ministério

Sandro Caron, em imagem sem data; policial é cotado para a direção-geral da Polícia Federal no novo governo Lula | Foto: Divulgação/Governo do Ceará

Aliados de Lula tentam emplacar lava-jatista na direção-geral da PF; nome gera polêmica

Andréia Sadi, Julia Duailibi e Octavio Guedes,*g1

A atuação de aliados do presidente eleito Lula (PT) a favor do delegado Sandro Caron para dirigir a Polícia Federal levantou discussão interna e polêmica no grupo de transição. Isso porque Caron foi responsável pela Diretoria de Inteligência Policial (DIP) da Polícia Federal durante a Lava Jato, operação que levou à prisão Lula em 2018.

Caron atuou junto com o então diretor-geral da PF, Leandro Daiello, durante as fases de maior repercussão da operação, quando o ex-juiz Sergio Moro gozava de prestígio inclusive perante a corporação – depois foi considerado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) parcial no julgamento de Lula e teve mensagens com procuradores da operação divulgadas pela Lava Jato.

Nos últimos dias, no entanto, segundo o blog apurou, Caron passou a ser citado como um dos nomes cotados para a vaga. Outro nome cotado é o de Andrei Passos, que foi chefe de segurança da campanha de Lula.

Dentro da PF, delegados ouvidos pelo blog confirmam que passou a circular como cotado o nome de Caron, que tem a simpatia do ex-governador do Ceará Camilo Santana (PT) – de quem foi secretário de Segurança Pública e Defesa Social –, que é próximo de Lula e cotado para um ministério. Advogados próximos a Daiello também trabalham por ele.

Na transição, no entanto, o nome é visto com resistência uma vez que seria pouco provável que Caron não soubesse dos métodos da operação que sempre foram questionados pela defesa de Lula e pelo PT em geral.

Caron já foi superintendente da PF no Ceará e no Rio Grande do Sul.

Texto publicado originalmente no portal do g1.


Jair Bolsonaro - Foto: Shutterstock/Marcelo Chello

Nas entrelinhas: As duas táticas de Bolsonaro para se manter no poder

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro opera simultaneamente duas táticas para se manter no poder. Ambas podem dar errado, se não conseguir reverter a grande vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições. Ambas se combinam quando à possibilidade cada vez mais evidente de que planeja melar as eleições de outubro próximo, caso seus resultados sejam desfavoráveis. A primeira, operada com extrema competência pelo Centrão, é a PEC da Eleição, promulgada ontem, com medidas para transferir recursos para a população de baixa renda, caminhoneiros e taxistas.

A PEC nasceu no Senado, onde somente não conseguiu a unanimidade porque o senador José Serra (PSDB-SP), solitariamente, votou contra. Na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), operou um rolo compressor para que a emenda constitucional fosse aprovada em dois turnos e promulgada nesta semana, após 72 horas de articulações, sessões relâmpagos e votações. Somente o Novo e alguns parlamentares isolados em seus partidos, votaram contra a PEC.

Na essência, a proposta tem um viés golpista, porque a legislação eleitoral proíbe a adoção de medidas de caráter assistencialista a menos de 100 dias eleições. Para que isso seja possível, o Congresso aprovou um “estado de emergência”, que possibilita descumprir a legislação eleitoral, tendo como pretexto a guerra da Ucrânia, por causa da crise dos combustíveis. Com isso, a máquina do governo federal será usada para influenciar o voto dos eleitores de forma sem precedentes.

A legislação eleitoral estabelece um equilíbrio entre a vontade dos políticos no poder (ética das convicções) e a legitimidade dos meios de sua atuação nas eleições (ética da responsabilidade), a cargo dos órgãos de controle do próprio Estado: Controladoria-Geral da União (CGU), Receita Federal, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União (TCU), Procuradoria-Geral das República (PGR) e Justiça Eleitoral. Com a PEC, esses órgãos nada poderão fazer para evitar o abuso de poder econômico e outros crimes eleitorais, derivados da execução da PEC em plena campanha eleitoral. A única barreira a ser vencida é a resistência surda da própria burocracia, responsável pela implementação das medidas.

A outra tática em curso, sob responsabilidade dos generais do Palácio do Planalto, é semear a desconfiança em relação à segurança das urnas eletrônicas, corroborando os ataques que o presidente Jair Bolsonaro vem fazendo contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os ministros Edson Fachin, atual presidente, e Alexandre de Moraes, o próximo a comandar a Corte. Para isso, o Ministério da Defesa está sendo acionado, contrapondo o prestígio das Forças Armadas à legitimidade do TSE no processo eleitoral, o que não é nenhuma novidade na história republicana.

O golpe

Ontem, durante audiência no Senado, palco de ataques à Justiça Eleitoral, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, chegou a propor que fosse utilizado o voto impresso durante a votação, para checar as urnas eletrônicas por amostragem, proposta já recusada pelo TSE. No encontro, o coronel Marcelo Nogueira de Souza, especialista em guerra cibernética, admitiu que as urnas são invioláveis a ataques de hacker externos, porém sustentou que não são seguras do ponto de vista de eventuais violações internas, ou seja, colocou sob suspeita a próprio TSE.

Mesmo que a intenção do ministro da Defesa não fosse pôr sob suspeita a segurança das eleições, o resultado prático da audiência foi fortalecer a percepção de que o presidente Bolsonaro não pretende aceitar um resultado desfavorável nas urnas, e as Forças Armadas estariam coniventes com isso. Impossível não lembrar do Plano Cohen, documento divulgado em 30 de setembro de 1937, com supostas “instruções da Internacional Comunista (Komintern) para a ação de seus agentes no Brasil”. Na realidade, tratava-se de um plano simulado como “hipótese de trabalho”, segundo seu verdadeiro autor, o capitão Olímpio Mourão Filho, então chefe do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira (AIB).

