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Sonia Racy: 'O mundo político funciona no modo crise', diz Murillo de Aragão

Para consultor político e advogado, vitória de Jair Bolsonaro no Congresso lhe dá, enfim, uma base para governar

O período por que passa hoje o Brasil, com idas, vindas e incertezas no trato da pandemia, pode ser entendido como uma espécie de “terceira guerra mundial”, concorda o cientista político, consultor e advogado Murillo de Aragão, da Arko Advice. “O País nunca enfrentou um desafio dessa magnitude”, que “não afeta apenas a saúde, mas também o comércio, o entretenimento, a educação, os hábitos da sociedade”. Mas o pano de fundo, adverte, é “um mundo político que funciona no modo crise”: só quando a coisa fica muito grave, é que se consegue um consenso e uma saída. 

Aragão segue de perto esse circo de acertos e conchavos há cerca de 30 anos, como consultor de bancos e empresas, em contato frequente com a área de investimentos, aqui e no exterior, além de atuar como palestrante. Sobre a vitória política do presidente Jair Bolsonaro, anteontem, com a eleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco como presidentes de Câmara e Senado, ele pondera, nesta entrevista para Cenários: “Não significa que a coordenação política esteja feita, ela está só começando. E vai ser afetada pela reforma ministerial que vem por aí.” A seguir, vão os principais trechos da conversa.

A Câmara acaba de eleger, como presidente, Arthur Lira, preferido de Bolsonaro. Como vê essa mudança?

O Arthur Lira venceu pela força do governo e também pelo poder de articulação dele, do Ricardo Barros e do Ciro Nogueira dentro do Congresso. É um conforto para o governo, e também para as agendas da equipe econômica. Mas isso não significa que a coordenação política do governo está feita. Ela está apenas começando. 

E em que consiste essa nova coordenação? O que vai mudar?

É uma nova etapa, onde a presença de um aliado dará ao presidente a tranquilidade para enfrentar os ataques políticos que o governo vem sofrendo no caso da pandemia. Mas essa tranquilidade terá de ser mantida e reforçada por uma coordenação eficiente. E esta vai ser afetada pela reforma ministerial que deve ocorrer em breve. 

E no médio e longo prazo? Como vê as eleições de 2022?

Considerando a máquina pública e a popularidade do presidente, ele é um forte candidato a estar no segundo turno. E até agora não temos uma candidatura forte no outro campo. Aí, existem desafios, e o maior desafio de Bolsonaro é ele mesmo. Porque existe uma narrativa antipolítica e, agora, ele se volta para o mundo político. Mas há outros dois problemas intimamente ligados – a pandemia e a economia.

Como vê a politização da pandemia, a briga entre governos e vacinas?

Olha, na área científica existe uma vaidade enorme... Eu tenho uma passagem pela academia, onde fiz meu doutorado, dou aula, e conheço o universo científico, onde há muita competição. E tem a questão geopolítica da vacina. Podemos fazer um paralelo com a guerra: quem tiver a vacina terá uma arma mais moderna...

Pode-se encarar o atual desafio como uma espécie de terceira guerra mundial, contra um inimigo invisível?

Sim, é como eu vejo. Olha, um ano atrás postei na minha coluna na (revista) Veja um alerta sobre a pandemia, e tudo o que eu mencionei lá atrás mais ou menos se realizou. O País nunca enfrentou um problema dessa magnitude. Ela afeta a todos no Planeta, igualmente. E mais: não afeta apenas a saúde. Afeta os hábitos da sociedade, o comércio, o entretenimento. No livro Ano Zero, que escrevi no ano passado, comparei alguns efeitos da guerra na sociedade. Por exemplo, o número de abortos na Alemanha foi gigantesco, depois da Grande Guerra. Nos Estados Unidos, depois do crash de 1929, famílias foram destruídas, centenas de milhares de pessoas vagavam pelo país como vagabundos... A pandemia pode ter esse mesmo efeito.

Como isso poderia ser resolvido?

O Brasil é um País que funciona no modo crise. Quando a situação piora muito, aí se chega a um consenso. A gente vai marchando entre conchavos e acertos, veja aí a eleição de agora na Câmara e no Senado. Partidos têm um pé no governo e outro fora do governo, a ambiguidade é parte do sistema. Só haveria união se a situação piorasse muito. 

O ministro Paulo Guedes condicionou a volta do auxílio emergencial a um corte de custos que depende do Congresso. Acha isso possível? 

Essa questão tem uma complexidade e uma simplicidade enorme. Vou falar da simplicidade. O Estado aqui é mais forte que a sociedade e o aumento da despesa acaba sendo financiado pelo aumento da arrecadação. Alguém dirá que o teto de gastos cria limites. Mas se a pandemia se tornar mais dramática, ele será flexibilizado, talvez por uma PEC, e acaba caindo na conta do cidadão. Num imposto sobre transações digitais, uma CPMF, uma contribuição social sobre lucro dos bancos, um Bolsa Família vindo de outras fontes. 

Acha possível a união de forças políticas se a pandemia se agravar ainda mais? Acredita num impeachment?

A única razão que me pareceria capaz de unir as forças políticas seria para derrubar o presidente. Mas não vejo nada disso acontecendo. Porque o impeachment tem uma forma. Na Arko Advice a gente fez uma fórmula que foi aplicada no caso Collor, lá de 1992. Você tem de avaliar três fatores. O primeiro é o motivo, e esse é o que menos importa. Segundo, e este importa bastante, é a popularidade. Presidente popular segura um impeachment. Bolsonaro tem hoje popularidade (somando ótima, boa e regular) acima dos 50% e militância muito aguerrida. 

Ele é um político que tem estratégia?

Eu o vejo mais tático do que estratégico. Bolsonaro foi competente ao criar sua candidatura, num momento de descrédito do centro político e da esquerda. Criou uma estratégia para se eleger, mas no governo ele não tem estratégia. O governo foi montado, desmontado, e aí chegou a pandemia. O hiperpresidencialismo deixou de existir e Bolsonaro aprendeu isso na marra. Quando diz “eu não consigo fazer nada, a Justiça não deixa fazer”, é verdade. E isso é o que protege a nossa democracia – e talvez paralise alguns dos nossos avanços. 

Muito se fala num poder exacerbado do STF. Isso é bom para a democracia?

Judiciário foi por muito tempo um Poder opaco, quase chapa branca. De certo modo, continua sendo. Mas o que tivemos desde o mensalão em 2005, com Joaquim Barbosa, foi um crescente protagonismo do Judiciário. O STF virou tribunal recursal da política, toda polêmica termina lá. 

Fala-se a toda hora em governo de esquerda, de direita. Diria que o atual governo é de direita?

Às vezes, o governo é politicamente de direita e economicamente de esquerda.. O atual é politicamente de direita, sim, e economicamente liberal, mas não deixa de ter traços do tenentismo, surgido nos anos 20, e que é intervencionista. Foi o tenentismo que criou a Petrobrás, a Eletrobrás. Então, há traços de direita, de esquerda... O Brasil é assim.

Tem uma frase muito boa do Nizan Guanaes, publicitário, mas que só faz sentido em inglês: não existem mais “left” ou “right”, existem “right” ou “wrong”, certo ou errado...

É uma realidade. O pragmatismo se impõe sobre os fatos e as crenças. Uma vez, meu filho Tiago foi com um grupo à China e, numa palestra que assistiram, na Juventude Comunista do PC Chinês, alguém disse: “Vocês sabem por que a América do Sul não dá certo? É porque vocês não respeitam o mercado!” Os mais esquerdistas, na sala, ficaram horrorizados. O conferencista explicou: “Nós respeitamos o mercado, produzimos o que ele quer”. Esse é o pragmatismo que nós deveríamos ter.

O Fernando Gabeira me disse anos atrás uma frase sobre capitalismo. “Não adianta você mandar o capitalismo para o inferno, que ele há de fazer um bom negócio por lá.” Mas, voltando ao tema, qual seria a reação se o Paulo Guedes pedisse o chapéu?

Em uma ou duas ocasiões, houve rumores de que ele iria embora. Acho que todo ministro deveria ter, não digo uma carta de demissão na gaveta, mas estar preparado para uma eventualidade. Foi mais ou menos o que aconteceu com o Wilson Ferreira, na Eletrobrás, quando sentiu que não ia fazer diferença no processo. E ele fez um belíssimo trabalho de reorganização na Eletrobrás. 

Você acredita num programa de privatização do atual governo?

Acredito sim, principalmente naqueles itens já colocados nas PPIs, que são uma herança do Uma Ponte para o Futuro, projeto do Michel Temer, que deu as bases do programa do ministro Tarcísio de Freitas, na Infraestrutura.

Que recado, enfim, você daria aqui sobre o futuro do País?

Estou há 40 anos em Brasília e diria que o País melhorou muito, sobretudo porque a sociedade se interessou mais pela política. Há hoje uma presença maior das elites empresariais e culturais debatendo o Estado e seu funcionamento. Outro avanço importante é a redução do corporativismo. A reforma política vem sendo feito em fatias. E temos US$ 350 bilhões em reservas, um sistema financeiro saudável e taxas de juros mais realistas. 

Pelo que você diz, continuamos, então, a ser o País do futuro?

