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Nelson de Sá: New York Times alerta contra capa falsa pró-Bolsonaro

O perfil de relações públicas do New York Times no Twitter publicou uma mensagem, em português, com um aviso sobre a imagem abaixo, de uma capa adulterada do jornal. Diz o NYT:

“Estamos cientes de que uma versão manipulada da primeira página do New York Times circula na internet com matérias falsas e uma imagem de manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro. O New York Times não publicou essa capa.”

O jornal sugere acompanhar a cobertura de Brasil aqui. A capa já havia sido objeto de serviços de verificação no Brasil, como Lupa.

Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nelsondesa/2021/05/nyt-alerta-para-capa-falsa-pro-bolsonaro.shtml


Paul Krugman: Como o Partido Republicano se tornou selvagem

Democracia dos EUA está sob ameaça de um tribalismo malévolo

Sempre houve pessoas como Donald Trump: egocêntricas, inclinadas à autopromoção, convictas de que as regras se aplicam apenas ao povinho, e de que aquilo que acontece ao povinho não importa.

Mas o moderno Partido Republicano não se parece com qualquer coisa que tenhamos visto no passado, pelo menos na história dos Estados Unidos. Se ainda existe alguém que não está totalmente convencido de que um dos nossos dois grandes partidos políticos se tornou inimigo não só da democracia, mas da verdade, os acontecimentos transcorridos depois da eleição deveriam bastar para eliminar quaisquer dúvidas.

Não é só porque a maioria dos republicanos da Câmara e muitos senadores republicanos estão apoiando os esforços de Trump para reverter sua derrota eleitoral, embora não existam provas de fraude ou de irregularidades generalizadas. Veja a maneira pela qual David Perdue e Kelly Loeffler estão conduzindo sua campanha no segundo turno das eleições para o Senado na Geórgia.

Eles não estão fazendo campanha em torno das questões políticas ou mesmo de aspectos reais do histórico pessoal de seus oponentes. Em lugar disso, afirmam, sem qualquer base nos fatos, que os oponentes são marxistas ou estão “envolvidos no abuso de crianças”. Ou seja, as campanhas para reter o controle republicano do Senado se baseiam em mentiras.

No domingo, Mitt Romney execrou as tentativas de Ted Cruz e de outros republicanos do Congresso de reverter o resultado da eleição presidencial, questionando: “Será que a ambição eclipsou os princípios”? Mas que princípios Romney acredita que o Partido Republicano defende, nos últimos anos? É difícil ver qualquer coisa que embase o comportamento recente dos republicanos a não ser a busca de poder de qualquer que seja a maneira.

Em 2003, escrevi que os republicanos haviam se tornado uma força radical, hostil aos Estados Unidos em sua forma atual, e que potencialmente ambicionavam criar um Estado de partido único no qual “as eleições sejam apenas uma formalidade”. Em 2012, Thomas Mann e Norman Ornstein alertaram que o Partido Republicano “não se deixa influenciar pelo entendimento convencional dos fatos” e “desconsidera a legitimidade da oposição política”.

Quem se surpreende diante da avidez de muitos integrantes do partido por reverter os resultados de uma eleição com base em acusações especiosas de fraude simplesmente não estava prestando atenção.
Mas o que propele a queda dos republicanos à escuridão?

Será uma reação populista à elite? É verdade que existe ressentimento com relação à mudança na economia, que privilegia as áreas metropolitanas com populações de nível de educação elevado, em detrimento das áreas rurais e das cidades pequenas; Trump recebeu 46% dos votos, mas venceu a eleição em condados que representam apenas 29% do PIB (Produto Interno Bruto) dos Estados Unidos. Existe uma forte reação adversa dos brancos à crescente diversidade racial do país.

Mas os últimos dois meses representam uma lição prática sobre até que ponto a ira das “bases” na verdade é orquestrada pelas lideranças. Se uma grande parte da base republicana acredita, sem qualquer fundamento, em que a eleição foi roubada, isso acontece porque os líderes do partido vêm repetindo essa acusação. Agora os políticos mencionam o ceticismo generalizado quanto aos resultados da eleição como motivo para rejeitar o resultado –mas foram eles mesmos que conjuraram esse ceticismo, do nada.

E o que é notável, se estudarmos os antecedentes dos políticos que fomentam o ressentimento contra as elites, é o quanto muitos deles são privilegiados. Josh Hawley, o primeiro senador a declarar que objetaria à certificação dos resultados da eleição, protesta contra a elite, mas se formou na Universidade Stanford e na Escola de Direito de Yale. Cruz, que hoje lidera os esforços para subverter a eleição, tem diplomas de Princeton e Harvard.

O ponto não é que eles sejam hipócritas, e sim que não se trata de pessoas que tenham sido maltratadas pelo sistema. Assim, por que parecem tão dispostos a derrubá-lo?

