aponta o possível enquadramento penal de atos cometidos pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, pelo ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, pelo ex-secretário executivo da Saúde, Elcio Franco, e pela ex-secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro.

Há cinco capítulos no documento, como antecipou a colunista do GLOBO Bela Megale: Crime de Responsabilidade, Crimes contra a Saúde Pública, Crime contra a Paz Pública, Crimes contra a Administração Pública, Crimes contra a Humanidade e Conclusão.

LeiaRenan diz que vai enviar relatório da CPI para PGR e Tribunal Internacional, e propor mudanças na lei do impeachment

De acordo com os juristas, "o Sr. Presidente da República, por atos normativos, atos de governo e conduta pessoal, conspirou, mormente ao longo de março e abril de 2020, contra as medidas sanitárias ditadas pela ciência, adotadas pelo Ministério da Saúde, até que no final de março, o ministro Henrique Mandetta envia carta ao mandatário em que anuncia o colapso do sistema se não houvesse mudança de atitude".

O relatório afirma ainda que o presidente também "desrespeitou o direito à vida e à saúde de número indeterminado de pessoas, por via de atos comissivos, ao promover aglomerações, ao se apresentar junto a populares sem máscara; ao pretender que proibições de reuniões em templos por via de autoridades fossem revogadas judicialmente; ao incitar a invasão de hospitais, pondo em risco doentes, médicos, enfermeiros e os próprios invasores; ao incentivar repetidamente a população a fazer uso da cloroquina, dada como infalível, hidroxicloroquina e irvemectina, medicamentos sem eficácia comprovada e com graves efeitos colaterais; ao recusar e criticar o isolamento social e as autoridades que o impõe; ao sugerir que a vacina poderia transformar a pessoa em jacaré, desencorajando a população a se vacinar; ao postergar a compra de vacinas; ao ridicularizar os doentes com falta de respiração; ao ter descaso em face da situação trágica de Manaus no início deste ano, dando causa a trágica dizimação."PUBLICIDADE

Os juristas também destacaram que Bolsonaro deixou de cumprir determinação do STF e da própria Constituição para assumir a coordenação do combate à pandemia e ressaltaram que, ao contrário do que vem dizendo o presidente, o próprio Supremo determinou que havia competência comum entre União, estados e municípios.

O relatório aponta ainda crimes cometidos por Bolsonaro: infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, prevaricação, crime contra a humanidade.

Segundo Reale Júnior, a recomendação do parecer é pedir o indiciamento de Roberto Dias por corrupção e de Elcio Franco pelo crime de epidemia. Mayra Pinheiro poderia ser acusada de curandeirismo por sua atuação à frente da recomendação pelo uso de cloroquina, droga comprovadamente ineficaz contra Covid promovida pelo Ministério da Saúde.

— Além disso, apontamos fatos que precisam de uma apuração mais efetiva, como aqueles que envolvem empresas intermediárias de vendas de vacinas, por exemplo — diz Miguel Reale Júnior.

Está marcada para esta quarta-feira uma reunião entre esse grupo de juristas e os senadores da CPI logo após a sessão, à tarde. A ideia dos integrantes da comissão é fazer uma série de reuniões com advogados e juristas para antecipar as discussões jurídicas em torno do relatório.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/juristas-entregam-parecer-cpi-da-covid-listando-possiveis-crimes-de-bolsonaro-25197710


Cerrado teve 15% mais incêndios este ano que no mesmo período de 2020

Inpe registrou 35.846 focos de fogo na região neste ano, que aumentam degradação no bioma e ameaçam vazão de rios

Cleide Carvalho / O Globo

SÃO PAULO - As queimadas no cerrado aceleram a degradação da vegetação nativa e ameaçam a vazão de alguns dos principais rios brasileiros. Neste ano, de janeiro até dia 9 de setembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 35.846 focos de incêndio no bioma, 15% a mais do que no ano passado. É o maior número desde 2012. A professora Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, uma das principais especialistas em cerrado no país, explica que o fogo degrada justamente as áreas preservadas, dificultando ainda mais o serviço hidrológico do ecossistema e reduzindo o volume de água dos rios.