Estamos construindo o futuro, ainda que a passo de tartaruga. E acho que vamos continuar avançando. Os embates que tivemos nestes dois anos de governo Bolsonaro revelam uma sociedade democrática e a existência de instituições fortes. Isso é muito importante.

*CEO da Arko Advice, sócio fundador da advocacia Murillo de Aragão, professor adjunto da Columbia University (Nova York), autor de “Reforma política – o debate inadiável.”


Carlos Melo: Rodrigo Maia, novos presidentes e grandes desafios

Atividade dinâmica, a política é cruel. Há três meses, o Dem saía das urnas municipais quase consagrado – era o mais vistoso. Rodrigo Maia colhia os maiores louros. O então presidente da Câmara posicionava-se como o aglutinador do chamado “centro”, o “sujeito do diálogo” pelo qual, não sem motivo, muitos clamavam. Com vistas em 2022, Maia seria a ponte desde o centro direita até o centro esquerda. Independente do candidato à presidência desse amplo espectro, certo é que Maia seria um dos articuladores do que se pretendia “uma frente ampla”.

A fama que Maia construiu não foi imerecida: no longo período em que se manteve à frente da Câmara, deu extraordinário salto de importância; interveio no debate nacional, propôs. No mais, não se deixou levar pelo canto que lhe oferecia o lugar de Michel Temer; articulou o teto de gastos e a reforma da Previdência – com todos seus erros, acertos e inevitabilidades –, defendeu as prerrogativas do Congresso Nacional e seu papel de freio e contrapeso ao bolsonarismo.

A possibilidade de continuar no centro da cena, foi-lhe, porém, corretamente negada pelo Supremo. O papel da aglutinação foi-lhe retirado pelos próprios correligionários do Dem, pelos parceiros do PSDB e de outros partidos em que, entre a fidelidade ao líder e a fidelidade a seus próprios interesses, ficaram naturalmente consigo mesmos. Como demonstrou O Estadão (aqui), as verbas do governo tiveram poder irresistível diante do apetite dos parlamentares. Sem conexão com o Executivo, Maia (e Rossi) tornou-se pão dormido; no curto prazo, não apeteceria aquele tipo de paladar; deixou de ser perspectiva de poder.

Para reaver a esperança de exercer papel relevante em 2022, o emotivo ex-presidente terá que se reconstruir. Rapidamente, numa dinâmica mais vertiginosa que sua queda. Como diz a canção, se seu mundo caiu, carece aprender a levitar. E haverá ambiente para isso.

Nesta terça-feira, Câmara e Senado amanheceram com novos presidentes, ambos apoiados por Jair Bolsonaro — quem, um dia, estimulou sua turba a fechar as duas Casas. Terá mudado de ideia? O tempo dirá. O processo político não depende apenas da vontade dos atores; menos ainda das confabulações em torno de cargos e emendas. Bem ou mal, há uma sociedade com expectativas, interesses, desesperos e, às vezes, indignação. Os desafios para contentá-la são gigantes. Já a dimensão do entendimento dos problemas do país e a efetividade da ação governamental para resolver múltiplas crises é ínfima.

A situação interna se deteriora, o respeito externo ao país derrete. Paciência e resignação têm limites; os leões da morte, do desemprego e da fome rugem. E o centrão ouve mal. Tome-se o programa (sic) que Arthur Lira expôs da tribuna, ao defender a candidatura e mesmo as platitudes mencionadas, já eleito: foram discursos de, para e pelo “baixo clero”. No máximo, espumas sobre o país, democracia, autonomia do Legislativo. Nada muito além disso. Não falou para o Povo. Antes, dirigiu-se a seus pares — o seu povo verdadeiro. Ao que tudo indica, isso não bastará. Se houver, o engenho e a arte — que têm faltado — haverá espaço para vários Maias.

*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.


O Estado de S. Paulo: Parlamentares que trocaram Baleia por Lira receberam verba extra do governo

Dos 235 deputados que dizem votar no candidato apoiado por Bolsonaro, conforme o placar ‘Estadão’, 140 aparecem em planilha do governo; ministro diz que ‘não está havendo nenhuma conversa relativa à negociação de voto’

Breno Pires, Patrik Camporez e Vinícius Valfré, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Parte dos apoiadores do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) que mudou seu voto e passou a apoiar o candidato do governo Bolsonaro na disputa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), foi contemplada com recursos extras do Ministério do Desenvolvimento Regional, segundo uma planilha informal de distribuição de recursos ao qual o Estadão teve acesso. No total, 285 parlamentares puderam indicar o destino de R$ 3 bilhões para seus redutos eleitorais. Todas as autorizações e repasses da planilha foram feitas em dezembro, mês em que o governo intensificou as articulações para eleger seus candidatos.

O candidato do MDB tem dado declarações públicas acusando o governo de cooptar seus eleitores com a distribuição de verbas e cargos, além de demitir apadrinhados dos seus apoiadores acomodados na administração federal. Dos 235 deputados que dizem votar em Lira, conforme o placar Estadão neste domingo, 140 aparecem na planilha do governo indicando R$ 1,2 bilhão em recursos extras para obras em seus Estados (veja a lista ao fim do texto).



Os parlamentares dizem que a liberação de recursos extras neste momento de campanha não está relacionada ao voto no Congresso, mas a acordos anteriores que visam atender necessidades legítimas de seus Estados.

Conforme revelou o Estadão, o governo despejou verbas não rastreáveis por mecanismos de transparência. Nesse modelo, não é possível identificar quem indicou o montante caso haja algum esquema de corrupção envolvendo determinada obra. Os ministérios fazem planilhas informais, que não são acessíveis às autoridades e à sociedade. É o contrário do que ocorre com as emendas parlamentares, onde é possível acompanhar desde a indicação do recurso até a execução da obra.

O líder do governo no Senado, Eduardo Gomes (MDB-TO), contemplado com R$ 85 milhões de verba extra do Ministério do Desenvolvimento Regional, admitiu ao Estadão que os recursos ajudam a “sensibilizar” os parlamentares a votarem de acordo com o governo. “É evidente que, quando o governo tem essa sintonia e trabalha com municípios e estados, tem uma tendência de que fique com o governo”, afirmou. O senador reconhece a falta de transparência nessa modalidade de repasse, mas recomenda que as pessoas acompanhem as redes sociais dos 513 deputados e 81 senadores, além dos sites das prefeituras (o País tem 5.570 municípios) e dos Estados (são 26 mais o DF) para tentar rastrear quem indicou a verba.

Candidato do governo na Câmara, Arthur Lira tem operado diretamente nas negociações de repasse das verbas. A ofensiva inclui ainda o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e o titular do Ministério do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, pasta que concentra os projetos que vão receber os recursos.

Responsável pela articulação política, o general Ramos disse ao Estadão que as planilhas não são da Secretaria de Governo. “Não está havendo nenhuma conversa relativa à negociação de voto. Seria até ofensivo, de minha parte, negociar voto em troca de cargos e emendas”, afirmou.

O presidente Jair Bolsonaro, que tem recebido pessoalmente parlamentares, já disse que “se Deus quiser vai influir na presidência da Câmara” e, neste sábado, 30, prometeu desalojar o atual ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, o que abre espaço para lotear o ministério que cuida do Bolsa Família, uma demanda do Centrão. O presidente não comentou sobre as acusações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e de Baleia Rossi de que seu governo está trocando verbas por votos.

Na campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu acabar com o chamado toma lá dá cá e a montar um ministério sem indicações partidárias, acabando com uma prática comum entre seus antecessores. O chamado presidencialismo de coalizão, quando o governo distribui cargos para os partidos em troca de apoio no Congresso, já resultou em esquemas de corrupção como o mensalão e o petrolão (desvendado pela Lava Jato). “Nosso maior problema é o toma lá dá cá e as consequências desse tipo de fazer política são a ineficiência do Estado e a corrupção”, disse o então candidato Bolsonaro na campanha de 2018. 

Deputados ignoram orientação das bancadas e declaram voto em Lira

Ao passo que as conversas com Ramos prosseguiam, parlamentares deixaram de lado a orientação de suas bancadas de votar no deputado Baleia Rossi e declararam voto em Arthur Lira. É o caso de oito deputados do DEM, partido do presidente atual da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), fiador da candidatura de Baleia. Entre os dissidentes do DEM pró-Lira listados na planilha do governo estão Elmar Nascimento, Arthur Maia e Leur Lomanto Júnior, todos da Bahia. Além deles, Carlos Henrique Gaguim (TO), Pedro Lupion (PR) e David Soares (DEM-SP) e Alan Rick (DEM-AC) também estão com Lira. A liderança do DEM foi procurada, mas não se manifestou.

O deputado Alan Rick (DEM-AC) diz que os recursos haviam sido negociados há tempo, sem qualquer relação com a disputa interna da Câmara. De acordo com ele, sua opção contra Baleia explica-se pelo incômodo com a adesão dos partidos de esquerda ao candidato. “É recurso do ano passado e não tem nada a ver com a votação. Não negociei votação. Saí do Republicanos porque queriam fazer bloco com o PT no Acre. Não vou assinar bloco com PT. Não pedi um centavo. Não tem nada a ver com a eleição da Câmara, mas com luta nossa”, disse.

