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Bolsonaro pensa que é preciso colocar 'dinheiro na veia do povo' para ganhar a eleição

O teto morreu. Só não foi enterrado porque não há outra âncora fiscal para ficar no lugar

Adriana Fernandes / O Estado de S.Paulo

Podem dizer o que quiserem. O teto de gastos morreu. Só não foi enterrado porque no momento não há outra âncora fiscal para ficar no lugar, e o governo (Centrão) precisa sustentar a narrativa enganosa de que o teto está vivo para não piorar a crise econômica.

É falsa a versão do presidente Jair Bolsonaro de que não houve furo no teto e que o aumento de gastos será feito dentro das  regras orçamentárias.

Não foi uma revisão do teto com discussão ampla sobre a eficácia ou não dessa regra, criada há apenas cinco anos.

O que ocorreu foi uma manobra casuística para conseguir quase R$ 90 bilhões de espaço para gastar mais nas eleições. Querem furar, mas querem dizer que gostam do teto… E buscam ainda mais licença para gastar no programa eleitoral do presidente.

O teto vem segurando muitas tentativas de ampliação de gastos. Os técnicos que lidam no dia a dia da gestão do Orçamentotêm absoluta convicção de que, se tirassem o teto, as despesas explodiriam.

Quem participa das reuniões da Junta de Execução Orçamentária (JEO), colegiado em que a equipe econômica e a Casa Civil decidem as prioridades do Orçamento, fica horrorizado com as manobras e dribles que vem se tentando emplacar por ali nos últimos tempos.

Apesar de ter essa barreira, a mudança na regra incluída na PEC dos precatórios representou um turning point de ruptura do teto e da política econômica, virada que só era esperada para o início de 2023, já no próximo governo. Não tem mais nenhuma credibilidade.

O teto se mostrou incapaz de entregar o que prometeu: as escolhas das melhores prioridades de políticas públicas. Há apagão em muitas áreas e abundância em outras, como nos gastos dos militares. Na escassez do limite de despesas imposto pelo teto, instalou-se o feudalismo fiscal, termo tão bem cunhado pela procuradora de Contas de São Paulo Élida Pinto.

O ponto central de toda essa crise em torno do Auxílio Brasil, da ruptura do teto e da debandada da equipe de Paulo Guedes é que o presidente e as lideranças do Centrão tiraram a máscara e estão ignorando a reação nervosa do mercado.

A avaliação no Palácio do Planalto é de que é preciso ganhar a eleição de 2022 e, para isso, será necessário colocar “dinheiro na veia do povo”.

Apesar de toda a boataria de nomes do Centrão para suceder o ministro, Bolsonaro deu apoio a Guedes porque ele está jogando o mesmo jogo. O ministro ficou para ajudar a remar até a reeleição. Ao lado do presidente, que foi até o Ministério da Economia, Guedes não só negou que tenha pedido demissão como deu seu recado: “Peço compreensão. Vamos trabalhar até o fim do governo”.

*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,adriana-fernandes-bolsonaro-eleicao-de-2022-teto-de-gastos-auxilio-brasil,70003877455


Bolívar Lamounier: Piada pronta, ideias fixas

Na AL, o clássico absoluto é o de que o sistema presidencialista de governo é o único que se coaduna com nossa ‘índole’

Bolívar Lamounier / O Estado de S. Paulo

Tem-se dito que o Brasil é o país da piada pronta, e exemplos disso não faltam; mas não nos esqueçamos de que somos também mestres em ideias fixas.

Piadas prontas não fazem mal a ninguém, ao contrário das ideias fixas, que podem causar sérios danos. Destas, na América Latina, o clássico absoluto é o de que o sistema presidencialista de governo é o único que se coaduna com nossa “índole”. Certa vez ouvi um presidente latino-americano dizer com toda seriedade que o presidencialismo é irremovível porque expressa a ideia do “chefe”, uma necessidade do inconsciente popular que remonta às comunidades indígenas de séculos atrás. No Brasil, desde a proclamação da República, os adeptos desse sistema não se cansam de afirmar que a concentração das duas funções, chefia de Estado e de governo, numa entidade unipessoal, o presidente, assegura a estabilidade do regime democrático e confere unidade aos programas de governo. Consumado o golpe militar encabeçado pelo marechal Deodoro, o Brasil não tinha como retornar ao parlamentarismo do Império, porque as regiões exigiam a Federação e porque, em tal hipótese, o sucessor de D. Pedro II na chefia do Estado seria uma mulher, ainda por cima casada com um conde estrangeiro.

Nos primeiros anos do regime de 1891, toda uma geração de intelectuais influenciados pelo fascismo em ascensão concordou com Rui Barbosa por ter ele elaborado uma Constituição presidencialista, mas lhe desceram o cacete por ter escolhido um modelo “fraco”, o dos Estados Unidos, por mero instinto de imitação. Queriam uma ditadura presidencial.

Deixemos, porém, de lado a República Velha e vejamos o que tem sido o nosso presidencialismo desde aqueles tristes primórdios. Em meu livro Da Independência a Lula e Bolsonaro, recentemente reeditado pela Editora FGV, citei este parágrafo do celebrado mestre Maurice Duverger, adepto de uma atenuação do presidencialismo: “O sistema presidencial (puro) é intrinsecamente propenso à instabilidade. É o que evidencia toda a América

Latina. O sistema presidencial jamais funcionou a contento a não ser nos Estados Unidos. Noutros países, ele degradou-se em presidencialismo – vale dizer, em ditadura”. Penso que o mestre francês seria menos benévolo mesmo em relação aos Estados Unidos, se tivesse testemunhado o confronto de 2016 entre Hillary Clinton e Donald Trump e o desempenho deste na presidência.

Mas o melhor exemplo da relação entre presidencialismo e estabilidade é, com certeza, a Argentina, país que logrou a proeza de regredir ao subdesenvolvimento após atingir um alto grau de riqueza. Reproduzo, aqui, o registro de Carlos H. Waisman, um destacado estudioso da história de seu país: “De 1930 até o restabelecimento da democracia em 1983, a Argentina sofreu seis portentosos golpes militares (1930, 1943, 1955, 1962, 1966, e 1976), e numerosos outros de menor importância. Naquele período, o país teve 25 presidentes. Excluindo a ditadura de Perón, que durou dez anos (19461955), foram, portanto, 24 presidentes em 38 anos, ou seja, governos com uma duração média de 1,6 ano! Estabilidade para ninguém botar defeito.

O ciclo brasileiro de governos militares (1964-1985) não chegou a tanto, mas enganase quem se atém à superfície dos acontecimentos, esquecendo-se da instabilidade que lavrou continuamente dentro da corporação militar durante aqueles 21 anos. O marechal Costa e Silva não acatou as diretrizes de seu antecessor, o marechal Castelo Branco, e se impôs como candidato. Quando faleceu, em 1969, o Alto Comando recorreu a um golpe sem rebuços, impedindo a posse do vice, deputado Pedro Aleixo, legitimamente eleito pelos critérios que a própria corporação militar antes estabelecera, e instalou no

Planalto o general Emílio Garrastazu Médici. A sucessão deste pelo general Ernesto Geisel foi, digamos assim, tranquila, graças ao detalhe de que seu irmão, Orlando Geisel, era então o titular do Ministério da Guerra. Mas o próprio Ernesto Geisel foi obrigado a sobrestar um golpe que seu ministro da Guerra, general Sylvio Frota, começara a articular contra ele. Para demitir Sylvio Frota, Ernesto Geisel deixou de lado as formalidades e disse-lhe na lata: “O cargo é meu”. Geisel precisou também aparar arestas na caserna quando decidiu delegar ao general João Figueiredo a incumbência de encerrar o ciclo militar.

