museu nacional

O Estado de S. Paulo: Museu Nacional abre as portas pela primeira vez após incêndio

Imprensa acompanhou trabalhos de arqueologia da equipe de resgate em meio aos escombros deixados pelo fogo

Roberta Jansen, O Estado de S.Paulo

RIO - O meteorito Bendegó segue incólume no hall de entrada do Museu Nacional, a despeito de toda a destruição a sua volta. Com 4,56 bilhões de anos, a rocha espacial, claro, sobreviveu ao incêndio que destruiu a instituição em setembro do ano passado. Hoje, é o símbolo maior dos trabalhos de reconstrução do prédio e da resiliência da ciência no País.

Oriundo de uma região do Sistema Solar entre os planetas Marte e Júpiter, o meteorito viajou até Monte Santo, no sertão da Bahia, onde foi achado em 1784. O transporte da rocha de 5,36 toneladas para o Rio de Janeiro no século XIX foi algo muito próximo de uma epopeia espacial. É uma das peças mais antigas da coleção do museu, onde está desde 1888, e, segue sendo uma espécie de âncora do acervo que vem sendo recuperado em meio aos escombros deixados pelo fogo.

Museu Nacional abre as portas pela primeira vez depois do incêndio
"O meteorito não sofreu quase nenhuma alteração por conta de suas características: essas estruturas vêm do espaço, enfrentando temperaturas muito mais altas do que qualquer incêndio que possa ocorrer aqui na Terra", explicou o paleontólogo Sérgio Azevedo. "O Bendegó é uma peça muito importante, que está na exposição desde o início e agora é um símbolo da resistência do museu, um testemunho de todo o trabalho que está sendo feito aqui."

Nesta terça-feira, a direção do museu abriu as portas à imprensa pela primeira vez desde o incêndio, que acompanhou, durante toda a manhã, os trabalhos de arqueologia da equipe de resgate em meio aos escombros deixados pelo fogo. É um trabalho meticuloso, delicado, e, sobretudo, de muita paciência.

O trabalho que está sendo concluído este mês é o de estabilização do prédio, que perdeu teto, muitas paredes e vários andares. O escoramento permite, agora, que as pessoas andem dentro do prédio, trabalhando no resgate arqueológico. Até o fim de março, será instalada uma cobertura provisória do prédio, cujo objetivo é proteger as peças que ainda estão por ser resgatadas.

Meteorito Bendegó sobreviveu às chamas e virou símbolo da resistência do Museu Foto: Wilton Junior/Estadão
"Assim que todo o trabalho de estabilização estiver concluído e a cobertura pronta, vamos focar o trabalho nas áreas que precisam de escavação sistemática", explicou a arqueóloga Cláudia Carvalho, líder da equipe de resgate. "É um trabalho delicado, a gente identifica um objeto, analisa a situação, determina uma estratégia de abordagem; o material vai para a área de triagem, recebe um número de registro e, dependendo da situação, vai para o laboratório, para limpeza e armazenamento, até podermos fazer um inventário mais detalhado."

Cláudia contou que já foram feitos dois mil registros de peças achadas dentro do museu. "A maioria é de objetos que, por sua natureza, são mais resistentes, como cerâmicas, rochas, minerais, fósseis", disse.

Mas esse trabalho ainda é muito superficial. Trata-se apenas de registrar o achado e guardar, basicamente. Somente num segundo momento, haverá uma avaliação mais aprofundada do que pode ser resgatado em termos de porcentual do acervo original.

Uma exposição - ainda sem data para acontecer - será aberta ao público para exibir, justamente, esse trabalho de resgate e as peças já encontradas.

Já se sabe que parte significativa do crânio de Luzia - o fóssil mais antigo das Américas, com cerca de 11 mil anos - foi resgatado. E que o Bendegó seguirá impávido em seu lugar na entrada do museu, saudando o público ainda por muitos anos.


Público: “Gostaria que o Museu Nacional permanecesse como ruína, memória das coisas mortas”, diz Eduardo Viveiros de Castro

A tragédia do incêndio do Museu Nacional não deverá ser suficiente para abrir um debate sério no Brasil sobre o “descaso” a que tem sido votada a cultura, diz o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Este é “um país onde governar é criar desertos”.

