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Nelson Motta: Bye bye, Crivella

A degradação econômica, urbana e cultural da cidade foi acompanhada pela deterioração do que se chamava ‘espírito carioca’

Irmãos, trago boas novas. Tudo indica que vamos nos livrar do satânico bispo Crivella nas eleições de novembro. É o líder absoluto entre os mais rejeitados. Graças a Deus! Aleluia! Epá Babá Oxalá! Mas e o day after? O novo prefeito vai encontrar uma cidade devastada e degradada por uma administração marcada por escândalos e ineficiência, destruindo ou abandonando legados da administração anterior, como o Porto Maravilha e o VLT.

No “Retrato de Dorian Gray”, Oscar Wilde diz que só pessoas superficiais não julgam pelas aparências. Crivella, por exemplo, com sua conversa mole e sua brancura de cera, parece um clássico personagem de histórias de terror, o antigo mordomo do casarão, que fala macio, é humilde e prestativo com o casalzinho que herdou a mansão, mas à noite se transforma num vampiro e lhes suga o sangue. Coitado, não tem culpa de ter nascido com esse physique du rôle, mas combina com seu populismo canhestro e seu obscurantismo provinciano.

A degradação econômica, urbana e cultural da cidade foi acompanhada pela deterioração do que se chamava “espírito carioca”, que nos orgulhava e diferenciava do resto do Brasil. Até os paulistas admiravam nosso estilo de vida mais relaxado e informal, nosso humor e cordialidade, nossa simpatia e a nossa fala cheia de gírias e chiados.

O humor e a cordialidade viraram rispidez e antagonismo, o relaxamento virou desleixo com as leis, a educação e a ordem, a leveza ficou pesada, a irreverência virou grosseria. Motivos não faltaram, o fato é que vivemos uma mudança de comportamento profunda. E a administração Crivella ajudou a piorar.

Empacado em 12%, o homem está desesperado e implorando o apoio de Bolsonaro, até agora em vão, porque o Bozo não é bobo e não quer queimar o seu filme já chamuscado com o eleitorado do Rio de Janeiro. O vídeo dos dois dançando abraçados é uma mistura de terror com humor que tira mais votos de Bolsonaro do que dá para Crivella. Devia ser exibido todo dia pelos adversários dos dois.


Nelson Motta: A era da ira

Quem acredita que com FH, Lula, Dilma, e até Temer, o Brasil esteve à beira do socialismo, como disse Bolsonaro na ONU, ou não sabe o que é socialismo ou não sabe o que é Brasil. Para ele, socialismo, comunismo, é tudo a mesma merda: vermelho é vermelho, pô. Ele é verde e amarelo. Verde-oliva.

Como os soldados japoneses que ficaram perdidos na selva e só foram resgatados 20 anos depois do fim da Segunda Guerra, Bolsonaro ressurge das brumas da Guerra Fria vendo comunistas e conspirações contra ele e sua família em toda parte. Fala coma certeza de que ninguém na Assembleia Geralda ONU leu jornais, ouviu rádio, viu televisão e navegou na internet nos últimos 50 anos.

Chegou a ser covardia tripudiar sobre a devastada Venezuela e a alquebrada Cuba como exemplos do fracasso do comunismo, e covardia maior não mencionara terrivelmente comunista China e seu espetacular sucesso internacional, nossa querida maior parceira comercial. Talvez a China seja a síntese do melhor do comunismo e do capitalismo, enquanto o Brasil parece sempre adotar a pior parte do socialismo estatizante e do capitalismo liberal m amador no Estado. Questão de gestão.

A melhor parte do progresso do Ocidente não veio pela colonização, mas pelo comércio internacional e o trânsito de ideias. Substituir o internacionalismo pelo patriotismo provinciano estimula competições e guerras e implanta aerado cada um por sie todos contra todos, sob alei domais forte.

No Brasil, nunca o “nós contra eles” foi tão exacerbado, e nefasto, num momento em que um terço da população adora Bolsonaro, um terço detesta, e um terço não gosta nem desgosta. Nesse equilíbrio precário, que pode mudar rapidamente, todo mundo depende de todo mundo, e nenhuma oposição pode fazer nada sozinha. Talvez por isso não faça nada.

Pode ser que a economia, o emprego e os salários algum dia melhorem, que haja alguma ordem e progresso, mas muito tempo vai passar até que fechem as feridas e os ressentimentos dessa era da ira.


Nelson Motta: Bolsonaro pode ser tudo, menos mito

Foi uma ignorância que deu certo, ao menos nas eleições

‘Coisa ou pessoa que não existe, mas que se supõe real. Coisa só possível por hipótese. Ficção” é a definição de “mito” do Aurélio.