Uma das muitas diferenças relevantes entre os dois sistemas de governo é a de que a única fórmula legítima de que o presidencialismo dispõe para afastar do cargo a pessoa que concentra as duas funções, chefe de Estado e de governo, é o sempre traumático impeachment, que requer a demonstração de “crime de responsabilidade”, conceito que só uma minoria da sociedade compreende. O parlamentarismo, para recorrer ao voto de não-confiança, só precisa demonstrar que o titular do cargo é incompetente ou corrupto, ou não conta com o respeito do Congresso. Dilma Rousseff, por exemplo, poderia ter sido afastada em três semanas, poupando-nos todo aquele tormento.

*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,piada-pronta-ideias-fixas,70003876909


Com entrada de Moro e Pacheco, terceira via já tem 11 nomes para 2022

Podemos prepara filiação do ex-juiz e ingresso na sigla deve ocorrer em 10 de novembro

Lauriberto Pompeu, Daniel Weterman e Marcelo de Moraes / O Estado de S.Paulo

O Podemos já prepara uma cerimônia para marcar a filiação do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro ao partido. O ex-juiz da Operação Lava Jato deve sacramentar o ingresso na sigla em 10 de novembro. A decisão de Moro de estrear na política partidária e o anúncio da filiação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao PSD, ampliaram o cenário de potenciais pré-candidatos à sucessão do presidente Jair Bolsonaro, em 2022, na chamada terceira via.

No campo expandido do centro político já há 11 nomes que postulam ou são indicados como possíveis candidatos para quebrar a polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no ano que vem.

No caso de Moro, o assunto é tratado com reserva, já que ele ainda é consultor da Alvarez & Marsal e mora nos Estados Unidos. O contrato, porém, termina no fim deste mês e, a partir daí, a entrada do ex-ministro na política partidária poderá ser oficializada.

Pacheco, por sua vez, já anunciou a saída do DEM e vai se filiar ao PSD do ex-ministro Gilberto Kassab na próxima quarta-feira. Nem Moro nem o presidente do Senado bateram o martelo sobre a candidatura ao Planalto, mas todas as conversas se desenrolam nesse sentido, inclusive com a procura de vices para possíveis chapas. O ex-juiz da Lava Jato tem ainda no radar uma vaga no Senado – ele poderia concorrer por São Paulo ou pelo Paraná.

O ex-juiz da Operação Lava Jato deve sacramentar o ingresso no Podemos em 10 de novembro. Foto: Lula Marques

No cenário atual, não apenas uma ala da política como representantes do mercado financeiro estão à procura de um nome que possa se contrapor à polarização entre Bolsonaro e Lula. “É muito importante que haja uma união do centro para que isso possa ocorrer, para que haja um único candidato mais forte”, disse em entrevista ao Estadão o banqueiro Roberto Setubal, copresidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco.

Em pesquisa do Ipec divulgada em setembro, em um cenário com dez nomes, Moro aparece com 5%. Lula lidera todos os levantamentos e Bolsonaro, acuado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid – que recomendou seu indiciamento em nove condutas criminosas –, vem perdendo cada vez mais popularidade diante de uma sucessão de crises, que vão da política à economia.

Além da filiação de Moro, outra definição importante ocorrerá em novembro. Trata-se do resultado das prévias do PSDB que vão escolher o pré-candidato do partido à Presidência. Os concorrentes são os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio.

O PSDB integra o grupo de nove partidos de espectro político de centro que têm se reunido na tentativa de construir uma chapa única ao Planalto. De todas as legendas que se movimentam para construir uma alternativa a Bolsonaro e a Lula, porém, a única que não admite mudança de candidato é o PDT. O partido vai lançar Ciro Gomes (PDT) e está em busca de um vice. Nesta sexta-feira, 22, o PDT projetou em prédios de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Belém e Porto Alegre a nova marca da campanha, intitulada “Prefiro Ciro”. 

A lista dos 11 potenciais pré-candidatos da terceira via à eleição presidencial de 2022 inclui, ainda, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), os senadores Alessandro Vieira (Cidadania) e Simone Tebet (MDB), o jornalista e apresentador de TV José Luiz Datena (PSL) e o cientista político Luiz Felipe d’Ávila (Novo).

Movimentação. Além de uma recepção para Moro no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, o Podemos também planeja outros eventos semelhantes em São Paulo e em Curitiba.

No fim de setembro, o ex-ministro esteve no Brasil para ter conversas políticas e tratar da possibilidade de participar da disputa eleitoral. A primeira reunião foi com a cúpula do Podemos, em Curitiba, na casa do senador Oriovisto Guimarães, com a presença da presidente do partido, a deputada Renata Abreu, e dos senadores Alvaro Dias e Flávio Arns. Em São Paulo, Moro se encontrou com Doria e com Mandetta.

'Centro expandido' : veja quais são os pré-candidatos da terceira via à eleição presidencial de 2022

  • João Doria (PSDB)

Governador de São Paulo

  • Eduardo Leite (PSDB)

Governador do Rio Grande do Sul

  • Arthur Virgílio (PSDB)

Ex-prefeito de Manaus

  • Ciro Gomes (PDT) 

Ex-ministro

  • Alessandro Vieira (Cidadania-SE)

Senador

  • Simone Tebet (MDB-MS)

Senadora

  • Luiz Henrique Mandetta (DEM)

Ex-ministro da Saúde

  • Sérgio Moro

Ex-juiz da Lava Jato e  ex-ministro da Justiça e Segurança Pública

  • Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

Presidente do Senado

  • José Luiz Datena (PSL)

Jornalista e apresentador de TV

  • Luiz Felipe d’Avila (Novo)

Cientista político e fundador do Centro de Liderança Pública (CLP)NOTÍCIAS RELACIONADAS

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,com-entrada-de-moro-e-pacheco-terceira-via-ja-tem-11-nomes-para-2022,70003877441


William Waack: Brasil, o prisioneiro da crise fiscal de Bolsonaro

Bolsonaro e o Centrão estão brincando de tornar o País ingovernável

William Waack / O Estado de S. Paulo

Grandes sacudidas políticas no Brasil vieram quase sempre de crises fiscais, e Jair Bolsonaro está se empenhando em aprofundar a atual. As causas dessas crises são amplas e profundas, e no sentido mais geral resultam da apropriação de pedaços do Estado por grupos privados e corporações, que acomodam os mais variados interesses à custa dos cofres públicos.

No caso da atual crise, seu agravamento não vem só do fato de Bolsonaro arriscar as contas públicas apostando na reeleição. Fator relevante foi a entrega de fatias essenciais de poder, como o controle do Orçamento, aos grupos políticos amorfos e até antagônicos apelidados de Centrão. É o que explica em boa parte que os agentes econômicos tenham perdido a confiança na capacidade do Executivo de formular e articular políticas públicas abrangentes, começando pela economia.

A única agenda do Centrão é a defesa de seus interesses regionais ou corporativos (ou tudo junto). Por definição, trata-se de um conjunto de correntes políticas e interesses segmentados incapaz de articular uma pauta ampla. Como Bolsonaro não tem qualquer senso estratégico e se dedica fundamentalmente a agradar a plateias amestradas, não percebeu que o Centrão não é garantia alguma de que ele possa governar (basta lembrar as reformas que nunca andam).