Com base no Plano Cohen, o presidente Getúlio Vargas solicitou imediatamente ao Congresso autorização para decretar o estado de guerra pelo prazo de 90 dias. A aprovação da medida abriu caminho para o golpe do Estado Novo, desfechado em 10 de novembro de 1937, que suspendeu as eleições e institucionalizou a ditadura. A fraude do Plano Cohen só foi revelada após a extinção do Estado Novo, em 1945.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-as-duas-taticas-de-bolsonaro-para-se-manter-no-poder/

Urna Eletrônica | Foto: rafapress/shutterstock

Eleições: mais de 2 milhões de jovens se cadastraram para votar

Leandro Martins*, da Agência Brasil

O cadastro para as Eleições deste ano bateu todos os recordes. O anúncio foi feito pelo presidente do TSE, o Tribunal Superior Eleitoral, Edson Facchin, nesta quinta-feira (05).

Segundo o ministro, um dos mais importantes é o de novos eleitores: 2 milhões e 42 mil jovens entre 16 e 18 anos, aptos a votar neste ano. Um aumento de 47% em relação ao mesmo período das últimas eleições, em 2018. O ministro falou sobre o sucesso e agradeceu a todos os envolvidos:

Fachin fez um balanço das ações da Justiça Eleitoral durante a Semana do Jovem Eleitor, que aconteceu entre 14 e 18 de março, e destacou a comunicação direta com os jovens pelas redes sociais do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais.

E-titulo de eleitor | Foto: Leonidas Santana
Tribunal superior eleitoral | Foto: rafastockbr/shutterstock
Palácio do Buriti | Foto: Carlos Grillo/shutterstock
Eleitor jovem | Foto: Joa Souza/shutterstock
Congresso nacional | Foto: rafastockbr/shutterstock
Título de eleitor | Imagem: Lais Monteiro/Shutterstock
Justiça eleitoral | Imagem: Isaac Fontana/Shutterstock
Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Tribunal superior eleitoral
Palácio do Buriti | Foto: Carlos Grillo/shutterstock
Eleitor jovem
Congresso nacional
Título de eleitor
Justiça eleitoral
Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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E-titulo de eleitor
Tribunal superior eleitoral
Palácio do Buriti | Foto: Carlos Grillo/shutterstock
Eleitor jovem
Congresso nacional
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Justiça eleitoral
Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Outro ponto alto da Semana foi o tuitaço para conscientizar a juventude da importância de tirar o título de eleitor, feito no dia 16 de março, com quase 7 mil postagens, que alcançaram 88 milhões de pessoas. O incentivo para tirar o título, veio também de artistas brasileiros, como a cantora Anitta, e internacionais, caso dos atores norte-americanos Leonardo Di Caprio, e Mark Ruffalo que interpreta o Hulk e Mark Hamill, o eterno Luke Skywalker da saga Star Wars.

Nos últimos 31 dias, ao todo, foram mais de 8 milhões e meio de pedidos atendidos, quase a metade deles solicitados de forma virtual, pelo Título Net. No dia 11 de julho, o TSE vai divulgar o total de eleitoras e eleitores que estão aptos a votar neste ano.

*Texto publicado originalmente nAgência Brasil


Folha de S. Paulo: Sergio Moro, o juiz da Lava Jato, anuncia sua demissão do governo Bolsonaro

Moro largou carreira de juiz federal para virar ministro e disse ter aceitado o convite de Bolsonaro por estar 'cansado de tomar bola nas costas'

Leandro Colon, da Folha de S. Paulo

O ministro Sergio Moro (Justiça) decidiu entregar o cargo nesta sexta-feira (24) e deixar o governo de Jair Bolsonaro após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, ter sido publicada nesta madrugada no Diário Oficial da União. Ele anunciou a saída do governo a pessoas próximas.

Conforme a Folha revelou, Moro pediu demissão a Bolsonaro na manhã desta quinta (23) quando foi informado pelo presidente da decisão de demitir Valeixo. O ministro avisou o presidente que não ficaria no governo com a saída do diretor-geral, escolhido por Moro para comandar a PF.

Após Moro anunciar um pronunciamento às 11h desta sexta, o Planalto enviou emissários para tentar convencer o ministro a ficar. Em vão. Moro não aceitou, mostrou-se irredutível. Nas palavras de um aliado, "os bombeiros fracassaram".

O contexto da exoneração de Valeixo foi considerado decisivo para o ministro bater o martelo.

A exoneração foi publicada como "a pedido" de Valeixo no Diário Oficial, com as assinaturas eletrônicas de Bolsonaro e Moro. Segundo a Folha apurou, porém, o ministro não assinou a medida formalmente nem foi avisado oficialmente pelo Planalto de sua publicação.

O nome de Moro foi incluído no ato de exoneração pelo fato de o diretor da PF ser subordinado a ele. É uma formalidade do Planalto.

Na avaliação de aliados de Moro, Bolsonaro atropelou de vez o ministro ao ter publicado a demissão de Valeixo durante as discussões que ainda ocorriam nos bastidores sobre a troca na PF e sua permanência no cargo de ministro. Diante desse cenário, sua permanência no governo ficou insustentável, e Moro decidiu deixar o governo.

Membros da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, ouvidos pela Folha na condição de anonimato, afirmam que o movimento de Bolsonaro que resultou no pedido de demissão feito por Moro tem como o pano de fundo a tentativa de o presidente controlar as ações e as investigações da corporação no país.