Não acredito que seja apenas por serem cinicamente calculistas, ou que estejam fingindo para satisfazer as bases. Como já afirmei, na verdade é a base que está seguindo orientações da elite do partido. E a loucura dessa elite não parece ser apenas fingimento.

Meu melhor palpite é de que estamos contemplando um partido que se tornou selvagem –que cortou o contato com o resto da sociedade.

As pessoas comparam o Partido Republicano ao crime organizado ou a um culto, mas para mim os republicanos se parecem mais com os meninos perdidos de “O Senhor das Moscas”. Eles não recebem notícias do mundo externo, porque suas informações vêm de fontes partidárias que simplesmente não reportam fatos inconvenientes. Não estão sujeitos a supervisão adulta, porque, em um ambiente polarizado, há poucas disputas competitivas.

Assim, eles cada vez mais olham apenas para si mesmos, e se engajam em esforços cada vez mais absurdos para demonstrar sua lealdade à tribo. O partidarismo deles não se relaciona a causas, ainda que o partido continue comprometido com o corte dos impostos dos ricos e com punir os pobres; o objetivo é afirmar o domínio daqueles que estão por dentro, e punir quem fica de fora.

A grande questão é por quanto tempo os Estados Unidos na forma que conhecemos serão capazes de sobreviver diante dessa tribalismo malévolo.

A atual tentativa de reverter o resultado da eleição presidencial não terá sucesso, mas já se estendeu por muito mais tempo e atraiu muito mais apoio do que qualquer qualquer pessoa previa. E a menos que alguma coisa aconteça para romper o domínio das forças inimigas da democracia e da verdade sobre o

Partido Republicano, um dia elas terão sucesso em matar o experimento americano.

* Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

Tradução de Paulo Migliacci


Vinicius Mota: Esquerda versus esquerda

Velha e jovem guarda disputam o significado histórico da escravidão nos EUA

O debate do significado e dos efeitos sociais do longo período de escravidão negra nas Américas ganhou neste ano a contribuição do projeto 1619, do jornal The New York Times. O nome alude ao ano em que aportou na Virgínia o primeiro navio com cativos africanos.

No texto que abre a coleção, a jornalista Nikole Hannah-Jones estabelece uma das marcas distintivas da iniciativa. A Independência dos EUA, de 1776, não teria passado de contrarrevolução da elite para preservar a escravidão então ameaçada pelos colonizadores britânicos.

Que a provocação não seria tolerada pela direita neocon já se antevia.

Mas a reação mais interessante surge agora da esquerda trotskista americana, que publicou num site da Quarta Internacional Socialista uma série de entrevistas com historiadores de alta reputação acadêmica que, embora ignorados na investigação do Times, formulam críticas substantivas a postulados do trabalho.

Resumindo grosseiramente o que dizem nomes como Gordon Wood e James McPherson, a coisa era bem mais complicada e contraditória do que leva a crer a narrativa do jornal.

É impossível sublimar o fato de o abolicionismo, novidade na trajetória milenar do escravismo, ter realizado a primeira reunião da história na Filadélfia, em 1775. A escravidão foi proibida em territórios do meio-oeste em 1787; a importação, em 1807. No norte, a abolição legal estava encaminhada em 1804.

Não se coloca numa Declaração de Independência a ideia revolucionária de que todos nascemos iguais e livres sem produzir, como consequência, um embaraço enorme para os interesses escravistas e racistas.

Da crítica da velha guarda de historiadores à mais jovem fica a impressão de que a esquerda abandona a boa tradição marxista de considerar as ambivalências, as incertezas e as contradições da sociedade em seus esquemas interpretativos.

O contexto, as nuances e as lacunas de informação vão sendo atropelados e trocados por mensagens de combate que cabem num tuíte.

*Vinicius Mota, Secretário de Redação da Folha


Elizabeth Drew: Impeachment de Trump é cada vez mais inevitável

Mesmo republicanos já concluem que o presidente se tornou uma carga pesada e perigosa demais

Um processo de impeachment do presidente Trump parece inevitável. A não ser que o presidente renuncie, a pressão do público sobre os líderes democratas para iniciarem um procedimento de impeachment em 2019 só vai crescer. Muita gente pensa em termos de inércia: considera que as coisas vão permanecer como estão. Essas pessoas deixam de levar em conta o fato de que a opinião pública muda conforme o decorrer dos fatos.

Quer já tenhamos ou não evidências suficientes para iniciar um impeachment de Trump –a meu ver, temos, sim—, vamos descobrir o que o procurador especial, Robert Mueller, encontrou, mesmo que a investigação dele seja encerrada antes de concluir.

Um número importante de candidatos republicanos não quis se posicionar ao lado de Trump nas eleições de 2018, e o resultado dessas eleições não reforçou a posição do presidente dentro de seu partido. Seu status político, que já era fraco havia algum tempo, está despencando vertiginosamente.

