nomeações

Na última década, 64% dos generais foram nomeados para cargos políticos

Segundo levantamento do GLOBO, maioria das nomeações ocorreu sobre a presidência de Bolsonaro

Bernardo Mello e Jan Niklas / O Globo

RIO — O Alto Comando do Exército, que configura o topo da hierarquia militar, também vem representando — especialmente no governo Bolsonaro — um estágio que antecede a obtenção de cargos políticos. Levantamento do GLOBO com os promovidos ao Alto Comando na última década mostra que, de 33 generais hoje na reserva, 21 — isto é, 64% ou aproximadamente dois em cada três — foram nomeados para funções de confiança, cuja remuneração se acumula à aposentadoria militar. A maioria das nomeações ocorreu sob a presidência de Jair Bolsonaro, e depois de esses generais esgotarem seu ciclo de promoções no Exército.

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Na prática, as nomeações configuram uma espécie de “porta giratória”, permitindo o retorno a cargos públicos para oficiais compulsoriamente retirados do serviço ativo, por esgotarem o prazo de permanência no Alto Comando. Dos 21 generais, 17 receberam seu primeiro cargo fora da estrutura militar depois de terem ido à reserva. Entre as exceções nomeadas quando ainda eram da ativa, dois são ministros de Bolsonaro: Walter Braga Netto (Defesa) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência). Metade dos egressos do Alto Comando em cargos de confiança foi nomeada a partir de 2019. Especialistas avaliam que houve uma “exacerbação” da presença no governo de militares do topo da hierarquia.

Politização

O Alto Comando é formado pelos 17 generais de quatro estrelas da ativa, que podem ficar até quatro anos nesse estágio hierárquico. Por ser o último degrau do Exército, é obrigatória a passagem à reserva após esse prazo. No levantamento, O GLOBO desconsiderou cargos inseridos na estrutura das Forças Armadas, como os de chefe do Estado-Maior e de ministro do Superior Tribunal Militar (STM), bem como em estatais, fundações e autarquias com finalidade militar, casos da Imbel e da Fundação Habitacional do Exército. Também não foram contabilizados cargos eletivos, como o do vice-presidente Hamilton Mourão.

— Em que pese a qualificação dos generais, a exacerbação de cargos ocupados por eles não é boa nem para a corporação, nem para a sociedade. Ela traz antagonismos políticos para uma instituição, o Exército, que deveria ser funcional — avalia Eurico Figueiredo, ex-diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), que desenvolveu pesquisas em cooperação com a Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Eceme).

Entre os generais que passaram pelo Alto Comando, quatro já figuraram no primeiro escalão do governo federal, e quatro ocuparam a presidência ou cargos de direção em estatais. Um exemplo de ambos os casos é o general Joaquim Silva e Luna, promovido à quarta estrela em 2011, e que passou à reserva em 2014. Silva e Luna foi ministro da Defesa por oito meses, no governo Temer, nomeado no início do governo Bolsonaro para a direção-geral de Itaipu e, em abril deste ano, assumiu a presidência da Petrobras.PUBLICIDADE

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Em abril, uma portaria do Ministério da Economia permitiu que militares inativos que também ocupem cargo comissionado ou eletivo ultrapassem o teto remuneratório da administração federal, de R$ 39 mil.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/na-ultima-decada-64-dos-generais-do-alto-comando-do-exercito-foram-nomeados-para-cargos-politicos-25249287


Alê Garcia: A presença do cinema negro no Oscar 2021

Vimos, no final de 2020, como o Emmy estabeleceu um recorde ao nomear o maior número de atores negros em  72 anos de história. Foram 35 das 102 atuações indicadas.  

Corta pra o Globo de Ouro, em fevereiro de 2021:  a despeito da chamada “invasão do cinema afro-americano” teve um número pífio de negros na premiação, com a falta de importantes nomes, tanto em artistas como em produções.

De tempos em tempos, temos a oportunidade de nos tornarmos espectadores de importantes mudanças estruturais. Achávamos que teríamos isto este ano.