“Um fato considerado inexplicável ou inconcebível, enigma. Uma crença geralmente desprovida de valor moral ou social, desenvolvida por membros de um grupo, que funciona como suporte para suas ideias ou posições. Ex. o mito da supremacia da raça branca.”, segundo o Michaelis.

E também “Afirmações fantasiosas, inverídicas, disseminadas com fins de dominação, difamatórias, propagandísticas, como guerra psicológica ou ideológica. Ex. O mito do comunista que come criancinhas.”

“Valor social ou moral questionável, porém decisivo para o comportamento dos grupos humanos em determinada época. Ex. O mito do negro de alma branca”, diz o Houaiss.

Ou eles não sabiam o que diziam quando inventaram um mito messiânico vitorioso ou Bolsonaro está se revelando a mais completa tradução do que dizem os dicionários. Pior para nós.

Nenhum mito resiste ao confronto com a realidade. Mitos não reclamam que o país é ingovernável por causa das corporações e dos partidos que só querem mamar. Mitos não fazem mimimi. Nem perdem 15 pontos de aprovação em três meses. Nem são derrotados em votações por seu próprio partido.

Sem ofensa, Bolsonaro pode ser tudo, até um bom presidente, tudo menos um mito. É imperativo linguístico e semântico, de significado. Foi uma ignorância que deu certo, ao menos nas eleições. Cansados de salvadores da pátria populistas e corruptos, os eleitores preferiram algo que não existia, um mito.

Mas o destino dos mitos é serem corroídos e desmitificados pelo tempo e a realidade. Grandes líderes não são mitos, são história e exemplo.

Para piorar, nosso Mito diz que dorme muito mal, quatro horas por noite, acorda várias vezes, tem um revólver na mesa de cabeceira. Como qualquer ser humano de 60 anos, deve se levantar exausto, de péssimo humor e sem cabeça e energia para enfrentar um país desabando.

O mito tem que dormir para o presidente acordar.


Nelson Motta: A liberdade e a fartura americanas me impressionaram

A primeira vez que fui a Nova York, em 1967, com uma passagem ganha pela vitória, em parceria com Dori Caymmi, no I Festival Internacional da Canção, tinha 22 anos, era jornalista iniciante e vivia em uma ditadura com livros e filmes proibidos, e palavras-tabu como comunismo, racismo e feminismo.

Dividi com um jovem boa-praça que conheci no avião, e também era calouro em Nova York, um quarto enorme num hotel da Rua 46 por 11 dólares.

Fui passear e dei com uma lojinha de bugigangas e novidades, oferecendo a nova moda de decoração: por um dólar, lindos pôsteres de um metro quadrado em preto e branco, de grandes artistas e personalidades, que davam beleza e identidade à sua casa, diziam quem você era. Elvis, Marlon Brando, Luther King, Pancho Villa ...

Dei gargalhadas com um vendedor oferecendo aos berros pôsteres de “Charlie” Marx e “Freddie” Engels, com a maior intimidade, como se fossem ídolos de beisebol. No Brasil, seria preso como subversivo. Temerário, levei bem enrolado no fundo da mala um pôster de Trótski para o nosso ídolo da redação do “Jornal do Brasil”, Fernando Gabeira, que logo cairia na clandestinidade.

Levei um baita susto ao ver vários modelos de camiseta com a cara de Che Guevara, que eram impensáveis no Brasil. Tinham virado moda entre os jovens, estavam fazendo muito dinheiro com elas. Pensei nas tais contradições do capitalismo que discutíamos na faculdade, diante da força irresistível da máquina colossal que transformava seus inimigos em produtos de consumo. Que transformava tudo em entretenimento e dinheiro: política, sexo, religião, crimes... mas em plena democracia.

A liberdade e a fartura americanas me impressionaram como um novo mundo, a opção eram a pobreza e a repressão do comunismo cubano e soviético sonhado pela esquerda brasileira. Mas como ser contra a ditadura sem ser a favor da esquerda?

Mais de meio século depois, atualizo a pergunta. Como ser, no Brasil de Bolsonaro, contra a direita religiosa, sem ser a favor da esquerda populista?


Nelson Motta: O que é pior?

O que é pior, populismo de direita ou de esquerda?

A história mostra que não faz muita diferença: o desastre é certo. A profundidade e a extensão dos danos variam de acordo com o país e o momento. É só olhar a história recente do Brasil.