O deputado Pedro Lupion (DEM-PR) também rechaça a relação entra o apoio ao candidato do governo e a liberação de verbas. Segundo ele, o voto pró-Lira é coerente com a postura que adota no Parlamento. “Sou vice líder do governo no Congresso. Apoiei Bolsonaro na eleição e continuo apoiando. Sigo com Arthur Lira desde o lançamento de sua candidatura”, declarou. Procurados, Elmar Nascimento (DEM-BA) e David Soares (DEM-SP) não quiseram comentar.

A maior dissidência registrada, no entanto, foi a do PSL, partido que elegeu o presidente Jair Bolsonaro. A sigla anunciou no dia 21 de janeiro apoio à candidatura de Arthur Lira. Isso ocorreu duas semanas após a liderança do partido ter participado do lançamento da campanha de Baleia Rossi. Segunda maior bancada da Câmara, o PSL tem 52 deputados. Desses, 16 que estão na planilha do governo declararam voto a Lira, de acordo com o placar do Estadão

PSDB, que declarou e ainda mantém apoio a Baleia, tem ao menos seis deputados que estão na planilha do governo que, contrariando orientação partidária, declararam voto em Arthur Lira. São eles: Mara Rocha (AC), Adolfo Viana (BA), Luiz Carlos (AP), Edna Henrique (PB), Celso Sabino (AP) e Rose Modesto (MS).

O deputado Adolfo Viana (PSDB-BA) diz que é importante ter o apoio do governo para levar recursos às regiões carentes da Bahia. No entanto, ele diz que os recursos extras aos quais teve acesso não prejudicam sua independência para escolher em quem votar. “Não teve nada condicionado. Não vejo problema em estarmos buscando recursos para as cidades que representamos. A gente busca o apoio do governo federal, mas não existe o ‘toma lá, dá cá’. Precisamos de apoio do governo, o Estado é carente. Mas nem por isso somos controlados”, disse.

No campo da esquerda, as legendas manifestaram apoio a Baleia Rossi, mas não impediram as dissidências. Gil Cutrim (PDT-BA) revelou voto em Lira. Ele poderá indicar R$ 2 milhões de verbas extras para obras, conforme a planilha a que o Estadão teve acesso. No PSB, os dissidentes são Liziane Bayer (RS), contemplada com R$ 2,6 milhões, e Felipe Carreras (PE), R$ 2 milhões. Em dezembro, uma indicação feita pelo parlamentar de ações da Codevasf, teve sinal verde do Ministério do Desenvolvimento Regional.

“Não tenho conhecimento do assunto e de nenhuma lista. Se não for algo forjado, como uma lista folclórica que estava circulando, e esse recurso existir e for liberado para o governo de Pernambuco, você (repórter) está dando uma grande notícia”, disse Carreras ao Estadão. “Meu apoio a Arthur nunca esteve condicionado à liberação de emendas”, garantiu. 

Estadão procurou as lideranças na Câmara do Avante, DEM, PP, Pros, PRB, PSDB, Podemos e PSL, mas elas não quiseram comentar os repasses a deputados das siglas. No Senado, a reportagem procurou as lideranças do DEM, Podemos, PP, PT, Republicanos, Pros e PSD, que também não se pronunciaram.

Ramos dá aval  aos ‘recursos extras orçamentários’

Os pagamentos são feitos pelos chamados “recursos extra orçamentários”, sempre com o aval do ministro Luiz Eduardo Ramos. Há casos em que os valores liberados correspondem a acordos anteriores ao período eleitoral, mas que só agora foram honrados, em meio às articulações para a eleição no Congresso.

Embora os poderes sejam independentes, o governo tenta interferir na disputa para colocar aliados nos comandos das Casas Legislativas de forma que possa dominar a agenda de votações. Bolsonaro se queixa que Maia barrou sua agenda ideológica prometida na campanha.

Maia focou o último ano em aprovar uma agenda econômica e medidas para ajudar a combater a pandemia do novo coronavírus. Partiu do Legislativo, por exemplo, aprovar uma ajuda emergencial para pessoas de baixa renda afetadas economicamente pela crise na saúde. O governo era contra inicialmente e só aderiu a essa agenda quando percebeu que o Congresso iria impô-la de qualquer maneira.

O trâmite para a liberação das verbas tem sido providenciado em tempo “recorde”, segundo parlamentares que têm participado das conversas, a portas fechadas, com Ramos revelaram de forma confidencial ao Estadão. O gabinete do ministro, no quarto andar do Palácio do Planalto, mesmo prédio onde despacha Bolsonaro, tornou-se uma espécie de “QG” do “Balcão de negócios” de apoio a Lira e Pacheco. De acordo com as consultas feitas nos sistemas de pagamento no governo, os empenhos de verbas (primeiro passo para a liberação) ocorrem em menos de uma semana após a visita ao gabinete do ministro.

No último dia 9 de dezembro, por exemplo, o deputado Zé Vitor (PL-MG) teve uma reunião a portas fechadas no gabinete de Ramos. “Eu estive lá, acho que foi… não me recordo. Acho que foi para tratar alguma questão… ambiental. Nós temos um monte de eventos. Eu sou coordenador de meio ambiente da Frente Parlamentar da Agropecuária. Acho que foi para tratar de alguma participação do governo em algumas ações nossas lá”, disse.

Três dias depois, chegou aos sistemas do Ministério de Desenvolvimento Regional uma proposta de R$ 700 mil, com o nome do deputado, para realização de obras viárias no município de Serra do Salitre (MG). Essa foi uma das 22 propostas listadas na planilha de Ramos, ao lado do nome de Zé Vitor, na condição de aprovadas. O parlamentar pode direcionar R$ 22,5 milhões.

Ao Estadão, Zé Vitor informou que a última vez que conversou com Lira foi em Belo Horizonte, há uma semana. “Comigo não tratou desse assunto (troca de apoio). Estou falando a verdade para você. Pode ter certeza”. Questionado se a planilha do governo, com os nomes dos parlamentares, seria uma forma de manter o controle de quem está sendo beneficiado, Zé Vitor discordou. “Não acho que é controle, é alguma organização, não é? Até para ter um mínimo de um ambiente organizado”.

A engenharia criada por Ramos para atender aliados ignora regras básicas da divisão do orçamento previstas em lei e permite o fatiamento, entre aliados, do dinheiro reservado aos ministérios. Apenas no PL, 14 deputados que declararam apoio em Lira, aparecem na planilha de Ramos. Eles foram beneficiados com o repasse de R$ 291,7 milhões.

Braço direito de Lira, o líder do PL na Câmara, deputado Wellington Roberto (PB), foi o parlamentar do seu partido mais contemplado pelo governo, com R$ 81,5 milhões. A sigla destinará um total de R$ 321 milhões. Em 2016, o deputado estava em lado oposto de Bolsonaro, quando votou contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT), com quem o atual presidente rivaliza.

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Segundo o deputado, a liberação de verba extra é algo “natural”. “Até porque quando o parlamento é eleito pelas suas bases, ele já assume compromissos de trazer ações oriundas do governo federal ou do governo do estado, é para ajudar seu município”, afirmou. “Essa coisa que está sendo trazida, agora, só porque é época de eleição da mesa, só para tentar, na verdade, dar uma conotação diferente da responsabilidade do governo federal”, completou. “O governo federal é o guarda-chuva central. O governo tem que ajudar sim os Estados e municípios.”

Procurada, a liderança do PL afirmou que o governo é quem deveria explicar a listagem de deputados numa planilha. “A Liderança do PL confirma que os deputados citados na suposta lista são filiados à legenda liberal. Entretanto, esclarece que a inclusão de nomes em qualquer listagem só pode ser explicada por quem fez a suposta lista”, afirmou.

Conforme revelou o Estadão, caciques partidários têm sido mais contemplados do que os deputados do chamado baixo clero – por não terem influência nas decisões, embora seus votem valham como os dos demais. Para incômodo de quem apoia Lira, o governo usou escalas diferentes na distribuição das verbas extras na Câmara. Um seleto grupo de 47 deputados foi contemplado, cada um, com recursos a partir de R$ 5 milhões para obras. Numa faixa intermediária, 39 puderam destinar entre R$ 2,5 milhões a R$ 4,9 milhões. A lista dos que aparecem abaixo desses valores é formada por 50 parlamentares.

A soma dos valores destinados atendendo a indicações desses 139 deputados que abriram seus votos é de R$ 1,197 bilhão. Além deles, no entanto, outros 15 deputados que já declararam apoio ao candidato governista constam na planilha do governo e indicaram transferências que somam R$ 59,2 milhões. No caso desses, porém, as propostas constam como “não empenhadas por falta de tempo hábil”. 

No Senado, a soma dos recursos das obras indicadas pelos 24 parlamentares pró-Lira chega a R$ 945,85 milhões. O senador Acir Gurgaz (PDT-RO) aparece na planilha como destinatário de R$ 12,6 milhões do orçamento. À reportagem, ele disse que o apoio em Pacheco não tem relação com as verbas do governo. “Até porque esse recurso foi empenhado para 2020, antes de qualquer candidatura à presidência do Senado”.