Eduardo Viveiros de Castro, 67 anos, é um dos mais conhecidos antropólogos brasileiros, autor de vários livros e do conceito de perspectivismo ameríndio [teoria a partir da visão ameríndia do mundo], e professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a instituição que na noite de domingo para segunda-feira foi destruída pelo fogo, que arrasou quase totalmente uma colecção de mais de 20 milhões de peças, com um valor incalculável. Falou ao PÚBLICO por telefone a partir do Rio.

Qual é a dimensão da perda do Museu Nacional do Rio de Janeiro para o Brasil e para o mundo?
Museu Nacional talvez fosse o lugar mais importante do Brasil em termos do seu valor como património cultural e histórico, não só brasileiro como mundial. Trata-se da destruição do ground zero, o lugar central que era o símbolo da génese do país como nação independente e continha um acervo inestimável, não só do ponto de vista da história da cultura e da natureza brasileiras mas com peças de significado mundial. Foi destruída toda a colecção de etnologia indígena, inclusive de vários povos desaparecidos, foi destruída toda a biblioteca do sector de Antropologia, e foi destruído o Luzia, o fóssil humano mais importante e antigo das Américas. É uma perda que não tem como reverter, não há nada que se possa fazer que mitigue, que amenize essa situação. Só se pode chorar em cima do leite derramado, que não adianta nada.

As causas últimas desse incêndio, todo o mundo sabe quais são. É o descaso absoluto desse Governo, e dos anteriores, para com a cultura. O Brasil é um país onde governar é criar desertos. Desertos naturais, no espaço, com a devastação do cerrado, da Amazónia. Destrói-se a natureza e agora está-se destruindo a cultura, criando-se desertos no tempo. Estamos perdendo com isso parte da história do Brasil e do mundo, porque se trata de testemunhos com significado para toda a civilização.

E para si, em particular, o que é representa?
O Museu Nacional abrigava vários departamentos da Universidade. Era um museu de exposição, mas também de pesquisa, eu fazia parte do sector de pesquisa, de um programa de doutoramento em Antropologia. A minha relação com a parte física do museu, com os objectos, era bem menor do que a de vários colegas meus. A perda pessoal, imediata, para mim é a da Biblioteca de Antropologia, que devia ter uns 200 mil títulos e que era um instrumento de trabalho fundamental para a minha actividade como docente.

A biblioteca de Antropologia tinha manuscritos, volumes insubstituíveis
Manuscritos, menos, porque a biblioteca central do Museu Nacional já não estava no edifício que foi destruído, estava num anexo, e é essa que contém as obras raras. A do programa de doutoramento era muito moderna, tinha toda a produção antropológica, sociológica, histórica, dos últimos 50 anos. Embora teoricamente possa ser refeita, não há dinheiro para o fazer. De resto, os fósseis, as borboletas, os insectos, as colecções de estudo, isso é insubstituível.

O que é que se deve fazer agora, perante este edifício queimado?
A minha vontade, com a raiva que todos estamos sentindo, é deixar aquela ruína como memento mori, como memória dos mortos, das coisas mortas, dos povos mortos, dos arquivos mortos, destruídos nesse incêndio.

Eu não construiria nada naquele lugar. E, sobretudo, não tentaria esconder, apagar esse evento, fingindo que nada aconteceu e tentando colocar ali um prédio moderno, um museu digital, um museu da Internet – não duvido nada que surjam com essa ideia. Gostaria que aquilo permanecesse em cinzas, em ruínas, apenas com a fachada de pé, para que todos vissem e se lembrassem. Um memorial.

Há quem diga que para além do descaso do poder político há um desinteresse geral das pessoas, que acham que a cultura não é a prioridade e que se deve gastar dinheiro em coisas mais urgentes. Vê isso assim?
O Museu Nacional era altamente frequentado, em parte porque a entrada era muito barata, situava-se numa zona popular da cidade, no centro de um parque muito conhecido. Curiosamente, este ano no Carnaval uma das escolas de samba do Rio teve como tema os 200 anos do Museu, com alegorias e fantasias que evocavam as múmias, os dinossauros. Ele fazia parte da cultura popular brasileira, da cultura popular carioca, pelo menos.