Para pessoas próximas ao ministro, os alvos são variados, mas o foco está em apurações que podem resultar em problemas para a família presidencial e para sua rede de apoio. E na falta de ações contudentes contra adversários políticos. Como as que envolvem a disseminação de fake news por parte da rede de apoio bolsonarista.

Moro topou largar a carreira de juiz federal, que lhe deu fama de herói pela condução da Lava Jato, para virar ministro. Ele disse ter aceitado o convite de Bolsonaro, entre outras coisas, por estar "cansado de tomar bola nas costas".

Tomou posse com o discurso de que teria total autonomia e com status de superministro. Desde que assumiu, porém, acumulou série de recuos e derrotas.

Moro se firmou como o ministro mais popular do governo Bolsonaro, com aprovação superior à do próprio presidente, segundo o Datafolha.

Pesquisa realizada no início de dezembro de 2019 mostrou que 53% da população avalia como ótima/boa a gestão do ex-juiz no Ministério da Justiça. Outros 23% a consideram regular, e 21% ruim/péssima. Bolsonaro tinha números mais modestos, com 30% de ótimo/bom, 32% de regular e 36% de ruim/péssimo.

O ministro, nos bastidores, vinha se mostrando insatisfeito com a condução do combate à pandemia do coronavírus por parte de Bolsonaro. Moro, por exemplo, atuou a favor de Luiz Henrique Mandetta (ex-titular da Saúde) na crise com o presidente.

Aliados de Moro avaliam que ele foi um dos alvos da recente declaração de Bolsonaro de que usaria a caneta contra "estrelas" do governo.

"[De] algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas, falam pelos cotovelos, tem provocações. A hora D não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona", afirmou Bolsonaro, no início do mês, a um grupo de religiosos que se aglomerou diante do Palácio da Alvorada.

​Sob o comando de Moro, a Polícia Federal viveu clima de instabilidade no ano passado, quando Bolsonaro anunciou uma troca no comando da superintendência do órgão no Rio e ameaçou trocar o diretor-geral.

No meio da polêmica, o presidente chegou a citar um delegado que assumiria a chefia do Rio, mas foi rebatido pela Polícia Federal, que divulgou outro nome, o de Carlos Henrique de Oliveira, da confiança da atual gestão. Após meses de turbulência, o delegado assumiu o cargo de superintendente, em dezembro.

No fim de janeiro, o presidente colocou de volta o assunto na mesa, quando incentivou um movimento que pedia a recriação do Ministério da Segurança Pública. Isso poderia impactar diretamente a polícia, que poderia ser desligada da pasta da Justiça e ficaria, portanto, sob responsabilidade de outro ministro.

Bolsonaro depois voltou atrás e disse que a chance de uma mudança nesse sentido era zero, ao menos neste momento.

Com a demissão, Moro vê mais distante a possibilidade de ser indicado pelo presidente para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). Sobre isso, Moro já respondeu que essa é uma "perspectiva interessante" e que seria como ganhar na loteria.

Pelo critério de aposentadoria compulsória aos 75 anos dos ministros do Supremo, as próximas vagas serão as de Celso de Mello, em novembro, e Marco Aurélio Mello, em julho de 2021. A indicação de ministros do Supremo é uma atribuição do presidente que depois precisa ser aprovada pelo Senado.

Esse caminho de Moro ao Supremo já estava enfraquecido especialmente depois da divulgação de mensagens privadas que trocou com procuradores da Lava Jato.

As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida a imparcialidade como juiz do atual ministro da Justiça no julgamento dos processos da operação.

Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho do ano passado, o Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015.

Em resumo, no contato com os procuradores, Moro indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.

Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele poderão ser anuladas. Isso inclui o processo contra Lula no caso do tríplex de Guarujá, que levou o petistas à prisão em 2018, está sendo avaliado pelo STF e pode ser julgado ainda neste ano.

Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.

Já o Código de Ética da Magistratura afirma que "o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".

Moro tem repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades.

RECUOS E DERROTAS DO 'SUPERMINISTRO'

Ministério da Segurança Pública - Bolsonaro afirmou que pode recriar a pasta da Segurança Pública, que hoje integra o Ministério da Justiça. Com isso, a área sairia da alçada de Moro. O ministro, contudo, tem usado como principal vitrine da sua gestão a redução de homicídios, que foi iniciada no governo de Michel Temer (MDB).

Prisão após condenação em 2ª instância - Em novembro, o Supremo Tribunal Federal voltou a barrar a prisão de condenados logo após a segunda instância. Decisão permitiu a soltura do ex-presidente Lula, condenado pelo ex-juiz. Ponto muito defendido pelo ministro, a execução antecipada da pena foi tirada do pacote anticrime pela comissão que analisou o texto na Câmara. Por outro lado, Moro tem liderado esforço no Congresso para a elaboração de nova lei que permita a medida.

Pacote anticrime - O projeto aprovado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro foi um tanto diferente daquele apresentado por Moro à Câmara no início de 2019. Para além da prisão após segunda instância, a ampliação das causas excludentes de ilicitude, que poderia isentar de punição policiais que matassem em serviço, também foi removida. Das 38 sugestões de vetos que constavam em parecer do Ministério da Justiça, quatro foram atendidas por Bolsonaro de forma integral e uma de forma parcial. Meses antes, o presidente havia dito que o pacote, considerado prioridade para Moro, não era visto com urgência pelo governo.

Juiz das garantias - Aprovada junto com o pacote anticrime, a medida, que prevê a divisão de processos penais entre dois juízes, foi criticada por Moro. Bolsonaro, contudo, sancionou o projeto e não vetou o instituto.