Ao contrário, o poder entregue ao Centrão é a garantia de que o atual ocupante do Planalto não conseguirá governar nem mesmo na hipótese, hoje bastante remota, de que consiga a reeleição. O debate político brasileiro tornou-se completamente subordinado às questões fiscais mais urgentes. Portanto, não existe espaço, energia ou foco em plataformas para fugir da armadilha da renda média na qual o Brasil está preso há décadas.

É sério o risco de o Centrão (com Bolsonaro a tiracolo), sem rédeas, retroceder ao estágio pré-plano Real, o da irresponsabilidade declarada com as contas públicas. A necessidade de ajudar quase 30 milhões que caíram abaixo da linha da pobreza virou um Cavalo de Troia para a gastança que será paga mais adiante (em inflação e estagnação) por esses mesmos milhões de necessitados. Não há qualquer visão de futuro nas figuras de proa do Centrão além de garantir seus interesses políticos imediatos, aos quais no momento Bolsonaro serve perfeitamente.

Ficamos assim: uma geração e meia após a redemocratização continuamos tentando, sem grande sucesso, resolver pobreza, miséria e desigualdade, e procurando um jeito de ganhar eleições com votos garantidos por programas assistenciais. Quem sabe a crise fiscal (como aconteceu próximo ao Real) traga as mudanças que os salvadores da Pátria de plantão não têm. •

Fonte: O Estado de S, Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-prisioneiro-da-crise-fiscal,70003874981


Carlos Pereira: Um controle desequilibrado

Um Ministério Público ‘incontrolável’ garante o equilíbrio entre Poderes

Carlos Pereira / O Estado de S. Paulo

Existem vários modelos estáveis de democracia, da mais majoritária (com poucas restrições às preferências de uma maioria parlamentar) à mais consensualista (com vários pontos de veto capazes de proteger interesses minoritários). 

Não se pode dizer qual modelo é o melhor. O importante é que exista equilíbrio entre os mais variados componentes do sistema.

Os founding fathers da democracia brasileira de 1988 constituíram um sistema político essencialmente consensualista, com vários elementos de proteção, tais como separação de Poderes, federalismo, multipartidarismo e, o que aqui interessa, independência do Judiciário e do Ministério Público

Para contrabalançar e gerar governabilidade, os legisladores delegaram uma grande quantidade de poderes ao presidente para que ele tivesse condições de atrair suporte político majoritário, mesmo em um ambiente fragmentado. 

Neste desenho, cumpre papel fundamental para o equilíbrio do jogo a existência de um MP e Judiciário independentes. Um MP “incontrolável” teria condições de controlar chefes do Executivo poderosos. Naturalmente que essa escolha não é destituída de custos. A falta de controle pode levar a potenciais excessos e desvios. Mas esse foi o preço que o legislador constituinte decidiu pagar. 

Preferências podem ser alteradas, já que constituições não são “camisas de força”. Mas deve-se atentar para os custos dessa alteração.

O controle externo do MP já existe em alguns países. Mas os elementos que garantem o equilíbrio do sistema são diferentes dos daqui. Portanto, o que funciona lá não necessariamente vai funcionar aqui.

A indicação de membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do seu corregedor pelo Legislativo, bem como a possibilidade desse conselho passar a rever atos do MP, como proposta na PEC 5/21, certamente aumentará o controle sobre os membros do MP, desestimulando potenciais excessos e desvios. 

Mas não podemos esquecer o outro dado da moeda. Na medida em que um presidente constitucionalmente poderoso tem condições de montar maiorias legislativas, serão essas maiorias que terão capacidade de interferir na composição do CNMP e, por consequência, na própria atuação do MP. 

Se o problema é a falta de controle do MP, poder-se-ia criar um controle exógeno que fosse exercido pela minoria parlamentar de oposição. Um controle exercido por uma maioria parlamentar, proposto na PEC 5/21, é uma “bomba atômica” que tem o potencial de dessensibilizar o equilíbrio de todo o sistema político em prol do Executivo. 

Professor titular FGV EBAPE, Rio

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,um-controle-desequilibrado,70003871511


Luiz Sérgio Henriques: A jornada ao centro

Defesa das instituições está longe de se restringir à esquerda ou mesmo aos setores progressistas

Luiz Sérgio Henriques / O Estado de S. Paulo

Nas nossas sociedades o centro político não é a região habitada pelos mornos – os que não são nem quentes nem frios – de que nos falam as Escrituras e que, por isso, serão impiedosamente vomitados no Apocalipse. Ao contrário, há teóricos para quem o centro é o “lugar” em que se cruzam e se confrontam por vezes com contundência, e também entram em algum tipo de acordo, as diversas propostas hegemônicas presentes na comunidade política. E, se de hegemonia se trata, sempre há movimento e mudança, sempre se registram avanços e recuos, mas nunca a eliminação física ou espiritual do adversário. O centro, em suma, move-se, indica o estabelecimento (provisório) de equilíbrios mais ou menos progressistas, mais ou menos permeáveis aos impulsos democratizadores.

A existência de um centro é o que nos permite logicamente identificar a presença de forças desestabilizadoras e, portanto, ex-cêntricas. Estas aparecem como risco e ameaça, especialmente quando são vetores de destruição pura e simples e dão vazão a forças irracionais em períodos de intensa mudança social. Como diz a frase famosa, em tais períodos tudo o que é sólido se desfaz no ar, e o desafio de entender e assimilar dialeticamente os novos termos do mundo – desafio que indivíduos sensatos se colocam – pode ser varrido por uma vontade particularmente anômala de retornar a um passado harmonioso, mas inexistente.

Este risco e esta ameaça operam concretamente entre nós. E operam não como força evanescente, mas como realidade política concreta. A direita dita iliberal, ou antiliberal, tem nossa democracia como seu troféu desde 2018. O rastro de destruição está à vista de todos e se estende do meio ambiente ao mundo da cultura, das normas básicas de civilidade aos fundamentos do Estado democrático. Particularmente perverso o ataque desferido contra a ciência e seus pressupostos em tempo de pandemia e num país, como o nosso, de firme adesão prática a regras sanitárias. A perversidade se conta, como sabemos, em algumas centenas de milhares de compatriotas mortos, muitos deles de modo cruel e desnecessário. Sem exagero retórico, a maior tragédia nacional em cinco séculos de existência coletiva.

Muito penoso ter testemunhado, desde o início, a retórica antiestablishment mobilizada por figuras reconhecidamente menores do próprio establishment em qualquer uma das suas áreas, na economia ou na política, na vida civil ou na militar. Rancor e ressentimento foram, e são, os traços distintivos do “estilo de época” que se impôs a partir de 2018. E não por acaso o “subversivismo elementar” a que tal estilo serve volta-se violentamente, em primeiro lugar, contra a própria noção de centro político, tal como acima mencionamos.

Para dar dois exemplos no plano discursivo. A fala inaugural do presidente da República, ainda no parlatório de Brasília, traz os elementos mais primários da alucinada guerra ultradireitista de valores, como, entre outros, a luta contra a “correção política” identificada com o solerte “socialismo”. E a última “declaração à nação”, na qual o presidente recua dos graves atropelos institucionais do Dia da Independência, conclui com o lema integralista (fascista ou filofascista) em desafiadora caixa alta. Ora, com tais simulacros de ideias, não há como “ir ao centro” para travar a saudável batalha hegemônica com os demais atores que compõem a sociedade aberta. A ex-centricidade está dada, é elemento constitutivo de uma força que, tendo obtido maioria eleitoral, se inscreve entre as que têm promovido ativamente a “recessão democrática” destes nossos tempos.