Mesmo com essa ligação afectiva, o impacto do que aconteceu não será suficiente para mudar alguma coisa?
Não sei dizer. Na segunda-feira à noite, houve uma manifestação no centro do Rio, na Cinelândia, bastante grande, umas 20 mil pessoas, essencialmente estudantes universitários jovens, protestando, a partir do incêndio do museu, mas generalizando para todo o descaso desse Governo com a educação e a cultura.

Certamente as pessoas que estão passando fome e estão desempregadas não diriam que a cultura é a coisa mais importante mas a ideia de que o povo despreza a cultura não é verdadeira. Quem despreza a cultura é a burguesia, o agro-negócio, os deputados ruralistas, os que estão interessados em devastar o país para produzir soja para vender para a China.

Desvalorizando certamente ainda mais os símbolos da cultura indígena.
Os índios são a pedra no sapato da classe dominante, porque as terras indígenas são públicas, não podem ser privatizadas, e o projecto da classe dominante é privatizar 100% das terras brasileiras. Para eles, os índios são um tropeço, um obstáculo, um escândalo inclusive, um símbolo do atraso do país, quando na verdade deviam ser vistos como símbolo de um futuro possível de um país que está num planeta que está sendo destruído pelo chamado progresso.

Os índios são aqueles que conseguiram sobreviver mantendo um modo de vida menos suicida e são vistos como um povo do passado. Uma maneira de refazer esse museu talvez fosse pedir aos povos indígenas brasileiros que contribuíssem com a sua cultura material para refazer pelo menos o acervo de etnologia.

O Brasil está passando por um processo de polarização política muito grande, existe uma camada subterrânea fascista que era melhor ter deixado quieta e que está se movimentando. Não é só no Brasil, há no mundo inteiro um renascer de sentimentos fascistas, autocráticos, e isso aqui é representado por esse candidato repugnante que é o Jair Bolsonaro, que defende a tortura, elogia a ditadura, quer armar a população, e que se inspira naquele louco patético que é o Donald Trump nos Estados Unidos. Se ele for eleito, é o fim. Pego o avião e vou embora – não sei para onde, mas para algum lugar.


José Nêumanne: Incêndio do Museu Nacional foi um crime

Políticos prometem reconstruir o prédio para que as gerações futuras não os incriminem

Os 20 milhões de itens expostos ao público, objetos de pesquisa e testemunhas à mão da memória e da História do Brasil ainda ardiam no incêndio que devastou o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, por não haver água nos hidrantes do prédio, e vários oportunistas já vinham à tona para se aproveitarem da tragédia.

O esqueleto de Luzia, a mulher mais antiga do continente, resistente a 12 mil anos de intempéries, era apenas uma imagem virtual quando os repórteres dos telejornais, enfrentando a desinformação absoluta com a necessidade de falar alguma coisa, noticiaram que a polícia terá de descobrir e revelar se o incêndio foi acidental ou criminoso. Truísmo é pouco para definir essa platitude. Minhas senhoras, meus senhores, o que se assistiu na noite de domingo passado foi ao assassinato sem piedade de milhares de anos da História do País e da humanidade pelas castas que dilapidam há séculos o patrimônio público. A documentação do registro da passagem do mamífero bípede, impropriamente definido como racional, e da identidade nacional de uma pretensa civilização, instalada nestes tristes trópicos em substituição à barbárie dos silvícolas, anterior a ela, virou cinzas molhadas pelos jatos impotentes de uma (!) escada de bombeiros jorrando água suficiente para apagar uma fogueira junina, se muito.

A primeira instituição científica nacional, fundada há 200 anos por dom João VI, o rei fujão de Portugal, sucumbiu a descaso, insensibilidade, estupidez, incompetência, desídia e rapina de sórdidas castas elitistas de políticos ambiciosos, gestores públicos irresponsáveis e intelectuais militantes.