O senador Zequinha Marinho, do PSC do Pará, também aparece na planilha do governo e declara apoio a Rodrigo Pacheco. O parlamentar, no entanto, nega que o nome dele na planilha tenha a ver com a eleição no Senado. “Só gostaria de lembrar que a candidatura do senador Rodrigo Pacheco é algo recente”, disse.





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Paulo Gontijo: Vacinação pode ser pontapé para conter ataques à liberdade

Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo, voltar a tomar as ruas

O início da vacinação é o primeiro passo para o País sair da pior crise enfrentada por esta geração. Em momentos de grandes dificuldades, nossa espécie anseia por grandes líderes apontando caminhos de superação. Infelizmente, no Brasil, nós nos deparamos hoje é com o gigantismo da estupidez guiando a desordem e provocando instabilidades.

Não há ação técnica coordenada entre União e Estados. Onde precisamos de um governo para preservar a vida dos brasileiros, há apenas um comitê eleitoral. No lugar de distribuir vacinas, distribuem-se palavrões em churrascarias e cenas grotescas lambuzadas de leite condensado. O preço é alto e permanecerá sendo pago em largas prestações.

Após meses de negacionismo, Jair Bolsonaro ensaiou falar o óbvio: a vacina é essencial para a retomada econômica. Mas antes que sentíssemos qualquer alívio, o presidente retomou a sua narrativa insana, defendendo a ideia de que basta ao povo coragem para voltar à normalidade e enfrentar o vírus que já vitimou mais de 220 mil brasileiros.

Há, porém, algo pior do que seus discursos irresponsáveis: o boicote à vacinação. Fruto de uma combinação entre aloprados ideológicos, generais incompetentes e a pura omissão, seja na diplomacia ou na falta de implantação de um sistema de gestão do programa de imunização. E assim seguimos patinando, com consequências graves para a vida de todos os brasileiros e também para a economia.

As piores repercussões humanitárias ainda estão a caminho. Há risco de reedições da catástrofe de Manaus. Segundo projeções do economista Daniel Duque, com o fim do auxílio emergencial e a segunda onda da doença a extrema pobreza pode atingir até 20 milhões de brasileiros e a pobreza, que antes da pandemia era a condição de menos de 25% da população, pode chegar a mais de 30%. Quando aplicadas no ano passado, políticas de transferência de renda foram consenso. Agora voltam ao centro das atenções. Interrompido sem uma transição minimamente estruturada, o auxílio emergencial acabou significando um custo fiscal muito maior em razão da desorganização, da falta de planejamento e do caos político do governo Bolsonaro.

Criar uma ampla rede de proteção com transferências diretas para os mais pobres e vulneráveis é uma política herdeira do pensamento de liberais como Thomas Paine, Stuart Mill, Friedrich Hayek e Milton Friedman. Indiscutível do ponto de vista social, essa necessidade ilumina um problema crônico e estrutural do Estado brasileiro: apesar de consumir 40% da riqueza nacional todos os anos com um orçamento trilionário, nosso poder público, engessado em despesas obrigatórias, não foi capaz de construir uma proteção minimamente robusta para os mais vulneráveis. Mudar essa realidade deveria ser o centro das preocupações políticas.

Neste momento, cabe às vozes liberais o cuidado com os mais frágeis no presente, sem lhes sacrificar o futuro. Nosso esforço de guerra contra a covid-19 não pode perder de vista o pós-guerra. A reconstrução da economia e do mundo que herdaremos será mais ágil, ampla e inclusiva na medida em que tivermos a capacidade de implementar políticas públicas que sejam fruto da urgência, mas não se contaminem pelo desespero. Não apenas é possível, como necessário, aliar sensibilidade social à responsabilidade fiscal, a reformas que aumentem a eficiência do Estado brasileiro, à proposta da Lei de Responsabilidade Social – elaborada pelo Centro de Debate de Políticas Públicas após debate surgido no movimento Livres –, que remaneja programas sociais já existentes em busca de mais efetividade.

Em direção oposta a esse esforço, porém, o que assistimos é a proposições para ampliar poderes de forma abusiva, diminuir a transparência ou simplesmente promover líderes do Executivo. São exemplos o alargamento de prazos das medidas provisórias e da Lei de Acesso à Informação, a injustificável menção a decreto de estado de defesa pelo procurador-geral da República e a ameaça aberta de insurreição antidemocrática em 2022 pelo próprio presidente, inspirado na invasão dos trumpistas ao Capitólio. Com isso, antes de avançar, é preciso assegurar que não vamos retroceder.

O alerta liberal contra excessos do poder estatal está mais pertinente do que nunca. Não à toa, nós, do Livres, ingressamos com ação civil pública para convocar Jair Bolsonaro a apresentar em juízo as provas que ele reiteradamente alega possuir sobre a suposta fraude eleitoral em 2018. Não há espaço para omissão. A credibilidade do sistema eleitoral é pilar da legitimidade da democracia liberal. Utilizar o prestígio da Presidência da República para minar as bases da democracia é um atentado à Constituição. Em meio a uma pandemia, faltam até palavras para classificar. Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo. Em ambos os casos, a vacina será o passaporte para que possamos voltar a sair de nossa casa, tomar as ruas e desfrutar, juntos, o prazer da liberdade. E, sobretudo, encarar a responsabilidade de defendê-la.

*Analista político, especialista pela universidade de Georgetown (Washington, D.C), é Diretor Executivo do Movimento Liberal Livres.


O Estado de S. Paulo: Maia ameaça com impeachment de Bolsonaro; PSDB e Solidariedade devem rifar Baleia

Ao ser informado pelo presidente do DEM, ACM Neto, de que a maioria dos deputados do partido apoiaria a candidatura de Lira para o comando da Câmara, Maia cogitou até mesmo deixar a sigla

Vera Rosa, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A decisão da Executiva do DEM de desembarcar do bloco de apoio à candidatura do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e a disposição do PSDB e do Solidariedade de seguir o mesmo caminho levaram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a ameaçar aceitar um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. A eleição que vai escolher a nova cúpula da Câmara e do Senado está marcada para esta segunda-feira, 1.º.

Ao ser informado pelo presidente do DEM, ACM Neto, na noite deste domingo, 31, de que a maioria dos deputados do partido apoiaria a candidatura de Arthur Lira (Progressistas-AL) para o comando da Câmara, e não Baleia, Maia ficou irritado. O presidente da Câmara ameaçou até mesmo deixar o DEM. A reunião ocorreu na casa dele, onde  também  estavam líderes e dirigentes de partidos de oposição, como o PT, o PC do B e o PSB, além do próprio MDB.

Maia encerra o mandato à frente da Câmara nesta segunda-feira, 1º, e, segundo apurou o Estadão, afirmou que, se o DEM lhe impusesse uma derrota, poderia, sim, sair do partido e  autorizar um dos 59 pedidos de afastamento de Bolsonaro. Integrantes da oposição que estavam na reunião apoiaram o presidente da Câmara e chegaram a dizer que ele deveria aceitar até mais de um pedido contra Bolsonaro.

ACM Neto passou na casa de Maia antes da reunião da Executiva do DEM justamente para informar que, dos 31 deputados da legenda, mais da metade apoiava Lira. Pelos cálculos da ala dissidente, 22 integrantes da bancada estão com Lira, que é líder do Centrão.

O PSDB e o Solidariedade têm reuniões marcadas para esta segunda-feira, 1º e, diante da fragilidade da candidatura de Baleia, também ameaçam rifá-lo. “Ou mostramos força e independência apoiando claramente o Baleia ou adeus às expectativas de sermos capazes de obter alianças e ganhar as próximas eleições. Se há algo que ainda marca o PSDB é a confiança que ele é capaz de manter e expressar. Quem segue a vida política estará olhando, que ninguém se iluda", disse recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um grupo de WhatsApp da bancada tucana.

O ex-senador José Aníbal foi na mesma linha. “O PSDB assumiu compromisso com Baleia. Espero que cumpra. De outro modo, é adesão ao genocida”, afirmou Aníbal neste domingo, 31.

Maia lançou a candidatura de Baleia à sua sucessão em dezembro, com o respaldo de uma frente ampla, que incluiu  partidos de esquerda. Na ocasião, o líder do DEM, Efraim Filho (PB), assinou um documento no qual o partido avalizava o nome do MDB.

Diante do racha, ACM Neto atuou para amenizar a crise. Saiu da casa de Maia e foi direto para a sede do partido. Conduziu a reunião da Executiva pedindo para que o DEM ficasse oficialmente neutro. Além das ameaças de Maia, partidos de oposição afirmaram que, com o abandono de Baleia por parte do DEM, também a esquerda poderia desembarcar da candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ao comando do Senado. Até agora, Pacheco é o favorito para a cadeira de Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O candidato do Progressistas chegou a anunciar em sua agenda que, nesta segunda, 1.º, receberia o apoio do DEM, às 9h30. A operação, porém, foi abortada por ACM Neto, que pediu aos correligionários para não humilharem Maia.

Nos bastidores, deputados comentavam neste domingo que o racha pode afastar o apresentador Luciano Huck do DEM. Huck planeja entrar na política para disputar a eleição para a Presidência, em 2022, e tem flertado tanto com o DEM como com o  Cidadania ao defender uma frente de centro para derrotar Bolsonaro.