Em 2015 e 2016, o Oscar só nomeou atores brancos nas categorias de atuação, mesmo com  diversos nomes negros merecedores de estarem na corrida. Que o digam Will Smith por “Um Homem Entre Gigantes”, Idris Elba por “Beasts of no Nation” e Samuel L. Jackson por “Os 8 Odiados”. Naquele momento teve início o movimento #OscarSoWhite, levante extremamente necessário que contou com o apoio de nomes como Spike Lee e Jada Pinkett Smith, que boicotaram a cerimônia.

Desde então foram anunciadas medidas para as próximas premiações, como a entrada de novos membros dos mais diversos países, idades e raças. Além do desligamento de votantes que nem estão mais na ativa na indústria cinematográfica.

No entanto, somos obrigados a assistir, todo ano, a este sobe e desce dos indicados, sempre iludidos sobre um equilíbro entre negros e não-negros no Oscar,  normalizando nossa presença na maior premiação da indústria cinematográfica do mundo.

Mas a normalização ainda não chegou.

Pensávamos que este ano teríamos no mínimo sete atores e atrizes negros indicados, o que — então sim —  bateria o recorde de 2017, ano em que a Academia se viu pressionada a indicar o máximo possível de negros. 

O máximo possível foram seis.

Tivemos Denzel Washington e Viola Davis disputando por “Um Limite entre Nós”, além de Mahershala Ali e a Naomi Harris, por “Moonlight”. Ruth Negga disputou por “Loving” e Octavia Spencer por “Estrelas Além do Tempo”. Entre os seis indicados, só Viola Davis e Mahershala Ali levaram suas estatuetas, como Coadjuvantes.

Mas este ano continuamos com seis indicados. Quando vamos ultrapassar este número? E quando pararemos de contar, já que será algo tão normalizado que nem mais celebraremos o fato?

Enquanto isso não acontece, temos, entre os indicados: como Melhor Ator, Chadwick Boseman, que concorre postumamente por sua sensível interpretação em “A Voz Suprema do Blues”. E, considerando que o ator falecido em 2020 já foi premiado no Globo de Ouro, no Screen Actors Guild e no Critics Choice Awards, temos o favorito para ganhar o Oscar nesta edição. Por seu talento óbvio, mas também porque é praxe a premiação póstuma como última consagração — que o diga Heath Ledger e seu Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 2009, ano seguinte à sua morte.

Pelo mesmo filme, temos a incrível Viola Davis, concorrendo a Melhor Atriz e entrando para a história do Oscar como a atriz negra mais indicada de todos os tempos, com quatro indicações. É com isso que comemoramos, enquanto Meryl Streep, atriz do mesmo patamar,  já conta com vinte e uma indicações!

Andra Day também vem concorrendo como Melhor Atriz por “Estados Unidos VS Billie Holyday”. E foi ela quem levou o prêmio de Melhor Atriz em Drama no Globo de Ouro. Ao ser indicada com Viola Davis, temos a segunda vez na história do Oscar em que duas mulheres negras são indicadas no mesmo ano nesta categoria principal. A última vez em que aconteceu foi em 1973, quando Cicely Tyson foi indicada por “Sounder”, lançado no Brasil como “Lágrima de Esperança” e Diana Ross por “Lady Sings the Blues”, aqui intitulado “O Ocaso de Uma Estrela”.

Outra estreia digna de nota é o fato de Mia Neal e Jamika Wilson serem indicadas por “A Voz Suprema do Blues” como as primeiras mulheres negras na categoria Maquiagem e Penteado.

Já nas categorias de coadjuvante, Leslie Odom Jr concorre por “Uma Noite em Miami”. Ele, também cantor fenomenal, é o intérprete de “Speak Now”, do mesmo filme, que concorre como Melhor Canção Original.

Por “Judas e o Messias Negro”, temos ainda Lakeith Stanfield, conhecido por seu papel na série “Atlanta” e que, surpreendentemente, concorre com seu colega de filme, Daniel Kaluuya — que deveria estar concorrendo como Melhor Ator. Kaluuya, que já levou  o prêmio do SAG Awards, Globo de Ouro, Critics Choice Awards e Bafta, tem, neste papel, a melhor performance da sua carreira, como Fred Hampton, o líder da unidade de Illinois dos Panteras Negras. Temos um favorito?