A defesa das instituições está longe de se restringir à esquerda ou mesmo aos setores que se autodefinem como progressistas. Recentemente, a propósito, a historiadora Anne Applebaum, ao deplorar a metamorfose do velho Partido Republicano em instrumento da “grande mentira” trumpista, chamou a atenção para a importância de haver bons partidos de centro-direita capazes de esvaziar o chamado selvagem da extrema direita. Uma consideração realista, que evidentemente se aplica a nós. Os adeptos do liberalismo político, não importa sua filiação específica, têm uma visão de mundo por demais sofisticada para regredirem ao território das distopias organicistas, por definição anuladoras do indivíduo e da tradição iluminista.

A esquerda política, ao menos nas suas expressões mais significativas, terá de apetrechar-se para sua própria “jornada ao centro”, afastando-se dos caudilhismos que assolaram a última “onda rosa” latino-americana. Por certo, divergências legítimas à parte, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva não é a versão espelhada do atual presidente, mas, entre outros, Hugo Chávez ou Nicolás Maduro o são, razão pela qual nenhuma complacência é possível ou justificável. De resto, só uma esquerda finalmente animada pela ideia da “democracia (política) como valor universal” poderá reivindicar para si coerência programática e lealdade institucional, mais além das tentações iliberais que periodicamente costumam rondá-la. Hic Rodhus.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-jornada-ao-centro,70003868692


CPI adia leitura de relatório após divergência em indiciar Bolsonaro por homicídio qualificado

Decisão ocorre após ‘Estadão’ revelar a íntegra do documento que acusa governo de agir de forma dolosa na pandemia

Amanda Pupo / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Após o Estadão revelar a íntegra do relatório final da CPI da Covid, o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), decidiu adiar a leitura do parecer. Inicialmente, a reunião estava marcada para esta terça-feira, 19, com votação no dia seguinte. Agora, a nova data será na quarta-feira, 20, e a votação, na próxima terça-feira, 26.

Um dos pontos que levaram ao adiamento, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem, é a decisão do relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), de indiciar Bolsonaro por homicídio qualificado, revelada pela reportagem do Estadão. O Estadão apurou que o presidente teria reclamado com Aziz dessa intenção de Renan. Interlocutores de Bolsonaro afirmam que homicídio é algo que todas as pessoas entendem o que é e, se isso for adiante, Bolsonaro ficará marcado como assassino, o que seria muito difícil de ser revertido na opinião pública. 

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Relatório da CPI acusa o governo Bolsonaro de agir com ‘dolo’ na pandemia

Conforme o Estadão publicou com exclusividade neste domingo, o relatório final da CPI conclui que o governo de Jair Bolsonaro agiu de forma dolosa, ou seja, intencional, na condução da pandemia e, por isso, é responsável pela morte de milhares de pessoas. “O governo federal criou uma situação de risco não permitido, reprovável por qualquer cálculo de custo-benefício, expôs vidas a perigo concreto e não tomou medidas eficazes para minimizar o resultado, podendo fazê-lo. Aos olhos do Direito, legitima-se a imputação do dolo”, diz trecho da peça, que tem 1.052 páginas e ainda pode ser alterada até a sua apresentação formal na CPI.

Em uma mudança de entendimento, o texto passou a imputar a Bolsonaro e ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello o crime de homicídio qualificado. Até então, o relatório atribuía aos dois o crime de homicídio comissivo – praticado por omissão. O argumento da CPI é de que Bolsonaro sabia dos riscos que oferecia à população e os assumiu. 

CPI DA COVID

Estadão apurou, contudo, que Renan pretende manter essa definição, a não ser que isso prejudique a aprovação de seu relatório. O senador disse que jornal que da sua parte “está tudo definido”no texto e que agora é avaliar o que seus companheiros pensam a respeito. 

Outro ponto de impasse no colegiado é o indiciamento do ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Nesse caso, é o próprio relator que resiste à essa conclusão, por considerar que na CPI não houve apoio nem mesmo para ele prestar depoimento, quanto mais para o indiciamento. Braga Netto, então chefe da Casa Civil no início da pandemia, era o coordenador do grupo interministerial criado pelo Palácio do Planalto para cuidar da gestão da pandemia. 

O presidente da CPI afirmou ao Estadão/Broadcast que o adiamento não está relacionado a eventuais discordâncias sobre pontos do relatório. “Não é discordância. É porque o que vazaram, vazaram pontualmente, e só as tipificações, a gente não tem o embasamento”, disse ele, que afirma não ter tido acesso ao relatório até o momento. “Nenhum senador viu o documento ainda”, afirmou.

De acordo com ele, a data foi alterada por uma questão de cautela. Aziz foi aconselhado por vários juristas a conceder um período maior de tempo entre a leitura do parecer e a votação do relatório, disse o senador. “Fui aconselhado por vários juristas a ter a cautela necessária para que alguém não entre na Justiça dizendo que não teve direito de defesa. Porque o prazo é muito exíguo. Relatório com mais de mil páginas você não analisa em minutos. Apenas em um dia as pessoas ainda não teriam dados suficientes para questionar pontualmente alguma coisa”, afirmou. 

O senador Renan Calheiros disse ao Estadão que não se opôs ao adiamento. “Ajudará muito a termos mais tempo para conversar”, afinal o parecer é da maioria, é coletivo, não é individual”, afirmou. Para ele, no entanto, o relatório já está “definido” e agora serão feitos apenas ajustes de redação. Mesmo assim, disse Renan, é importante saber o que os colegas dele na CPI avaliam do documento.

Depois de aprovado, o relatório com a conclusão dos trabalhos e as sugestões de punição será encaminhado aos órgãos de controle, que poderão abrir processos sobre os supostos crimes apontados. Isso ocorre porque a CPI tem poderes de investigação, mas não de punição.

Outros trechos do relatório

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cpi-da-covid-decide-adiar-leitura-de-relatorio-final,70003871223


Relatório da CPI acusa o governo Bolsonaro de agir com 'dolo' na pandemia

Documento de 1.052 páginas atribui ao presidente e a Pazuello o crime de homicídio qualificado; peça ainda pode ser alterada

André Shalders, Julia Affonso e Vinicius Valfré / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O relatório final da CPI da Covid, do Senado, conclui que o governo Bolsonaro agiu de forma dolosa, ou seja, intencional, na condução da pandemia e, por isso, é responsável pela morte de milhares de pessoas. O Estadão teve acesso ao documento, que tem 1.052 páginas, e será apresentado aos senadores da CPI na próxima terça-feira. “O governo federal criou uma situação de risco não permitido, reprovável por qualquer cálculo de custo-benefício, expôs vidas a perigo concreto e não tomou medidas eficazes para minimizar o resultado, podendo fazê-lo. Aos olhos do Direito, legitima-se a imputação do dolo (intenção de causar dano, por ação ou omissão)”, diz trecho da peça, que ainda pode ser alterada até terça-feira. No dia seguinte, os senadores devem começar a votação do relatório. 

1.052 páginas tinha a última versão do relatório final, até o início da noite de sábado

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A conclusão será encaminhada aos órgãos de controle, que poderão abrir processos sobre os supostos crimes apontados. Isso ocorre porque a CPI tem poderes de investigação, mas não de punição.

O documento faz um diagnóstico do que, na visão da comissão, provocou a morte de 600 mil pessoas no Brasil. Com base nessas investigações, os senadores afirmam ter encontrado indícios de omissão e “desprezo técnico” durante a tragédia sanitária.