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Os focos de incêndio se espalham por todas as regiões do país. Este ano, a maior quantidade de focos está nos estados do Tocantins (20%), Maranhão (18,6%), Mato Grosso (15%) e Minas Gerais (10,2%). Alberto Setzer, responsável pelo monitoramento de queimadas do Inpe, afirma que a situação de 2021 ainda não está dada, pois setembro é o pior mês para ocorrência de incêndios.

Dados do Mapbiomas divulgados nesta sexta-feira alertam que 87% do fogo que atingiu o cerrado desde 1985 queimou exatamente áreas de vegetação nativa. Apenas 13% ocorreram em pastos ou áreas de agricultura, que ocupam quase metade do bioma.

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Além disso, 60% das áreas queimadas pegaram fogo mais de uma vez, o que prejudica ainda mais a recuperação. 

– Na Bacia do Paraná, que está em plena crise, temos apenas 21% de vegetação remanescente. Ainda que o Código Florestal permita desmatar até 80% das propriedades, é importante assinalar que a preservação de 20% não é suficiente para manter a conservação – diz Mercedes, acrescentando que outro rio abastecido pelo cerrado, o Paraguai, é o provedor de água do Pantanal.

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A cobertura de água natural no cerrado diminuiu 55% de 1985 para cá, o que significa a perda de 473 mil hectares. A queda foi compensada pela criação dos grandes reservatórios de hidrelétricas.

Para se ter uma ideia, o levantamento do MapBiomas mostra que, em 1985, 60% da cobertura de água do cerrado era natural. Em 2020, a situação inverteu: 70% da água superficial é de origem antrópica – pela ação do homem. A inversão se deve aos reservatórios criados por hidrelétricas.PUBLICIDADE

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Um estudo feito pelo hidrólogo Jorge Werneck Lima, pesquisador da Embrapa Cerrados e hoje diretor da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa), mostra que o cerrado responde por 90% da vazão do Rio São Francisco e mais de 100% da vazão dos rios Parnaíba e Paraguai, considerando as perdas durante o curso. Na Bacia Tocantins-Araguaia a contribuição atinge mais de 60%.  

No total, indica Lima, as águas do cerrado abastecem oito das 12 regiões hidrográficas do país, o que justifica o título de "caixa d'água" do Brasil atribuído ao bioma.

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O Mapbiomas identificou redução na superfície de água natural em todas as bacias entre 1985 e 2020, medida em hectares. A mais atingida foi a Bacia do Paraguai, com redução de 70%. No São Francisco, de 47%. Na Bacia Atlântico Leste, de 43% – nela estão entre os mais volumosos os rios de Contas, Jequitinhonha, Mucuri e Pardo, por exemplo. No Rio Paraná, a redução foi de 35% e, no Tocantins, de 10%.

A redução na vazão ameaça a geração de energia. Segundo Lima, cerca de metade da energia hidrelétrica produzida no país utiliza águas que vertem do cerrado. A maior das hidrelétricas é Itaipu, no Rio Paraná, com 57 grandes reservatórios, que enfrenta  a pior seca em 40 anos.

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O relatório de 2020 da Chesf, que administra oito das hidrelétricas instaladas no Rio São Francisco, como o complexo Paulo Afonso e a UHE Luiz Gonzaga, informa que, devido à longa estiagem, verificada desde 2013 na Bacia, tem recebido sucessivas autorizações do Ibama para reduzir a vazão dos reservatórios de Sobradinho e Xingó.

– É preciso usar e saber o que preservar. Monitorar, planejar e gerir de forma racional e inteligente. É preciso integrar os setores e colocá-los na mesa de discussões para ver o que é mais inteligente e possível fazer – diz Lima.

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Bráulio Dias, ex-secretário Executivo da Convenção de Diversidade Biológica das Nações Unidas e professor da UnB, chega a dizer que, se medidas não forem tomadas, o Brasil corre o risco de passar a ter rios intermitentes no cerrado, como ocorre no semiárido.

O agrônomo Edegar Oliveira, diretor de conservação e restauração de ecossistemas da WWF-Brasil, que integra a rede MapBiomas, afirma que o cerrado é estratégico por sua capacidade de funcionar como "esponja" para garantir a água dos rios e o desmatamento está em alta. Os alertas de desmatamento em agosto, por exemplo, cresceram 136% em relação a 2020.

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– O inferno astral do cerrado está muito pior este ano – resume.