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O Estado de S. Paulo: Atraso em vacinação deve custar R$ 150 bi ao PIB do País em 2021

Segundo cálculo da consultoria LCA, caso 70% dos brasileiros fossem vacinados até agosto contra a Covid-19, a economia poderia crescer 5,5%; mas, com esse patamar de imunização previsto só para dezembro, avanço deve ser reduzido em 2 pontos porcentuais

Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo

A lentidão e a desorganização no programa nacional de vacinação contra a covid-19 vão retirar pelo menos dois pontos porcentuais do Produto Interno Bruto (PIB) do País em 2021. Segundo cálculos do economista Bráulio Borges, da consultoria LCA, caso 70% da população recebesse a vacina até agosto, a economia brasileira cresceria 5,5% neste ano. Se a vacinação atingir esse patamar apenas em dezembro – hipótese que hoje já é considerada otimista –, o crescimento do PIB deve ficar entre 3% e 3,5%. Nesse cenário, o País deixará de movimentar R$ 150 bilhões.

Borges também traçou uma hipótese otimista: estimando o impacto de uma vacinação mais ágil na economia, em um ritmo semelhante ao de Israel – país mais avançado na imunização contra o novo coronavírus. Nesse cenário, 70% seriam vacinados até junho, permitindo que as medidas de distanciamento social fossem relaxadas e garantindo o retorno de atividades em que há aglomeração. O PIB poderia, nesse caso, avançar 7,5%, um incremento de R$ 260 bilhões.

O crescimento de 3% a 3,5% esperado para a economia no pior dos cenários (com a maior parte da população vacinada até o fim do ano) pode parecer positivo, dado que a última vez que o País avançou 3% foi em 2013. Na prática, porém, significará que a economia passou o ano todo estagnada. Isso decorre do que os economistas chamam de “carrego estatístico” – quando a base de comparação é baixa (o resultado médio do PIB em 2020), mas o ponto de partida é elevado por conta da recuperação ao longo do último semestre do ano.

A alta de 3,5% também significará que o País terá, no fim de 2021, um PIB 1% abaixo do registrado em 2019. A economia per capita terá um resultado ainda mais negativo: 2,5% inferior ao de 2019. “Esses cálculos são um exercício simplificado que mostra como podemos ter um crescimento econômico se andarmos mais rápido com a vacinação, o que hoje parece uma realidade bem distante”, afirma Borges.

Por enquanto, a LCA projeta que o PIB ficará nos 3,5% neste ano. Mas Borges reconhece que talvez a realidade “seja ainda pior que esse cenário ruim”.

Tendências Consultoria é mais pessimista e estima um PIB de 2,9%. “Nossa projeção é cautelosa porque já tínhamos uma preocupação com o quadro pandêmico e não tínhamos a perspectiva de que haveria um movimento de vacinação afetando parte relevante da população no primeiro semestre. Outra preocupação é com a situação fiscal”, diz a economista-chefe da consultoria, Alessandra Ribeiro.

Classificação de risco do Brasil

O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, afirma que há inclusive um risco de o Brasil ter sua classificação de risco novamente rebaixada por causa do atraso na imunização. “Há um risco indireto porque, à medida que não temos uma vacinação em massa, a confiança dos agentes econômicos cai. As pessoas também ficam mais em casa e isso afeta um componente que é analisado para determinar o risco, que é o PIB.”

A economista Zeina Latif  alerta que a perda de doses de vacinas, como tem sido verificado em algumas cidades por problemas técnicos, e a eficácia de 50% da Coronavac, que está sendo produzida no Instituto Butantan,  fazem com que seja mais difícil atingir a imunidade de rebanho. “Esse fator de incerteza vai pesar em 2021. Ainda vamos passar um bom tempo com limitações para a atividade econômica. E o setor de serviços é o mais impactado pela pandemia, além de ser o que tem maior peso no PIB. Acho difícil a gente não ter decepções com a economia.”

Segundo estimativa do Ministério da Saúde, a vacinação deve levar “até 12 meses após a fase inicial”. Isso, no entanto, dependerá “do quantitativo de vacinas disponibilizadas para uso”. A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunizações por oito anos, lembra, porém, que já houve atrasos no recebimento das primeiras doses de imunizante e que não é possível ter certeza de que o prazo será cumprido. “Mesmo quem comprou as vacinas antecipadamente está com problema (para recebê-las). Imagina quem não comprou. Esse vai para o fim da fila, porque a demanda mundial é muito grande.”

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Affonso Celso Pastore: O grito do silêncio

O dano causado pelo governo continuará a se manifestar através do pífio desempenho da economia

É compreensível que parte do setor privado evite criticar publicamente o governo, mas seu silêncio não significa aprovação: os preços dos ativos gritam por eles. Ao longo de 2020, a piora da situação fiscal decorrente da péssima reação do governo à pandemia provocou um crescimento sensível dos prêmios de risco, destacando-se a depreciação do real, que, após uma pausa no final do ano, prosseguiu recentemente com acentuada volatilidade. Embora poucos acreditassem que Bolsonaro pudesse reconhecer seus erros, e passasse a exercer a Presidência com uma competência nunca demonstrada, muitos apostavam que a liquidez internacional levaria à valorização do real, reduzindo a pressão sobre a inflação. Com isso, o Banco Central, que mantém uma elevada credibilidade, talvez pudesse retardar um pouco o início da inevitável normalização monetária, fazendo o que está ao seu alcance para ajudar na recuperação da economia. 

É possível que a política fiscal expansionista de Biden venha a reforçar o enfraquecimento do dólar, mas este já vem ocorrendo significativamente desde maio de 2020, quando teve início uma política monetária com níveis recordes de estímulos. Foi em maio que o Federal Reserve derrubou a taxa dos Fed funds para 0,25% ao ano (o seu zero bound), foi em maio que comprou mais de US$ 2,5 trilhões de treasuries, que é perto de 2 vezes o total de ativos financeiros comprado durante o QE da crise de 2008, e não por acaso foi em maio que o dólar começou a se enfraquecer. Se a liquidez internacional fosse decisiva para valorizar o real, a partir de maio este teria de seguir a trajetória da mediana de uma amostra de 20 países emergentes, que se valorizou acompanhando de perto o enfraquecimento do dólar. Em 2020 e no início de 2021, o comportamento do real não tem nada a ver com o enfraquecimento do dólar. É explicado apenas por causas domésticas. 

O setor privado nunca teve ilusões a respeito de Bolsonaro, mas agarrava-se a uma narrativa “construtiva”. A existência de mais de uma vacina com eficácia comprovada levaria a uma recuperação já em 2021, melhorando o mercado de trabalho, e o desembolso da “poupança precaucional” (ou circunstancial) neutralizaria a contração vinda do “despenhadeiro fiscal”, parte do qual era devida ao fim da ajuda emergencial. Mas, para ser “construtiva”, a narrativa tinha de subestimar a incompetência do governo.

Foram patéticos os lances de ópera bufa na busca desesperada pela obtenção de algumas vacinas vindas da Índia com o único objetivo de apressar a cerimônia de início da vacinação, enquanto o governo se omitia em enviar o oxigênio que minorasse a tragédia de Manaus. Mas Bolsonaro não estava interessado na vacinação e no sofrimento dos atingidos pela pandemia, e, sim, em iniciar a vacinação antes de Doria, em São Paulo. O que estava em jogo não era a solução do problema sanitário, e, sim, o aumento de seu cacife na disputa para 2022. 

Como reagirá o governo à queda da popularidade, à desaceleração do crescimento econômico e ao risco de abertura de um processo de impeachment? Especialistas afirmam ser difícil a sua aprovação diante dos 30% de apoio mantidos pelo presidente. Mas lembro que estes 30% não são uma constante da natureza, e que juristas de renome já alinharam abundantes razões para a abertura do processo de impeachment.

A perda de popularidade e a piora do estado da economia não deixarão inertes nem o governo e nem o Centrão. A este interessa que Bolsonaro continue presidente, não porque seja bom para o Brasil, mas por lhe garantir a ocupação de ministérios e outras benesses do governo. Contudo, é difícil acreditar que sejam aprovadas reformas impopulares que contrariem interesses de grupos políticos, inclusive os do próprio Centrão. O mais provável é que seja enviada ao Congresso uma nova emenda emergencial permitindo o aumento de gastos que não serão computados para o cálculo do teto, que por isso será cumprido. Mas diante do desastroso desempenho do governo, não posso sonhar que imporá as necessárias medidas compensatórias que levem à consolidação fiscal, com a qual nunca se comprometeu de fato.

O dano causado pelo governo continuará a se manifestar através do pífio desempenho da economia e dos preços dos ativos, sobretudo da taxa cambial. Mas a contagem regressiva para a reeleição já está correndo, e as reformas necessárias, mas impopulares, ficam cada vez mais distantes, aumentando a cada dia o custo da complacência com o governo atual.

*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados. 


