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Bolsonaro perderia para Lula, Mandetta, Ciro, Haddad e Doria no 2º turno

Pesquisa da Atlas Político mostra que erros na gestão da pandemia e suspeitas de corrupção na compra da vacina elevaram a reprovação do presidente. Vantagem do petista cresce e governador de São Paulo aparece por primeira vez com chances de vencê-lo

Carla Jiménez, do El País

gestão da pandemia e as suspeitas de corrupção na compra de vacinas contra a covid-19 mantêm o desgaste do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mostra pesquisa da Atlas Político, realizada desde segunda, 26, e finalizada nesta quinta, 29. Se as eleições fossem hoje, o presidente perderia para seus principais adversários no segundo turno, incluindo o governador João Doria (PSDB-SP), empatado tecnicamente com Bolsonaro, mas com viés de vantagem. Doria venceria com um resultado de 40,6% a 38,1% do presidente. Como a pesquisa tem 2 pontos porcentuais de margem de erro para cima ou para baixo, eles ainda estão empatados, mas é a primeira vez que o governador paulista aparece no páreo para se eleger. Em maio, Doria ficava 6,1% atrás de Bolsonaro na simulação de segundo turno.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ampliou a vantagem sobre Bolsonaro em comparação à pesquisa anterior e venceria por 49,2% contra 38,1%, num eventual segundo turno, num cenário com 12,8% de votos nulos ou brancos. Em maio, a vantagem de Lula era de 4,7% sobre o presidente. “A tendência é de fortalecimento de Lula”, diz o cientista político Andrei Roman, CEO do Atlas. “Desde o início do ano, Lula vem numa trajetória constante de crescimento”, completa.  

Também Ciro Gomes (43,1% a 37,7%), o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (42,9% a 37,5%), e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (41,9% a 38,4%) ampliaram sua preferência, e poderiam frustrar o sonho da reeleição do presidente em 2022.

O levantamento confirma o momento de baixa de Bolsonaro, enquanto ele intensifica a campanha contra o sistema eleitoral eletrônico, mesmo sem ter provas para sustentar o que afirma, como mostrou sua live nesta quinta. Segundo a Atlas Político, a rejeição ao presidente subiu e chegou a 62% neste final de julho, contra 36% de aprovação. Trata-se de uma alta de cinco pontos porcentuais em relação a maio, quando a CPI da Pandemia começou. A Comissão Parlamentar apontou irregularidades em contratos de compra de vacinas, como a indiana Covaxin, e suspeitas de pedidos de propina em outras negociações que atingem inclusive militares que ocupavam cargo no Ministério da Saúde.

Roman lembra que o noticiário tem sido negativo para Bolsonaro desde o início do ano, com a pandemia, que teve seu ápice em março e abril, até que a vacinação pegasse velocidade. “Há, ainda, os problemas da vida cotidiana. O impacto econômico da pandemia, com os brasileiros desempregados, a renda menor. E milhares de brasileiros que perderam alguém querido para pandemia”, explica Roman.

As ameaças à democracia, quando sugeriu, no início deste mês, que as eleições poderiam não se realizar , não são fatores captados pelo eleitor ouvido na pesquisa. “Pode ser que isso gere uma polarização maior na sociedade, que neste momento se consolide uma maioria contra Bolsonaro, mas também é algo que mobiliza a sua base”, observa Roman. “Não há derretimento de sua imagem por causa da retórica contra as instituições, nem com a insistência na fraude em eleição, uma tese aventada desde as eleições de 2018”, completa.

Mas seus adversários também se fortalecem. O ex-presidente Lula, por exemplo, que já teve 60% de rejeição em maio do ano passado, hoje tem 54%. Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à presidência, também já teve 60% de rejeição em novembro do ano passado e hoje tem 50%. Ciro, porém, ainda avança lentamente no ranking de preferência dos eleitores. Alcança 6,2% da preferência numa simulação de primeiro turno com Lula, Bolsonaro, Mandetta, os apresentadores Danilo Gentile e Luiz Datena, além do governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB). Em maio, Ciro tinha 5,7% das preferências.

Rejeição no Nordeste e no Sul

Na divisão dos eleitores por religião, o presidente tem uma aprovação de 52% dos entrevistados evangélicos, contra 45% que desaprovam o seu desempenho. Entre os católicos, a rejeição vai a 69% contra 29% que o aprovam. Já na divisão por renda, Bolsonaro tem rejeição maior que 50% em todas as faixas. Seu melhor desempenho está entre os eleitores que ganham entre 3000 e 10.000 reais (43% dos entrevistados aprovam sua gestão) e 2.000 e 3.000 reais (42%). Sua maior rejeição vem entre os que ganham até 2.000 reais (69%), e os que ganham acima de 10.000 reais (também 69%, como mostra o quadro abaixo). Os eleitores do Nordeste e Sul do Brasil são os mais refratários ao presidente: 73% e 65%, respectivamente.

O cientista político lembra que apesar do momento de baixa, a rejeição ao presidente não é irreversível. “Quem não votou nele continua rejeitando, mas quem votou, não”, diz Roman. A pesquisa mostra que 70% dos eleitores que votaram nele em 2018 continuam aprovando seu Governo. “Bolsonaro se elegeu com 57,7 milhões de votos. Mesmo com a perda de apoio de parte desses eleitores, ele continua forte”, explica.

Os ‘nem nem’ e Eduardo Leite

Segundo Roman, há 23% do eleitorado que não quer votar nem em Lula nem em Bolsonaro. É nesse espaço que seus adversários tentam construir uma terceira alternativa para o eleitor, por ora, sem sucesso. Na simulação com todos os potenciais candidatos, nenhum alcança dois dígitos nas preferências, até o momento. Não é uma tarefa fácil, explica o CEO da Atlas Político, pois seria necessário um nome que tirasse votos de ambos que têm um eleitorado já consolidado. Juntos, eles somam mais de 70% do eleitorado.“Esse é um espaço que não foi criado, e o potencial candidato precisa mostrar que as suas propostas são melhores que as de Lula e Bolsonaro”, avalia.

Roman vê no governador Eduardo Leite um potencial de crescimento capaz de criar essa alternativa. Seu nome foi testado na pesquisa da Atlas Político em maio, quando alcançou 1,1% das preferências. No início deste mês, Leite ficou no centro das atenções do país após uma entrevista ao jornalista Pedro Bial em que assumiu publicamente sua homossexualidade. Falou também da sua intenção de concorrer as prévias tucanas para ser candidato à presidência, distiaciando-se dos dois líderes nas pesquisas. Depois da exposição, foi entrevistado por jornais de todo o Brasil e seu nome ganhou mais força.

Na pesquisa desta sexta, ele aparece com 3,1% das preferências, logo atrás do governador João Doria, que tem 3,5%. “Ele é o fator novidade. Se ultrapassar o Doria, fica numa posição bem interessante para avançar, com chances do segundo turno”, opina Roman. “Aí, todo o jogo político seria reinventado”, completa.

Leite tem a vantagem de ser desconhecido (43% dos entrevistados não sabiam quem é ele) e portanto com rejeição menor que os outros nomes no páreo: 37% contra 62% de rejeição a Bolsonaro e 54% de Lula. Já o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, que está menos exposto ao público nos últimos meses, tem uma rejeição similar à de Lula e numa simulação de segundo turno seria derrotado por Bolsonaro. A um ano e três meses da próxima eleição, ainda é cedo para cravar qualquer resultado, especialmente num cenário em que se desenham cascas de banana com a campanha do presidente contra a urna eletrônica. A pesquisa da Atlas Político foi feita a partir entrevistas online com 2.884 pessoas levando em conta região, faixa etária, gênero e faixa de renda. As respostas são calibradas por um algoritmo de acordo com o perfil do eleitorado.


Fonte:

El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-30/com-rejeicao-de-62-bolsonaro-perderia-para-lula-mandetta-ciro-haddad-e-doria-no-segundo-turno.html


Ministros do TSE e do STF consideram 'patética' live de Bolsonaro e criticam participação do MJ

Presença de Anderson Torres chamou a atenção de magistrados, mas eles avaliam que bate-boca só inflaria objetivo do presidente

Julia Chaib, da Folha de S. Paulo

Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) classificaram, nos bastidores, como "patética" a live nas redes sociais realizada pelo presidente Jair Bolsonaro na noite desta quinta-feira (2/79).

Para magistrados, o presidente revelou-se desesperado diante da perda de popularidade que vem sofrendo e por ser alvo de denúncias de suspeitas de irregularidades e corrupção na compra de vacinas.

Chamou a atenção de integrantes das cortes superiores a participação na live do ministro da Justiça, Anderson Torres.

O fato de o ministro ter sob seu guarda-chuva a Polícia Federal e ter estado ao lado de Bolsonaro em evento para divulgar supostas fraudes nas eleições foi avaliado como um ataque ao pleito. Magistrados estudavam na noite desta quinta se reagiriam à participação específica de Torres.


Apresentação do presidente Jair Bolsonaro aos veículos de imprensa




Bolsonaro havia prometido apresentar provas de que houve fraude na eleição de 2018, como ele já propagou diversas vezes. Na transmissão, porém, o mandatário apenas reciclou teorias que circulam há anos na internet e que já foram desmentidas anteriormente.

Ao longo de sua fala, Bolsonaro mudou o discurso e admitiu que não pode comprovar se as eleições foram ou não fraudadas.

"Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas. São indícios. Crime se desvenda com vários indícios”, declarou. Ao final da exposição, foi questionado por jornalistas se havia mostrado suspeitas ou provas. Respondeu: "Suspeitas, fortíssimas. As provas você consegue com a somatória de indícios. Apresentamos um montão de indícios aqui".

Durante a apresentação, foram veiculados vídeos divulgados na internet que buscam transmitir, sem qualquer embasamento sólido, a mensagem de que é possível fraudar o código-fonte para computar o voto de um candidato para o outro.