As eleições legislativas foram seguidas por novas revelações nas investigações criminais sobre assessores antes muito próximos ao presidente, além de novos escândalos envolvendo o próprio Donald Trump.

O fedor de corrupção política envolvendo o presidente –e possivelmente afetando sua política externa— se intensificou. E os acontecimentos dos últimos dias imbuíram muitos republicanos de um novo sentimento de alarme: a decisão precipitada do presidente de retirar as tropas americanas da Síria, a renúncia repentina do secretário de Defesa Jim Mattis, o desmaio do mercado acionário, a paralisação sem sentido de partes do governo.

A palavra “impeachment” tem sido aventada de modo indiscriminado. O impeachment frívolo do presidente Bill Clinton ajudou a fazer com que a medida fosse vista como uma forma de vingança política. Mas o impeachment é algo muito mais grave e importante que isso; ele exerce um papel crítico no funcionamento de nossa democracia.

O impeachment foi o método escolhido pelos fundadores dos EUA para obrigar um presidente a prestar contas de seus atos entre uma eleição e outra. Determinados a evitar a instauração de governantes que atuassem como reis na prática, eles colocaram a decisão sobre se um presidente deve ou não ser autorizado a continuar em seu papel nas mãos dos representantes do povo que o elegeu.

Os fundadores entendiam que a revogação dos resultados de uma eleição presidencial é algo que precisa ser abordado com muito cuidado e que era preciso evitar que esse poder fosse utilizado como exercício de partidarismo ou por uma facção. Assim, eles incluíram na Constituição regras que tornam extremamente difícil para o Congresso tirar um presidente do poder, incluindo a exigência de que, depois de a Câmara ter votado pelo impeachment, o Senado precisa julgar o pedido, sendo necessários os votos de dois terços dos senadores para que o presidente seja condenado.

Uma coisa que acaba sendo esquecida na discussão sobre os possíveis delitos cometidos por Trump está o fato de que o impeachment não foi criado para lidar unicamente com crimes. Em 1974, por exemplo, o Comitê Judiciário da Câmara acusou Richard Nixon de, entre outras coisas, ter abusado de seu poder, usando a Receita americana contra seus adversários políticos.

O Comitê também responsabilizou o presidente por delitos cometidos por seus assessores e por ter deixado de honrar o juramento presidencial, segundo o qual o presidente precisa “assegurar a execução fiel das leis”.

A crise presidencial atual parece ter apenas duas saídas possíveis. Se Trump achar que ele e membros de sua família poderão ser acusados de crimes, ele pode se sentir encurralado. Com isso, ele teria duas escolhas: renunciar à Presidência ou tentar combater seu afastamento pelo Congresso. Mas a segunda alternativa seria altamente arriscada.

Não compartilho a visão convencional segundo a qual, se Trump sofrer impeachment pela Câmara, o Senado de maioria republicano jamais reuniria os 67 votos que seriam necessários para condená-lo.

A inércia diria que seria esse o caso, mas a situação atual, que já está se alterando, terá sido ultrapassada há muito tempo quando os senadores tiverem que enfrentar essa questão. Republicanos que no passado foram aliados firmes de Trump já criticaram abertamente alguns dos atos recentes do presidente, incluindo seu apoio à Arábia Saudita a despeito do assassinato de Jamal Khashoggi e sua decisão sobre a Síria. Além disso, deploraram abertamente a saída de Mattis.

Sempre me pareceu que a turbulenta Presidência de Trump é insustentável e que republicanos chaves acabariam por decidir que ele virou um ônus excessivo para seu partido ou um perigo grande demais para o país. É possível que esse momento já tenha chegado.

No fim, os republicanos vão optar por sua própria sobrevivência política. Praticamente desde o início, alguns senadores republicanos especularam quanto tempo duraria a Presidência de Trump. Alguns devem certamente ter observado que sua base não saiu vencedora nas eleições parlamentares recentes.

Mas é muito possível que não cheguemos a uma votação no Senado. Confrontado com uma série de possibilidades impalatáveis, incluindo a de ser indiciado criminalmente depois de deixar a Presidência, Trump vai procurar uma saída.

Vale relembrar que Nixon renunciou sem ter sido condenado nem destituído por impeachment. Estava claro que a Câmara ia abrir um processo contra ele, e Nixon fora avisado por republicanos que sua base de apoio no Senado tinha desmoronado. É muito possível que Trump demonstre um instinto semelhante de autopreservação. Mas, como Nixon, ele vai querer proteções legais futuras.

Richard Nixon foi perdoado pelo presidente Gerald Ford, e, apesar das desconfianças, nunca surgiram provas de manipulação. Embora o caso de Trump seja mais complexo que o de Nixon, o perigo evidente de se conservar no poder um presidente que está fora de controle pode muito bem levar políticos de ambos os partidos, não sem algumas controvérsias, a fechar um acordo para afastá-lo.