Roberto Romano: Palácio e picadeiro, incontinências de Bolsonaro

Se o líder pensa com os intestinos e não domina ódios pessoais, perde acatamento político

Das cenas grotescas protagonizadas pelo presidente Jair Bolsonaro, a que foi exibida no último dia 27 de janeiro é das mais repulsivas. Cercado por tietes, ele exibiu todo o ódio à imprensa. A causa do destempero encontra-se na denúncia sobre os estranhos gastos do Executivo federal com alimentos. Um estadista responderia com números e documentos. Mas, ao proferir, sorrindo, vocábulos pornográficos, o governante recebeu ovações de arruaceiros e chaleiras. Tal vitupério exige processo judicial por indecente uso do cargo. Frases que no pior bordel são evitadas, nos lábios de um presidente causam asco.

O “mito” não entenderá a citação abaixo, pois sua força cognitiva é pequena. Mas entre ministros, políticos que a ele se aliam e antigos apoiadores talvez exista algum saber. A eles me dirijo. Ao discutir a governabilidade, diz Spinoza: “A república não pode fazer com que os homens (...) respeitem o que gera riso ou náusea. (...) Para garantir o poder é preciso guardar as causas do medo e do respeito, caso oposto não há mais um Estado. É impossível para os que operam o mando político (...) bancar o palhaço, violar ou desprezar abertamente as leis por eles mesmos estabelecidas, pois assim eles perdem a majestade e mudam o medo em indignação e o estado civil em estado de guerra” (Tratado Político). Tais enunciados vêm de Maquiavel, pensador das práticas que permitem manter o poderio civil.

Repito: o presidente nada compreende de semelhantes teses. Mas quem negou sua utilidade perdeu cargos, para não mencionar a cabeça. Assim foi com Carlos I da Inglaterra e Luís XVI na França. Sempre chega a vez de quem imagina a si mesmo como impune e infenso às leis.

O decoro na fala e na postura corporal integra toda autoridade política, jurídica, religiosa, militar. Menciono outro escrito que certamente não será compreendido pelo sr. Jair Bolsonaro e seus marombeiros. Trata-se de Hannah Arendt: “Se for preciso verdadeiramente definir a autoridade, deve-se fazê-lo opondo-a ao mesmo tempo ao constrangimento pela força e à persuasão por argumentos”. No setor público ou privado cada um reconhece a superior hierarquia de quem ostenta autoridade. Não é pelo vezo de prender ou censurar, perseguir ou caluniar aos berros os oponentes que alguém consegue respeito público.

Dito de outro modo: se você precisa gritar para que lhe obedeçam, sua autoridade não existe. Inteligência, decoro, respeito à hierarquia, autoridade: um estadista pode receber da vida doses desiguais desses elementos. Ele compensa a fraqueza de um com a força de outro. Mas o dirigente que enxovalha o seu cargo não tem autoridade, só lhe cabe o título atribuído por Spinoza: palhaço.

Todo clown possui dupla face: a risível e a trágica. A primeira é exibida a cada novo dia pelo sr. Jair Bolsonaro. A trágica surge em decisões imprudentes e impudentes durante a pandemia. Tantas sandices comete o “mito” – e aí vai um alerta aos militares responsáveis pela força física estatal – que podemos temer: a indignação diante do descalabro pode “mudar o estado civil em estado de guerra”.

Aliás, são hábitos do líder a mão armada e o incentivo aos instrumentos da morte que impulsionam fraturas civis. Junto vem o boicote pérfido a vacinas como a Coronavac – esperanças de vida – por mesquinhos alvos políticos. A teoria infame de Carl Schmitt é praticada por ele: a política como forma de gerar o inimigo. E assim são corroídos os elos que garantem a união interna do Estado.

Recordo o dito usado por João de Salisbury (Policraticus) sobre governantes desprovidos de saber. Rex illiteratus quasi asinus coronatus est (um rei iletrado é quase um asno coroado). Para governar urge mover conceitos políticos, militares, filosóficos, jurídicos e outros. A edificação do Estado moderno se norteia pelo preparo do governante. Erasmo publicou um tratado sobre o tema, Institutio Principis Christiani. Ele cita Salisbury: “Liberdade real e virtude só podem ser obtidas onde existe a liberdade de palavra. O bom príncipe do bom Estado deve aceitar pacientemente as palavras livres, quaisquer que elas sejam”. Os turpilóquios de Bolsonaro contra a imprensa ameaçam o verbo independente. Erasmo adverte contra os aduladores. Na educação do príncipe o cavalo ensina a governar, pois não aceita violência e recusa imperícia ou lisonja. O sáfaro que ignora tais peculiaridades equinas vai ao chão. Aduladores, como os do espetáculo obsceno indicado no início deste artigo, lambem botas do poderoso ocasional. Se ele perde força, as línguas de aluguel procuram outra fonte de poder.

Gabriel Naudé, autor das Considerações Políticas Sobre os Golpes de Estado (1640), louva o saber do governante e recorda o dito de Luís XI: “Quem não sabe dissimular não sabe governar”. Se o líder pensa com os intestinos, em vez do cérebro, e não domina ódios pessoais, perde acatamento político.

Os destemperos de Jair Bolsonaro evidenciam carência de autoridade, decoro, saber. Ele quer os poderes do Legislativo e do Judiciário. O lugar que lhe cabe, no entanto, não é no palácio, mas na arena ou picadeiro.

*Professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de estado e outros estados da razão’ (Perspectiva)


Eliane Cantanhêde: Com o Congresso no bolso

Bolsonaro constrói os pilares do governo sobre os escombros de suas promessas em 2018

Eleições e jogos de futebol não se ganham de véspera, mas, pelo andar da carruagem, dos cargos e emendas extras, os dois grandes vencedores na disputa de amanhã pelo comando da Câmara e Senado serão o presidente Jair Bolsonaro e o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). O grande derrotado tende a ser o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que teve importante papel na longa presidência da Câmara, mas tropeçou na reta final.

Assim como os militares aderiram à velha boquinha e à subserviência por conveniência que tanto criticavam nos políticos, Bolsonaro mergulhou de cabeça na velha política, na compra de votos, no toma lá dá cá, no Centrão e até nas mordomias que estufava o peito para condenar. Era tudo de boca para fora. Agora cai o pano, caem os pruridos, os escrúpulos.

Na mesma semana em que o governo anunciou o maior rombo das contas públicas da história, com um déficit de R$ 743,1 bilhões, ou 10% do PIB, o Estadão nos informa que o Planalto despejou R$ 3 bilhões em recursos “extras” – além das emendas parlamentares tradicionais – para 250 deputados e 35 senadores. Não é pura coincidência ser justamente agora, às vésperas das eleições no Congresso.

Dinheiro para prorrogar o auxílio emergencial não há e fórmulas para ampliar a abrangência e o valor do Bolsa Família ainda não estão no ar, mas o site Metrópoles revelou gastos de R$ 2,2 milhões com chicletes e R$ 15,6 milhões com leite condensado, para dar “energia” aos soldados. Bolsonaro, sendo Bolsonaro, reagiu atacando a imprensa e contaminando o ar com palavrões. E se fosse no governo Lula?

É sobre os escombros de suas promessas de 2018 que o presidente vai construindo a sustentação de seu governo, de suas ideias, projetos e pautas demolidoras. Foi assim que ele moldou uma vitória e tanto no Congresso, onde desfilou por 28 anos. A gente achava que não tinha aprendido nada, mas aprendeu tudo direitinho.

Com a faca e o queijo na mão, mais chiclete e leite condensado à vontade, Bolsonaro usa cargos e acena com ministérios para satisfazer a gula da turma. É preciso explicar: o Centrão está louco pelas vagas, mas Bolsonaro está louco é para cooptar parte do DEM (o próprio Alcolumbre?), MDB e PSDB para o governo. Seu objetivo é rachar o centro. A esquerda racha sozinha.

No Senado, Alcolumbre escolheu o favorito Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o levou de bandeja para Bolsonaro e viabilizou sua vitória, enquanto o MDB fazia a lambança de sempre e a senadora Simone Tebet (MDB-MS) achava possível ganhar com uma campanha de ideias, princípios e juras de independência. Um sonho de verão. 

Na Câmara, o líder do Centrão Arthur Lira (PP-AL) é favorito e única chance de mudança de última hora é que, com nove candidatos, três têm potencial para ter uns votinhos, forçar o segundo turno e se unir em torno de Baleia Rossi (MDB-S). Outro sonho de verão.

Bolsonaro perdeu a guerra da primeira vacina e da primeira foto para João Doria, mas ri à toa diante da perspectiva de vitória para Rodrigo Maia, candidato a ser o grande derrotado amanhã. Uma pena. Em três mandatos consecutivos na Presidência da Câmara, ele se superou, galgou vários degraus na hierarquia política e assumiu a cara e a voz da oposição a Bolsonaro.

Sempre pode haver surpresas (vide Severino Cavalcanti em 2005), mas Maia blefou com a reeleição no STF, demorou a definir um candidato, superestimou suas armas diante do arsenal do Planalto e, assim, ameaçou sua posição de ponte entre líderes e partidos de centro para 2022.

Ele, porém, tem 50 anos e oxigênio político nesse deserto de homens e ideias. O mundo dá voltas, a política é como nuvem e o Brasil precisa, mais do que leite condensado e chiclete, de seus principais quadros para enfrentar o que está aí.