A apresentação ocorreu em transmissão no Palácio da Alvorada e foi transmitida pela TV Brasil, rede pública do governo. Bolsonaro usou a transmissão para defender que a população vá a atos marcados para o próximo domingo (1º) em defesa do voto impresso.

Diante das declarações de Bolsonaro, o TSE divulgou uma série de checagens para contestar quase duas dezenas de alegações feitas pelo presidente.

Ministros do STF e do TSE haviam combinado de só se manifestar publicamente caso Bolsonaro apresentasse alguma evidência ou ataque concreto que fugisse a teorias da conspiração.

​A constatação, no entanto, foi a de que o presidente propagou teses velhas. O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, que já foi chamado de "imbecil" por Bolsonaro, só viu o final da live, mas ao longo dela recebeu avisos de que Bolsonaro estava propagando "fake news".

A live de Bolsonaro ocorre numa esteira de rusgas entre o presidente e o Judiciário.

Nesta quinta, antes da live, Bolsonaro afirmou que o STF cometeu crime ao permitir que prefeitos e governadores tivessem autonomia para aplicar medidas restritivas contra a pandemia da Covid-19.

"O Supremo, na verdade, cometeu um crime ao dizer que prefeitos e governadores de forma indiscriminada poderiam, simplesmente suprimir toda e qualquer direito previsto no inciso [do artigo] 5º da Constituição, inclusive o 'ir e vir"', disse Bolsonaro a apoiadores.

A fala foi divulgada por um canal bolsonarista no YouTube.A declaração de Bolsonaro foi uma reação à mensagem postada em uma rede social do STF na quarta-feira (28). No texto, a corte reafirma que não impediu o governo federal de agir no enfrentamento da Covid-19. "O STF não proibiu o governo federal de agir na pandemia! Uma mentira contada mil vezes não vira verdade!", afirmou no Twitter.

Embora tenha partido para cima do tribunal, ministros do Supremo decidiram não responder ao ataque sob a mesma alegação da ausência de reação à live: de que não adianta o Judiciário ficar batendo boca com o mandatário, sob pena de inflar ainda mais as alegações de Bolsonaro. ​

O presidente do STF, Luiz Fux, pretende responder a ameaças golpistas no discurso que fará na semana que vem na reabertura dos trabalhos do Judiciário, conforme antecipou o Painel.​ O magistrado vai pregar que cada ator político atue dentro dos limites institucionais, sem extrapolá-los, para que a democracia fique firme.

A resposta é classificada como tardia por ala do Supremo.

Apesar do clima e da impaciência crescente de magistrados, Fux ainda busca uma forma de estreitar o laço e pacificar a relação entre os Poderes. Para isso, a previsão é que o ministro telefone na próxima segunda-feira (2) para Bolsonaro, e os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, para marcar uma reunião.

O encontro entre os Poderes teria ocorrido neste mês, mas foi cancelado depois que Bolsonaro precisou ser internado com um quadro de obstrução intestinal.


Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/07/ministros-do-tse-e-do-stf-consideram-patetica-live-de-bolsonaro-e-criticam-participacao-do-ministro-da-justica.shtml


Fux prepara resposta a ameaças de Bolsonaro e Braga Netto às eleições

Presidente descumpriu o acordo firmado com o presidente do STF e voltou a tensionar a relação com a Corte e o TSE em busca do voto impresso

Weslley Galzo, O Estado de S.Paulo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)Luiz Fux, deve usar o tradicional discurso de retomada dos julgamentos na Corte na segunda-feira, 2, após o recesso do Judiciário, para enviar recados ao Palácio do Planalto, diante das sucessivas ameaças à realização das eleições em 2022. Fux prepara uma resposta à tentativa de intimidação do ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Como revelou o Estadãoo ministro mandou um interlocutor avisar aos Poderes que não haveria eleições de 2022 se não fosse aprovado o voto impresso.

O recado chegou para o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que cobrou do presidente Jair Bolsonaro respeito ao processo democrático. Desde a semana passada, Fux vem sendo pressionado a se manifestar sobre as ameaças golpistas que agora também partem da Esplanada dos Ministérios. Segundo apurou o Estadão, o presidente do STF deve discursar em defesa da democracia, destacando que os Poderes não podem extrapolar o seu papel no Estado de Direito.

Em conversas reservadas, o ministro disse que avalia citar nominalmente as Forças Armadas e Braga Netto, que teriam gerado a crise política instalada a partir de acenos golpistas. Há, ainda, a possibilidade de que a declaração seja mais genérica, evitando despertar animosidade no meio militar, mas que, mesmo assim, cumpra o papel de sinalizar aos outros Poderes e à caserna o comprometimento do Supremo com a estabilidade democrática.

A crise entre o Supremo e o Planalto ganhou fôlego depois que ministros da Corte se reuniram com dirigentes de partidos para reverter a tendência de aprovação do voto impresso pelo Congresso. Após a ameaça de Braga Netto, houve reação pública de três magistrados — Gilmar MendesEdson Fachin e Luís Roberto Barroso –, e se chegou a considerar uma nota conjunta a respeito.

Vice-presidente do TSE, Fachin declarou, momentos após a publicação da reportagem do Estadão, que “o sistema eleitoral do País encontra-se desafiado pela retórica flagiciosa, perversa, do populismo autoritário”. Nesta quinta-feira, 29, Barroso fez duras críticas à proposta de adoção do voto impresso como mecanismo adicional de auditagem das urnas eletrônicas. “O discurso de que se eu perder houve fraude, é um discurso de quem não aceita a democracia”, afirmou. A manifestação de Barroso foi feita no mesmo dia em que Bolsonaro prometeu apresentar provas de que as eleições de 2014 e 2018  foram manipuladas. O presidente queria dizer que as do ano que vem também serão. Em transmissão ao vivo nas redes sociais, porém, acabou admitindo não ter provas, mas apenas “indícios”.

Em cerca de duas horas de live, retransmitida pela TV Brasil, ele usou uma série de alegações falsas para contestar a segurança da urna eletrônica, além de repetir ataques ao TSE e ao ministro Barroso, presidente da Corte eleitoral. Durante o discurso de Bolsonaro, o TSE rebateu as acusações por meio de checagens enviadas à imprensa. 

Reunião
O pronunciamento de Fux ocorrerá pouco após um novo episódio de conflito entre as instituições. O discurso na sessão inaugural, no entanto, não será o único ato do presidente do Supremo na tentativa de debelar a crise institucional instalada na Praça dos Três Poderes. Na próxima semana, Fux deve se encontrar com Bolsonaro e com os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

O encontro deveria ter ocorrido no último dia 14, mas foi desmarcado porque Bolsonaro precisou ser submetido a tratamento médico de emergência em São Paulo. Naquele momento, o presidente do STF tentava reunir as lideranças para remediar a crise política entre os Poderes causada, sobretudo, pela atitude beligerante de Bolsonaro em relação à adoção do voto impresso.

No dia 12 deste mês, pouco antes da data prevista para a realização do encontro de líderes, Fux chamou Bolsonaro ao Supremo para selar um acordo de paz. Na ocasião, o magistrado pediu ao presidente que ‘respeitasse os limites da Constituição’. Em resposta, o político teria se comprometido a moderar os ataques aos ministros do STF e do TSE. Esse encontro ocorreu depois que Lira avisou Bolsonaro que não compactuaria com atitudes golpistas, como revelou o Estadão.

A promessa, no entanto, caiu por terra pouco tempo depois da conversa com Fux. No último sábado, 24, Bolsonaro voltou a questionar a lisura do sistema eleitoral brasileiro e a defender o voto impresso. "Na quinta-feira (29) vou demonstrar em três momentos a inconsistência das urnas, para ser educado. Não dá para termos eleições como está aí", disse a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. Ele ainda afirmou que o povo não aceitaria o pleito sem a possibilidade de imprimir o comprovante do voto.

Horas antes da live prometida, Bolsonaro voltou a atacar o Supremo. Dessa vez, o tensionamento da relação com a mais alta corte do Judiciário ocorreu devido ao vídeo publicado ontem pela Secretaria de Comunicação do STF.

Na peça publicitária que integra a campanha “#VerdadesdoSTF”, é desmentida mais uma vez a versão reproduzida reiteradamente pelo presidente e por aliados do Planalto de que o tribunal teria proibido o governo federal de agir no enfrentamento à pandemia de covid-19.

Parafraseando a famosa frase de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do regime nazista de Adolf Hitler, o Supremo dizia no texto de divulgação do vídeo em resposta a Bolsonaro que “uma mentira contada mil vezes não vira verdade”.

Na manhã desta quinta-feira, 29, o presidente respondeu e subiu o tom em conversa com apoiadores em frente ao Alvorada: “O Supremo cometeu crime ao dizer que prefeitos e governadores podem suprimir direitos”. A afirmação desinformativa foi seguida pela declaração também inverídica e recorrente de que o tribunal o impediu de atuar. “Prefeitos e governadores tinham mais poder do que eu”, disse. Em sua conta oficial no Twitter, Bolsonaro escreveu que o Supremo “delegou poderes para que Estados e municípios” agissem no enfrentamento da doença.

A decisão por unanimidade no plenário da Corte apenas definiu a possibilidade de concorrência entre as instâncias do Executivo na adoção de medidas preventivas à doença. O voto do ministro Edson Fachin, por exemplo, avaliou que a concentração das decisões na figura do presidente da República, sem contrapartida aos prefeitos e governadores, viola a separação dos Poderes.