“Judas e o Messias Negro” conta a história real de Bill O’Neal, papel de Lakeith Stanfield, militante negro infiltrado pelo FBI para espionar e sabotar o movimento dos Panteras Negras.

A obra, que concorre a Melhor Filme, tornou-se o primeiro indicado nesta categoria a ter uma equipe totalmente negra de produtores: Shaka King, que também o dirige, além de Ryan Coogler, diretor de “Pantera Negra” e Charles D. King.

O filme recebeu um total de seis indicações, incluindo também Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia e Melhor Canção Original, a música “I Will Fight For You”, interpretada por H.E.R.

Outro filme que poderia estar no páreo,  “Uma noite em Miami”, sensível estreia de Regina King na direção, não está entre os indicados a Melhor Filme. Concorre por Melhor Roteiro Adaptado, focando na história dos quatro ícones negros norte-americanos, o pugilista Muhammad Ali, o jogador de futebol americano Jim Brown, o cantor Sam Cooke e o ativista Malcolm X, que se reúnem para uma noite de conversas sobre como as suas condições de figuras de destaque poderiam ajudar a população de negros do país.

O filme foi descrito por sua diretora como “uma carta de amor aos homens negros e as suas experiências” e traz um olhar delicado e generoso sobre estes líderes negros também repletos de insegurança e hesitação.

Indicado nas categorias Melhor Animação, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Som, vem “Soul”, da Disney Pixar, primeira animação desta produtora com um protagonista negro. Um filme sobre morte, jazz, saudade, propósito de vida e limitação. Com abordagens tão profundas que trouxe alguns questionamentos válidos sobre sua adequação infantil.

Concorrendo com “Soul” em Melhor Trilha Sonora Original, temos “Destacamento Blood”, do Spike Lee, sobre quatro ex-veteranos da Guerra do Vietnã que voltam à nação asiática pra recuperar um tesouro escondido e rever os restos mortais do líder de seu esquadrão, Norman Holloway, interpretado por Chadwick Boseman, em um dos seus últimos papéis. E esta é a única indicação deste filme, uma análise profunda de como a Guerra do Vietnã foi uma empreitada do governo dos EUA cujo resultado foi uma tragédia com muitos mortos, feridos e traumas que precisarão de gerações para serem superados.

Domingo estaremos na torcida por todos estes filmes. E numa torcida ainda maior para que a quantidade de indicados negros, um dia, seja tamanha que fiquemos divididos entre quais filmes negros são nossos favoritos.

Alê Garcia – Escritor e criador do podcast “Negro da Semana”. Garcia figura na lista do 20 Creators Negros Mais Inovadores do País pela Forbes.


Gaudêncio Torquato: Governos na quarta marcha

O ciclo de vida de uma administração – federal, estadual ou municipal – se assemelha a um carro de quatro marchas. Cada ano correspon­de a uma marcha.

A primeira dá a partida do carro. Que vai pegando velocidade nos primeiros meses, quando o governante examina as condições dos espaços, fazendo o mesmo diagnóstico do motorista, testando o ambiente, olhando para a frente e para os lados.

Na segunda marcha, o carro avança com mais velocidade, correspondendo ao se­gundo ano da administração, quando os governantes praticamente começam a governar, depois de sanear (???) a estrutura e colocar a casa em ordem.

A terceira marcha é a da velocidade mais alta, com estabilidade e o carro avançando bem. A administração, de modo equivalente, usa esse tempo para abrir uma bateria de obras.

Na quarta marcha, o carro, muito veloz, faz ul­trapassagens, queima etapas, faz tudo que for possível para chegar ao final do caminho.

A cada etapa, o administrador tenta pincelar sua imagem. Ao sentar na cadeira, a imagem mais parece a do rapaz que comprou seu primeiro carro. O governante ingressa num universo de fantasias. Pensa no que poderá realizar, escolhe a equipe, e verifica como deverá usar o poder da caneta.

Sabe que poderá usar a força do cargo, testa a capacidade de mandar, solicitar, nomear, “desnomear”, receber atenção. Começa a construir sua Identidade, que abriga o conceito que deseja para ser conhecido pela comunidade (nacional, estadual, municipal).

O governante assume uma feição de magistrado, ouvindo muito, aceitando conselhos, reservando para si as decisões finais. Torna-se, de certo modo, cúmplice dos interlocutores.