4 é o número de pedidos de indiciamento por homicídio contra Bolsonaro, Pazuello, Elcio Franco e uma médica da Prevent Senior

Em uma mudança de entendimento, o texto passou a imputar a Bolsonaro e ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o mais longevo da pandemia, o crime de homicídio qualificado. Até então, o relatório atribuía a ambos o crime de homicídio comissivo – praticado por omissão. O argumento da CPI é de que Bolsonaro sabia dos riscos que oferecia à população e os assumiu.

A seguir, os principais pontos do documento.

1. Gabinete paralelo

O relatório aponta que um “gabinete paralelo”, composto por médicos, políticos e empresários que não faziam parte do governo, assessorou informalmente Bolsonaro. As orientações não tinham respaldo científico e foram determinantes “para o desastre na gestão da pandemia”. Elas influenciaram ações e discursos do presidente e, consequentemente, o comportamento de milhões de brasileiros. O grupo era formado por Nise YamaguchiOsmar TerraArthur WeintraubCarlos Wizard e Paolo Zanotto.

409 menções há no texto a Bolsonaro

2. Imunidade de rebanho

Por orientação do gabinete paralelo, o governo Bolsonaro estimulou a população a seguir sua rotina e ignorar medidas de proteção, como o uso de máscaras e o distanciamento social. A ideia era contaminar a maior parte da população brasileira para que o País procedesse a uma suposta “imunidade de rebanho”. A estratégia tinha como objetivo forçar a volta da atividade econômica.

3. Tratamento precoce

O governo Bolsonaro fez uma “defesa incondicional e reiterada” de medicamentos com ineficácia comprovada contra a covid, como a hidroxicloroquina, a azitromicina e a ivermectina. A conduta levou brasileiros a abrir mão de medidas como o distanciamento social e o uso de máscaras. Além disso, fez com que o País gastasse milhões de reais em vão, com medicações que não funcionavam. Em 2020, foram R$ 41 milhões para itens do chamado “kit covid”, segundo um cálculo conservador da CPI. A maior parte foi desembolsada quando havia farta evidência de que o remédio não surtia efeito. “A insistência aponta para o presidente como o principal responsável pelos erros de governo.”

4. Oposição a medidas não farmacológicas

O relatório aponta que o governo desestimulou a adoção de medidas não farmacológicas contra o vírus, como o isolamento social e o uso de máscara. O texto afirma que, se as medidas tivessem sido aplicadas, 120 mil vidas poderiam ter sido salvas até março de 2021.

5. Atraso na compra de vacinas

A demora “deliberada” e “injustificável” para a compra de vacinas da Pfizer e a Coronavac foi considerada “a mais grave omissão” do governo federal na pandemia e contribuiu “decisivamente” para o alto número de casos e mortes no País. A imunização não foi uma prioridade, como também uma legislação para aquisição e o uso das vacinas.

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Servidores realizam sepultamento no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus Foto: AP Photo/Edmar Barros

6. Crise no Amazonas

O governo federal foi omisso não apenas no monitoramento da falta de insumos no Amazonas, mas também depois de instalada a crise de desabastecimento de oxigênio. Pacientes internados com a covid-19 morreram por asfixia. Segundo o relatório, o governo Bolsonaro fez do Amazonas um “laboratório humano”. Em Manaus, o Ministério da Saúde incentivou o uso de remédios comprovadamente ineficazes. A propaganda incentivou experiências que violaram princípios éticos e causaram a morte de pessoas. Em seguida, a falta de uma coordenação nacional para o monitoramento do consumo de oxigênio em hospitais criou uma corrida pelo produto em outras partes do País.

7. Vacina Covaxin

O relatório lista uma série de irregularidades na contratação de R$ 1,6 bilhão da vacina indiana Covaxin. O interesse no imunizante foi informado por Bolsonaro em carta de 8 de janeiro de 2021 ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. Na mesma época, o governo ignorava as ofertas da Pfizer. O documento cita ausência de estimativa de preço, aumento de 1.000% no valor estimado do imunizante, entrega de documentos falsos ao Ministério da Saúde e garantia irregular da Fib Bank. As provas entregues pelos irmãos Miranda também são indicadas no documento: pedido de pagamento 100% adiantado e transferência para uma offshore fora do contrato. O relatório sugere o indiciamento de cinco funcionários da Precisa Medicamentos, dentre eles o dono, Francisco Maximiano.

8. Hospitais federais do Rio

A partir de denúncias de corrupção no governo de Wilson Witzel, a CPI identificou fortes suspeitas de mau uso de recursos públicos em hospitais federais do Rio que foram destacados para receber pacientes com a covid-19. Os desvios, portanto, teriam prejudicado o atendimento aos pacientes porque comprometeram a oferta de leitos e as condições de trabalho dos profissionais da saúde. No entanto, a CPI alega que teve pouco tempo para analisar todas as denúncias. Encerrou, então, compartilhando os documentos que obteve com o Ministério Público Federal, para eventual abertura de processos.

9. Caso VTCLog, a operadora de logística

O relatório final indica que a VTCLog, empresa responsável pela logística dos medicamentos no Ministério da Saúde, pode ter feito um truque chamado “jogo de planilha” para aumentar seu lucro. Num aditivo ao contrato, a empresa passou a cobrar R$ 18,9 milhões por um item de seus serviços – a manipulação de itens – que antes estava orçado por menos da metade. O aditivo acabou suspenso, mas o texto final da CPI recomenda nova licitação para substituir a VTCLog, e que a empresa seja investigada pelo Ministério Público Federal e pelo TCU.

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Sede do Ministério da Saúde, em Brasília Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

10. Análise orçamentária da pandemia

Em outro tópico, o relatório traz uma análise minuciosa dos gastos do governo com o combate à pandemia. Até agosto de 2021, a União já destinou R$ 759,7 bilhões para esta finalidade, sendo que R$ 385 bilhões foram para o auxílio emergencial. O gasto com vacinas foi bem menor – R$ 2,9 bilhões em 2020 e mais R$ 5,5 bilhões este ano. O texto também cita uma apuração em curso no Tribunal de Contas da União (TCU) que investiga se a pasta teria usado recursos do enfrentamento à pandemia para despesas cotidianas, não relacionadas à emergência sanitária. O tópico ainda traz uma estimativa dos gastos com o chamado “kit covid”: ao menos R$ 41,07 milhões gastos com cloroquina e hidroxicloroquina; e mais R$ 15,6 milhões com azitromicina.

R$ 30,6 milhões é o valor gasto com cloroquina e hidroxicloroquina

11. Proteção a indígenas e quilombolas

O texto final da CPI usará o termo “genocídio” para qualificar a atuação de Jair Bolsonaro em relação aos povos indígenas. Segundo a comissão, “fica nítido o nexo causal entre o anti-indigenismo do mandatário maior e os danos sofridos pelos povos originários, ainda que, como outros líderes acusados de genocídio, não tenha ele assassinado diretamente pessoa alguma”, diz um trecho. Nem a lei brasileira nem o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), exigem a eliminação total de um grupo para caracterizar o genocídio: basta que exista a intenção de fazê-lo. Este seria o intento de Bolsonaro.84 é o número de citações a “genocídio” no relatório

O relatório citará como precedente o caso conhecido como “massacre de Haximu”: uma chacina de 16 índios da tribo ianomâmis por garimpeiros em Roraima, em 1993. O crime é o único julgado como genocídio pela Justiça brasileira até hoje – e, no entendimento do relatório, mostra que o tipo penal não depende do número de vítimas para ser caracterizado. Segundo o texto, a conduta de Bolsonaro também se encaixa na definição do Marco para Análise de Crimes de Atrocidade, um documento editado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014.