Em uma medida cautelar que referendou a decisão do Supremo, o ministro Alexandre de Moraes declarou que não cabe ao Executivo tomar qualquer iniciativa “que vise a desautorizar medidas sanitárias adotadas pelos Estados e municípios com o propósito de intensificar ou ajustar o nível de proteção sanitária”. Apesar de não poder evadir a competência de prefeitos e governadores, a decisão não retira os poderes do governo federal “de atuar como ente central no planejamento e coordenação de ações integradas de saúde pública, em especial de segurança sanitária e epidemiológica no enfrentamento à pandemia da Covid-19”, como cabe em suas atribuições.

Uma trégua, se houver, será apenas institucional. Na agenda do tribunal encontram-se pautas importantes, que dizem respeito inclusive a Bolsonaro, como o julgamento previsto para setembro que definirá se o presidente prestará depoimento no inquérito que apura se ele tentou interferir indevidamente nas atividades da Polícia Federal. Em novembro, os ministros votam a criação do juiz de garantias nos processos judiciais do País.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,fux-prepara-resposta-a-ameacas-de-bolsonaro-e-braga-netto-as-eleicoes-e-quer-reuniao-entre-poderes,70003794730


Rosângela Bittar: Podem me chamar de ‘05’

Antes que se pudesse decorar seu nome, o novo ministro da Justiça estreou, no fim de semana, com duas entrevistas recheadas de pérolas do estilo bolsonarista de comunicação confusa. O chamado padrão “00”.

Legítimo exemplar do time em que se notabilizaram Abraham Weintraub e Ernesto Araújo, já substituídos, e os ainda atuantes Ricardo SallesDamares Alves e Milton Ribeiro, o ministro Anderson Torres mimetiza a família presidencial. E escolheu a CPI da Covid para se apresentar.

Como fizera antes dele, com palavras iguais, o senador Flávio “01”, o ministro Torres honrou o espírito negativista do governo. Primeiro, deixou claro que, se Bolsonaro contaminar alguém porque aglomerou sem máscara, a culpa é do contaminado que se aproximou muito dele. Depois, proclamou a inoportunidade da CPI, indiferente ao fato de que ela já está funcionando e começou a ouvir, ontem, os depoimentos de ex-ministros da Saúde. Seria a hora oportuna quando não houvesse crime a apurar e culpados a punir?

Incidiu, também, na questão que já não se discute: a subordinação política da Polícia Federal aos caprichos presidenciais. Ameaçou os senadores com a requisição, para a CPI, dos inquéritos da Polícia Federal, sob sua jurisdição, e que tratam da aplicação das verbas da pandemia. Num acesso de criatividade, repetiu o bordão popularizado mundialmente pelo misterioso Garganta Profunda: siga o dinheiro…

Como se o escândalo da gestão federal da pandemia, objeto da CPI, não envolvesse, também, dinheiro. Além de negligência, omissão e negação da ciência. Três atributos marcantes da atuação do presidente.

O ministro da Justiça se esquece de que todos os governadores e prefeitos são políticos ligados a senadores e deputados. Todos, não só os da oposição. Nem o governista sênior da CPI, Ciro Nogueira, pode negar sua ligação histórica, em muitas campanhas e várias administrações, com o governador do Piauí, Wellington Dias, do PT.

Esta questão, no entanto, deve ser resolvida com a convocação do próprio ministro Anderson Torres para depor. E esperar dele maior apreço ao Parlamento do que o dispensado pelo ex-ministro general Eduardo Pazuello. Cujo depoimento, antes marcado para hoje, foi adiado porque a testemunha alegou cumprir quarentena por ter tido contato com infectados.

Com um delegado da Polícia Federal e um auditor do Tribunal de Contas na assessoria do relator, será possível à CPI precisar o que o novo ministro da Justiça quis dizer ao País enlutado.

A advertência mais surpreendente do espetáculo de estreia, porém, foi a sua afirmação de que a CPI da Covid não pode ser política. Mas, exclusivamente, técnica. As CPIs são políticas ou não são CPIs. O que seria uma CPI técnica? Estará Anderson Torres confundindo o inquérito parlamentar com as indispensáveis perícias datiloscópicas e grafológicas do seu universo policial?

A CPI da Covid, aliás, é mais política que qualquer outra. Nada fará que não gere fato político. Seja para o governo se defender, seja para a oposição acusá-lo. Está vinculada, fortemente, à sucessão de Jair Bolsonaro em 2022.

A crença do presidente da República, e só ele acredita nisso, de que foi ele mesmo, com seus argumentos e sua imagem, que venceu em 2018, é equivocada. Quem perdeu para Bolsonaro foi o centro, que agora quer retomar a sua posição na eleição do ano que vem. É para isso que os liberais trabalham com determinação.

O PSDB, o MDB, o DEM e o PSD querem estar de volta ao segundo turno. Certamente, acreditam que vão disputá-lo com um candidato da esquerda, PT ou PDT, que tem sempre vaga garantida na final. A CPI da Covid demarcará os espaços.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,podem-me-chamar-de-05,70003704191


Correio Braziliense: ‘A CPI vai investigar o quê exatamente?’, questiona ministro da Justiça

Carlos Alexandre de Souza, Ana Dubeux, Sarah Teófilo e Denise Rothenburg

Há 30 dias no cargo, o novo ministro da Justiça não se furta a defender com vigor o chefe. Aos 44 anos, Anderson Torres é o primeiro brasiliense a ocupar a pasta. É, ainda o primeiro membro da Polícia Federal a comandar as forças de segurança pública no país. Mais do que a formação na área da segurança, é no alinhamento com o Palácio do Planalto que o novo integrante do governo federal se destaca. Essa identificação é evidente até para assuntos não diretamente ligados à Segurança Pública, como a pandemia de covid-19.

Para Anderson Torres, o governo de Jair Bolsonaro faz um trabalho louvável no enfrentamento da doença. “Uma morte é péssima. Ainda mais, quase meio milhão de mortes. É muito ruim. Mas a gente tem feito o que pode ser feito. Vivemos num país continental, desigual, um Brasil de muitos brasis, em que as coisas não são fáceis”, defende o ministro. A partir desse argumento, o chefe do Ministério da Justiça dispara o arsenal de críticas à CPI, definida como inoportuna e sem objeto. “A gente vai ver se é uma CPI política ou técnica, participei de três no Congresso Nacional, sei exatamente como funciona uma CPI. Agora, te pergunto: vamos investigar quem viabilizou os recursos para o combate à pandemia?”, questiona.

Acerca de temas ligados à segurança pública, Torres também assume posições contundentes, claramente em consonância com o chefe do Palácio do Planalto. Defende o excludente de ilicitude e está convencido de que o brasileiro tem direito, sim, de se armar como forma de proteção em um dos países mais violentos do mundo. E é frontalmente contrário à permanência, em Brasília, de chefes do crime organizado, como Marcola, preso em uma penitenciária da capital federal.

Próximo dos filhos do presidente, Torres está mergulhado nas ações da Esplanada. Por enquanto, o ex-secretário de Segurança Pública do DF não tem pretensões eleitorais para 2022. Mas avisa: “Não tenho medo nenhum de eleição”. A seguir, os principais trechos da entrevista com Anderson Torres.

Qual é a prioridade do novo ministro da Justiça?

Costumo começar pelo que tem que ser feito, pelo o que é prioritário na gestão. Estamos vivendo um momento de pandemia, um momento difícil, de solidariedade e de ajuda. E acho que a gente vai começar buscando políticas de Justiça e até a segurança pública, no sentido de ajudar e orientar a população brasileira até a gente sair dessa crise.

Setores da segurança reclamam da falta de uma coordenação geral. Como enxerga a situação?

Na questão do planejamento, essa doença pegou todo mundo muito de surpresa. As pessoas, às vezes, cobram uma resposta do Estado e o próprio Estado não tinha essa resposta. E até hoje acho que não há uma resposta exata. Qual a melhor saída? É o isolamento? Quem tem essa fórmula pronta? A covid está matando no mundo inteiro. A gente procurou no Distrito Federal e vai procurar aqui também organizar e orientar da melhor forma possível. Mas eu digo a você: não foi fácil. No Distrito Federal, por exemplo, há um ano, estávamos acertando aqui, errando ali, consertando. Não é tão matemático quanto parece. O país tem acertado muito no que tem feito e, apesar da tragédia das mortes, que todos nós lamentamos, temos conseguido vacinar uma quantidade muito grande de pessoas. Acredito muito que o caminho vai ser esse: a vacinação em massa para que a gente possa sair dessa crise.

O presidente insiste na ideia de convocar o Exército e a polícia para garantir o ir e vir. Como o Ministério da Justiça, defensor da lei e da ordem, vai lidar com essa postura do Planalto?

Com muita tranquilidade. Como você bem disse, somos defensores da lei e da ordem e vamos manter a lei e a ordem a todo custo. Acho que, realmente, a população já entendeu o que pode e o que não pode. Já estamos com mais de um ano de pandemia. O momento inicial, de ficar discutindo isso, já passou. O cidadão já entendeu que pode trabalhar. O que tem que ser coibido são abusos que as pessoas insistem em cometer, por exemplo, festas supernumerosas num momento difícil como esse. Agora, o trabalho, a circulação, o ir e vir da população, a gente vai garantir, vai manter. Isso é extremamente importante para o país.

O senhor tem conversado com os secretários de Segurança para estabelecer um diálogo nessas ações sobre o ir e vir?

Foi a primeira reunião que fizemos aqui. Chamamos os secretários de Segurança, meus companheiros de jornada até outro dia, discutimos vários assuntos aqui, o Fundo Nacional de Segurança Pública, pandemia, vacinação dos policiais… tudo isso foi tratado aqui com eles. A gente tem uma pauta bem extensa de pedidos deles e estamos trabalhando para ajudar os colegas do Estado.

Concorda, então, com as críticas do presidente às medidas restritivas?