STF - Bolsonaro havia afirmado que prometeu a Moro uma vaga no STF ao convidá-lo para assumir o ministério da Justiça. Depois, voltou atrás e afirmou que não houve combinado. O presidente também tem afirmado que pretende indicar alguém "terrivelmente evangélico" para uma das duas vagas que devem ser abertas até 2022 e deu a entender que pode nomear o atual ministro da Advocacia-Geral da União, André Luiz Mendonça.

Mensagens da Lava Jato - Mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas por diversos veículos, entre eles a Folha, revelam que Moro, enquanto juiz da Lava Jato, aconselhou e colaborou com a Procuradoria. Segundo a lei, contudo, um magistrado deve se manter imparcial diante das partes de um processo.

Confiança de Bolsonaro - Após a divulgação das primeiras mensagens, em junho, Bolsonaro deu declarações de apoio ao ministro, mas também disse que não existe 100% de confiança.

Destruição de provas - Logo que a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de hackear autoridades e captar suas mensagens no aplicativo Telegram, Moro disse que o material apreendido seria destruído. Tanto a PF quanto Bolsonaro afirmaram que essa decisão não cabia ao ministro —essa competência é da Justiça.

Polícia Federal - Bolsonaro anunciou que Ricardo Saadi seria substituído por Alexandre Silva Saraiva na Superintendência da PF no RJ. A direção da PF, contudo, havia escolhido o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, da Superintendência de Pernambuco. O anúncio de Bolsonaro foi malvisto pela corporação como uma interferência do presidente em assuntos internos. Desde então, Bolsonaro deu diversas declarações reforçando a intenção de intervir na Polícia Federal. Também alfinetou Moro ao afirmar que cabe a ele, e não ao ministro, fazer nomeações no órgão.

Perda do Coaf - Criado em 1998, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) é um órgão de inteligência financeira que investiga operações suspeitas. Ao assumir a Presidência, Bolsonaro tirou o Coaf do Ministério da Economia (antiga Fazenda) e o colocou na pasta de Moro, a Justiça.

ex-juiz acabou derrotado depois que o Congresso devolveu o Coaf à Economia (sob Paulo Guedes) ao analisar a MP da reforma administrativa do governo federal.

Depois, o Coaf foi transferido para o Banco Central. O chefe do órgão e aliado de Moro, Roberto Leonel, foi substituído por Ricardo Liáo, funcionário de carreira do BC.

Decreto das armas - O primeiro revés foi ainda em janeiro. O ministro tentou se desvincular da autoria da ideia de flexibilizar a posse de armas, dizendo nos bastidores estar apenas cumprindo ordens do presidente. Teve ignorada sua sugestão de limitar o registro por pessoa a duas armas —o decreto fixou o número em quatro.

Laranjas - No caso do escândalo de candidaturas de laranjas, enquanto Moro deu declarações evasivas, dizendo que a PF iria investigar se “houvesse necessidade” e que não sabia se havia consistência nas denúncias, Bolsonaro determinou dias depois, de forma enfática, a abertura de investigações para apurar o esquema. Denunciado pelo Ministério Público por envolvimento no caso, Marcelo Álvaro Antônio permanece no cargo de ministro do Turismo.

Ilona Szabó - Moro teve de demitir a especialista em segurança pública por determinação do presidente, após repercussão negativa da nomeação. Ilona Szabó já se disse contrária ao afrouxamento das regras de acesso a armas e criticou a ideia de ampliação do direito à legítima defesa que está no projeto do ministro. Até hoje, Moro não nomeou um substituto.


Pablo Ortellado: Bolsonaro e ministros recorrem às guerras culturais

Estratégia promove divisão para mobilizar a sociedade

No antagonismo político da maior parte do século 20 sempre houve possibilidade de compromisso. Entre o estado mínimo dos liberais e a economia estatizada das experiências socialistas, havia bastante gradação.

O jogo político da democracia liberal consistia, efetivamente, em empurrar a fronteira mais para um lado ou para o outro, aproveitando as oportunidades abertas pelos ciclos eleitorais.

Esse tipo de compromisso não existe nas guerras culturais, porque elas envolvem questões morais fortes que regulam modos de vida. Nestes temas, o compromisso não é possível. Entre os que defendem o direito da mulher controlar sua vida reprodutiva e os que se opõem ao assassinato de bebês, qual seria o meio termo?

Os temas morais não apenas incitam o eleitorado, mas também os sentimentos de revolta e indignação que despertam e transformam eleitores passivos em ativistas.

Vimos recentemente essa estratégia ser utilizada no Brasil nas últimas eleições.

Para os conservadores que apoiaram Jair Bolsonaro, feministas e grupos LGBT fazem campanha para sexualizar as crianças e promover modos de vida alternativos ao padrão heteronormativo. O que para os progressistas são políticas de civilidade e tolerância, para os conservadores são diabólicos planos para destruir a família cristã.

O próprio Bolsonaro se engajou numa cruzada contra um seminário infantil LGBT e um kit gay para escolas, que nunca existiram, e nos círculos bolsonaristas circularam materiais mentirosos infames, como o vídeo da mamadeira em formato de pênis que seria utilizada para alimentar crianças nas creches.

Após as eleições, as disputas seguiram. O futuro ministro das Relações ExterioresErnesto Araújo, escreveu que a esquerda antinatalista quer destruir a família para impedir o nascimento do menino Jesus, e emergiu vídeo da futura ministra da Família, Damares Alves, dizendo que nas creches da cidade de São Paulo se ensinava masturbação para bebês.