Impossível não se lembrar do Plano Cruzado, que popularizou até Sarney e devastou o país, levandonos à falência internacional e a muitos anos de sofrida recuperação, com a aplicação das medidas econômicas corretas, duras e impopulares, bombardeadas pelo populismo de esquerda. O PT foi contra o Plano Real.

O populismo econômico nacionalista provocou a falência do governo Dilma e arrasou o Brasil. O populismo de corrupção dos governos Lula e Temer criou Bolsonaro e a sede de vingança dos roubados.

O mais cruel é que tanto a direita quanto a esquerda populista, que cortejam “o povo” e fazem o que “ele” quer para ganhar popularidade e se manter no poder, têm sempre como grande vítima final justamente o seu amado “povo”. Os pobres indefesos e desinformados são os que mais sofrem, a classe média é massacrada, mas os ricos, na pior das hipóteses, se mudam.

No populismo ambidestro sempre são os que não produzem nada que impõem as regras para quem produz alguma coisa. São os amigos e companheiros que governam, não os melhores profissionais de cada área. Não se faz o que tem que ser feito, mas o que “o povo” quer. O histórico bordão humorístico “me engana que eu gosto” floresce no populismo.

O cientista político Manuel Castells já advertiu, a luta agora não é mais entre esquerda e direita, mas entre autoritarismo e populismo. O que é pior?

O que esperar da sórdida classe política brasileira, com suas raras e impotentes exceções, senão aderir ao vencedor e partilhar o butim? Como sempre, agora mais que nunca.

No caso do Brasil, a tragédia ganhou tons de farsa e chanchada, com um populista de esquerda na cadeia e um populista de direita recém-saído do hospital comandando as eleições e o destino do país: cadeia ou hospital?

É duro escrever ficção no Brasil.


Nelson Motta: Zumbis e vampiros

O financiamento público ‘progressista’ é uma farsa conservadora e corporativista para eleger os podres de sempre

Quando estava no poder, o sonho do PT era o financiamento público das campanhas eleitorais. Como o Fundo Partidário e o tempo de TV, os bilhões do Fundo Eleitoral são distribuídos proporcionalmente ao tamanho das bancadas, e são os que estão no poder, e querem ficar, que têm as maiores fatias do bolo.

A consequência nefasta desse conservadorismo corporativista é os donos das cadeiras as manterem, reduzindo drasticamente as chances de renovação de um Congresso de mortos-vivos: um terço de seus membros são zumbis acusados de propinas, achaques e fraudes eleitorais. É o passado assombrando o futuro.

Criado para democratizar a disputa e equalizar o poder econômico, o financiamento público se tornou fonte de eterno poder para os vampiros eleitorais que estabeleceram os critérios de partilha do butim. Quem tem mais poder, leva mais dinheiro. E pior: a boca-livre eleitoral beneficia os que foram eleitos quatro anos antes, independentemente de sua atuação política e de sua ficha criminal. O contribuinte paga para manter no poder uma gente que, com toda razão, odeia.

A legislação “progressista” é uma farsa conservadora e corporativista para eleger os podres de sempre. Existem outros critérios de distribuição mais justos e democráticos do que a bolsa-candidato; basta ver a legislação dos países que adotam essa forma de financiamento.

É uma ilusão imaginar que a montanha de dinheiro do Fundo Eleitoral vai inibir a ação dos vampiros políticos, que continuarão a achacar, lavar dinheiro e encher o caixa 2 de suas campanhas, para fraudar as eleições e se elegerem. Só que agora vão ser mais cuidadosos. Tudo em dinheiro vivo.

Mas quem tem medo da fiscalização? Nas últimas eleições, os TREs identificaram mais de 250 mil doações ilegais, e não aconteceu absolutamente nada aos doadores e candidatos. Então, para que fiscalizar?

O financiamento público prova, mais uma vez, que no Brasil de hoje até aparentes boas intenções podem ter consequências nefastas, opostas aos seus objetivos.

Sem a renovação do Congresso podre e desmoralizado, como e com quem vai governar o próximo presidente, seja quem for?

 


Nelson Motta: Um país de especialistas

Ninguém tem culpa de ser burro, nem qualquer mérito em ter nascido inteligente ou bonito. Mas a burrice é perigosa

Aos poucos, e à força, os brasileiros vão se especializando. Além de 200 milhões de técnicos de futebol, discutindo táticas, escalações e estratégias, também nos tornamos especialistas em novelas, todos entendem de interpretação, roteiro, tramas, se identificam com personagens e lutam por eles.