De agora para frente, não é mais a solução. A gente já teve um momento inicial em que ninguém sabia o que era certo ou errado. Volto a dizer, ninguém tem essa receita até hoje. Mas, de agora para frente, o Brasil precisa andar. A crise não está pequena, está muito grande a crise financeira, o cidadão precisa voltar a trabalhar. Claro, que não tem ninguém aqui dizendo que não precisa tomar os cuidados necessários, mas o Brasil precisa funcionar.

Mas o Brasil não poderia ter reagido melhor? Afinal, estamos falando de 400 mil mortes.

Não concordo que o Brasil poderia ter reagido melhor. O Brasil reagiu na medida daquilo que o país tinha em mãos, daquilo que ele sabia. Se você pegar as porcentagens de mortes mundo afora, não estamos tão desproporcionais assim. A gente fez uma porcentagem de mortes. Não está tão ruim assim. Quer dizer, é péssimo, uma morte é péssima. Ainda mais, quase meio milhão de mortes. É muito ruim. Mas o que o Brasil poderia fazer, foi feito. Talvez a maior distribuição de recursos da história para estados e municípios.

O senhor fala de recursos, mas este não é o único papel do governo. É dever coordenar ações para auxiliar os estados.

Aí vamos entrar em questões judiciais, da autonomia dos governadores, do estado federado, vamos discutir aqui até amanhã. Na minha avaliação, o governo federal fez e vem fazendo a parte dele.

Mas o STF só deu aos governos estaduais autonomia para tomarem medidas.

Se eles decidiram desse jeito, o governo federal repassou os recursos. Falo isso com muita tranquilidade, eu estava num governo estadual. Para mim é muito fácil. Vi a importância dos recursos do governo federal no governo estadual para ele poder trabalhar. Volto a dizer a vocês, a autonomia de um governador, a capilaridade dele é muito maior. Não concordo e não acho certo culpar o governo federal pelo que está acontecendo.

O que acha da CPI da covid?

A gente tem que respeitar CPI. É uma comissão parlamentar de inquérito instaurada no Congresso Nacional. Não me cabe discutir. Mas eu gostaria de entender exatamente a finalidade, o que vai ser investigado. A CPI tem que ter um objeto concreto, vai investigar exatamente o quê? A gente vai ver se é uma CPI política ou técnica, participei de três no Congresso Nacional, sei exatamente como funciona uma CPI. Agora, pergunto: vamos investigar quem viabilizou os recursos para o combate à pandemia? Preciso entender melhor essa CPI.

A CPI é inoportuna?

Para mim, o momento é inoportuno. Estamos num momento de trabalhar no combate à pandemia. E as minhas dúvidas são exatamente o que vamos investigar. Vou esperar um pouco mais, acho que é muito cedo para opinar. A CPI acabou de começar, vamos ver os depoimentos, o que vai acontecer para a gente ter um panorama mais exato. Neste momento, é aguardar.

O governo não errou em Manaus?

É difícil opinar. No dia em que fui receber o primeiro lote de vacinas aqui para o Distrito Federal, vi na Base Aérea o oxigênio ser encaminhado para lá. Eu nem sabia o que era aquilo, uns cilindros enormes de oxigênio sendo encaminhados pelo governo federal. Agora, eu te pergunto: o governo local não estava vendo isso? Não viu que estava acabando (o oxigênio)? Eu te falo isso porque participei da gestão da pandemia no DF. Ali, no gabinete do governador. Não era minha pasta, não era minha área, mas eu via o que acontecia. Aqui, a gente correu na frente o tempo todo, na medida do possível, vacina, teste, tudo a gente correu na frente. Agora, o governo federal é que tem que sair daqui, ir lá para Manaus, saber que está acabando? Não temos como culpar, mas eu não estava no governo naquela época.

Como está o combate ao crime organizado e à corrupção, uma aposta tão cara ao ex-ministro Moro e que a gente não vê mais na vitrine do governo?

O combate ao crime organizado e aí, incluído o combate à corrupção, ao desvio de dinheiro, às organizações criminosas, essa é a pauta zero, zero um da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. No ano passado, a Polícia Federal bateu recorde de operações. Agora, talvez tenha sumido da mídia por causa da falta de grandes operações, por exemplo, a da Petrobras. E aí eu te digo que, realmente, as coisas melhoraram muito no Brasil de uns tempos para cá, em razão da diminuição desses casos no país. Isso é fato, não é segredo para ninguém. A PF tem feito operações todas as semanas de combate à corrupção. Mas grandes casos de corrupção, como foram esses que a gente viu, não foram mais identificados pela Polícia Federal.

A permanência de Marcola no presídio aqui, no DF, causa muita polêmica. A presença dele estende a atuação do crime organizado nessa região?

A gente acompanha isso desde a Secretaria de Segurança Pública do DF. Todas as vezes que essas organizações criminosas tentaram se instalar no Distrito Federal, a Polícia Civil agiu muito bem. Sempre tive postura contrária à permanência desses líderes de organizações criminosas aqui em Brasília. Isso não mudou. Continuo com essa posição e já conversei com a diretora do Depen (Departamento Penitenciário), e está sendo feito um estudo sobre como vamos trabalhar essa situação aqui.

Para a saída dele?

Não tenho nada contra o presídio, é importante para o governo federal e para o combate ao crime. Mas Brasília é uma cidade sui generis, que tem a sede dos Poderes, os Tribunais Superiores, mais de 200 representações diplomáticas aqui. São pessoas de outros países que acreditam no país como seguro. E Brasília tem a sede de tudo isso aqui. Então, Brasília continua sendo e vai ser para sempre um lugar que não pode ter esses líderes de organizações criminosas instalados por aqui. Essa minha opinião não muda.

Virão outras investigações da PF sobre corrupção na covid?

Há mais de 50 operações. Desde que cheguei aqui, hoje (quinta-feira) completa um mês. Como ministro da Justiça, procuro não me envolver com a Polícia Federal. A Polícia Federal é o doutor Paulo Maiurino que toca as investigações. Agora, referente às investigações que já ocorreram, são muito pertinentes. Sempre que a Polícia Federal trabalha assim, faz uma operação e dessa operação vem documentação, material que gera muitas vezes outras operações. Então, com base nisso, há que se esperar novas operações da PF nos estados, referentes à questão dos recursos federais que foram repassados, se eventualmente foram desviados ou a polícia tem alguma dúvida em relação a isso. O que nos cabe aqui é fomentar e proporcionar meios para que a PF cada vez mais atue e cada vez mais cumpra o seu papel.

O senhor é o primeiro delegado da PF a assumir o ministério e o primeiro brasiliense. Como se sente? É a Polícia Federal bem representada, ou não muda em nada a diretriz?

Acho que é um novo olhar para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Nunca teve um policial aqui. E também muito orgulho de ser brasiliense e ter chegado aqui nessa cadeira, que é muito importante para o nosso país. As perspectivas são as melhores possíveis. Tenho certeza absoluta de que a gente vai dar um redirecionamento aqui nas políticas públicas do ministério.

Qual política pública precisa de maior mudança?

A gente tem que cuidar da fronteira, do crime organizado. A gente tem que cuidar do Rio de Janeiro, que precisa de um olhar especial da segurança pública. A gente precisa cuidar do norte do país. Estão ocorrendo invasões de terras complicadíssimas, destruição de fazendas, pessoas sendo mortas. (Bandidos) escondidos atrás de movimentos sociais, mas isso não é movimento social. Movimento social não faz esse tipo de coisa, não mata ninguém, não destrói propriedade. Isso que está acontecendo é muito grave.

Que organizações são essas?

Não são facções criminosas de outros países. São brasileiras. A gente está indo para lá fazer essa investigação e vai trabalhar muito pesado nisso. A gente não concorda com esse tipo de destruição, com esse tipo de coisa. Isso fere de morte o direito à propriedade, do país, a produzir e a se desenvolver. Outra coisa que sempre falei: o sistema penitenciário brasileiro. Nesta quinta-feira, fui inaugurar o Centro de Detenção Provisória, uma obra difícil, que estava parada. Conseguimos chamar a segunda colocada, uma empresa portuguesa, que veio para Brasília, terminou a obra e, enfim, foi a inauguração. É importante para Brasília. Quando assumi, tinha 17 mil presos encaixotados ali dentro, na capital federal, a sete, oito quilômetros do Palácio do Planalto. Imagine como não está nos estados. Então, o Brasil precisa de uma política séria de cumprimento de pena. A gente precisa superar algumas questões de legislação, o preso precisa ter um destino, uma finalidade, alguma coisa para fazer. Enquanto não se resolver isso, não vai sanar o problema da segurança pública.

E isso passa pelo Congresso?

Provavelmente. A gente precisa de políticas públicas e legislação. Pretendo, no médio espaço de tempo, mandar um projeto de lei muito robusto ao Congresso com algumas mudanças importantes na legislação, principalmente nessa questão do cumprimento de pena, ressocialização de presos, algumas mudanças no Código de Processo Penal. Vamos tentar trazer coisas que foram derrubadas agora na questão do pacote anticrime também.

E o excludente de ilicitude?

O excludente de ilicitude, eu te digo: alguma coisa precisa acontecer. O policial não pode ficar mais com tanto medo de trabalhar como ele tem hoje. Falo isso porque eu sou policial. Não é como uns disseram, uma licença para matar. Não existe isso. É um excludente de ilicitude. O que pode acontecer: você pode errar no seu trabalho. Está certo que o erro do policial pode ser muito grave, mas ele precisa ter algum tipo de cobertura. Eu estou falando isso para 99,9% dos policiais brasileiros, que são honestos, pais de família. O policial sai de casa todo dia de manhã para trabalhar com medo, sem saber se vai, se não vai, se saca a arma, se não saca a arma, se usa uma algema, se não usa. Isso precisa ser resolvido de uma vez, ter legislação sobre isso, para que ele tenha uma segurança para trabalhar. E isso hoje não existe no Brasil. Então, o excludente de ilicitude veio nesse sentido quando foi criada, e a gente vai rediscutir isso muito em breve.