12. Disseminação de fake news

A difusão de notícias falsas na pandemia é um dos pontos mais longos do texto, com quase 150 páginas. O relatório acusa o grupo político do presidente Jair Bolsonaro de criar uma verdadeira organização para difundir as “fake news”, formada por sete núcleos (comando, formulação, execução, núcleo político, operação, disseminação e financiamento). 

Bolsonaro e seus três filhos com carreira política – Carlos, Eduardo e Flávio – seriam os líderes do núcleo de comando da organização. De acordo com a CPI, a organização inclui os assessores do chamado “Gabinete do Ódio”, mas é muito mais ampla. Vai desde empresários como o varejista Luciano Hang, dono das lojas Havan, até dirigentes do Ministério da Saúde, como o médico olavista Hélio Angotti Neto. O texto também relaciona sites e blogs que tiveram “intensa participação” na divulgação das notícias falsas. Endereços como Crítica Nacional, Terça Livre, Jornal da Cidade Online, Renova Mídia, Folha Política, Brasil Sem Medo e Brasil Paralelo tiveram os sigilos bancários quebrados pela CPI para saber se receberam dinheiro público, mas as informações não chegaram a tempo. O relatório pede que os 16 sites sejam investigados por órgãos de controle. Há também a imputação de que meios oficiais – como a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) e o Ministério da Saúde – foram usados para difundir “desinformação institucional”.

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Carlos Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, filhos do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

13. Caso Prevent Senior e planos de saúde

O relatório termina com a descrição da “macabra atuação” da Prevent Senior. Segundo o documento, a operadora de saúde e o governo federal atuaram em parceria. Bolsonaro divulgou os dados da rede como “verdade científica”. A Prevent Senior é acusada de falsificar informações para promover o kit covid, fazer seus associados de “cobaias humanas”, perseguir médicos que se recusaram a prescrever tratamentos ineficazes, ocultar mortes por covid e fraudar declarações de óbito para diminuir o número de mortes nos hospitais da rede. O documento sugere o indiciamento de 11 pessoas, dentre elas uma médica por homicídio, e dois sócios da operadora, Fernando e Eduardo Parrillo e o diretor executivo, Pedro Batista Júnior, por perigo para a vida ou saúde de outrem, omissão de notificação de doença, falsidade ideológica e crime contra a humanidade.

14. Indiciamentos

O documento sugere o indiciamento de aliados de primeira hora do presidente, além de seus filhos Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro: os deputados do PSL, Carlos Jordy (RJ), Bia Kicis (DF) e Carla Zambelli (SP), o blogueiro Allan dos Santos, empresários bolsonaristas, como Luciano Hang e Otávio Fakhoury, o pastor Silas Malafaia e os assessores Filipe G. Martins e Tercio Arnaud. Todos por incitação ao crime, ao disseminarem fake news e levarem a população a adotar comportamentos inadequados. Ao presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Luiz de Brito Ribeiro, foi atribuído o crime de epidemia culposa com resultado morte. Em relação ao ex-ministro da Saúde Ricardo Barros é sugerido o indiciamento por formação de quadrilha.66 é o número de pedidos de indiciamento contra pessoas, além de três pedidos contra empresas

15. Propostas legislativas

O relatório traz propostas de mudanças na legislação. Um dos projetos pretende criminalizar a criação e divulgação de fake news e estabelecer direitos e deveres para o uso da internet. Outra proposta quer definir e punir o crime de extermínio, previsto no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. O parecer sugere ainda mudanças no Código Penal para endurecer penas de crimes contra a administração pública, quando praticados em situação de calamidade pública ou de emergência em saúde e propõe pensão para órfãos de vítimas da pandemia.

16 é o número de proposições legislativas que serão apresentadas

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João Gabriel de Lima: O alicerce da democracia é o pesadelo dos autocratas

Cabe à imprensa estabelecer o alicerce de fatos sobre o qual se ergue o debate de qualidade

João Gabriel de Lima / O Estado de S. Paulo

Em vez de retórica pomposa, objetividade inteligente. Esse é o estilo de Maria Ressa, a jornalista filipina que acaba de ganhar o Prêmio Nobel da Paz, nas palestras que faz pelo mundo. Há dois anos, na Califórnia, tive a oportunidade de vê-la ao vivo num evento do Google. Ressa narrou alguns episódios em que o bom jornalismo do Rappler, site fundado e dirigido por ela, incomodou o presidente Rodrigo Duterte, o autocrata de plantão em seu país – é frequente que o bom jornalismo incomode autocratas.

Ressa não se colocou, no entanto, no papel de heroína da resistência. Em vez disso, preferiu discorrer sobre três vertentes de seu trabalho: apuração rigorosa, inovações tecnológicas e sustentabilidade financeira. São três fundamentos inseparáveis. A tecnologia ajuda o jornalismo a chegar a mais leitores, garantindo a independência financeira do veículo. E a excelência do trabalho traz apoios de peso. Entre os investidores do Rappler está Pierre Omidyar, criador do site ebay.

“Quando não há acesso aos fatos, não há confiança. E confiança é o que nos mantém unidos para resolver os problemas complexos que nosso mundo enfrenta atualmente”, disse Ressa em sua palestra na Califórnia. Tal máxima, repetida em várias entrevistas, resume com precisão o papel do bom jornalismo nas democracias. Cabe à imprensa estabelecer o alicerce de fatos sobre o qual se ergue o debate público de qualidade. Não existe democracia sem verdade factual, parafraseando o título de um ensaio escrito por Eugênio Bucci, colunista do Estadão e professor da Universidade de São Paulo.

Bucci, que é o entrevistado do minipodcast da semana, acaba de lançar outro livro fundamental: A superindústria do imaginário. Trata-se de obra abrangente e complexa sobre a comunicação no mundo atual. Uma de suas linhas narrativas mostra como a imprensa, ao longo dos séculos, tornou-se o palco preferencial do debate púbico nas democracias. Este papel, segundo Bucci, passou a ser ameaçado quando a instância da imagem ao vivo adquiriu primazia sobre a palavra escrita.

Tal fenômeno surgiu com a televisão, intensificou-se com a internet e teve um impacto monumental nos regimes de liberdade. “Em vez de trazer ideias à discussão pública, os políticos passaram a ser ‘performers’, privilegiando a criação de personagens capazes de ganhar cliques”, diz Eugênio. Existe remédio para isso? “Sim. Precisamos civilizar a política. Já se veem políticos preocupados em melhorar a qualidade do debate, e eleitores que privilegiam os candidatos com propostas concretas.”

A imprensa tem papel fundamental nesse quadro. Além de cultivar a obsessão pela verdade factual, ela precisa, cada vez mais, analisar e contextualizar. O tom de sua cobertura deve ser civilizado, de maneira a elevar o debate entre as diversas correntes de opinião, à direita e à esquerda. O Estadão estreia amanhã um novo formato impresso, que dará ênfase à informação aprofundada – a principal demanda dos leitores em tempos de cacofonia e “fake news”.

Como diria Maria Ressa, trata-se, acima de tudo, de buscar a essência do trabalho jornalístico. Não há nenhum heroísmo nisso – o que não significa que seja algo trivial. Dois dias depois de sua palestra na Califórnia, Ressa retornou às Filipinas – e foi presa no aeroporto. A imprensa, alicerce da democracia, é ao mesmo tempo o pesadelo dos autocratas. Nunca foi tão atacada. Nunca foi tão necessária.