Para ele, o contexto de negacionismo em que vive o Brasil impede que seja visto o impacto no desenvolvimento do país.

– Não é mais uma questão de médio prazo. O impacto no clima já está ocorrendo e não faz mais sentindo seguir nessa linha de degradação. Estamos escolhendo ir pelo caminho errado – diz ele.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/dia-do-cerrado-bioma-teve-15-mais-incendios-este-ano-que-no-mesmo-periodo-do-ano-passado-25193194


Vera Magalhães: Nota de recuo vale por uma de R$ 3

A pretexto de fazer um favor ao país, Temer presta um desserviço histórico

Vera Magalhães / O Globo

Vale tanto quanto uma cédula de R$ 3 a nota em que Jair Bolsonaro usa o marqueteiro de Michel Temer como ghost-writer para ajoelhar no milho diante do Supremo Tribunal Federal e fingir um arrependimento que não tem das ameaças de golpe que sinceramente proferiu no 7 de Setembro.

Quem fingir que acredita no propósito de se moderar, de obedecer aos desígnios do Judiciário e de zelar pela independência e harmonia dos Poderes feito por Temer é cínico, burro ou ingênuo. Ou um mix dos três.

Cínico será o alívio do mercado, dos ministros e dos deputados da base aliada.

O primeiro grupo tratará de tentar recuperar os prejuízos dos últimos dias.

Os integrantes do primeiro escalão buscarão para o espelho, para o travesseiro e para os filhos uma justificativa plausível para continuar servindo a um governo que busca uma ruptura institucional.

E os nobres parlamentares da base aliada encontrarão a desculpa necessária para continuar mamando nas tetas do Orçamento até exauri-las, sem precisar fingir que estão pensando a sério em abrir um processo de impeachment.

Ingênuo será o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), se, com base nessa encenação tosca, deixar de devolver a Medida Provisória que susta parte do Marco Civil da Internet ou se receber os caminhoneiros que fazem chantagem com o país com uma paralisação que foi convocada e insuflada por Bolsonaro em pessoa.

Também figura no rol dos ingênuos, desta vez com uma dose de vaidade por ser lembrado e chamado em casa, Michel Temer, ao associar sua já questionada passagem pela Presidência (que deixou com recordes de rejeição) à indefensável e incorrigível gestão de seu sucessor.

Ademais, a pretexto de fazer um favor ao país, Temer presta um desserviço histórico. Porque ajuda a escamotear o real propósito de Bolsonaro de solapar a democracia e dinamitar as instituições aos poucos todos os dias.

Hoje, o presidente se finge de cordeiro, pede desculpas e faz um ato de contrição. E o faz porque é, além de golpista e inepto para o cargo, atavicamente covarde e se pela de medo da deposição e da prisão — dele e dos filhos. Só por isso. O país que se exploda. É nesse avião que Temer aceitou embarcar.

O último grupo a acreditar na nota de R$ 3 de Bolsotemer é o dos burros, integrado pela ala mais bovina dos bolsominions. Os comentaristas a soldo, pseudojornalistas, blogueiros golpistas arrancaram os poucos cabelos que têm e arreganharam as gengivas inflamadas para xingar o mito de todos os nomes feios que conhecem.

Já lançam Tarcísio Gomes de Freitas, o ex-técnico transformado em minion pelo chefe, para lhe suceder na eleição de 2022!

De tão desarvorados, se esquecem de relaxar e lembrar que amanhã mesmo Bolsonaro já estará de volta ao script de protoditador de anteontem, mandando às favas a máxima temerista de que verba volant, scripta manent (calma, Centrão, a verba que voa é a palavra, a do orçamento secreto fica).

Que os que estavam vigilantes e preocupados no dia 8 sigam assim e não desviem de seu papel constitucional de conter um presidente disposto a lhes sentar o relho e empastelar as eleições.

Os inquéritos de Alexandre de Moraes têm de seguir, a MP do Marco Civil tem de voltar para o Planalto com selo de endereço não encontrado, as investigações do TSE sobre as mentiras de Bolsonaro quanto ao pleito não podem parar, a CPI tem de concluir seu relatório com imputação dos inúmeros e hediondos crimes cometidos pelo presidente e pelo sumido general Pazuello, e a indicação de André Mendonça ao STF tem de ser rejeitada, porque quem o indicou quer fechar o Supremo.