Mas não significa que um policial que mate no exercício da função vai preso, ou será punido. Apenas que serão apuradas as circunstâncias…

Ele é um policial. Precisa ter circunstâncias diferentes das de um cidadão comum. A arma de um policial é o instrumento de trabalho dele, não é um enfeite. É diferente. Não quero muitos entendimentos sobre o assunto. Eu quero: ‘Fez isso, acontece isso, isso e isso’.

Existe muita polêmica em relação à população se armar cada vez mais. Isso não o incomoda?

Sou totalmente a favor de o cidadão de bem poder ter o direito de ter uma arma de fogo em casa.

Por quê?

É um direito da população. Isso é defesa. Eu moro em casa, por exemplo. Se eu não fosse policial, faria questão de ter uma arma.

Mas não é um atestado de que não há segurança pública?

Acredito que não. É uma autodefesa. Vou fazer uma pergunta dentro da sua pergunta. Vivemos num Brasil de muitos Brasis, gigantesco. Tem localidades, propriedades rurais que ficam a 200, 300 quilômetros de um batalhão de polícia, de uma delegacia de polícia. Como o cara vai se defender? Ele não tem direito de se defender? Tem locais aonde a polícia não chega, não consegue chegar, cidades gigantescas, com efetivos difíceis. O cidadão de bem tem que ter o direito de se defender. Sou a favor de dar esse direito ao cidadão.

Não é perigoso?

O porte de arma de fogo é diferente da posse. O porte tem que ter todo um rigor para ser concedido. Agora, a posse de arma de fogo tem que ser concedida àquele cidadão de bem, que paga seus impostos, tem seus direitos, apresentou a papelada, cumpriu os requisitos, pode comprar a arma de fogo. É prioridade.

Mas, ministro, aí vem uma briga de trânsito, o cara puxa a arma e mata um.

É a exceção fazendo a regra. A senhora está indo na exceção. Esse que puxar e fizer isso vai ser preso, punido, condenado. Vai ter uma série de problemas.

Estudos afirmam que o maior acesso a arma aumenta a violência.

E tem estudo que fala o contrário. A estatística não fala isso. Eu sou muito bom de estatística.

Com ou sem estatísticas, o Brasil é um país violento. Se a população tem mais acesso a armas, isso vai diminuir a violência?

Não sei se vai diminuir a violência no Brasil. Isso é um estudo que a gente realmente precisa fazer, precisa analisar as estatísticas. Mas vai dar uma segurança para a vítima. O Brasil é um país violento em razão dos criminosos, e não das vítimas. É isso que estou querendo te dizer. É uma visão diferente do mesmo problema. O país é violento não por causa da vítima.

Mas não caberia às forças de segurança combater os criminosos, e não ao cidadão?

Cabe. Mas o Brasil não é um país violento? As forças de segurança não estão conseguindo cumprir… Apesar de que tem outro detalhe: ‘crime zero’ também não existe em lugar nenhum do mundo. O crime faz parte da história da humanidade, das relações humanas. Esqueça que nós vamos ter ‘crime zero’. O que está se discutindo é: poder ou não poder ter uma arma de fogo. O cidadão de bem tem que poder.

O senhor saberia indicar um país que trata essa questão de forma correta?

Não sei.

EUA, por exemplo?

Os EUA têm uma liberalidade muito grande no acesso a armas de fogo. Mas não vivi lá, estive lá uma vez só, não sei te dizer se funciona, se não funciona. Acho que isso aí você precisa de um dia a dia, precisa estudar, analisar. E eu não tenho esse estudo, não tem como eu te dizer.

Houve muita discussão sobre a saída do superintendente do Amazonas, Alexandre Saraiva. O senhor participou?

Da mesma forma que o presidente me colocou aqui com liberdade para mexer, o diretor-geral da PF está fazendo as mexidas que acha importantes. Uma coisa precisa ser dita: o superintendente é o representante da Polícia Federal naquele lugar. A PF tem uma política de não manter um superintendente mais que dois anos e meio na superintendência. Essa troca é natural e salutar. Até onde fiquei sabendo, o colega de Manaus estava lá há 3 anos e meio e há 10 anos andando na região Amazônica. O diretor-geral da PF resolveu trocar, como está trocando vários outros no Brasil.

Mas houve um problema ali: apreensão de madeira. Existem acusações sérias contra um ministro que estaria agindo a favor de madeireiros.

Há um problema e está sendo apurado. Tem inquérito instaurado. E a gente volta a falar de caso concreto. Não estou aqui para dar razão para o ministro nem para o delegado. Mas o que aconteceu ali vai ser apurado. Até onde fiquei sabendo, várias pessoas vieram a Brasília para fazer reclamação da Polícia Federal, do que estava acontecendo ali, e em razão disso o ministro resolveu ir in loco saber. Volto a dizer: eu não estava no governo, não sei o que foi feito, cheguei exatamente no meio dessa confusão. Não vou me manifestar porque tenho certeza de que, no momento oportuno, isso vai chegar aqui.

Uma das suas funções como ministro da Justiça é fazer interlocução com tribunais superiores. Como tem sido esse contato?

Muito bom, excelente. Já visitei vários ministros, temos algumas pautas em comum. A gente tem tido um bom trato com o Supremo, o STJ, Tribunal Superior do Trabalho, ministro do TSE esteve comigo aqui também.

Onde há necessidade de mudança na legislação?

Estamos com o Código de Processo Penal sendo discutido no Congresso. O deputado João Campos conversou conosco. Quero construir isso a muitas mãos, porque eu acho importante. Não pode ser uma coisa só do ministério, só do governo, tem que discutir e manter um bom relacionamento com todos eles.

André Mendonça, seu antecessor, fez uso da Lei de Segurança Nacional contra opositores do governo. Pretende usar esse expediente também?

Na verdade, a Lei de Segurança Nacional está em vigor, está sendo rediscutida no Congresso Nacional. Muito em breve o Congresso deve opinar, aprovar uma nova lei, enfim. Mas ela está em vigor. Aqui, o que nos cabe nesse momento é se chegar uma representação, ou todo e qualquer fato que chegar aqui, eu vou encaminhar à Polícia Federal. Vou deixar o juízo de valor — se houve crime, não houve crime, se foi Lei de Segurança Nacional, Código Penal — para quem vai apurar.

A Lei de Segurança Nacional está atingindo opositores e aliados, não? Tem um deputado federal bolsonarista preso.

Perfeitamente. Eu tenho a prerrogativa de requisitar instauração de inquérito policial daqui. Eu, ministro da Justiça. Mas, no nosso caso aqui, as representações que chegarem, a princípio, serão apenas encaminhadas à PF.

É problemático, então, o uso exacerbado desta lei?

Não acho problemático. É uma legislação que está em vigor.

Como é sua relação com o presidente? Ele ouve o senhor?

A gente se encontra sempre.

O senhor também tem uma relação próxima com os filhos do presidente, não?

Eu tenho uma relação de trabalho com eles de muito tempo. A gente se conheceu nos corredores da Câmara dos Deputados, a gente trabalhava perto. Havia muitas pautas em comum no Congresso Nacional, e a gente acabou criando uma relação de trabalho. Sempre foi uma relação de trabalho. As pessoas ficam falando ‘ah, é amigo’. Enfim, é direito de todo mundo falar o que quiser. Mas, assim, eu tenho uma relação de trabalho e confiança com eles. Agora, é claro, o presidente é meu chefe, eu despacho com ele duas vezes por semana, pelo menos.

Os problemas da Lava-Jato não colocam em dúvida o trabalho da PF?

O que está sendo discutido são procedimentos e algumas provas, algumas coisas já de uma fase mais avançada da Lava-Jato. Eu não estava na Polícia Federal, eu estava cedido nessa época. Não acompanhei por dentro da Lava-Jato. Agora, é uma operação gigantesca, com muitas provas, fatos descobertos ou provados pela Polícia Federal, aceitos pelo Ministério Público Federal, que ensejaram condenações em primeiro grau, segundo grau, e até terceiro grau. É difícil dizer sobre uma operação dessa. Por outro lado também, aí a gente precisa ser justo, e eu sempre digo isso: os fins não justificam os meios.

O que acha de uma lista tríplice para escolha de diretor-geral?

(Silêncio) Não concordo.

Por quê?

Porque a lista tríplice vem da associação, vem do sindicato. Aí você começa a misturar administração com sindicato, embola tudo e cada um não cumpre o seu papel como tem que cumprir. Eu fui da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, fui diretor parlamentar por oito anos. A associação é a favor (da lista tríplice), mas eu sempre, lá dentro, defendi que nunca fui a favor. Não acho isso certo.

Há interferência dos governos na Polícia Federal?

Zero. zero.

O presidente nunca lhe pediu nada?

Interferência? Zero.

E na superintendência? O critério deveria ser diferente? Alguma coisa ligada à carreira?

A Polícia Federal precisa de um plano de carreira. Sou a favor. Por que escolhi o doutor Paulo Maiurino? Voltei para o concurso de 1997, que é a turma dele. Eu podia ter pego um amigo da minha turma… Não. Voltei para onde a polícia não devia ter saído. É importante para uma instituição. A instituição não pode ter esses saltos gigantescos. Fica toda uma experiência para trás, e a gente vai sentir falta disso lá na frente. Isso desorganiza.

Ainda assim, o senhor escolheu um diretor com perfil político. Por que não um perfil técnico?

O Maiurino também é muito técnico. Ele teve uma vivência fora. Minha vivência fora da Polícia Federal, como gestor, foi fundamental. Dr. Paulo vai fazer uma grande gestão. E tem outra coisa, que as pessoas confundem muito: ele é o diretor-geral da Polícia Federal. Ele não toca inquérito. Insisto em dizer: voltei a Polícia Federal para a gestão, para a experiência, porque acho que a instituição estava precisando disso. Isso vai desandando uma série de coisas internamente. E o Paulo foi o cara que trabalhou no mensalão, no mensalão mineiro. Vai dizer que ele não é técnico?