Na América Latina, a estratégia de ativar as guerras culturais para intervir e desequilibrar disputas em curso tem como paradigma o referendo convocado para selar o acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc em 2016.

Para virar o jogo em favor do “não”, conservadores começaram a alegar que o acordo estava recheado de ideologia de gênero e que era assim um cavalo de Troia que destruiria a família colombiana tradicional.

Mobilizados para defender a família, os colombianos quase retomaram a guerra. Por aqui, nossos mobilizados podem bem perder as aposentadorias.

*Pablo Ortellado é professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

João Domingos: O presidenciável

Ao aceitar o Ministério da Justiça, o juiz Sérgio Moro se torna candidato ao Planalto

No momento em que aceitou o convite para assumir o Ministério da Justiça, o juiz Sérgio Moro credenciou-se para se candidatar à sucessão do próprio chefe, caso prospere a ideia de Jair Bolsonaro de acabar com a reeleição. Ou até para concorrer com Bolsonaro, se a reeleição for mantida e o capitão reformado do Exército se sentir tentado a buscar um outro mandato.

Esse será o caminho de Moro. Por mais que ele e Bolsonaro digam que o cargo de ministro serve para que o governo central assuma o combate à corrupção e ao crime organizado, e que, depois, o juiz de Curitiba será nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) quando uma vaga surgir, o fato é que, hoje, Moro está credenciado a disputar a próxima eleição para a Presidência da República.

A nomeação de Sérgio Moro para um superministério da Justiça a ser criado é também o pagamento de uma promessa de campanha feita por Bolsonaro ao eleitor que o elegeu, um eleitor que parece dar mais importância ao combate à corrupção do que às questões econômicas. Não que o nome do juiz estivesse vinculado à promessa. Mas, ao nomeá-lo, a identificação de uma coisa com a outra foi imediata. O eleitor talvez não tenha votado em Bolsonaro porque ele gosta de Bolsonaro. Ele votou no capitão porque este assumiu um discurso anti-PT e anticorrupção, e se propôs a ser aquele que virá demolir tudo para que algo novo nasça. Essa é a visão que uma boa parte do eleitorado vencedor tem daquele a quem deu o voto.

Alguém pode discordar de tudo isso. E certamente muitos vão discordar. O fato é que Bolsonaro venceu a eleição ao se opor ao PT, ao sistema político, aos esqueminhas e esquemões que costumam capturar governos e os tornam reféns do fisiologismo. Tanto é que, ao nomear Moro, Bolsonaro foi criticado por aliados e opositores, pois ele pôs no jogo político um nome que tem tudo para construir uma carreira política a partir de agora. O eleitor vibrou, ao contrário do status quo político, que aguarda a hora de botar a faca no pescoço de Bolsonaro em nome da governabilidade.

Quanto a Moro, mesmo que ele venha a dizer que não quer se tornar um político, como disse em 2016, numa entrevista ao Estado, ao aceitar o convite para o Ministério da Justiça ele se tornou político. Porque o cargo é político. Porque Moro tem vocação política. Na entrevista ao Estado, Moro chegou a dizer que jamais seria político. Estava enganado. Sua carreira de êxito na magistratura foi pontuada por atos políticos. Quando, em 2016, atropelando o relógio, divulgou o conteúdo de conversas entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, à véspera do impeachment, ele tomou uma decisão política. Por ela foi advertido. Se não tivesse divulgado o teor do grampo, que mostrava as manobras para dar foro privilegiado a Lula e livrá-lo de uma ordem de prisão, Dilma talvez não tivesse sofrido o processo de impeachment. Foi um gesto tão político que mudou a História.

Quando o juiz autorizou o acesso público a parte do conteúdo da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, a uma semana do primeiro turno da eleição de 2018, Moro tomou uma decisão política, mesmo que no limite do que orienta a Lei Orgânica da Magistratura.

Moro sabe que, ao aceitar o convite para o Ministério da Justiça, ele deixa de ser o juiz de Curitiba reconhecido mundialmente pelo combate à corrupção e ao crime organizado. Passa a ser um superministro da Justiça com uma missão complexa. Se tudo der certo, e sua passagem pela Justiça resolver questões relacionadas à corrupção e ao crime organizado, será empurrado para o próximo passo, o de tentar ser o presidente da República do combate à corrupção e ao crime organizado.


Roberto Macedo: Bolsonaro precisa de uma reforma pessoal

Esse enorme abacaxi caiu no colo de Bolsonaro, cuja propaganda andou dizendo "pode Jair se acostumando". Mas se não resolver esse e outros graves problemas, virá o "Jair já era".

Jair Messias Bolsonaro, capitão reformado do Exército, enfrentará em Brasília muitos e grandes problemas. Alguns, de enorme magnitude e de difícil solução, são carentes de reformas específicas, como a previdenciária e a tributária.

Mas ele precisa fazer também uma reforma de si mesmo, começando por cair na real e perceber que sua vitória não resultou de sua genialidade. Como disse o filósofo espanhol Ortega y Gasset, o ser humano é ele e as circunstâncias. Ou seja, suas ações pessoais são importantes, mas circunstâncias favoráveis ou não também podem contribuir, e muito, para seu sucesso ou fracasso. Bolsonaro foi claramente beneficiado por uma onda de descrença e desilusão com políticos tradicionais e com o lulopetismo. Essa onda veio também da insatisfação com a crise econômica, que entre outras mazelas trouxe enorme desemprego. Some-se a isso a corrupção endêmica, também envolvendo políticos, que, felizmente, passou a ser desnudada pelo Judiciário. E a falta de segurança que grassa pelo País, entre outros aspectos. Até a facada que sofreu em Juiz de Fora, um episódio lamentável, revelou-se circunstância favorável, pois estimulou a compaixão e a solidariedade de muitos eleitores e o poupou de debates de alto risco com outros candidatos.