Essa é a pauta de resistência possível e viável, uma vez que o impeachment, conforme escrevi aqui, não sairá.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/nota-de-recuo-de-bolsonaro-vale-tanto-quanto-uma-de-r-3.html


Míriam Leitão: No fim do dia, Bolsonaro estava mais isolado

Presidente da República cometeu crimes de responsabilidade em série e avisou de forma estridente que não vai parar seu golpe

Míriam Leitão / O Globo

A alguns interlocutores de sua confiança, o presidente Bolsonaro havia prometido usar dois tons nos discursos. Seria mais forte em Brasília e menos em São Paulo. Fez o oposto. Foi beligerante nos dois, mas muito mais em São Paulo. O radicalismo assustou até aqueles políticos que pensavam ser possível montar uma ponte entre o presidente e os outros poderes. Por isso o MDB falou em impeachment, o PSDB tenta superar suas divisões para defender o impedimento, o PSB, desde a véspera, já não descartava essa hipótese. Nos bastidores da política, PP, PL e Republicanos estão se queixando muito das atitudes do presidente. “E essas queixas são o primeiro passo” — afirmou uma fonte política. Uma fonte militar me disse: “O tom foi muito além do necessário, não se faz uma Nação avançar na anarquia.” No fim do dia, Bolsonaro estava mais isolado.

Uma autoridade definiu os eventos com uma expressão forte, que preciso compartilhar com os leitores. “Ele deu uma despirocada.” Se por um lado houve quem concluísse que “uma pessoa que coloca tanta gente na rua não pode ser menosprezada”, por outro, foi constante a crítica à histeria do presidente, como na parte em que disse que não cumprirá ordem do ministro Alexandre de Moraes. “Isso beira um perigo muito maior.” O delirante anúncio da reunião do Conselho da República provocou deboche. “Foi a reunião Porcina”, ironizou um membro do Conselho.

A área econômica esperava que a manifestação fosse grande, pacífica e permitisse o plano do dia 8: encontrar canais de diálogo para a pauta da economia. Agora tudo ficou emperrado. E na Faria Lima a elite econômica se afastou mais um pouco do presidente.

Bolsonaro pode fazer suas contas de perdas e ganhos, os políticos podem redefinir e os investidores sair das suas posições. O grande dilema é do país. Qual é o risco de o Brasil tolerar o que houve ontem? O que houve foi que o presidente da República cometeu crimes de responsabilidade em série e avisou de forma estridente que não vai parar seu golpe contra as bases da democracia brasileira.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/no-fim-do-dia-bolsonaro-estava-mais-isolado.html


Malu Gaspar: O xadrez que pode levar ao impeachment de Bolsonaro

Magistrados interpretaram o discurso da Paulista como um ataque não a alguns ministros, mas ao próprio Judiciário

Malu Gaspar / O Globo

O silêncio no zap das autoridades em Brasília depois do discurso de Jair Bolsonaro indicava que o que tinha acabado de acontecer havia mexido com os cálculos políticos de todos eles. Indicava, também, que vai começar uma nova etapa na longa crise vivida pelos poderes. Mas, para saber se ela será capaz de levar ao impeachment, vai ser preciso ver como os líderes do Judiciário e do Congresso, especialmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vão se entender nos bastidores.

Os magistrados interpretaram o discurso da Paulista como um ataque não a alguns ministros, mas ao próprio Judiciário. "Ou tiramos ele, ou ele implanta a ditadura", me disse um interlocutor dos togados.

Todos sabem, porém, que a saída não se dará por canetada de juiz e sim pela política. Para isso precisam de Lira, que nunca teve interesse em afastar Bolsonaro. Pelo contrário. Cada pedido de impeachment só amplia seu poder. Sua cota bilionária do orçamento secreto é a expressão mais concreta disso.

É verdade que desde 2020, quando Bolsonaro anunciou no QG do Exército que "acabou a patifaria, agora é o povo no poder", sua situação se deteriorou bastante. Naquela época, o empresariado ainda o apoiava, a inflação não era um problema e a pandemia não havia matado mais de 580 mil pessoas.