O senhor diz que a interferência política é zero. Mas o presidente é muito presente no trabalho dos ministros. Não é contraditório?

Não. A interferência é zero, principalmente em nossa atividade funcional. Não existe. As pessoas falam “interferência em uma investigação”, “interferência em direcionamento”. Isso é zero. Nunca vi isso dentro da Polícia Federal. De 30 em 30 dias, um inquérito vai às mãos de um procurador da República, de um juiz, para pedir prazo. Talvez um dos instrumentos mais fiscalizados do Brasil seja um inquérito policial: com prazo, metas internas, controle externo, controle interno. Por isso eu digo que a interferência é zero. E tem outra coisa. Eu vejo outro momento na Polícia Federal. Vejo profissionais extremamente preparados, que jamais colocariam o cargo em risco. Agora, mudar o superintendente, mudar o diretor-geral… Isso nunca vai ser interferência.

Mas quando Moro saiu, ele disse haver uma tentativa de interferência em uma das superintendências, que foi trocada. Inclusive isso foi tratado na reunião ministerial de 2020.

É muito difícil julgar aquele momento. Eu não estava aqui, não sei o que o Moro quis dizer com aquilo. Agora eu conheço a Polícia Federal. Sou da Polícia Federal. Sei o que estou falando. Volto a dizer: trocar o superintendente, trocar o diretor-geral não é interferência quando muda a administração. Hoje uma lei garante que o delegado, no âmbito da investigação, não pode ser tirado. A Polícia Federal tem as amarras dela. Me diga outra instituição tão controlada quanto as polícias? Não tem. É Tribunal de Contas, Ministério Público, Corregedoria, Judiciário, contrainteligência. Não existe instituição mais vigiada do que essa.

Pretende fazer como seus antecessores e ter um protagonismo na escolha dos ministros do STF?

A escolha de um ministro do Supremo é decisão pessoal e muito importante para o presidente da República. O que eu pretendo ser, enquanto ministro da Justiça, é um grande assessor nessas escolhas. Não só dos ministros do Supremo; por aqui passam as listas dos tribunais superiores. Quero orientar no sentido de fazer a melhor escolha, tecnicamente falando.

E o concurso? Vai ter?

Não discuti isso com Paulo Maiurino. A PF formou duas grandes turmas agora, o que ajudou muito no efetivo. A PRF também. A política de gestão de pessoas tem que ser permanente. A gente precisa ter concurso, precisa de gente apta para formar e tomar posse. Vivemos uma dificuldade muito grande com isso na Polícia Civil do DF, um deficit muito grande de agente, escrivão. Soltamos o maior concurso da história da PCDF, mas foi adiado por causa da pandemia. É muito difícil. Instituições policiais e militares precisam sempre ter concurso em andamento. No que depender de mim, vai ter concurso.

O senhor tem 44 anos, é o primeiro brasiliense ministro e primeiro delegado de PF neste cargo. O que pensa para o seu futuro?

O meu futuro, eu não sei (risos). Pergunta cruel. Estou totalmente concentrado no ministério. Como disse, a gente está em um momento muito importante do governo, do país. É uma honra ocupar essa cadeira. O primeiro brasiliense… Amo minha cidade. Sou aquele brasiliense nascido e criado aqui, que gosta daqui, que cresceu ouvindo Legião Urbana. Sou muito brasiliense; sou muito isso aqui. Estou muito feliz de estar aqui. Por isso quero estar concentrado. As pessoas costumam dizer que o futuro a Deus pertence. E é verdade.

Já está filiado a algum partido?

Fake news (risos). Saiu uma fake news que eu estava filiado a um partido gigante, e tal. Entramos na Justiça Eleitoral e mostramos que não sou filiado. E ainda demoraram para desmentir o negócio! Agora, por conta disso, onde eu ando na rua, me perguntam: “E aí? Federal, senador, governador…”

Então o senhor não vai se filiar a nenhum partido.

Não tenho medo nenhum de eleição. Só não é prioridade na minha vida.

Fonte:

Correio Brazilinse

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4921557-a-cpi-vai-investigar-o-que-exatamente–questiona-ministro-da-justica.html


Miguel Reale Júnior: A História se repete como farsa

O ministro da Justiça revive Armando Falcão com Lei de Segurança Nacional contra críticas

Em janeiro de 1970, sendo ministro da Justiça Alfredo Buzaid, o governo militar editou o Decreto-Lei n.º 1.077, estabelecendo a censura, visando a “preservar a moral e os bons costumes”. O obscurantismo cresceu no governo seguinte com Armando Falcão no Ministério da Justiça, quando se montou plano de combate sistemático a publicações “obscenas e subversivas”, propondo aplicar a Lei de Segurança Nacional, pois a censura e a “benigna” Lei de Imprensa seriam insuficientes na guerra psicológica adversa (confira-se: Douglas Atilla Marcelino, Subversivos e Pornográficos: censura de livros e diversões nos anos 1970).

Livros extraordinários foram proibidos e inquéritos policiais-militares, instaurados por crime contra a segurança nacional, como sucedeu com Rose Marie Muraro (A Mulher na Construção do Mundo Futuro), Renato Carvalho Tapajós (Em Câmara Lenta) e Lourenço Diaféria, sendo os últimos até presos.

Em maio de 2018 escrevi nesta página que com Bolsonaro haveria risco da volta da ditadura. Hoje o ministro da Justiça revive Armando Falcão, aplicando a Lei de Segurança Nacional a críticas jornalísticas.

Em parecer conjunto ofertado ao Conselho Federal da OAB, Alexandre Wunderlich e eu analisamos a origem e o significado do conceito de segurança nacional, como próprio de regime autoritário, razão por que deve haver nova lei de defesa do Estado. Segurança nacional vinha a ser uma estratégia para garantia da consecução dos “objetivos nacionais permanentes”, visando, primordialmente, a assegurar a mantença do regime militar por via da contenção de qualquer efetiva oposição nos campos político, econômico, psicossocial e militar, reprimindo opiniões, emoções e atitudes contrárias ao sistema vigente.

A Lei de Segurança Nacional hoje em vigor, editada em 1983, guarda graves resquícios autoritários, bastando lembrar que os artigos 16 e 17 admitem ser a lei apropriada para tutela do regime excepcional vigente.

Numa democracia, a crítica ao presidente não se inclui como lesão ao Estado de Direito, pois não abala a estrutura do sistema democrático, inserindo-se no campo da liberdade de expressão como questão de interesse público. Essa teleologia não corresponde à postura do ministro da Justiça ao representar para enquadramento de crítica como crime contra a segurança nacional ou crime comum.

Hélio Schwartsman, em artigo na Folha de S.Paulo  (Por que torço para que Bolsonaro morra), pondera que o presidente, em seu negacionismo, prejudica a vida de muitos, argumentando que, sob a ótica do consequencialismo, o sacrifício de indivíduo pode ser válido, se dele advier um bem maior. O ministro da Justiça viu nesse texto, cujo título é de mau gosto, crime contra a segurança nacional onde há mera avaliação crítica, longe de causar qualquer abalo à estrutura democrática.

Foi, aliás, nesse sentido a decisão do ministro Mussi, do STJ, ao apreciar habeas corpus: “Não é possível verificar, em análise preliminar, que tenha havido motivação política ou lesão real ou potencial aos bens protegidos pela Lei de Segurança Nacional, capaz de justificar o eventual enquadramento de Schwartsman”.

Sem aprender a lição, o ministro de Justiça requisitou inquérito contra o advogado Marcelo Feller em vista de opinião exarada em debate na televisão sobre a frase do ministro Gilmar Mendes de estar o Exército se associando, na pandemia, a um genocídio. Para o advogado, “o discurso e a postura do presidente da República são diretamente responsáveis por pelo menos 10% dos casos de covid no Brasil”. É, alias, o entendimento de muitos infectologistas.

O procurador federal João Gabriel Morais de Queiroz solicitou o arquivamento do inquérito, com judiciosas considerações: “A lei de segurança não pode ser empregada para constranger ou perseguir pessoa que se oponha licitamente externando opiniões desfavoráveis ao governo (...) a lei de segurança nacional, como instrumento de defesa do estado, deve ser reservada para casos extremos(...)”. A Justiça Federal arquivou o inquérito.

Mas o incansável ministro da Justiça requisitou inquérito policial agora pelo crime de induzimento ao suicídio contra os jornalistas Ruy Castro e Ricardo Noblat, que replicara artigo de Ruy no qual se aventava ser o suicídio a forma de o presidente Trump entrar para a História como herói, tal como Getúlio Vargas, argumentando que “se Trump optar pelo suicídio, Bolsonaro deveria imitá-lo”.

O ministro viu nessa frase “desrespeito à pessoa humana, à nação e ao povo de ambos os países”. E mais: um crime de induzimento ao suicídio, que vem a ser criar na mente da vítima a vontade firme de se aniquilar, atuando no plano psíquico com potencialidade para a levar ao suicídio.

A requisição de inquérito por crime de induzimento ao suicídio, em vista de ideias jocosas em artigo de jornal, seria apenas de um ridículo atroz se não consistisse em abuso de poder do ministro da Justiça, por perseguir criminalmente críticos do governo com tipificação penal forçada de fato absolutamente anódino.

Até quando?


Ricardo Noblat: Ministro da Justiça topa depor em segredo sobre servidores monitorados

Mendonça nada aprendeu com Tancredo Neves

André Mendonça, ministro da Justiça, não precisaria ter nascido em Minas Gerais para aprender com o ex-presidente Tancredo Neves o que ele dizia sobre segredos e conversas sigilosas. Uma vez, ao ouvir de um interlocutor que tinha um segredo, mas que só lhe contaria se ele prometesse guardar, Tancredo respondeu:

– Então não me conte. Se você, que é o dono do segredo, não consegue guardá-lo, imagine eu.