O talento de Bolsonaro esteve em perceber essa onda favorável e surfar nela para que o povo o sufragasse nas urnas. Não é pouca coisa, mas sem essas circunstâncias o cenário eleitoral poderia ter sido outro. No fim, ele ganhou a eleição, mas também a imensa responsabilidade do cargo de presidente e dele se esperam soluções para os muitos e graves problemas de que o Brasil padece.

Ao reformar-se também precisaria aumentar, e muito, o tamanho do seu curtíssimo pavio. E não se iludir com essa conversa de mito, merecedora de um pito. Outro ponto importante seria dispor-se a discutir assuntos sem opiniões preconcebidas, ou mesmo erradas, o que, aliás, se estende a membros do seu núcleo duro. Por exemplo, o deputado Onyx Lorenzoni, cotado para a chefia da Casa Civil, disse há dias que o projeto de reforma previdenciária de Temer, em exame no Congresso, é uma "porcaria". Mas depois, na terça, dia 30, os jornais noticiaram que Bolsonaro quer negociar com Temer a aprovação imediata de pelo menos uma parte desse projeto. O que seria correto, pois ele tem muitos méritos.

Muita gente não gosta de Bolsonaro, que teve 39,2% do número total de eleitores, que inclui votos em branco, nulos e abstenções, revelando que não é a unanimidade que muitos imaginam. Mas teve maioria (55,1%) dos votos válidos e democracia é isso. Espero que tenha êxito em tirar o Brasil da encrenca em que se meteu por obra e desgraça do lulopetismo, além de começar a afastá-lo de uma estagnação econômica que já está próxima de completar quatro décadas e o deixou para trás no contexto dos países emergentes. Mas no curto prazo de seu mandato o objetivo imediato deve ser o de superar a crise que prostrou a economia desde 2015 e aumentou o desemprego e a pobreza.

E vai ser muito difícil. Por isso, na reforma de si mesmo também seria importante preparar-se para a gestão pública, em que não tem experiência. E essa gestão é de alta complexidade. O governo federal é o maior ente econômico do País, está em seriíssimas dificuldades orçamentárias e só não chegou à lastimável situação de alguns Estados, como Rio, Minas e Rio Grande do Sul, onde se registram até atrasos de salários, porque não tem limite de endividamento. Seus altos déficits viram mais dívida acumulada. Se continuar nessa rota, vai quebrar mais à frente, quando os credores derem um basta no endividamento forte e ininterrupto.

O que viria com essa quebra? Entre outras consequências, o dólar subiria muito, agravando o problema inflacionário e exigindo medidas recessivas no sentido contrário. O governo também poderia, num incesto financeiro, emitir mais dinheiro para se financiar, igualmente levando a movimentos do dólar e da inflação na mesma direção. E assim viria outra crise sobre a crise ainda em andamento, complicando demasiadamente a situação.

Na questão administrativa, inexperiente, ele não tem o que reformar. Deve delegar muito, mas preservar para si a missão que cabe ao presidente, a de liderança do processo de transformações, buscando soluções, motivando seus auxiliares, cobrando providências e desempenho. Numa foto recente, ele estava diante de uma mesa onde mostrou quatro livros que presumivelmente anda lendo: a Constituição, uma Bíblia em linguagem contemporânea, um livro sobre as memórias de Churchill - um grande modelo de liderança - e um do filósofo Olavo de Carvalho, importante mentor da direita brasileira. Caberia um sobre gestão pessoal e de negócios, a meu ver também aplicável a governos, e pensei no Stephen Covey, Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes (Rio de Janeiro, Best Seller, 2014). Lançado em 1989, já teve mais de 25 milhões de exemplares vendidos internacionalmente, tendo sido considerado pela revista Forbes o livro mais influente na sua área no século 20.

Uma de suas lições ensina que a boa gestão deve dar prioridade a questões urgentes e importantes, mas também é preciso cuidar das importantes e não urgentes, pois com o passar do tempo podem passar à primeira categoria, numa situação agravada por soluções procrastinadas. É o caso do problema previdenciário no Brasil. Empurrado com a barriga por sucessivos presidentes e pelo Congresso, acabou por se tornar um problema crônico e de solução cada vez mais difícil, agora tão importante como urgente.

Esse enorme abacaxi caiu no colo de Bolsonaro, cuja propaganda andou dizendo "pode Jair se acostumando". Mas se não resolver esse e outros graves problemas, virá o "Jair já era".

* Economista (Ufmg, Usp e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior


José Eli da Veiga: Do Nobel ao "ruralismo"

Expressão 'agronegócio' também serve de biombo ao parasitismo 'ruralista', antagônico à eficiência produtiva

William Nordhaus foi laureado com o Nobel de Economia deste ano por ter sido pioneiro em reintroduzir no cérebro dos economistas uma dimensão da realidade ausente por mais de um século (1870-1977): a natureza. Modelando as conexões entre crescimento e clima, causou estupefação ao concluir o que hoje é quase trivial: a necessidade de taxar emissões de carbono.

Tão justa homenagem - 41 anos depois de seu célebre artigo na American Economic Review (67-1: 341-6) - incentivará jovens estudantes a se perguntarem como foi possível que a natureza tenha sido por tanto tempo banida da teoria econômica. Houve até quem ganhasse Nobel depois de dizer que o mundo se daria muitíssimo bem sem recursos naturais, graças a substituições de capital e trabalho. Foi o que escreveu Robert Solow no mesmo periódico (64-2: 1-14), concepção logo apelidada de 'Jardim do Eden' pelo injustiçado Nicholas Georgescu-Roegen (cf. Valor de 03/09/04 e 08/02/08).