Mas, políticos experientes que são, Lira e os líderes do Centrão não desprezam o apoio recebido pelo presidente nas ruas. Também não vão abrir mão de Bolsonaro antes da aprovação do Orçamento de 2022 e do fundo eleitoral.

Acontece que um processo de impeachment pode levar meses, e nesse tempo serão decididas questões importantes que dependem da Justiça e podem inviabilizar o governo – como o enrosco dos precatórios, os inquéritos contra o bolsonarismo e ações contra o orçamento secreto.

Tais decisões podem ajudar a convencer Lira e o Centrão de que eles têm mais a perder ficando com o presidente do que jogando-o ao mar. Resta saber se a solução das togas e da oposição será politicamente mais eficaz do que a caneta do presidente da República.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/o-xadrez-que-pode-levar-ao-impeachment-de-bolsonaro.html


Elio Gaspari: Há três setes na mesa dele

Bolsonaro está sem rumo

Elio Gaspari / O Globo

Se Donald Trump tinha um plano para a insurreição de 6 de janeiro, durou cerca de seis horas. Se Bolsonaro tinha o seu plano para o 7 de Setembro, durou menos de quatro horas. Às 11h43, ele anunciou a convocação do Conselho da República, sabe-se lá para que, e lá pelas 15h o Palácio do Planalto informou que a reunião estava esquecida.

No seu discurso matutino, Bolsonaro mostrou-se desorientado. Referindo-se ao ministro Luiz Fux, ele disse: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”. A frase não faz sentido. O presidente do Supremo não tem poder para “enquadrar” a Corte. (A menos que Bolsonaro esteja fazendo fé na faixa preta de jiu-jítsu de Fux.) Também não tem sentido o “sofrer aquilo que não queremos”. Primeiro, porque falta dizer o que “queremos”, depois porque falta explicitar o que significa “sofrer”. À tarde, Bolsonaro fulanizou sua carga contra o ministro Alexandre de Moraes: “Ou ele se enquadra ou pede para sair”. Não disse como, nem por quê. Também não explicou o mecanismo legal que poderá livrá-lo de Moraes.

Hoje, ao chegar ao Planalto, Bolsonaro não terá na agenda a tal reunião com o Conselho da República, mas lá estarão os três setes que assombram o Brasil no seu 199º ano de existência:

O litro da gasolina a R$ 7, com a inflação e os juros arriscando chegar a 7%.

Isso para não falar nos 14 milhões de desempregados num país que rala em pandemia que já matou mais de 580 mil pessoas. Todos esses problemas exigem que o governo trabalhe. É serviço para formigas, não para cigarras.

Se qualquer dos problemas que estão sobre a mesa de Bolsonaro pudesse ser resolvido tirando Moraes ou qualquer outro ministro do Supremo, eles certamente mandariam as togas para o Planalto. Contudo, no seu discurso vespertino, Bolsonaro pronunciou a palavra mágica de suas ansiedades: “inelegibilidade”.

Bolsonaro tem uma só preocupação: continuar na Presidência. Teme perder a eleição, por isso continua satanizando as urnas eletrônicas. Sabe que corre o risco de ser declarado inelegível pelo que fez e deixou fazer em suas campanhas e antecipa-se. Declará-lo inelegível em 2022 por malfeitorias de 2018 dará ao processo legal um cheiro desagradável de tapetão.

Nada melhor que chamar os eleitores, computar os votos e empossar o candidato que tiver mais votos.

Até a hora em que Bolsonaro terminou seu segundo discurso, o 7 de Setembro de 2021 transcorreu em paz. Ficou apenas uma ameaça de Bolsonaro: ele diz que não cumprirá ordens da Justiça que vierem a desagradá-lo. A ver.

Bolsonaro diz que continuará dentro das quatro linhas da Constituição, mas ameaça sair do quadrado, sem dizer como. Falta pouco mais de um ano para a eleição, e novas crises virão.

Os três setes continuarão sobre a mesa do presidente, com suas próprias tensões. As ruas continuarão abrigando gente que acredita em cloroquina, no grafeno, no nióbio e nas fraudes das urnas eletrônicas.

A História oferece um refresco. Os restos mortais de Napoleão chegaram a Paris em 1840, 19 anos depois de sua morte. Naqueles dias, só no manicômio de Bicêtre, havia 14 Napoleões.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/ha-tres-setes-na-mesa-dele-25188247