Outra vez, já candidato a presidente da República em 1984, cercado por jornalistas interessados em conversar com ele mesmo que fosse de maneira reservada e sob o compromisso de nada publicarem, Tancredo concordou, mas fez antes uma ressalva:

– E então, vamos conversar? Mas não em sigilo. Esta é a maneira mais rápida, eficiente e segura de se propagar por todo o país quem disse, o quê e onde.

É verdade que pelo menos uma vez, Tancredo convocou jornalistas em Brasília e advertiu-os de antemão: “Se o que lhes direi for publicado, nunca mais direi nada”. E contou que o então presidente João Figueiredo faria uma reforma ministerial para fortalecer a candidatura de Paulo Maluf à sua sucessão.

Em seguida, Tancredo disse quais ministros seriam demitidos, e deu o nome dos seus substitutos. Não havia redes sociais à época. No dia seguinte, sem citarem Tancredo, os jornais publicaram o que ouviram dele. Furioso com o vazamento da informação, Figueiredo desistiu da reforma. Era o que Tancredo queria.

Convidado a depor à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso sobre o monitoramento de servidores públicos federais da área de segurança que se declararam antifascistas, o ministro Mendonça, primeiro, recusou. O assunto, segundo ele, era extremamente sigiloso.

Pressionado, concordou em depor, e é o que fará na próxima sexta-feira à tarde em sessão virtual promovida por seu ministério. De suas casas, deputados e senadores poderão interrogá-lo à vontade. É claro, sob a condição de nada falarem depois sobre o que o Mendonça disse ou preferiu ocultar.

Façam suas apostas. Quantas horas depois começarão a circular nas redes sociais as confidências de Mendonça?

O bloco Unidos Contra a Lava Jato saúda o povo e pede passagem

Mais fortes são os interesses que cada um representa
O que une o senador Flávio Bolsonaro (Republicano), Lula (PT), o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), o deputado Rodrigo Maia (DEM) e o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal? Resposta: seu desapreço pela Operação Lava Jato.

No caso de alguns deles, desapreço é pouco – oposição visceral. Por múltiplas razões, algumas as mesmas, outras só parecidas. Cada um deles não é apenas cada um. Flávio, por exemplo, é ele, seu pai e os irmãos. Lula, o PT e parte da esquerda.

Maia é o Congresso quase todo. Pelo menos a maioria dos deputados e uma grande fatia dos senadores. Alckmin é o PSDB, cujas estrelas mais reluzentes se apagaram. Toffoli representa uma parcela expressiva dos tribunais superiores, mas não somente eles.

Flávio, o pai e os irmãos se elegeram pegando carona na Lava Jato e exaltando seu principal líder, o juiz Sergio Moro. Agora diz que integrantes da Lava Jato têm “interesse político ou financeiro”, como revela em entrevista publicada, hoje, pelo jornal O GLOBO.

Finalmente, o senador admite que Fabrício Queiroz, seu parceiro em negócios sujos, pagou várias de suas contas pessoais. E cobra do ministro Paulo Guedes, da Economia, mais dinheiro para financiar programas sociais e construir obras de infraestrutura.

Tudo, naturalmente, em benefício do pai, em campanha escancarada e permanente para obter um novo mandato em 2022 – mas essa é outra história. Flávio jura que a produtividade no Ministério da Justiça aumentou depois da saída de Moro.

Sua birra com a Lava Jato, que jamais havia manifestado, na verdade tem a ver com Moro, unicamente com Moro, ou preferencialmente com Moro. O ex-juiz e ex-ministro aspira suceder papai Bolsonaro, e isso é demais para o Zero UM.

Pulemos Lula e o PT. São conhecidos seus motivos para querer demolir a Lava Jato. Os de Alckmin e do PSDB, idem. A Lava Jato passou como uma motoniveladora sobre Alckmin, o senador José Serra, o deputado Aécio Neves, e quem mais do PSDB?

Sobrou João Doria, governador de São Paulo, que se dependesse de Bolsonaro teria sido igualmente triturado para não lhe fazer sombra à direita. Com que roupa, mas com que roupa Doria irá pedir votos para presidente? A imagem do PSDB foi para o esgoto.

É fato que os procuradores da Lava Jato de Curitiba tentaram investigar o presidente da Câmara dos Deputados sem dizer que o faziam. Mas não é por isso que Maia quer assistir ao enterro da Lava Jato. É porque a maioria dos seus liderados também quer.

Maia sonha em seguir presidindo a Câmara. O regimento interno não permite. Como não permite David Alcolumbre (DEM-AP) reeleger-se presidente do Senado. Flávio defende a reeleição de Alcolumbre porque ele tem colaborado com o governo.

Não defende a de Maia porque “ele tem embarricado” muitos projetos do governo. Mas, como ensinava o deputado Ulysses Guimarães, se há maioria no Congresso faz-se qualquer coisa, “menos homem virar mulher ou mulher virar homem”.

Ou até isso, hoje, poderia ser feito. O que importa é que ainda não se deve descartar a hipótese de Maia e Alcolumbre ser reeleitos. E, para tal, eles precisam agradar os eleitores, muitos alvos da Lava Jato e que culpam Moro pelo seu infortúnio.

Quem imaginou que uma frente tão ampla acabaria formada para desmontar a que já foi considerada a maior e mais bem-sucedida operação de combate à roubalheira no mundo? É o que se vê. Flávio, Lula, Alckmin, Maia, Toffoli, unidos jamais serão vencidos.


Bruno Boghossian: Ações de Moro em defesa de Bolsonaro cumprem função política

Declarações e inquéritos pedidos por ministro são tentativas de constranger críticos

Em seus primeiros dias no cargo, Sergio Moro disse que não cabia ao ministro da Justiça agir como advogado de integrantes do governo. A ideia era fustigar seus antecessores e, principalmente, fugir de perguntas incômodas sobre os gabinetes da família presidencial ou sobre o laranjal da sigla de Jair Bolsonaro.

O ex-juiz se livrou de alguns desses abacaxis, mas começou a se sentir mais confortável no papel de defensor do chefe. A mudança de comportamento coincidiu com o aumento das tensões entre Moro e Bolsonaro. Aos poucos, o ministro multiplicou declarações públicas para afastar suspeitas contra o presidente e propôs investigações para protegê-lo.

Em outubro do ano passado, Moro mudou de ideia sobre o silêncio prometido no início do governo e defendeu o presidente quando a Folha publicou planilhas que sugeriam que parte do dinheiro de candidaturas laranjas do PSL havia beneficiado a campanha de Bolsonaro.

No mesmo mês, o ministro pediu que a Polícia Federal investigasse o porteiro que disse, num depoimento desmentido meses depois, que um dos suspeitos de assassinar Marielle Franco havia ido à casa de Bolsonaro. A investigação era da Polícia Civil do Rio, mas o ex-juiz alegou que havia ofensa à honra do presidente.

Essa ferramenta começou a ser usada com mais frequência. O Código Penal diz, aliás, que cabe mesmo ao ministro da Justiça requerer ações em casos do tipo. Moro exerce essa competência com distinção —e função predominantemente política.

O ministro já pediu uma investigação contra Lula pelo discurso em que o petista ligou Bolsonaro a milícias. Depois, sua pasta solicitou inquérito sobre um festival punk cujo cartaz exibia o presidente esfaqueado na cabeça. O Facada Fest tem esse nome desde 2017 (antes, portanto, do atentado na campanha eleitoral).

A ilustração pode ser considerada ofensiva, ainda que não carregue uma ameaça objetiva. Os dois casos, no entanto, são interpretados facilmente como tentativas de constranger críticos e rivais de Bolsonaro.


Fausto Macedo: A carta não era tão branca assim?

Acumulam-se ocorrências que vão derrubando inapelavelmente alguns projetos dos sonhos de Moro

Em meio à instabilidade de um governo em ziguezague, a carta publicamente outorgada a Sérgio Moro já não é tão branca como o próprio Bolsonaro, ainda em novembro, anunciou, feito o convite ao então meritíssimo da Lava Jato. Nas últimas semanas, acumulam-se ocorrências que mostram um governo frágil, à mercê das bases e da velha política dominante no Congresso - e que vão derrubando inapelavelmente alguns projetos dos sonhos de Moro.

Já no início do governo, o primeiro revés de Moro foi o decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo. O texto levado à Câmara atropelou sete restrições do ministro, que ficou chateado, sim, mas aparentemente relevou.

Depois, o emblemático episódio da criminalização do caixa 2, tão cara ao ex-juiz que, em sua época de toga, tocava o terror nos partidos e enquadrava políticos por corrupção e lavagem de dinheiro, infração eleitoral que nada.

Ao fatiar o pacote anticrime, que altera 14 leis de uma só vez, Moro disse que se tratava de uma "estratégia" para a tramitação do projeto e que o governo foi "sensível" às reclamações "razoáveis" de parlamentares de que o delito é menos grave que o crime organizado violento.

"Caixa 2 não é corrupção. Existe o crime de corrupção e o crime de caixa 2. Os dois crimes são graves", rendeu-se o ministro.

Esta semana, experimentou novo dissabor, por assim dizer, quando se viu instado a recuar do convite à Ilona Szabó, que dirige o Instituto Igarapé, para assumir uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

As bases, sim, de novo elas!, insurgiram-se contra a preferida do ministro e a cientista política foi desconvidada, como mostrou a entrevista de João Gabriel de Lima.

A interlocutores, Moro avalia que Bolsonaro pode ter se aborrecido com a reação dos eleitores e pediu a ele que revisse a convocação de Ilona. O ministro, claro, acatou.