Fonte: O Estado de S, Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-alicerce-da-democracia-e-o-pesadelo-dos-autocratas,70003869787


Com aprovação do projeto para fixar o ICMS, Lira transferiu a batata quente para o Senado

Caso dê errado, Bolsonaro dirá aos eleitores que tentou conter a alta dos combustíveis e não conseguiu

Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo

O presidente da Câmara, Arthur Lira, achou que conseguiria com mão de ferro dar uma resposta rápida para conter a alta dos combustíveis. Embalado pelas críticas generalizadas da população à escalada dos preços, encampou o discurso do presidente Jair Bolsonaro de transferir a culpa dos preços altos para os governadores.

Em seguida, apresentou uma cesta de propostas “salvadoras”, que incluía não só mexer na cobrança do ICMS (tributo recolhido pelos Estados), mas também criar um fundo estabilizador dos preços com dividendos pagos pela Petrobras ao Tesouro e royalties de petróleo.

Não demorou muito tempo para ele perceber, em conversas com especialistas de dentro e fora do governo, que o buraco era mais embaixo.

Lira partiu, então, para pressionar a Petrobras mais uma vez. Numa ação com pouco ou quase nenhum efeito prático, perguntou se não seria o caso de privatizar a Petrobras.

A fala foi repetida pelo presidente Bolsonaro com a estratégia de pressionar a empresa a dar uma resposta e abrir o bolso para aumentar os recursos destinados ao vale-gás, já que os R$ 300 milhões aprovados pela estatal ficaram muito aquém dos R$ 3 bilhões anunciados por ele mesmo.

Bolsonaro não quer e não vai propor a privatização da Petrobras. Tampouco o mercado financeiro caiu nesse Conto da Carochinha.

A pressão na Petrobras é praticamente um reconhecimento tácito de que não há condições de garantir uma solução que mantenha o preço mais baixo de uma hora para outra. Mesmo lançando mão da prática de uma espécie de “canetada das votações” de projetos, negociados com moeda de troca das emendas parlamentares.

E o que fez depois o presidente da Câmara?

Correu para votar mais uma vez, um projeto mal feito e sem nenhum debate na Casa. Numa votação relâmpago, na noite de quarta-feira, após o feriado, os parlamentares decidiram atropelar a legislação do ICMS e fixaram um valor para a incidência do imposto.

Se o projeto for aprovado pelo Senado, é certo que vai parar nos tribunais. A votação serviu para Lira transferir a batata quente para o Senado e dizer: a Câmara fez a sua parte. Bolsonaro já tinha feito o mesmo antes.

Pura enganação.

É necessário reconhecer que a “operação Lira” mexeu com os Estados. Estão divididos. Eles ficaram assustadíssimos com a forma rápida como a votação evoluiu sem apoio das suas bancadas na Câmara. Terão, agora, que reforçar a articulação no Senado.

O secretário de Fazenda de Alagoas, George Santoro, contou em entrevista ao Estadão a razão para os governadores não terem sensibilizado os parlamentares: “Não dá para competir com as emendas”. Os argumentos técnicos e o bom debate não têm espaço nesse ambiente.

Pressionados, os Estados terão de sair da zona de conforto. Não serve mais a postura inflexível de insistir na versão de que as alíquotas do ICMS não mudaram e que não têm a ver com o problema. De fato, muitos Estados já viram que terão de ceder e sair dessa guerra de narrativas.

Tanto é assim que a proposta de congelamento do preço de referência usado para a cobrança do ICMS até o final de dezembro, antes rejeitada por eles, está sendo vista agora como uma porta de saída para ganharem tempo na votação no Senado.

Os Estados querem incluir a Petrobras e o Ministério da Economia para buscar um caminho para minimizar o problema, e também acenam em mudar o número de vezes em que o preço médio é atualizado. Hoje, isso é feito a cada 15 dias.

A vantagem para os Estados é de que até os técnicos do Ministério da Economia reconhecem que o projeto que saiu da Câmara não tem como ser operacionalizado, mas avaliam que o modelo pode ser reformulado para melhorar o sistema que faz com que o ICMS acabe entrando no preço que vai levar depois ao aumento do próprio imposto.

A batata quente está agora no Senado. Enquanto isso, o presidente Bolsonaro já escolheu outro alvo. Avisou que determinará ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que mude a bandeira tarifária de energia elétrica de vermelha para normal.

Depois o presidente dirá aos eleitores que tentou e não conseguiu. A culpa não será dele. Tem método.

PS: a coluna segue com a contagem regressiva. Faltam 15 dias para o fim do auxílio emergencial. Não há solução anunciada até agora.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,adriana-fernandes-arthur-lira-icms-combustiveis,70003869784


CPI da Covid deve pedir indiciamento de Bolsonaro e três filhos em relatório final

Parecer vai imputar uma série de crimes que teriam sido cometidos durante a pandemia pelo presidente, Flávio, Eduardo e Carlos

Julia Affonso / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Depois de quase seis meses de investigação, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, se prepara para seu desfecho na semana que vem ao propor o indiciamento de ao menos 40 pessoas, incluindo o presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos políticos. A intenção dos senadores é mostrar que as condutas que levaram o País a registrar mais de 600 mil mortes pela doença não se limitaram a integrantes do governo, mas de toda uma rede próxima ao presidente.

O parecer final, que será assinado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), está sendo construído em conjunto com senadores do chamado "G7", grupo majoritário do colegiado, e deve imputar uma série de crimes cometidos durante a pandemia pelo senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos). O emedebista passou a sexta-feira, 15, reunido com integrantes da CPI para amarrar o conteúdo do relatório. Eles ainda discutem como tipificar os crimes de cada um.

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A intenção é propor o indiciamento dos filhos do presidente por espalhar informações falsas sobre a pandemia e de buscar financiamentos para essas ações. O texto poderá acrescentar mais uma responsabilização para Flávio, de advocacia administrativa, por ter intermediado um encontro do empresário Francisco Maximiano, da Precisa Medicamentos, com o BNDES. A empresa foi responsável por um contrato bilionário do governo brasileiro com a farmacêutica indiana Bharat Biotech para compra de vacinas, que foi cancelado após suspeitas de corrupção.

Nos casos de Eduardo e Carlos, o relator deve propor o indiciamento por incitação a crimes sanitários. O artigo 286 do Código Penal estabelece como delito "incentivar, estimular, publicamente, que alguém cometa um crime" e prevê pena de detenção de 3 a 6 meses e multa. Na avaliação dos senadores, os dois filhos do presidente teriam atuado na propagação de fake news durante a pandemia, alimentando o negacionismo sobre a doença.

Já o presidente Jair Bolsonaro deve ser indiciado por ao menos 11 crimes cometidos na pandemia: epidemia com resultado morte; infração de medidas sanitárias; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documento particular; charlatanismo; prevaricação; genocídio de indígenas; crimes contra a humanidade; crimes de responsabilidade; e homicídio por omissão. Além do presidente, devem ser indiciados pela CPI ex-integrantes do Ministério da Saúde, como o ex-ministro Eduardo Pazuello, o ex-secretário executivo da pasta Elcio Franco e o ex-diretor da Logística Roberto Dias.

No caso de Pazuello, que chefiou a Saúde durante nove meses da pandemia, ele deve ser acusado de cometer sete crimes: epidemia com resultado em morte; incitação ao crime; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; comunicação falsa de crimes; genocídio indígena e crimes contra humanidade. Já Élcio Franco, seu braço-direito na pasta, pode ser indiciado por crime de epidemia, improbidade, prevaricação, entre outros.