Os acadêmicos José Sarney e Fernando Henrique, o breve Itamar Franco, os populistas Lula da Silva e Dilma Rousseff e os oportunistas Fernando Collor e Michel Temer não deram a museu algum um segundo de atenção, só usada para ludibriar eleitores e comprar congressistas para se reeleger ou escapar de impeachment, fugir de inquéritos ou prorrogar prerrogativa de foro.

Ora, direis, museu não dá voto. Aliás, é difícil encontrar algo de interesse público que dê votos a quem os disputa na arena cada vez menos ética da política brasileira. Votos se vendem e se compram com vil metal, empregos privilegiados na estroina e corrompida máquina pública nacional e também ideologias generosas somente na aparência. A gestão do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, por exemplo, cabe à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cuja administração é compartilhada por partidos da extrema esquerda sem representatividade popular, PSOL e PCdoB, em aliança com representantes da elite partidária que dá as cartas na República, embora se denomine como “dos Trabalhadores”.

A cúpula dos três Poderes, a intelligentsia acadêmica e, pasme, os responsáveis diretos pela indigência da instituição que ardeu choram e se lamuriam pelo destino dela, como gângsteres que levam flores ao velório das vítimas de sua brutalidade. O presidente Temer divulgou nota oficial quando ainda faltava água para apagar o fogo: “Incalculável para o Brasil a perda do acervo do Museu Nacional. Hoje é um dia trágico para a museologia de nosso país. Foram perdidos duzentos anos de trabalho, pesquisa e conhecimento. O valor para nossa história não se pode mensurar, pelos danos ao prédio que abrigou a família real durante o Império. É um dia triste para todos brasileiros”.

O ministro da Cultura, Sérgio de Sá Leitão, disse que “certamente a tragédia poderia ter sido evitada”, numa tentativa absurda de transferir apenas para os governos anteriores as causas do desastre, que, segundo Walter Neves, antropólogo que pesquisava o esqueleto de Luzia, foi “anunciado”. A culpa não é apenas do governo atual, é claro, mas é principalmente deste. Leitão age como um sujeito que cai do décimo andar, sai caminhando e pergunta aos transeuntes o que aconteceu. E ninguém foi demitido!

É inútil querer que os incendiários da Quinta da Boa Vista respondam pela omissão do Estado, que se negou a gastar caraminguás para dotar o mais antigo museu nacional de chuveirinhos automáticos e extintores de incêndio que a lei exige de qualquer boteco da periferia. Mas, já que não se dispuseram a abrir mão dos bilhões do Fundo Partidário para salvar o museu extinto, que nos poupem de sua hipocrisia. E sendo inútil exigir que façam algo para a tragédia não se repetir no Arquivo Nacional e na Biblioteca Nacional, podiam fazer o que sempre fizeram: esquecer o tema. E nada de reconstruir o prédio para as gerações futuras se esquecerem de sua participação no crime.

Os candidatos ao posto mais elevado, cujos currículos frustram os cidadãos carentes de um presidente que evite que a economia arda, sabotada pela corrupção do PT, de seus aliados, entre os quais o MDB, e dos falsos oponentes do PSDB, reduziriam o teor de cinismo de suas campanhas se não chorassem sobre a aguinha que não evitou que o incêndio se alastrasse.

A Universidade de São Paulo (USP) e o ex-governador do Estado Geraldo Alckmin devem explicações sobre o cupim que ameaça a integridade das paredes do Museu do Ipiranga, fechado à visitação desde 2015 e com obras a serem iniciadas no ano que vem. Ou quando, enfim, não chegarem as calendas gregas. Fernando Haddad, o estepe de Lula, não terá como explicar seu silêncio no governo do patrono, quando foi ministro de Educação, sobre a ominosa situação em que a memória nacional embolora, apodrece e arde, enquanto os chefões partidários enriquecem ilicitamente. Nenhum dos dois projetos assinados por Jair Bolsonaro e aprovados em seus 27 anos na Câmara diz respeito a esse assunto. A militância ecológica de Marina Silva não inclui uma denúncia da penúria dos museus, tema também excluído da enxúndia demagógica de Ciro Gomes.