Waldemar Mariz de Oliveira Neto: A responsabilidade do presidente da Câmara dos Deputados

Não lhe incumbe obstar ou diferir a apreciação das denúncias por crime de responsabilidade

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu artigo 218, delega ao seu presidente a função de deferir ou indeferir o recebimento de denúncias por crimes de responsabilidade eventualmente cometidos pelo presidente da República, pelo vice-presidente ou por ministros de Estado.

Em caso de deferimento, a denúncia será lida no expediente da sessão seguinte e despachada para a comissão especial eleita para esse fim, da qual participam, proporcionalmente, representantes de todos os partidos com representação na Casa. Em caso de indeferimento, cabe recurso ao plenário.

A norma não fixa prazo para que sejam adotadas quaisquer dessas duas providências, mas o artigo 15 da Lei n.º 1.079/1950 esclarece que a denúncia só pode ser recebida enquanto o denunciado não tiver deixado definitivamente o cargo.

Como é permitido a qualquer cidadão apresentar a denúncia, a faculdade conferida exclusivamente ao presidente da Câmara dos Deputados tem sua razão de ser, servindo como um primeiro filtro para evitar que acusações absolutamente esdrúxulas e desprovidas de adequação tenham seguimento automático, paralisando o Legislativo e trazendo instabilidade à sociedade.

Nesses casos, o indeferimento não traz ônus político, dada a patente teratologia da denúncia. Ainda que seja possível eventual recurso ao plenário, a votação pode ser realizada com celeridade e sem maiores solavancos para a estabilidade institucional.

Todavia, quando tem bons fundamentos, o deferimento ou indeferimento da denúncia obriga o presidente da Câmara a tomar posição, o que implica considerável gravame político, razão pela qual pedidos podem permanecer intocados até que o denunciado deixe o cargo e a denúncia não possa mais ser recebida.

Acontece que a inexistência de prazo legal não deve ser interpretada como uma licença para que o presidente da Câmara escolha o momento político que lhe pareça mais adequado para decidir pelo recebimento ou não da denúncia. Tal conduta apenas indica omissão e complacência. Se a denúncia não é descabida a ponto de ser indeferida de plano, deve ser admitida para permitir que a comissão especial exerça seu papel institucional.

É dessa comissão, em suma, a função de emitir um primeiro parecer sobre se a denúncia deve ser ou não julgada objeto de deliberação. Em sendo, abre-se prazo para que o denunciado conteste o parecer. Ao fim, após a instrução e produção de provas, a comissão especial profere novo parecer, dessa vez sobre a procedência ou improcedência da denúncia, que será levado a votação pelo plenário da Câmara dos Deputados, podendo acarretar no encaminhamento da acusação por crime de responsabilidade para julgamento pelo Senado Federal, com o afastamento do denunciado de seu cargo.

Somente assim se permite que os representantes do povo deliberem a respeito da conduta denunciada, expondo publicamente suas posições e prestando contas aos seus eleitores, pouco importando se a denúncia tem condições políticas para ser ou não admitida.

Ainda que a conjuntura política tenda para determinado resultado, é preciso que sucessivas denúncias sejam analisadas, caso a caso, arcando o denunciado com eventual desgaste político decorrente de suas ações, mesmo que como mera medida dissuasória, para que repense a adequação de sua conduta.

Não importa, portanto, se a denúncia tem chances de sucesso naquele momento. Não importa se é melhor que o ambiente político aqueça ou que a denúncia arrefeça. Independentemente disso, é preciso que seja permitida sua discussão e apreciação. É preciso que os deputados que apreciarão a denúncia também enfrentem as consequências de suas decisões, especialmente perante a opinião pública. É também fundamental que o denunciado possa responder no foro adequado pelas acusações que lhe forem formuladas, ainda que seja para demonstrar sua inocência.

Por outro lado, é necessário que denúncias inconsistentes sejam objeto de indeferimento, permitindo a apreciação de eventual recurso pelo plenário, afastando a possibilidade de utilização para expedientes obscuros, quando politicamente conveniente.

A ausência de decisão do presidente da Câmara acerca do recebimento da denúncia, ainda que se admita sua legalidade, transfere para ele, exclusivamente, o ônus moral de impedir a responsabilização do denunciado, aproximando-o da condescendência. A ausência de decisão acerca do indeferimento revela oportunismo.

Ao deixar de decidir, o presidente da Câmara dos Deputados furta para si as prerrogativas da comissão especial e do plenário. Ao deferir ou indeferir, afasta de si o ônus de sua omissão, dando efetividade à sua missão institucional, repassando à comissão especial e ao plenário o encargo que efetivamente lhes cabe, de aceitar ou rejeitar a denúncia.

Portanto, não incumbe ao presidente da Câmara obstar ou diferir a apreciação das denúncias por crime de responsabilidade, sob pena de deixar como legado histórico as marcas de sua omissão.


O Estado de S. Paulo: Planalto libera R$ 3 bi em obras a 285 parlamentares em meio à eleição no Congresso

Estadão teve acesso a planilha interna do governo com nomes de 250 deputados e 35 senadores contemplados; Luiz Eduardo Ramos, articulador político do Planalto, está à frente das negociações

Breno Pires e Patrik Camporez, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Diante da disputa pelos comandos da Câmara e do Senado, o governo abriu o cofre e destinou R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores aplicarem em obras em seus redutos eleitorais. O dinheiro saiu do Ministério do Desenvolvimento Regional. O Estadão teve acesso a uma planilha interna de controle de verbas, até então sigilosa, com os nomes dos parlamentares contemplados com os recursos “extras”, que vão além dos que já têm direito de direcionar.

A oferta de recursos foi feita no gabinete do ministro Luiz Eduardo Ramos. A Secretaria de Governo, que o general comanda, virou o QG das candidaturas dos governistas Arthur Lira (Progressistas-AL), que disputa o comando da Câmara, e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), do Senado. Nesta quarta, 27, o presidente Jair Bolsonaro disse que “se Deus quiser vai participar e influir na presidência da Câmara”, com a eleição de Lira para a vaga ocupada hoje por seu adversário Rodrigo Maia (DEM-RJ). Além de verbas, o governo também tem oferecido cargos a quem aceite votar nos dois nomes do governo, segundo relatos de parlamentares. 

Dos 208 deputados que já declararam apoio a Lira, conforme o “Placar da Eleição” do Estadão, 125 nomes já estão na planilha da Secretaria de Governo, considerando apenas os que já garantiram fatias do Orçamento para projetos de seus interesses. Ao todo, 41 dos parlamentares estiveram em ao menos uma reunião no Palácio com Ramos desde dezembro, quando começaram as campanhas nas Casas. Na comparação com o placar da eleição para o Senado, dos 33 votos declarados para Pacheco, 22 nomes de senadores aparecem na planilha.

A planilha, informal e sem timbre, inclui repasses de recursos do orçamento da União que não são rastreáveis por mecanismos públicos de transparência. São os chamados “recursos extra orçamentários”, no linguajar usado no Congresso. Neste tipo de negociação, os valores são repassados a prefeitos indicados por deputados ou senadores sem que o nome do deputado fique carimbado, como ocorre com a emenda parlamentar tradicional. Desta forma, se houver alguma irregularidade na aplicação dos recursos não é possível saber se há algum envolvimento do parlamentar que direcionou a verba para determinada obras.

Na condição de líder do Progressistas, Lira foi priorizado com o direcionamento de R$ 109,5 milhões para serem distribuídos a projetos indicados por seus colegas de partido. Ele direcionou outros R$ 5 milhões a obras de pavimentação e drenagem de ruas no município de Barra de São Miguel (AL), onde seu pai, Benedito Lira, é prefeito. Procurado pela reportagem, o deputado não quis responder às perguntas relacionadas à planilha.

PARA ENTENDER

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A Casa Civil também foi procurada para comentar e se Bolsonaro tem conhecimento da planilha. A pasta se limitou a dizer que, “sobre este tema, a reportagem deveria procurar a Secretaria de Governo”, chefiada por Ramos. O ministro afirmou que as planilhas não são da sua pasta. “Não está havendo nenhuma conversa relativa a negociação de voto. Seria até ofensivo, de minha parte, negociar voto em troca de cargos e emendas”, disse o general.

Ter aliados nos comandos da Câmara e do Senado é considerado determinante nos planos de reeleição de Bolsonaro, em 2022. O presidente admite interferir na disputa para conseguir impor sua agenda ideológica nos dois últimos anos de mandato. Como mostrou o Estadão, a intenção é também barrar eventuais CPIs que mirem seu governo, filhos e apoiadores ou o avanço de pedidos de impeachment. 

O “toma lá, dá cá” de recursos públicos em troca de apoio, porém, vai de encontro ao que o presidente pregou durante a campanha eleitoral de 2018. “O nosso maior problema é o político. São as indicações políticas. É o ‘toma lá dá cá’ e as consequências desse tipo de fazer política são a ineficiência do Estado e a corrupção", afirmou Bolsonaro na época, em um dos vídeos de sua campanha.