Uma das piores consequências de tão radical abandono do beabá da escola clássica foi longa atrofia teórica das análises sobre as atividades que formam o chamado 'agro', a parte viva do setor primário que virou 'pop': agricultura, pecuária e florestas. Por mais de um século, os economistas torceram para que o "residual" ramo biológico se "industrializasse". O que legitimava a crença em supostamente universal "teoria da produção", cega ao fato de a elevação da produtividade do 'agro' depender sobretudo das tecnologias que mais propiciam a seres vivos reunirem as condições de seu próprio desenvolvimento orgânico.

Não por outro motivo, a grande inovação intelectual do século passado nesta área de pesquisa acabou emergindo dos mais realistas e pragmáticos estudos de negócios, conduzidos por administradores. Na Harvard Business School, um ovo de Colombo desbancou, desde 1955, a falsa expectativa de industrialização. John H. Davis (1904-1988) e Ray A. Goldberg (1926-) adotaram como objeto de análise o conjunto transversal das atividades industriais e terciárias mais diretamente ligadas à apropriação da natureza pelo 'agro'. O recorte "agribusiness" - feito pela dupla na matriz insumo-produto lançada em 1941 por Wassily Leontief - aniquilou a visão tradicional que ignorava os encadeamentos à montante e à jusante, separando o 'agro' de transações fora das porteiras dos estabelecimentos agropecuários e florestais.

No Brasil, foi só nos anos 1990 que o saudoso engenheiro agrônomo e empreendedor Ney Bittencourt de Araújo se serviu da noção "agronegócio" para tirar do gueto um carcomido lobby de grandes fazendeiros. Desde então, o emprego político do termo não parou de brigar com seu sentido analítico, adquirindo muitas outras utilidades, entre as quais a de servir de biombo ao parasitismo "ruralista", antagônico à eficiência produtiva.

Às vésperas de quadriênio que se anuncia desdemocratizador e descivilizador, fica ainda mais relevante dar atenção a duas perguntas: será que o trombeteado "agronegócio brasileiro" exprime a tríplice aliança entre os mais dinâmicos segmentos do 'agro' com seus fornecedores de insumos e as cadeias que transformam e/ou comercializam sua produção? Em que medida poderia ser representado pelos "ruralistas"?

Nota-se robusto engajamento dos fabricantes de máquinas, fertilizantes e agrotóxicos, assim como das grandes tradings, mas em flagrante contraste com a ausência de atacadistas e varejistas, além da dubiedade desconfiada das indústrias processadoras, com as notáveis exceções das de açúcar/álcool e, em menor medida, das da carne e da celulose.

Por outro lado, estima-se que mais da metade dos empregos oferecidos pelo agronegócio permaneçam primários: agrícolas, pecuários ou florestais. E que só um quinto destes esteja em fazendas operadas por contratação de mão de obra. Quatro quintos se encontram pulverizados na infinidade de sítios de agricultura familiar, aos quais se deve um terço do PIB do "agronegócio" e metade das vendas de produtos agropecuários.

Se as fazendas de natureza patronal geram tão pouco emprego é porque a maior parte de suas terras está ocupada por extensivas pastagens, que suportam a mais predatória bovinocultura de corte do mundo. Por buscarem muito mais rentabilidade patrimonial do que operacional, seus proprietários desrespeitam normas agronômicas básicas de conservação ecossistêmica, socializando os mais duradouros custos de sua ganância.

Em suma: é trapaça o uso da expressão "agronegócio" para esconder o vampirismo "ruralista". E em sistema eleitoral que garante super-representação de regiões periféricas, são objetivos avessos aos das atividades mais empreendedoras - representadas na 'Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura' - os que fundamentam e articulam a frente BBB como unificadora das bancadas boi, bala e bíblia. Por esse e muitos outros motivos, é altamente recomendável a leitura de "Formação Política do Agronegócio", recente e oportuna tese de doutorado do antropólogo Caio Pompeia, na Unicamp: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/332572

*José Eli da Veiga é professor sênior do IEE/USP (Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo) e autor de Amor à Ciência (Senac, 2017), o mais recente de seus 27 livros.


El País: O fiel escudeiro de Eduardo Cunha a caminho de virar ministro de Temer

Carlos Marun, o deputado da dancinha que barrou investigação contra presidente, é o mais cotado para Secretaria de Governo

"Tudo está em seu lugar, graças a Deus, graças a Deus!", cantarolou Carlos Marun (PMDB-MS)  performando uma dancinha para comemorar o fato de a Câmara barrar uma segunda apuração criminal contra o presidente Michel Temer. Apenas algumas semanas depois, Marun, que foi da tropa de choque de Eduardo Cunha e é ligado a um ex-governador investigado pela Polícia Federal, deve chegar ao topo de sua carreira política. Aos 57 anos, ele deve ser anunciado nesta quarta-feira como o novo ministro da Secretaria de Governo por conta de minirreforma ministerial que Temer promoverá até meados de dezembro e deve mexer em 4 de seus 28 ministérios. Indicado pela bancada do PMDB para a pasta responsável pela articulação com o Congresso Nacional, Marun deverá substituir Antônio Imbassahy (PSDB-BA) que pode migrar para o ministério da Transparência (a antiga CGU) ou para o dos Direitos Humanos. Outro nome que está certo na Esplanada dos Ministérios é o do deputado Alexandre Baldy (PP-GO). Ele irá para o ministério das Cidades nesta quarta-feira, em substituição ao demissionário Bruno Araújo (PSDB-PE).