Só restará como testemunho da inépcia deles Bendegó, meteorito que caiu perto de Canudos e resistiu ao fogo feroz.

*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor.


O Globo: 'Agora que aconteceu tem muita viúva chorando', diz Marun sobre incêndio no Museu Nacional

Ministro da Secretaria de Governo diz que UFRJ tinha autonomia para execução do orçamento

Por Karla Gamba, de O Globo

BRASÍLIA — Em tom crítico, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, questionou a comoção gerada no país nesta segunda-feira após o incêndio que destruiu o prédio e boa parte do acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Marun disse que "agora que aconteceu tem muita viúva chorando" mas que, ultimamente, não tinha visto ninguém destacando o museu.

— Agora que aconteceu tem muita viúva chorando. Eu não tenho visto ultimamente, na televisão, por exemplo, pelo menos em um horário, alguém destacando o museu, para que ele se tornasse mais amado pela nossa população. Está aparecendo muita viúva apaixonada, mas, na verdade, essas viúvas não amavam tanto assim o museu em referência — afirmou o ministro, que é um dos principais interlocutores do presidente Michel Temer no Palácio do Planalto.

Ao ser perguntado por jornalistas sobre as críticas que o governo vem recebendo em relação à queda do orçamento do Museu nos últimos anos, o ministro foi evasivo e alegou que o governo não estava se eximindo das suas responsabilidades, mas alfinetou, indiretamente, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), responsável pela administração do Museu Nacional.

— Todo o Brasil lamenta a fatalidade deste incêndio. Esse museu é administrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, que tem autonomia para a execução dos seus orçamentos. Nós não estamos simplesmente nos eximindo de responsabilidade, mas esta é a realidade. Não existe orçamento do museu, existe orçamento da universidade, que, dentro das dificuldades que nós temos, tem que fazer a divisão de seus recursos. Não vou culpar ninguém, não conheço o que a UFRJ priorizou. Só estou fazendo afirmações que condizem com a realidade: a UFRJ tem autonomia financeira, e o orçamento do museu sai do orçamento dela — disse Marun.

O ministro defendeu que os museus passem a ter fontes de receitas próprias para manutenção:

— Os museus têm que ter fontes de receitas próprias. O Brasil tem centenas de museus extremamente importantes e tenho convicção de que temos dificuldade de manutenção em muitos deles, principalmente aqueles que não têm uma sustentação própria, que não conseguiram equacionar ainda uma forma de sustentação.


Portal do PPS: Em nota, Roberto Freire lamenta a “tragédia do Museu Nacional”

Incêndio no último domingo (02) destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro

O presidente do PPS, Roberto Freire, divulgou nota pública (veja abaixo), nesta segunda-feira (03), lamentando o incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Para ele, o incêndio é uma “tragédia recorrente” cuja “causa verdadeira foi a incúria, a negligência e o descaso de cuidar com a devida responsabilidade dos bens culturais do País.”

“Nota sobre a tragédia do Museu Nacional

O incêndio desastroso que reduziu a cinzas o Museu Nacional é bem mais que uma tragédia anunciada. É uma tragédia recorrente. Mais um museu brasileiro tragado pelo fogo, mas a causa verdadeira foi a incúria, a negligência e o descaso de cuidar com a devida responsabilidade dos bens culturais do País.

No caso do Museu Nacional, ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), era uma referência internacional de pesquisas sobre a flora e a fauna brasileira, além de ser um dos mais importantes centros de pesquisas antropológicas, e referência absoluta no campo da entomologia.

Nunca foi tão necessário por na agenda do País uma nova maneira de gestão de seus acervos culturais e bens públicos, construindo uma nova forma de governança com o apoio de empresas privadas e gerência profissional, não apenas para garantir a integridade de seus espaços e conteúdos, artístico ou científico, mas, sobretudo, o acesso a estes bens para esta e as próximas gerações.

Chega de descaso!