Lembra-se, leitor? O mesmo Bolsonaro, lá atrás, na empolgação da vitória recém-conquistada nas urnas, declarou após o "sim" de Moro que entrou para a história. "Foi decisão difícil, ele vai abrir mão da carreira dele. É um soldado que está indo para a guerra sem medo de morrer", disse.

Todos esses impasses em série parecem conduzir o ex-magistrado a um beco sem saída. Habituado a longos embates no ringue da Justiça, onde atuou por longos 22 anos, mas ainda tateando no mundo insidioso da política, Moro deve abrir os olhos.

Cuidado com o fogo amigo!


Merval Pereira: Investigações em curso

Se causaram rebuliço entre os políticos e as autoridades estaduais, as declarações do ministro da Justiça Torquato Jardim sobre a contaminação política do crime organizado com as forças policiais não surpreenderam os cariocas e aqueles que acompanham a situação da segurança pública no Rio.

Os políticos que saíram em defesa das corporações o fizeram corretamente para evitar generalizações, mas eles certamente sabem o que acontece em setores da segurança do Estado. Essa promiscuidade não é inerente às forças policiais do Rio, mas acontece em todos os lugares em que o combate ao crime organizado está em andamento.

A célebre história do policial Sérpico, em Nova York, que ajudou a desbaratar quadrilhas de criminosos que atuavam dentro da polícia novaiorquina, transformada em filme de sucesso de Al Pacino, foi lembrada ontem pelo deputado Miro Teixeira.

O que milhões de pessoas viram nos filmes Tropa de Elite 1 e 2, citados pelo ministro Torquato Jardim como situações que voltamos a viver no Rio depois de um breve intervalo em que as Unidades Pacificadoras funcionaram, era ficção baseada na realidade.

A Força-Tarefa que foi criada recentemente pela Procuradoria-Geral da República, a pedido do ministro da Defesa Raul Jungman, tornou-se necessária justamente devido à situação específica do Rio, em que a corrupção política abriu caminho para a atuação do crime organizado dos traficantes e dos milicianos.

Os precedentes de sucesso no Acre e, sobretudo, no Espírito Santo, estados que já estiveram dominados pelo crime organizado comandado pela classe política, mostram que a criação de uma Força-Tarefa para combater o crime organizado, sem prazo determinado, com uma visão de longo prazo e sem estar atrelado a mandatos governamentais, é o melhor caminho para restabelecer a supremacia da lei no Estado do Rio.

Como já escrevi aqui, a criação dessa força-tarefa, reunindo equipes do Ministério Público Federal, da Justiça Federal, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, surgiu do diagnóstico das forças de segurança de que o Estado foi capturado pela corrupção e pela criminalidade, ambos se cruzando.

Temos cerca de 1 milhão de pessoas no Rio de Janeiro vivendo em um estado de exceção, sob o controle de bandidos, milicianos ou traficantes. Quem tem esse controle sobre o território, tem o controle político, é capaz de direcionar votos, de eleger seus representantes, fazer seus aliados, que se encontram na Câmara Municipal, na Assembléia Legislativa e mesmo no Congresso Nacional.

Isso significa que são capazes de colocar seus prepostos dentro do aparato de segurança. No Rio de Janeiro, alguém dessa ligação pode indicar um chefe de batalhão, um delegado, e assim por diante. Essa prática, comum no Estado, em algum momento voltou, e a captura de postos chaves no aparato de segurança por indicações políticas acabou sendo uma realidade novamente no governo estadual, envolvido profundamente na corrupção e na proteção de quadrilhas, segundo diagnóstico original dos serviços de inteligência.

Sempre que as Forças Armadas são chamadas a intervir no Rio, devido ao recrudescimento da ação dos bandidos, há um desconforto que não é explicitado formalmente na relação com as polícias locais. Não é possível generalizar, e esse certamente foi um erro do ministro Torquato Jardim, mas a citação de que ações sigilosas vazam com freqüência é de conhecimento de todos dentro dos setores de segurança.

Tanto que a Força Tarefa recém-criada é federal, terá a participação das polícias do Rio em posição secundária. O Rio necessita de uma força-tarefa federal para dar conta, sobretudo, de um estado paralelo, classificado pelas análises dos serviços de informação como “capturado pelo crime organizado”.

Foi a partir das informações dos serviços de inteligência do Exército e da Polícia Federal que ministro Torquato Jardim soltou informações importantes sobre a segurança pública no Rio, e não foi à toa o que disse. A hipótese mais provável é que ele tenha falado para fazer andar as investigações, que estariam paradas por pressões políticas.

O improvável é que ele tenha sido leviano, o que falou, primeiro para o blog de Josias de Souza, depois para O Globo, foi com base em investigações que estão sendo feitas no Rio, desde a intervenção das Forças Armadas. Não adianta o governo do Estado nem a Polícia Militar reclamarem; o sistema de inteligência do Exército está atuando. O ministro sabe certamente o nome dos políticos que estariam envolvidos nesse conluio, e os indícios das investigações levaram às suas declarações. E certamente levarão a ações concretas de repressão.


Luiz Carlos Azedo: O sincericídio

 

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, está com a cabeça a prêmio, mas não caiu, porque pôs o dedo na ferida do problema de segurança pública no Rio de Janeiro, que é muito mais complexo do que as autoridades locais admitem. Criticado por apontar o envolvimento dos comandantes da Polícia Militar com o crime organizado, voltou à carga ao desafiar as autoridades locais a desmenti-lo. Torquato afirmou que toda a linha de comando que precisa ser investigada, o que provocou um princípio de rebelião na corporação, que obteve solidariedade das autoridades locais, principalmente do governador Fernando Pezão (PMDB-RJ), do presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que está em viagem ao exterior.

Disse o ministro: “Nós temos informação: R$ 10 milhões por semana na Rocinha com gato de energia elétrica, TV a cabo, controle da distribuição de gás e o narcotráfico. Em um espaço geográfico pequeno. Você tem um batalhão, uma UPP lá. Como aquilo tudo acontece sem conhecimento das autoridades? Como passa na informalidade? Em algum lugar, voltamos à Tropa de Elite 1 e 2. Em algum lugar alguma coisa está sendo autorizada informalmente”, afirmou o ministro. Torquato se baseou em relatórios de inteligência da Polícia Federal e, provavelmente, das Forças Armadas.“Existe um serviço de inteligência sobre tudo que eu falo. Todo serviço de inteligência é sigiloso. Você não pode dizer quem, quando, como”, destacou.

Para o núcleo político do governo, foi um sincericídio do ministro. O Palácio do Planalto tenta gerenciar a crise para não sair com a imagem arranhada do episódio; os políticos fluminenses, responsáveis pela segurança pública estadual, da qual não dão conta, porém, cobram uma retratação do ministro, que não virá, porque seria sua desmoralização. Torquato foi ao centro da questão: a simbiose entre o crime organizado e a chamada banda podre da polícia. O que acontece nas favelas do Rio de Janeiro é um pacto corrupto entre traficantes e policiais militares, que vai muito além da venda de drogas e da segurança do comércio local. Envolve uma rede de serviços e atividades comerciais da economia informal.

A ponta deste iceberg é a taxa de homicídios não investigados. A economia informal não tem título em cartório, funciona no fio do bigode. A mesma regra que vale para o “avião” que deu um “banho” no traficante, vale para quem tomou dinheiro emprestado e não pagou ao agiota: a cobrança é feita à mão armada. Quem olha para o alto e vê aquele incrível emaranhado de fios sobre as ruas e becos não imagina como funciona a rede de tevê a cabo. Muito menos a distribuição de gás e o serviço de mototáxi. Existe uma economia informal de grande envergadura nas “comunidades” cariocas, boa parte controlada por milícias formadas por policiais expulsos da corporação por conduta indigna e criminosa.

O comércio e os empreendimentos da Rocinha, por exemplo, movimentam R$ 13 bilhões por ano. Tem mercado, farmácia, lotérica, concessionária de moto, rede fast-food e até shopping. Há mais de 6.500 empresas e empreendedores locais, cujas relações comerciais são predominantemente informais. Para que tudo funcione, na ausência de infraestrutura e serviços organizados, as soluções encontradas são pactuadas com quem tem o controle geográfico da região: a polícia controla o fluxo de entrada e a saída do morro; os traficantes, as partes altas e seus acessos. A crise explode quando os pactos são rompidos de um lado ou de outro, seja por uma troca de comando, seja por uma disputa entre traficantes.

Tensão
Ocorre que a entrada em cena das Forças Armadas gerou uma mudança de paradigma, por causa das operações de inteligência, que passaram a ser mais ativas, até por uma necessidade de planejamento das operações. Mesmo assim, as realizadas até agora foram prejudicadas por vazamentos de informações atribuídos à Polícia Civil e à Polícia Militar. Essa foi a principal razão da criação da força-tarefa que vai investigar o crime organizado no Rio de Janeiro, depois de enfáticas declarações do ministro da Defesa, Raul Jungmann, sobre a influência do crime organizado na política fluminense. A escolha do Ministério Público Federal para liderar as investigações teve objetivo de reduzir ao máximo os vazamentos; porém, não agradou a Polícia Federal, que pretendia estar à frente dos trabalhos. A disputa é antiga, mas nunca impediu as operações.

A tensão, porém, aumentou com a morte do comandante do batalhão do Méier, coronel Luiz Gustavo Teixeira, na semana passada, até agora não explicada direito. O governador Luiz Fernando Pezão resolveu interpelar judicialmente o ministro no Supremo Tribunal Federal, o que esticou a corda de vez. A conclusão é de que não haverá cooperação entre a força-tarefa federal e as autoridades locais se o ministro da Justiça não se retratar das declarações. Torquato não vai recuar. (Correio Braziliense – 02/11/2017)