Nesta terça-feira, o Palácio do Planalto fez circular o nome de Marun. O intuito era sentir como ele seria recebido na classe política e, até o início da noite, a recepção havia sido positiva. Ainda assim, outros dois nomes de deputados federais corriam por fora: Saraiva Felipe (PMDB-MG) e Hugo Motta (PMDB-PB). A favor do deputado de Mato Grosso do Sul pesou o fato de ele estar de acordo em permanecer no Governo até o fim de dezembro de 2018 e, dessa maneira, abdicar de disputar a eleição do próximo ano. Temer já avisou que não quer nomear ministros para ficarem apenas quatro meses no cargo. Em abril, a seis meses da votação, todos os candidatos que tiverem cargos no Executivo terão de renunciar às funções, conforme prevê a lei eleitoral.

Segundo assessores do Planalto, Marun é o nome favorito principalmente por quatro razões: foi identificado como um fiel aliado ao defender a reforma da Previdência (ele presidiu a comissão especial que discutiu o assunto na Câmara); esteve na linha de frente do grupo a favor do impeachment de Dilma Rousseff; é governista ao relatar a CPMI do BNDES (que pretende atacar as ações da Procuradoria-Geral da República); e até ao se transformar no “cão de guarda” o ex-deputado e hoje presidiário da Lava Jato Eduardo Cunha. “Ele é determinado no que faz. Quando tem de defender algo, o faz com unhas e dentes. Isso é positivo para esse momento do Governo, sem dúvida”, afirmou um dos assessores de Temer.

Marun foi um dos únicos deputados a ocuparem a tribuna da Câmara para discursar a favor de Cunha na sessão que cassou o mandato dele, em setembro do ano passado. Quando questionado pelo EL PAÍS por que defendia Cunha, ele respondeu: “Nosso grupo entendeu que ele não podia sofrer cassação antes do impeachment passar. Continuei fazendo o meu trabalho, mesmo depois, porque sou um homem de palavra”.

Antes dessa consulta informal iniciada pelo Planalto, outras duas haviam sido feitas. Na semana passada, Temer fez chegar aos jornalistas os nomes de João Henrique Sousa, ex-deputado presidente do Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria, e do deputado federal Mauro Lopes (PMDB-MG), que foi ministro da Aviação Civil de Dilma Rousseff. Nenhum deles vingou. Procurado para comentar sua possível nomeação, Marun informou por meio de sua assessoria que o convite não foi feito formalmente. Mas se ele ocorresse, aceitaria.

Marun é o tipo de político falastrão. Alto, com 130 quilos distribuídos em 1,89 metro de altura, tem uma voz grave, intensa e explosiva. Está em seu primeiro mandato no Congresso Nacional. Gaúcho de Porto Alegre fez sua carreira política em Campo Grande. Engenheiro civil e advogado, tornou-se vereador, deputado estadual e federal após se juntar a André Puccinelli. Foi secretário de Habitação de Puccinelli tanto na prefeitura de Campo Grande (1997-2004) quanto no Governo do Estado (2006-2014). Puccinelli é atualmente investigado por enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro e corrupção no período em que governo Mato Grosso do Sul. Marun não é alvo desses inquéritos.

O dedo de Maia e apoio do centrão

Se a troca na articulação política é dada como quase certa, no Ministério das Cidades o nome de Alexandre Baldy já está assegurado - ele toma posse nesta quarta. Ele será o homem de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, dentro do Planalto. No Planalto a informação é de que foi Maia quem lutou pela nomeação de Baldy porque queria se sentir mais prestigiado por Temer. Recentemente, o presidente da Câmara reclamou dezenas de vezes da atuação da gestão peemedebista. Seus movimentos chegaram a ser vistos como uma possível tentativa de desarranjo na base governista e uma movimentação para substituir o presidente. Algo que Maia sempre negou.

Para chegar ao cargo, Baldy teve de trocar de partido pela segunda vez nos últimos três anos. Se elegeu pelo PSDB de Goiás. Depois, migrou para o PODEMOS. Foi deposto da liderança do partido por não defender as investigações criminais contra o presidente. Agora está se filiando ao PP, a pedido de Maia e do presidente da legenda, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). Será mais um representante do centrão no Governo.

Com o segundo maior orçamento da Esplanada, o Ministério das Cidades é um dos mais almejados pelas bancadas partidárias. O PP decidiu que pode abrir mão de uma das outras duas pastas que ocupa, Saúde e Agricultura, para ter essa máquina em um ano eleitoral.

Outra certeza entre Temer e seus aliados é a da demissão de Luislinda Valois (PSDB) da pasta de Direitos Humanos. Aliados do presidente disseram que ela nada apresentou de útil até o momento, apenas trouxe problemas, quando disse que deveria receber um salário de 61.000 reais, valor bem acima do teto constitucional de 33.400 reais mensais. Em um ofício enviado ao Planalto, ela alegou que a situação, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo”. “Ela reclamou do salário, falou de escravidão, mas nem um mísero evento fez no dia da consciência negra [comemorado no dia 20 de novembro]. Nada de produtivo trouxe ao Governo”, afirmou uma fonte palaciana. Sua queda é certa.

Outro cargo em vista é o da Transparência. Desde maio está interinamente ocupado por Wagner Rosário, um técnico que substituiu Torquato Jardim quando este foi transferido para o Ministério da Justiça. Até abril do ano que vem, as trocas ocorrerão em 13 pastas, todas ocupadas por senadores ou deputados que têm interesse em concorrer a algum cargo eletivo.