Relatório paralelo. Suplente na CPI, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) se antecipou e divulgou ontem um relatório próprio sobre erros e omissões do governo no combate à pandemia. No parecer, o parlamentar sugeriu o indiciamento de 17 investigados, incluindo Bolsonaro, mas não seus filhos.

"Ser um babaca não é crime. Falar coisas estúpidas, em regra, também não. Mas fazer gestão pública baseada em coisas estúpidas é crime", disse. "As condutas referentes à desinformação serão melhor apuradas na CPMI das Fake News e no inquérito do STF. O foco da CPI deve ser a pandemia, especialmente as mortes evitáveis que a política criminosa de Bolsonaro causou", afirmou o senador.  O texto poderá ser incorporado ao parecer final, previsto para ser apresentado na terça-feira, 19, e votado no dia seguinte. 

O advogado Joaquim Nogueira Porto Moraes, especialista em Direito Processual Civil, afirmou ao Estadão que a CPI pode propor o indiciamento, mas cabe ao Ministério Público fazer uma acusação formal à Justiça.

A investigação da CPI será enviada à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério Público Federal, que poderão denunciar investigados, caso os crimes indicados no relatório já estejam configurados, ampliar a apuração se for necessário ou arquivar os casos. "A CPI tem poder para investigar, requerer informação, convocar as pessoas para prestar esclarecimentos, mas ela não tem poder de punir ou propor alguma demanda contra alguém", afirmou.

Mudanças legislativas.  Além dos indiciamentos, o relatório final da CPI da Covid deve sugerir a criação de uma pensão de um salário mínimo para órfãos de vítimas do novo coronavírus. A mesma proposta já havia sido apresentada pelo governo em agosto, como revelou o Estadão, mas ainda não avançou no Congresso.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) também sugeriu outros três projetos para atender vítimas da doença, que devem ser incorporados no relatório final. Um deles seria o pagamento de um salário mínimo a pessoas com sequelas por causa da covid. "Enquanto permanecer a sequela e a incapacidade, que as pessoas possam receber da Previdência. Se for permanente, vai ter que ter cuidados permanentes pela Previdência ou por um programa do governo específico", disse o senador ao Estadão.

Defesa. Após a notícia de que deve ter seu indiciamento pedido pela CPI, Flávio afirmou que o "relatório do senador Renan Calheiros é uma alucinação e não se sustenta". "Trata-se apenas de uma peça política para agradar ao PT e para tentar desgastar o presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022", disse. O parlamentar afirmou ainda que as acusações contra ele e o governo "não têm base jurídica e sequer fazem sentido". 

O advogado Antonio Carlos Fonseca, que defende Carlos Bolsonaro, afirmou que "a sugestão do relator é totalmente sem fundamento nos fatos apurados na CPI e nas inúmeras narrativas criadas, que não se sustentaram com o tempo". "O vereador Carlos Bolsonaro não tem qualquer relação com as medidas adotadas no enfrentamento da pandemia pelo governo federal, a inclusão do seu nome em qualquer parte do relatório da CPI é mais uma tentativa de atacar a imagem da família do presidente", disse.

Também procurados, os demais citados como possíveis indiciados não se manifestaram até a conclusão desta edição.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,alem-do-presidente-cpi-da-covid-deve-pedir-indiciamento-de-filhos-de-bolsonaro-em-relatorio-final,70003869507


William Waack: Falta um sonho para o posto de candidato da terceira via

O problema da terceira via não é a quantidade de eleitores, mas o que dizer a eles

William Waack / O Estado de S. Paulo

Não se sabe se a questão está suficientemente clara para os postulantes ao posto de candidato da terceira via, mas o problema é muito mais de conteúdo do que de espaço eleitoral. As pesquisas indicam claramente a existência de um grande “buraco” entre os blocos consolidados a favor, respectivamente, de Bolsonaro e de Lula. Contudo, esses números enganam.

Na conta simples o “centro” abarca no mínimo um terço do eleitorado. Bastaria então ampliar esse “meio entre os extremos” para tirar Bolsonaro do segundo turno e formar uma “união nacional” para derrotar o hoje favorito Lula. Que o “centro” esteja fortemente dividido entre vários postulantes é normal neste momento da corrida eleitoral. A popularidade ou rejeição de cada um deles parece oscilar em função do “recall” de eleições recentes ou do fato de alguns serem relativamente desconhecidos.

Mas bastante preocupante do ponto de vista de um país preso no momento à escolha entre Bolsonaro e Lula é o fato de as pesquisas qualitativas estarem detectando um inusitado grau de resignação, desinteresse e desilusão (reforçada pela atual polarização) em boa fatia de eleitores de “centro”. A mensagem “nem nem” até aqui não está chegando, o que ajuda a entender o nível de conforto manifestado por articuladores das campanhas de Bolsonaro e de Lula.

A desilusão com os “rumos” do País é marcante nesses levantamentos. Porém, até aqui os postulantes à candidatura de terceira via demonstram incapacidade de formular uma postura política mais próxima ao “sonho” de futuro do que à negação dos pesadelos lulista e bolsonarista. Os especialistas já dizem aos marqueteiros que o “sonho” será essencial para uma candidatura competitiva frente a Bolsonaro e a Lula que, goste-se ou não deles, sabem falar para os respectivos públicos (ou até mais).

Nessas conversas tem sido feito uso recorrente de dois exemplos de campanhas presidenciais brasileiras pós-redemocratização, um bem-sucedido e outro que bateu na trave: Fernando Collor (1989) e Marina Silva (2014). Ambos saíram de patamares baixos e se tornaram competitivos dentro da postulação genérica do “não sou como eles” – uma noção até bastante emotiva do “novo” e “promissor” contra o velho e estabelecido. Em certa medida, Bolsonaro de 2018 também cabia nessa categoria, mas as circunstâncias dessa última eleição são consideradas excepcionais e não há perspectivas de que se repitam no ano que vem.

A desilusão de boa parte do eleitorado é consequência direta de um sistema político e de governo que garantiu a desproporção no voto proporcional e a crise de representatividade – o mesmo conjunto de distorções que, mantidas como estão, impedirá de governar efetivamente qualquer vencedor em 2022. Lula, aliás, já promete reverter a “tomada do poder” pelo Legislativo feita através das emendas do relator, que Bolsonaro entregou bisonhamente ao Centrão.

A natureza da crise brasileira é política, se arrasta há muitas décadas e está desaguando num país capaz de nem sequer corrigir – quanto mais eliminar – as sequelas de sempre: miséria, injustiça social e desigualdade. Não há dúvidas de que a tão falada agenda de produtividade, que implica urgentes e gigantescos investimentos em educação, saúde e qualificação, é a chave para romper a armadilha da renda média na qual o Brasil vegeta há tantas décadas.

Por sua vez, a “chave” da conquista dessa “chave” está no terreno da política, da capacidade de aglutinação através de efetiva formulação do “sonho”. Não é algo que marqueteiros consigam criar: eles são encarregados de executar, com as ferramentas de campanha política, a “visão” que um candidato seja capaz de elaborar. Até aqui o uso mais ou menos eficaz dos lemas “sou o melhor anti-bolsonaro ou anti-lula que existe” não está funcionando. Nem levará à agenda da produtividade sem uma ampla reforma política.

Olhando para o calendário eleitoral formal, que só começa no ano que vem, talvez tudo isso pareça cedo demais para os planos dos candidatos à terceira via. Mas é bom lembrar que não há plano que resista ao primeiro contato com a realidade, e os fatos da política indicam que a terceira via capaz de derrotar Bolsonaro e Lula precisa do “sonho” já.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,falta-um-sonho,70003867571