Tivemos que nos especializar em economia no duro aprendizado de incontáveis crises. Agora todos entendem de inflação, câmbio, juros, e debatem os números da economia como se fossem futebol ou novela.

De política, todos entendem, têm profundas convicções, soluções para todos os problemas. As causas mais nobres.

Agora, todos entendemos tudo sobre leis e sua aplicação. Nos tornamos juristas amadores e discutimos decisões de tribunais como se fossem futebol, novela ou eleições. Com mestres como Gilmar, Dias Toffoli e Lewandowski, formamos péssimos juristas de araque.

Nelson Rodrigues reclamava que, em tempos passados, os idiotas vocacionais e as bestas quadradas tinham um certo pudor em dar opiniões, sabiam de sua estupidez e conheciam seu lugar, mas, na alvorada da era das comunicações, estavam dando opinião sobre tudo, orgulhosos da própria burrice. Imaginem Nelson na era da internet... rsrs

Um cínico nelson-rodrigueano diria que, no Brasil, os competentes raramente são honestos; e os honestos e incompetentes, com sua burrice e boas intenções, dão mais prejuízo que os ladrões.

Ninguém tem culpa de ser burro, nem qualquer mérito em ter nascido inteligente ou bonito de fábrica. Mas a burrice é perigosa, se convence de soluções fáceis para problemas complexos, se aferra às suas convicções como verdades absolutas, é impermeável a razões e argumentos, e até a números e evidências científicas.

Sim, inteligência não tem nada a ver com ignorância, e Lula é a melhor prova disso, em contraponto às manadas de burros ilustrados no meio acadêmico. Mas o que é pior: a inteligência voltada para o mal, pelo seu maior potencial de danos, ou a burrice bem-intencionada e voluntarista, pelos desastres que provoca?

“São cegos guiados por loucos rumo ao abismo”, diria o Rei Lear, se vivesse no Brasil.

 


Nelson Motta: Vampiros do povo

Parlamentares, magistrados, altos funcionários não têm vergonha de aumentar gastos públicos para seu próprio beneficio, mesmo durante uma de nossas maiores crises
Foi o fracasso administrativo, econômico e ético dos governos Dilma e Temer que abriu espaço para um Jair Bolsonaro. Ou algum aventureiro que ainda apareça.

Os culpados pela desilusão popular que se transformou em ódio aos políticos são eles mesmos. Enquanto o governo corta dinheiro do SUS e da educação, não se tem noticia de um mínimo gesto de qualquer um dos Três Poderes, para diminuir suas despesas que afrontam a penúria popular.

Parlamentares, magistrados, altos funcionários não têm vergonha de aumentar os gastos públicos para seu próprio beneficio, mesmo durante uma das maiores crises de nossa história, provocada por um desastre econômico combinado a uma corrupção sistêmica, e protagonizado por políticos e funcionários, com o beneplácito ou a inação do Judiciário.

Quem decide os salários e vantagens dos parlamentares ? Eles mesmos.

Quem fixa os vencimentos e bônus dos juízes? Eles mesmos.

E do governo central? Eles mesmos.

O que são essas bonificações por “triênios”, “licença-prêmio” e outras bandalhas que juízes e o funcionalismo abocanham com a ajuda dos políticos? O cara ganha uma bonificação porque cumpre o seu dever ? Mas não é sua obrigação ? Não é seu contrato, que justifica o salário que recebe ? Aqui qualquer funcionário mequetrefe tem carro e motorista. Já os ministros da Suprema Corte americana andam de táxi ou de metrô. Aqui, castigo de juiz ladrão é aposentadoria com salário integral. E o CNJ não se envergonha?

O dinheiro que cada cidadão paga ao Estado parece uma abstração, números, mas é fruto de trabalho, de horas e dias e meses de esforço, de chateação, de repetição, de calor e de frio, de dor e suor. De tempo de vida! Para sustentar a boa vida dessa gente?

Vou votar em quem não só prometa, mas mostre como fará, assuma o compromisso público de acabar com todas essas vantagens bilionárias e indecentes que beneficiam os Três Poderes. Antes de qualquer coisa, de planos de governo, de projetos grandiosos, de grandes ações sociais.

Seria a prova constitucional de que todos os cidadãos são iguais perante a lei na hora de pagar a conta.

 


Nelson Motta: O Fla-Flu pede respeito

Chamar os chutes, pontapés, cabeçadas e joelhadas digitais entre tucanos e petistas de Fla-Flu ofende rubro-negros e tricolores e a nobreza do clássico

O Fla-Flu, que Nelson Rodrigues dizia ter começado 40 minutos antes do nada, pede respeito. Não pode ser usado para designar pejorativamente os antagonismos e radicalismos intolerantes e destrutivos que assolam o Brasil como uma epidemia.