El País: O descaso que corrói o patrimônio, de parque arqueológico à casa de Santos Dumont

Equipamentos culturais e científicos são vítimas preferenciais da crise. Veja exemplos pelo país

Por Gil Alessi e Marina Rossi, do El País

Museus em chamas, bibliotecas entregues às traças e prédios históricos devorados por cupins ou simplesmente colocados à venda pelo preço do terreno. Em um cenário de crise econômica e com imposição de um teto para os gastos públicos federais, a Cultura e a preservação do patrimônio histórico acabam sendo uma das primeiras e maiores vítimas. A destruição de boa parte do Museu Nacional na noite de domingo, no Rio de Janeiro, é um exemplo extremo do que se repete silenciosa e diariamente em todo o país.

São Paulo, o Estado mais rico do país, se tornou uma vitrine do descaso com o patrimônio. Já arderam nas chamas o Teatro Cultura Artística, em 2008, o Memorial da América Latina, em 2013, o Museu da Língua Portuguesa, em 2015, e a Cinemateca, em 2016. Por fim, o Museu do Ipiranga, um dos mais importantes do país, encontra-se fechado há cinco anos para reformas. O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, Condephaat, por exemplo, dispõe de apenas 50.000 reais para realizar a manutenção e avaliação preventiva de 2.000 bens tombados em 645 municípios neste ano. Outros 75.000 reais são recursos vinculados que, por problemas burocráticos, não são utilizados pelo órgão, segundo a reportagem apurou. De acordo com fontes da entidade, o valor pleiteado foi de 1 milhão de reais para que o conselho pudesse desempenhar sua função de forma adequada.

A falta de dinheiro se traduz, em alguns casos, na aniquilação completa da história do país. A Fazenda Cruzeiro do Sul, em Paranapanema, interior do Estado, é sinônimo disso. Lá funcionou na década de 1930 uma colônia nazista, cujo prédio da sede, inclusive, foi construído com tijolos com o desenho da suástica. Nada disso existe mais: o proprietário começou a demolir a estrutura em 2012, e terminou em 2016. Só restou à Procuradoria Geral do Estado processar o dono.

Parte do patrimônio histórico não precisa ser demolido para desabar: ameaça ir ao chão sozinho por falta de cuidados e manutenção. É o caso do prédio conhecido como II Batalhão de Guardas, no Parque D. Pedro II, região central de São Paulo. Construído no século 19, o local, que abrigou a guarda imperial, está abandonado e segundo funcionários do Condephaat, que não quiseram se identificar, “corre risco de desabar”. O complexo está em ruínas, com paredes rachadas e telhados que podem ir ao chão a qualquer momento. Em nota, o Conselho informou que "o imóvel está sob responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública", e que já foi aprovado um "projeto de intervenção", mas que "após esta etapa, oficiamos os responsáveis, por duas vezes, solicitando cronograma para realização de obras, sem retorno até o momento".

Se engana quem acha que apenas patrimônio histórico de outros séculos está ameaçado. O prédio do Departamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), no Paraíso, em São Paulo, foi tombado em 2014 por seu "patrimônio material que evoca as memórias de um momento longo e sombrio de nossa história", de acordo com o Condephaat. Dentro de suas celas foram torturadas dezenas de pessoas durante a ditadura militar do país. Lá, em 1975, foi assassinado o jornalista Vladimir Herzog. Atualmente o local, que está sob a responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública, encontra-se tomado por cupins e repleto de infiltrações. O Condephaat informou que foi aprovado em 2016 um projeto "para reforma da cobertura", e que "ficou no aguardo do envio do projeto para as instalações elétricas e pintura". Ainda de acordo com o Conselho, "há uma conversa iniciada para transferência do prédio para a Secretaria da Cultura para instalação de equipamento cultural no local", mas isso ainda depende de "manifestação da secretaria de Segurança Pública". Por sua vez, a pasta da Segurança afirmou que a informação de que o prédio estaria degradado "não procede", e que houve apenas "um vazamento" no local, problema que já teria sido solucionado.