Os recursos comprometidos pelo balcão de negócios do Planalto saíram das conversas entre Ramos, articulador político de Bolsonaro, e congressistas. Os valores já estão empenhados no Orçamento, a primeira etapa para que o pagamento seja efetivamente feito. A engenharia do ministro supera em volume, em muitos casos, as tradicionais emendas parlamentares – limitadas a um total de R$ 16,3 milhões por parlamentar – e compartilha, num acordo sem transparência, a gestão orçamentária de ministérios. Para efeito de comparação ao montante gasto nestas negociações, o governo federal empenhou, em todo o ano de 2020, R$ 3,9 bilhões em emendas para a área da atenção básica da saúde pública. 

Lira tem influência em todas as etapas do processo de liberação de recursos. Ele negocia diretamente com o Planalto e tem apadrinhados em postos chaves no próprio Ministério de Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados, como na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). O secretário nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano, Tiago Pontes Queiroz, listado como autoridade competente para alguns dos contratos da Codevasf, foi indicado à pasta no ano passado por Lira e pelo presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira (PI).

Deputados ouvidos pela reportagem relataram que o grupo político de Lira tem orientado os parlamentares a se dirigirem pessoalmente ao gabinete de Ramos no Planalto. Em reunião a portas fechadas, contam, o ministro questiona se o parlamentar estaria disposto a declarar voto no candidato do PP em troca do empenho de dinheiro do orçamento em obras em seu reduto. Após sinalizar interesse no acordo, o nome do deputado é imediatamente incluído na planilha de monitoramento dos repasses das verbas.

‘É muito mais’

Uma parte dos nomes citados na planilha do governo é dissidente de partidos que apoiam a campanha do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), adversário de Lira na disputa. Nela estão os deputados da bancada baiana do DEM ligados ao ex-prefeito de Salvador ACM Neto, como Leur Lomanto (R$ 12 milhões), Arthur Oliveira Maia (R$ 7,5 milhões) e Paulo Azi (R$ 6,5 milhões). Os parlamentares posaram para fotos com Lira na segunda-feira passada, durante jantar em Salvador. Na manhã de quarta-feira, Lomanto foi ao Planalto conversar com Ramos. Por sua vez, Paulo Azi, presidente do partido na Bahia, esteve com o chefe da Secretaria de Governo em dezembro. PARA ENTENDERVeja o placar da eleição para presidente do SenadoRodrigo Pacheco (DEM), Simone Tebet (MDB), Major Olímpio (PSL) e Jorge Kajuru (Cidadania) são os candidatos à presidência da Casa; saiba como estão distribuídos os votos para a sucessão de Davi Alcolumbre por Estado e por partido

À reportagem, Arthur Maia admitiu que o envio de fatias do orçamento aos Estados foi tratado com os deputados. Ele, no entanto, negou que as conversas tivessem relação com a eleição na Câmara. O parlamentar disse ainda desconhecer a citação de seu nome na planilha. “Da minha parte não tem nada a ver”, afirmou. Em relação aos recursos atrelados a ele, o deputado citou que, além desse valor, conseguiu outros recursos. “Está errado, é muito mais do que isso ao longo de 2020. Porque você sabe: tem as emendas parlamentares, mas depois tem algumas liberações. Agora, não tem nada a ver com a candidatura de Arthur Lira”, disse. “Me perdoe, você está me humilhando dizendo que só consegui R$ 7,5 milhões para a Bahia”, ironizou. 

Planilha mostra modelo de gestão sem regras

A planilha informal de controle de recursos extras da Secretaria de Governo revela, pela primeira vez, a impressão digital de deputados e senadores em contratos que são divulgados sem citações de nomes. Diferentemente das emendas parlamentares, os sistemas de rastreamento do dinheiro público não vinculam as verbas extraordinárias ao deputado ou ao senador que as indicou. O Estadão só chegou à identidade dos congressistas porque eles estão nominados nessa planilha informal. A destinação do crédito extra, que deveria primar por critérios técnicos, expõe um modelo de gestão sem critérios claros e formais. 

Para formalizar o direcionamento dos recursos, o governo aproveitou os Projetos de Lei do Congresso (PLN) 29 e 30, aprovados em novembro e dezembro do ano passado, que totalizaram um crédito suplementar de R$ 12,4 bilhões a diversas áreas da administração. Foi desse valor que o Planalto retirou os recursos empenhados a obras sugeridas pelos parlamentares, isto é, reservados  para aplicação sem necessidade de novas autorizações.

Parlamentares ouvidos pela reportagem observam que a distribuição de recursos em meio a disputas no Legislativo vai além e ocorre também em pastas como Turismo e Infraestrutura. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a estimar, em entrevista, um gasto total do governo de R$ 20 bilhões para eleger Lira. Ele questiona de onde o governo vai tirar esse dinheiro para cumprir as promessas feitas parlamentares, uma vez que Orçamento deste ano está bastante limitado.

Datada de 12 de janeiro, a planilha obtida pela reportagem junto a interlocutores do governo tem 71 páginas com descrições - muitas vezes em linguagem informal - de propostas de contratos que foram indicados pelos parlamentares. O documento detalha a situação atual de cada proposta. Ao lado do valor acordado, estão citadas as origens dos recursos - na maior parte deles, os projetos de lei do Congresso (PLNs) 29 e 30, além de outros de números não descritos. Os PLNs são usados pelo governo para abrir créditos extras no Orçamento sem desrespeitar regras fiscais. A reportagem confirmou no Portal Mais Brasil, que concentra as informações de repasses de verbas federais a Estados e municípios, que os contratos citados na planilha estão em execução.

Pela portaria 424 do Ministério do Planejamento, de 2016, as normas de transferências de recursos da União para prefeituras preveem que os projetos devem ser selecionados de maneira técnica e recomendam que haja chamamento público no prazo mínimo de 15 dias para que interessados apresentem as propostas. A planilha “Segov 2020 Extra”, no entanto, indica que esse prazo não foi obedecido em muitos casos. Os contratos e convênios para obras foram assinados, às pressas, em dezembro, muitos deles somente dois dias após serem indicados pelos parlamentares.

Além desses recursos já empenhados, a planilha da Secretaria de Governo aponta uma série de indicações feitas por deputados que não tiveram o dinheiro garantido, em valores somados de R$ 707 milhões. Desse volume, R$ 585 milhões não foram empenhados ou redirecionados "por falta de tempo hábil".

Num jantar com deputados de diversas siglas, na segunda-feira passada, no Espírito Santo, Lira foi questionado sobre a possibilidade de o Planalto não conseguir manter os acordos com os parlamentares. O candidato prometeu que, assim que for eleito, vai colocar para votação um novo PLN para abrir mais créditos extraordinários. Por meio de sua assessoria, Lira disse que a “campanha” não irá rebater “invenção sem cabimento com o único propósito de baixar o nível nesta reta final”.

Influência

Deputados e senadores buscam verbas federais para aumentar a influência em seus redutos e garantir a reeleição nas urnas. Com os recursos, eles passam a ter liderança em relação a prefeitos e outros chefes políticos locais. É, por conhecer esse atalho na busca de poder político, que o próprio presidente Jair Bolsonaro tem usado o telefone na cobrança de apoios explícitos a Lira. No começo da semana, ele exigiu que o senador Fernando Bezerra (MDB-PE) impedisse o filho, o deputado Fernando Bezerra Filho (DEM-PE), de participar de um evento público da campanha de Baleia Rossi.

O senador foi contemplado com R$ 125 milhões. Mas, no seu caso, a presença na lista não tem ligação direta com as disputas das mesas diretoras do Legislativo. Ele já é líder do governo no Senado. Esse é a situação ainda dos deputados licenciados e ministros Tereza Cristina e Fábio Faria (Comunicações), que indicaram R$ 24 milhões e R$12,8 milhões, respectivamente. Assim como de aliados influentes do Planalto, como os senadores Davi Alcolumbre (DEM-AP) – R$ 277 milhões – e Ciro Nogueira – R$ 135 milhões –, cujos apoios vão além das alianças nas eleições do Congresso.

As transferências de valores previstos na planilha do governo incluem também partidos que ainda não decidiram qual candidato vão apoiar. É o caso do Podemos, que terá uma reunião com Lira no domingo à tarde. O deputado José Nelto (GO) esteve com o ministro da Secretaria de Governo nesta quarta-feira, 27. À reportagem, o parlamentar relatou que o ministro não pediu apoio ao candidato do Planalto, mas o questionou se a bancada do partido havia definido em quem votaria. Nelto teve R$ 13 milhões liberados no fim do ano. A destinação seriam obras na cidade de Formosa-GO. “Uma obra técnica”, disse.

O deputado afirmou à reportagem que a liberação de recursos extras tem sido comum no governo Bolsonaro. “Isso não foi feito só agora, foi feito em 2019, foi feito em 2020, eu comandava a bancada (do Podemos) e liberei no fim de ano R$ 50 milhões de cada parlamentar. Era de PLN, o mesmo modus operandi. Não sei se tinha em governos anteriores, porque este é meu primeiro mandato”, disse. O parlamentar avalia que não se trata de compra de apoio político. “Eu não tenho compromisso algum. Não há posição ainda. Qualquer candidato terá de assumir compromisso de colocar em votação as pautas do nosso partido, para obter nosso apoio.”

Os demais parlamentares citados na reportagem também foram procurados, mas não se manifestaram até o momento. 



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