Porque o Fla-Flu é um grande clássico, mas nunca foi uma rivalidade visceral e feroz como o Gre-Nal, Ba-Vi e Atlético-Cruzeiro, ou mesmo Flamengo-Vasco, histórico antagonismo das duas maiores torcidas cariocas. Porque o Flamengo nasceu do Fluminense, como o PSDB saiu do MDB.

Quanto mais estúpido e violento o confronto, menos merece ser chamado de Fla-Flu.

Muito pior é a peleja entre as turmas “Câmara de gás” X “Jardim do Éden” do STF, dividindo julgamentos com interpretações antagônicas das mesmas leis do jogo e provocando insegurança na torcida do MP, advogados, juízes e réus. Pode isso, Arnaldo?

Assim como o cinema falado era o grande culpado da transformação no samba de Noel Rosa, a transmissão ao vivo dos espetáculos jurídicos do STF se transformou em um campeão de audiência e indiscutível avanço democrático com a transparência dos julgamentos. Mas as luzes literais e metafóricas acenderam e incendiaram as supremas vaidades inerentes ao cargo. As posições jurídicas e ideológicas dos que julgam os juízes e os donos da política e do dinheiro, para complicar, se confundiram com antipatias, invejas e rivalidades pessoais que remetem aos tempos de escola, quando terminavam em tapas. Agora, terminam em capas.

Chamar isso de Fla-Flu ofende rubro-negros e tricolores e a nobreza do clássico.

Metáfora futebolística mais adequada são os chutes, pontapés, cabeçadas e joelhadas digitais entre tucanos e petistas nas redes sociais. São rotos X esfarrapados repetindo seus bordões para suas torcidas, tentando comprar o juiz e quebrar os adversários, mas ambos estão ligados a políticos criminosos e com seus líderes indiciados, réus ou presos.

Isso não é um Fla-Flu, é uma pelada safada em que vale tudo, menos a verdade.

A tática do nós X eles de Lula pode ter sido um gol para a torcida, mas foi uma goleada contra o país. E contra Lula e o PT.

 


Nelson Motta: Aquele momento fatal

A meia hora fatal em que Lula e Dilma se trancaram em uma sala, e ela saiu candidata à reeleição, mudou o rumo do Brasil

Com a participação de todas as suas correntes internas na discussão dos programas do partido e na ocupação de cargos de governo, com suas assembleias intermináveis, o PT sempre se orgulhou de sua democracia interna, de ser um partido sem caciques — embora comandado por Lula e José Dirceu.

Lula sempre mandou no partido, nas executivas, nos diretórios, nas assembleias, em Dirceu, mas reinava principalmente nos comícios, insuperável com sua inteligência, seu histrionismo, sua malandragem política e suas bravatas que incendiavam a militância. Que partido não gostaria de ter um líder com o carisma e a personalidade de Lula?

O lado ruim de ter um líder carismático absoluto, cultuado e incontestável é depender de suas decisões pessoais, de acordo com as suas conveniências de momento.

Ao indicar no “dedaço” Dilma Rousseff para presidenta, enfrentando profundas e fundadas resistências no partido, afinal o DNA dela era brizolista, assumiu o seu maior risco — e conquistou a sua maior vitória. Depois, para eleger Fernando Haddad prefeito de São Paulo, chegou a fazer uma aliança e posar ao lado de Maluf, para estupor dos petistas de todas as correntes. E, cheio de orgulho e certeza, cunhou uma de suas grandes frases: “De poste em poste vamos iluminando o Brasil”.

Se houvesse democracia interna no PT, com convenções para escolher candidaturas, em 2014 Lula teria sido aclamado pelo partido para a sucessão de Dilma e massacraria Aécio Neves. Mas, assim como a havia escolhido imperialmente, Lula teria que discutir com a rainha, só com ela, a sua sucessão.

Aquela meia hora decisiva em que os dois se trancaram em uma sala, e Lula saiu abatido e Dilma candidata à reeleição, mudou o rumo do PT e a História do Brasil. No momento em que sua força, sua experiencia e sua inteligência foram mais necessários, Lula piscou. E Dilma ganhou no grito, rompendo o acordo de o poste devolver-lhe o trono depois de quatro anos.

O resto é história, com as consequências funestas que teve para o Brasil, para o PT e para Lula, porque um grande líder popular quase religioso e infalível falhou num momento fatal.