Por fim, parte do patrimônio histórico paulista é simplesmente posto à venda. Um sobrado do final do século 19 na região dos Campos Elíseos conhecido como Palacete Barão do Rio Pardo foi excluído pelo Condephaat da lista de imóveis tombados em março deste ano, atendendo a um pedido de seu proprietário. O casarão, extremamente deteriorado, foi colocado à venda por 8 milhões de reais. Seu dono alegou não possuir condições financeiras para manter o local, discurso que foi endossado por parte dos conselheiros do Condephaat. Alguns, no entanto, criticaram a medida, afirmando que a prática do abandono pode se tornar um caminho comum para o destombamento. A reportagem não conseguiu entrar em contato com os donos do imóvel.

Nem mesmo um dos maiores inventores brasileiros passa incólume ao descaso do poder público com o patrimônio histórico. O museu Casa Natal de Santos Dumont, onde nasceu o pioneiro da aviação, localizado na cidade que leva seu nome, em Minas Gerais, chegou a fechar no início do ano por falta de pagamento dos salários. Após pressão da população, os débitos referentes a 2017 foram quitados pela prefeitura, que arca com parte das despesas, e o local voltou a funcionar. Agora a situação volta a preocupar, e há risco de novo fechamento: “Todo ano assinamos um convênio com o município para repasse de verbas. Este ano estamos devendo salários desde janeiro”, afirma Mônica Castelo Branco, presidente da fundação responsável por cuidar do acervo. A prefeitura não respondeu ao contato da reportagem.

No sul do Piauí, o Parque Nacional da Serra Capivara, passou recentemente por algo parecido. Em julho, foram demitidos 60, dos seus 70 funcionários, por falta de recursos. Considerado Patrimônio Mundial pela Unesco, a título cultural, o parque já chegou a operar com quase 300 funcionários. Mas o fim de convênios e a suspensão de investimentos advindos da iniciativa privada fizeram com que a Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM) tivesse que abrir mão da manutenção de quase toda a equipe do Parque. Ieda Castro, advogada da FUMDHAM, explica que tramita uma ação na Justiça para que a União libere uma verba de 3 milhões de reais anuais para a manutenção do Parque, que 300 quilômetros de extensão. "Desse valor, 738.000 foram liberados no ano passado e conseguimos pagar os funcionários. Mas neste ano o dinheiro acabou e não tivemos outra escolha", diz. Ela afirma que aguarda apreciação do juiz para liberar a segunda parcela da verba para poder recontratá-los.

Castro assegura, porém, que não foram cortados investimentos no Museu do Homem Americano, que fica no parque, e nem da verba para pesquisas feitas pela FUMDHAM. "A manutenção do parque não é de responsabilidade jurídica nossa, e sim do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ligado ao Ministério do Meio Ambiente]", explica. "E não conseguimos mais manter dentro do orçamento da FUMDHAM. Mas o museu está funcionando normalmente e as pesquisas também estão sendo feitas".

Sob as chamas
Na madrugada do último sábado, o fogo consumia outro equipamento público cultural. O Farol do Saber Cícero Marcelino, no município de Cidelândia, a 640 quilômetros de São Luís (MA), foi tomado por um incêndio que transformou livros, paredes e móveis em cinzas. Antes de queimar, a biblioteca pública do pequeno município maranhense, que faz parte de uma rede de 118 unidades por todo o Estado, estava desativada, aguardando verba para uma reforma. Por meio de nota, a Secretaria de Educação do Maranhão afirma que está restaurando gradativamente todos os Faróis do Saber do Estado, e que 25 unidades foram reformadas. O órgão ainda contabiliza o prejuízo e diz que "tomará todas as providências necessárias para a reconstrução do farol". As causas do incêndio ainda não foram divulgadas.

No Recife, o Museu do Homem do Nordeste também espera por readequações em seu sistema de segurança para evitar acidentes. Segundo Frederico Almeida, coordenador-geral do museu, um novo projeto foi desenvolvido para atualizar equipamentos como detectores de fumaça, novos extintores e rotas de fuga. "Estamos somente aguardando aprovação do Corpo de Bombeiros", disse.