O despachante

A segunda imagem mais parece a do despachante. Passa a atender um sem número de pessoas por dia, assina pilhas de papéis, enquanto a burocracia começa a prendê-lo com reuniões, articulações, contatos com as organizações da sociedade. Dorme contando carneirinhos, aliás, os pedintes – políticos da base, lideranças, setores - que entram e saem do gabinete, na verdade um salão de despachos.

A terceira imagem é a do artesão-obreiro. Cansado da rotina dos papéis, é aconselhado a ouvir mais a população, sair do confinamento de suas sedes, visitar canteiros de obras, pôr bonés na cabeça, sujar-se de poeira, visitar cidades, dar incertas em hospitais, despachar nas ruas.

Não faz muito tempo, um prefeito de uma capital de Estado sulino despachava sob uma árvore, sentado num banquinho e cercado do povo. (Fazia parte da imagem que queria projetar a ideia de se identificar com o clima das ruas e gente ao redor).

Nesse momento, os governos passam a ser reconhecidos com a marca registrada por meio de placas, frases de efeito e logomarcas. Fotos de governantes papados de suor (amostra do obreirismo fa­raônico) inundavam as redações para transmitir a imagem de uma ad­ministração transformada em canteiro de obras.

Claro, esse era um flagrante mais comum no passado. Em tempos de euforia econômica, cofres cheios, população bem atendida em serviços.

A quarta imagem e última imagem da administração se assemelha a de César, imperador romano.

Queixo apontando para a testa do interlocutor, rodeado de áulicos, que lhe fazem elogios e dão versões sempre positivas de sua administração, o governante ordena maior volume de propaganda na mídia e expansão da articulação política. A circunferência das barrigas também se avoluma com a proliferação de eventos gastronômicos. E haja churrasco.

Essa é a fase áulica e festiva, quando os encontros sociais invadem noites, sob a conversa frouxa de grupos mais chegados. Mas o povo só aparece se os eventos são públicos, como festas de padroeira.

O governante capricha na articula­ção política com o objetivo de aplainar o caminho com vistas à reeleição.

A partilha

As imagens dos mandatários passam a expressar o próprio ciclo da vida da administração. Da simplicidade da primeira fase, a uma certa arrogância da última fase, elas retratam a incultura política do País. De inquilinos dos espaços públicos, acabam sendo vistos como proprietários de feudos.

A coisa pública (res publica) se transforma em extensão de espaço particular. A falta de preparo torna o governante refém de pequenos grupos que se formam nos vãos do poder. Ocorrem partilhas de áreas, com distribuição de cargos, benesses e posições.

Os programas de assistência social se transformam em moeda de troca do fisiologismo. “Aos amigos, tudo, aos inimigos, os rigores da administração”. Mas o verniz cosmético não consegue limpar os entulhos que se acumulam nas vias das administrações em tempos de crise.

Esse é o dilema. Praticamente o mapa da administração pública no país exibe, nesse final de outubro, borrões e manchas. Quase nenhum governante consegue mostrar administração aprovada com louvor pelas populações. Municípios e Estados estão à beira da falência. Os serviços públicos são uma calamidade. Salários do funcionalismo estão atrasados em Estados e municípios. Portanto, os governantes passam a ser alvo da indignação geral.

A parte mais sensível do corpo - o estômago – é frontalmente atingida quando salários atrasam. Lembram-se da equação BO+BA+CO+CA (Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando o governante)? Pois bem, a recíproca é verdadeira.

A campanha eleitoral de 2018 estará, portanto, sujeita às intempéries, esse monte de desajustes, inação, serviços desqualificados, salários atrasados etc. Mesmo assim, por falta de opção serão reeleitos administradores ruins e com imagem negativa. Mas a renovação será bastante acentuada, principalmente se ao eleitorado for oferecida a opção por perfis que expressem o conceito de limpeza, honestidade, seriedade, compromisso e experiência.

Esses meses de final de semestre – que se aproximam da quarta marcha dos governos - serão importantes para tomar o pulso das comunidades. Se a temperatura ultrapassar os 40 graus, será difícil baixar a febre. Até porque não haverá grana para comprar os remédios.

* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter