Merval Pereira

Merval Pereira: Com os dias contados

A partir de hoje, o foro de prerrogativa de função, ou mais popularmente o foro privilegiado, será diferente de como o conhecemos, abrangendo cerca de 55 mil pessoas em cargos públicos. Embora trate apenas da questão de parlamentares federais, isto é, deputados e senadores, o ministro Gilmar Mendes, o único que falta votar, chamou a atenção para o fato de que a limitação do foro aos crimes cometidos “durante o mandato e em função dele” — proposta do relator, ministro Luís Roberto Barroso — acabará tendo de ser estendida aos demais detentores desse tipo de foro.

Isso acontecerá, no mínimo, com a aprovação de um projeto de emenda constitucional que já foi aprovado no Senado e está no momento na Câmara, que não pode aprová-lo durante a vigência da intervenção na Segurança Pública do Rio. Pelo projeto do Congresso, apenas os presidentes da República, de Câmara, Senado e Supremo Tribunal Federal terão foro privilegiado, e todos os demais serão julgados na Justiça comum.

Com 10 a 0 no plenário do STF, tudo indica que hoje a discussão ficará entre a proposta do ministro Luís Roberto Barroso — o foro no cargo e em razão do cargo —, que amplia o alcance do fim do foro em relação aos deputados e senadores sem prescrição temporal, e a do ministro Alexandre de Moraes, que já teve o apoio de Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, que fixa a diplomação dos parlamentares como o início do foro privilegiado para qualquer crime cometido durante o mandato. Os demais crimes, anteriores ao mandato, poderiam ser julgados.

Resta saber se a chamada “gangorra processual” será interrompida, pois a cada vez que um parlamentar é eleito ou nomeado para qualquer cargo que tenha foro privilegiado, o processo volta à estaca zero, saindo da Justiça comum para o STF.

Toffoli alegou que a definição do que seja crime cometido “em função do mandato” é muito subjetiva, e o Supremo, em vez de se ver desafogado dos processos criminais, terá que definir, caso a caso, quem pode ter foro privilegiado.

Mais uma vez o estudo sobre o tema da Fundação Getulio Vargas do Rio (FGV) foi criticado. Ele mostra que no Supremo Tribunal Federal (STF), uma das cortes que julga os que possuem foro privilegiado, de 404 ações penais concluídas entre 2011 e março de 2016, 276 (68%) prescreveram ou foram repassadas para instâncias inferiores porque a autoridade deixou o cargo.

A condenação ocorreu em apenas 0,74% dos casos. O ministro Lewandowski alegou que os processos penais representam apenas 5% das ações que o Supremo julga, e por isso não são representativos de uma suposta “lentidão do STF” que levaria à impunidade.

Dias Toffoli chegou a indignar-se em seu voto, dizendo que acusar o Supremo de favorecer a impunidade é uma crítica indevida aos ministros de plenários anteriores. Ao contrário de estar acusando o STF de negligência, o ministro Luís Roberto Barroso está chamando a atenção para a necessidade de uma atitude proativa antes que o Supremo seja soterrado por centenas de processos envolvendo políticos com foro especial por prerrogativa de função.

O processo sobre o senador Renan Calheiros, em que ele é acusado de peculato por ter usado dinheiro de uma empreiteira para pagar pensão alimentícia para uma filha fora do casamento, é exemplar da lentidão que favorece os que têm foro privilegiado. Os acontecimentos abordados pela Procuradoria-Geral da República ocorreram entre 2004 e 2007, e o processo ficou na PGR até 2013.

Lewandowski lembrou que a maioria dos processos demora devido a diligências na Polícia Federal ou na PGR. Outros ministros, como Gilmar Mendes, chamam a atenção para o fato de que é muito fácil abrir um inquérito, o difícil é encerrá-lo. Criticou a qualidade do trabalho que chega ao STF para julgar, e lembrou que em muitos casos é impossível condenar porque as provas, depois de anos de investigação, não são aproveitáveis ou conclusivas. Ou seja, não é o STF só que é culpado pelo atraso dos processos. O STF é juiz, e não busca as provas.


Merval Pereira: Fatos contra versões

Esse Primeiro de Maio explicitou duas situações: a impopularidade de Temer já o impede de sair às ruas; e o ex-presidente Lula, apesar de preso, não mobiliza a população. Quando se classificava os membros da equipe palaciana de Temer, e ele próprio, de “profissionais da política”, a imagem que se tentava passar era de que havia um grupo de assessores altamente experientes e qualificados para assessorar um presidente que conhecia tudo do Congresso, tendo sido presidente da Câmara por três vezes.

Mas os erros de avaliação permanentes mostram, ao contrário, uma equipe altamente vulnerável e sem noção da realidade do país. Nesses últimos dias, o presidente da República cometeu erros infantis em busca da superação da impopularidade, que se mostra inarredável.

Um presidente que convoca uma rede nacional de rádio e TV para celebrar o Dia do Trabalho e pede “esperança” aos desempregados não tem noção da tragédia que se espalha pelo país. Não importa se o grosso do desemprego se deve a erros anteriores à sua chegada ao poder.

Em primeiro lugar, porque ele era parte do governo petista deposto, que deixou um legado de desemprego e quebradeira fiscal no país sem paralelos na história recente.

Mesmo que as ações do governo Temer tenham conseguido baixar a inflação, reduzir os juros e aprovar algumas leis importantes para a recuperação do país, ela não veio e, onde houve, foi em ritmo mais lento do que supunha.

A recuperação dos empregos está longe de se efetivar, as vagas abertas são precárias e de baixos salários. Pedir esperança aos trabalhadores nessas circunstâncias parece no mínimo um equívoco político.

O anúncio do aumento do Bolsa Família, que só acontecerá em julho, não traz esperança nem mesmo aos que vivem do sustento governamental, e anunciá-lo agora é outro equívoco de quem está ansioso para melhorar sua aceitação pública.

Mas comparecer ao local do desmoronamento de um prédio ocupado por movimentos populares em São Paulo devido a um incêndio parece o auge da falta de noção. Temer compareceu a um local minado politicamente, e teve que sair de lá às pressas.

Parece aquele personagem da piada que atravessa a rua para escorregar numa casca de banana. Será que não houve uma alma caridosa que o aconselhasse a ficar em casa, longe daquela situação de tragédia que envolvia movimentos populares francamente contrários ao seu governo?

Quanto a Lula, a comoção nacional com sua prisão que temia o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello não se realizou nem mesmo no Primeiro de Maio, que foi mais tranquilo do que em Paris, por exemplo, onde houve saques e depredações, com mais de 200 pessoas presas.

Se, por um lado, a tranquilidade das manifestações demonstra um amadurecimento das lideranças sindicais, que, mesmo insufladas pelos irresponsáveis líderes petistas que sobraram fora da cadeia, não se deixaram levar pelo radicalismo, por outro mostra também que Lula já não mobiliza a população como sonhavam as lideranças políticas.

Teimam em confrontar a Justiça, na vã esperança de tentar tirar seu grande líder da cadeia e fortalecer uma campanha presidencial que não terá o retrato de Lula na urna eletrônica.

As tentativas dos últimos dias, com recursos e mais recursos nos tribunais recursais e mesmo nos superiores, como o STJ e STF, estão uma a uma sendo ultrapassadas pela vigência da lei. Hoje é mais fácil uma reação popular contra uma eventual soltura do ex-presidente da cadeia, poucos dias depois de preso, do que o contrário.

O showmício preparado para Curitiba, onde Lula está preso, mostra bem o isolamento do PT neste momento: apenas Boulos e Manuela D’Ávila, os candidatos de esquerda, compareceram. E o ex-possível substituto de Lula na campanha presidencial, Jaques Wagner, insistiu na aliança com Ciro Gomes, mas falou em aproximação até mesmo com Joaquim Barbosa, o relator do mensalão que chamou o PT de organização criminosa.


Merval Pereira: O dilema de Alckmin

O candidato do PSDB à Presidência, ex-governador paulista Geraldo Alckmin, vive um dilema que pode ser fundamental para sua campanha: aproximar-se do PMDB para se beneficiar da máquina do governo federal, além da própria máquina partidária, com capilaridade pelo país, com a maior bancada de deputados federais da Câmara e o maior número de prefeitos e vereadores, ou fugir como o diabo da cruz do contágio da impopularidade do governo de Michel Temer.

O PMDB é um fator decisivo na vida do PSDB desde sua fundação em junho de 1988, fruto justamente de uma dissidência do PMDB, à época dominado por Orestes Quércia, governador de São Paulo, o principal expoente da ala fisiológica do partido. Os tucanos hoje se encontram presos a uma contradição de sua própria história, pois não conseguem se desvencilhar de uma aliança carcomida com o PMDB, envolvido, como quase sempre, em acusações de corrupção e fisiologismo político, depois de ter vivido uma história de resistência e luta contra a ditadura em que políticos como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves davam o tom do partido.

Foram eles que salvaram o partido da extinção, quando o regime militar exigiu que todas as agremiações politicas tivessem o nome começando por P de partido, para dar fim a sigla que já se identificava com a oposição da ditadura e com as reivindicações dos mais pobres. Servia de barriga de aluguem a diversos movimentos políticos banidos pela ditadura, inclusive o Partido Comunista.

Passou a chamar-se então Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Agora, através de uma manobra vulgar, seus atuais dirigentes retiraram o P da legenda, para que voltasse a ser o antigo MDB, como se uma letra, que anteriormente foi útil para burlar uma proibição da ditadura, agora fosse capaz de limpar o seu nome, dando-lhe de volta a respeitabilidade que outrora teve.

O PSDB, às voltas com seus próprios problemas de corrupção, e o PMDB voltaram a se encontrar no impeachment da então presidente Dilma, mas os tucanos, que acertaram ao aderir ao governo legitimamente constituído pelo respeito à Constituição e que só chegou ao Palácio do Planalto por ter sido escolhido pelo PT para compor a chapa oficial, perdeu o “timing” de sair do governo quando revelou-se a gravação da conversa entre o presidente Michel Temer e Joesley Batista.

E pode morrer afogado, não com Temer, como se temia, mas por Temer e sua aliança de bastidores com o grupo do senador Aécio Neves, os dois pensando apenas em salvarem as próprias peles. Também o senador Aloysio Nunes Ferreira, um líder de peso no partido, manteve-se no cargo de ministro das Relações Exteriores.

O PMDB, depois de experiências frustradas com candidaturas à Presidência da República — a primeira em 1989 com Ulysses Guimarães que, cristianizado pelos companheiros, chegou em quinto lugar, atrás até mesmo de Enéas, e em 1994 com Orestes Quércia, que chegou em quarto lugar —, decidiu não mais ser protagonista, passando a ser o coadjuvante que todos desejam. Ficou famoso nessa época o axioma que dizia que o PMDB não conseguia governar, mas nenhum partido poderia governar sem seu apoio.

Em 2010, para fazer sua sucessora Dilma, o ex-presidente Lula achou mais prudente oficializar uma aliança que já vinha desde seu governo, mas de modo velado. A chegada ao poder de fato não fez bem ao PMDB, a ponto de hoje se falar que o partido é cobiçado por todos para namorar, mas ninguém quer casar.

Sua proximidade tornou-se tóxica, a tal ponto que o presidente Temer, que vive agora na televisão para se defender de acusações ou para gestos populistas como o aumento da Bolsa Família em ano eleitoral, pensou até mesmo em candidatar-se ele mesmo à Presidência da República, a falta de quem o defenda. Seguindo o conselho do ex-presidente José Sarney, que lhe disse que seu pior erro político foi não ter tido um candidato para defendê-lo na campanha presidencial de 1989, em tantos aspectos tão parecida com a de hoje.

Aparentemente já desistiu, mas para apoiar o PSDB exige que Alckmin defenda seu legado, o que pode ser a pá de cal nas suas pretensões.


Merval Pereira: Guerra como política

Ataque a petistas não é aceitável na democracia. Num momento em que o país vive crises múltiplas, sendo a moral a geradora das demais, a radicalização do debate político chega ao limite quando grupos rivais são atacados a bala, como aconteceu no acampamento dos militantes petistas em Curitiba.

Não é aceitável numa democracia que o debate de ideias chegue a tal radicalização e que a disputa partidária se transforme em guerra aberta, distorcendo a visão de Clausewitz de que a guerra é a continuação da política por outros meios.

O que aconteceu em Curitiba precisa ter uma resposta rápida e eficiente das autoridades, mesmo que os militantes acampados em frente à Polícia Federal sejam típicos representantes do mote “nós contra eles” ressuscitado pelo ex-presidente Lula em seu discurso no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, momentos antes de ser preso.

A radicalização da política, à esquerda e à direita, não é aceitável numa democracia, e é preciso que os líderes partidários entendam que não podem esticar a corda até onde o Estado de Direito não aguentar.

A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman, não é a líder que o momento exige. Ao contrário, estimula o radicalismo com seus vídeos absurdos, pedindo apoio a países ditatoriais que têm suas prisões cheias de presos políticos quando considera Lula um preso político numa democracia.

Agora mesmo, acusou irresponsavelmente o juiz Sergio Moro e os meios de comunicação, especialmente o Grupo Globo, de serem culpados pelos atentados. Considerar que quanto pior melhor é o lema desses radicais da direita e da esquerda, que agora se enfrentam nas ruas do país quando deveriam se enfrentar nas urnas de outubro.

A campanha presidencial deste ano, se não formos sensatos como sociedade, será a mais radicalizada desde 1989, quando milícias esquerdistas e seguidores de Collor de Mello se enfrentavam nos comícios, e não através dos discursos.

Os ataques ao acampamento de Curitiba e, anteriormente, ao ônibus da caravana de Lula, são a contrapartida de uma direita insana aos ataques que o MST e o MTST espalham pelo país, com invasões de prédios públicos e propriedades privadas, e até mesmo o ataque ao edifício em Belo Horizonte onde mora a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármem Lúcia.

É inaceitável em uma democracia que esse tipo de enfrentamento sirva como a linguagem da política partidária. Na terça-feira, comemorase o Dia do Trabalho, que tem sido um momento de confraternização nos últimos anos, e não pode se transformar em uma oportunidade para novos confrontos ou provocações.

O ex-presidente Lula aprendeu, em 2002, que só chegaria ao Palácio do Planalto se ampliasse seu eleitorado, e a radicalização com que o PT responde à prisão de seu grande líder coloca o partido num nicho militância radical que se afasta do centro, deixando o partido em um isolamento que nem mesmo a esquerda democrática deseja.

O slogan eleição sem Lula é fraude não mobiliza a população nem atrai os aliados petistas, que gostariam de uma definição do maior partido da esquerda para começar a enfrentar uma campanha que será das mais difíceis dos últimos tempos. Não será com a radicalização à direita e à esquerda que seus representantes chegarão ao Palácio do Planalto.

Explicação
O presidente da Câmara dos Deputados, deputados Rodrigo Maia, entra em contato para explicar que sua consulta ao TSE para saber se poderia permanecer no país quando o presidente da República viajar, sem se tornar inelegível, não tinha a intenção de assumir a presidência nessa interinidade, que continuaria sendo preenchida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, no caso a ministra Carmem Lúcia.

Nesse caso, quem ficaria de fora da linha de substituição da Presidência da República seriam outras duas instituições, a Câmara e o Senado. Não é uma boa solução para resolver questões partidárias pessoais.


Palocci

Merval Pereira: A hora de Palocci

A delação premiada do ex-ministro de Lula e Dilma Antonio Palocci parece ser uma bomba de efeito seletivo, e por isso os procuradores de Curitiba não a aceitaram. Mas a Polícia Federal considerou que a seleção — que, por exemplo, evita acusações a pessoas com foro privilegiado — não invalidava as outras denúncias, e agora caberá ao juiz Sergio Moro decidir se homologa ou não o depoimento.

Um dos principais focos dos procuradores eram as contas que o PT teria escondido em paraísos fiscais, e não está claro se Palocci conseguiu provar a sua existência. Emílio Odebrecht e seu filho Marcelo declararam a Moro que era Palocci quem manejava a conta “amigo”, que se referia ao ex-presidente Lula. E que muitas vezes Palocci fazia saques em nome do presidente.

A disputa entre a Polícia Federal e o Ministério Público é o que de pior poderia acontecer na perspectiva de quem espera que as investigações sobre corrupção no Brasil levem a uma mudança no cenário político nacional.

Mas é tudo o que esperam os que desejam “estancar a sangria”, um desentendimento sobre procedimentos e interpretações que permita desacreditar as delações premiadas e, em decorrência, impossibilite utilizá-las como base para investigações mais aprofundadas.

Na visão da Polícia Federal, por exemplo, acusados de obstrução da Justiça, os políticos são liberados, pois as conversas são vistas apenas como desejos e intenções de políticos dentro de suas atividades parlamentares e similares, nada havendo de criminoso nelas. Os procuradores de Curitiba têm outro entendimento do assunto.

Como os casos de que tratam as investigações da Lava-Jato são complexos e de difícil elucidação, é necessário que os órgãos investigadores trabalhem em conjunto de maneira harmônica, e acreditando que os indícios levarão às provas. Se houver uma disputa como a que já ocorreu entre a Polícia Federal e o Ministério Público e parece estar recomeçando agora com o caso de Palocci, as brigas por espaço aumentarão, cada instituição querendo reduzir a importância da outra, e os beneficiados serão os denunciados.

Sempre houve, por parte do Ministério da Justiça, a tentativa de controlar as investigações, e no governo Temer essa tendência consolidou-se. Desta vez é a Polícia Federal que está à frente da delação que pode ser a mais importante de todas, e o Ministério Público quer exigir mais revelações. Mas Palocci já adiantou temas que não podem estar fora de sua delação, quando, em depoimento ao juiz Sergio Moro, ofereceu-se para fazer a delação premiada.

A reunião que Lula teria tido com o presidente da Odebrecht, da qual teria participado a presidente eleita Dilma para acertar a continuidade do relacionamento especial do governo petista, foi confirmada pelo ex-presidente, que, no entanto, minimizou sua importância, dizendo que não durou nem dez minutos.

Mas pela agenda que Palocci apresentou aos procuradores, no entanto, a reunião foi detalhadíssima, com diversos assuntos elencados, inclusive um item principal: o histórico da parceria. Também “disponibilizaram” apoio no Congresso; fizeram uma exposição sobre a atuação no exterior alinhada com a geopolítica brasileira, ou seja, financiamentos aos governos bolivarianos com o mesmo esquema feito no Brasil, com obras superfaturadas que estão sendo investigadas na América Latina e já levaram à prisão vários presidentes desses países.

Com Lula, houve uma agenda à parte, em que constava o estádio do Corinthians, obras no sítio (de Atibaia), primeira palestra em Angola e Instituto (Lula). É o “pacote de propina” a que aludiu Palocci, registrado na agenda oficial da Presidência, e que certamente foi destrinchado em sua delação.

Em nota divulgada ontem, a ex-presidente Dilma Rousseff diz que “o senhor Antonio Palocci” mente e, ao comentar a notícia de que o ex-ministro assinou acordo de delação, negou ter participado de tal reunião. No depoimento ao juiz Sergio Moro, o ex-ministro Antonio Palocci afirmou, com imagens fortes para impressionar, que Lula fez um “pacto de sangue” com o presidente da empreiteira, no qual a Odebrecht se comprometeu a pagar R$ 300 milhões em propinas ao PT entre o final do governo do petista e os primeiros anos do governo de sua sucessora.

Há também a afirmação, nas primeiras tratativas para a delação premiada de que o ex-ditador líbio Muamar Kadafi enviou ao Brasil, “secretamente”, US$ 1 milhão para financiar a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.


Merval Pereira: Decisão limitada

País discute se é necessária uma contrapartida para corrupção. Em recente seminário promovido pela Universidade Harvard, em Boston, numa mesa em que se discutiam os crimes de colarinho branco, alguém da plateia perguntou qual é o meio termo entre a exigência muito estrita de uma contrapartida específica para a corrupção, e uma leitura tão ampla que possa levar à criminalização da política.

Nancy Kestenbaum, ex-procuradora da República e atualmente advogada de uma grande banca, que estava na mesa com o juiz Sergio Moro, respondeu que a regra da contrapartida (quiproquó) é aplicada estritamente nos Estados Unidos, mas em alguns casos, quando não há uma contrapartida evidente, eles aplicam o chamado teste do but if, (mas, se), isto é, o corruptor não daria um presente (no nosso caso, o tríplex do Guarujá), por generosidade, ou por deferência a um ex-presidente, como no caso do sítio de Atibaia.

A vantagem indevida se caracterizaria em casos como esses, que não foram citados especificamente em Harvard. O juiz Moro explicou que muitas vezes essa contrapartida não está clara, o dinheiro não teria que sair no mesmo momento dos cofres públicos (no nosso caso, a Petrobras) para pagar a propina diretamente.

É justamente o que está em discussão hoje no país, com a decisão da Segunda Turma do STF de mandar para a Justiça de São Paulo partes da delação de executivos da Odebrecht, sob a alegação de que não têm ligação com a corrupção na Petrobras.

O que muitos viram como o embrião de uma ação mais ampla da defesa de Lula para reafirmar a incompetência do juiz Sergio Moro em vários processos, tentando até mesmo a anulação do julgamento que condenou o ex-presidente em primeira e segunda instâncias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do tríplex do Guarujá.

No entanto, ontem, ficou esclarecido, tanto no voto vencido do ministro Edson Fachin, como no voto vencedor do ministro Dias Toffoli, que a decisão não firmou, em caráter definitivo, a competência do juízo da Justiça de São Paulo, e nem promoveu alteração de competência de eventual investigação ou ação penal que já tramita em qualquer dos juízos.

A decisão também não impede pedido de compartilhamento dos depoimentos e respectivos anexos entre os juízes, como o próprio Sergio Moro. Também os procuradores da Força-Tarefa da Operação Lava-Jato enviaram a Moro um documento em que rebatem argumentos da maioria da Segunda Turma e reafirmam que as investigações continuarão sem prejuízo.

A referência à “investigação embrionária” no voto de Dias Toffoli é rebatida pelos procuradores, que afirmam ser “fato notório” que houve uma larga e profunda investigação conduzida sobre os fatos envolvendo o sítio de Atibaia, que culminou no ajuizamento e já processamento avançado da ação penal.

Eles reafirmam “a existência de investigações e ações penais relacionadas a benefícios indevidos em favor do ex-presidente Lula” e argumentam que os que fizeram delação premiada estabelecem a ligação das vantagens indevidas, por parte do Grupo Odebrecht, à obtenção de benefícios em detrimento da Petrobras.

Essa relação de conexidade, negada por Dias Toffoli, torna-se ainda mais evidente, dizem os procuradores, em razão do processamento de ações penais por fatos análogos. A vinculação dos fatos com propinas pagas no âmbito da Petrobras, afirmam os procuradores, decorre de um amplo conjunto de provas, entre elas documentos, perícias, testemunhas e depoimentos dos colaboradores inseridos nos autos das investigações e ações penais que tramitam no Juízo de Curitiba.

Eles ressaltam que essas provas foram, em grande parte, colhidas muito antes da colaboração da Odebrecht, demonstrando que havia um caixa geral para pagamento de propinas abastecido com dinheiro proveniente de, entre outros, dos crimes de cartel, fraude a licitações e corrupção de diversos contratos das empreiteiras com a Petrobras.


Merval Pereira: Precedente perigoso

A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de tirar da jurisdição do juiz Sergio Moro, de Curitiba, partes da delação da Odebrecht, sob a alegação de que não têm relação com a corrupção da Petrobras, abre um caminho perigoso para a sociedade e benéfico para Lula, que pode chegar até à anulação da condenação do ex-presidente pelo TRF-4.

O objetivo da defesa é, anulando a condenação de segunda instância, tornar o ex-presidente elegível, livrando-o da Ficha Limpa. Ao fim de uma batalha judicial que já leva vários meses, a tese da defesa de que Sergio Moro não é o juiz natural para julgar os casos não diretamente ligados à corrupção da Petrobras ganhou a chancela de três ministros do STF: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Ao mesmo tempo, a defesa do ex-presidente entrou com dois recursos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), para o STJ e o STF, contra a condenação no caso do tríplex de Guarujá (SP), alegando diversas irregularidades no processo, inclusive que o juiz Sergio Moro não deveria estar à frente do julgamento que condenou o ex-presidente Lula.

No recurso especial, a defesa do ex-presidente pede que o STJ absolva Lula ou decrete a nulidade de todo o processo. Os dois recursos também pedem que “seja afastada qualquer situação de inelegibilidade de Lula”. Esse é um recurso obrigatório pela Lei de Ficha Limpa, para que o direito de defesa seja exercido na sua integridade.

Com a decisão de ontem do Supremo, esses recursos acabaram ganhando conotação diferente, pois ela demonstra que o Supremo, em teoria, pode acolher a tese de que Moro não é o juiz natural também do processo do tríplex do Guarujá. Essa tese havia sido rejeitada tanto por Moro quanto pelo TRF-4.

Os advogados de Lula alegavam que, ao afirmar que o tríplex não está diretamente ligado à corrupção na Petrobras, o juiz Sergio Moro desfigurou a denúncia do Ministério Público. A explicação do juiz Moro na ocasião foi de que havia sido reconhecido na sentença que houve acerto de corrupção em contratos da Petrobras, e que parte do dinheiro da propina combinada foi utilizada em benefício do ex-presidente.

Para o juiz, não há nenhuma relevância para caracterização da corrupção ou lavagem de onde a OAS tirou o dinheiro para o imóvel e reformas. Dinheiro é fungível, isto é, pode ser trocado por outros valores iguais. O próprio Sergio Moro escreveu em uma de suas sentenças: “Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos da Petrobras foram usados para pagamento indevido para o ex-presidente”.

Para Moro, não importa de onde a OAS tirou o dinheiro, mas somente que a causa do pagamento tenha sido contrato da Petrobras. No caso da Odebrecht, por exemplo, o dinheiro usado para pagar os diretores da Petrobras vinha de contratos no exterior sem relação com a estatal, mas tinha como objetivo ganhar concorrências na empresa.

Dinheiro não é carimbado com sua origem, mas havia conta-corrente de propina que era abastecida com dinheiro proveniente de corrupção na Petrobras. O detalhe tragicômico é que a decisão do Supremo foi tomada no quarto agravo regimental de petição, com base em embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento.

Outro agravo que a Segunda Turma vai ainda examinar foi encaminhado pelo ministro Edson Fachin, que diz que ele perdeu seu objetivo porque os embargos dos embargos já foram julgados inconsistentes pelo TRF-4. A reclamação da defesa é de que a ordem de prisão de Lula foi dada antes que todos os embargos fossem analisados. Os embargos dos embargos, pelo próprio nome, é uma aberração, uma ação protelatória. A prisão foi decretada porque os embargos dos embargos não têm a menor possibilidade de mudar a condenação. São essas distorções do nosso Sistema Jurídico que levam à impunidade.

Em uma disputa em Goiás, Carlos Alberto Sardenberg mostrou na CBN ontem que houve oito embargos de declaração, dois agravos e dois embargos dos embargos do agravo. A ementa do STJ repete 12 vezes a expressão sem sentido “embargo de declaração dos embargos de declaração dos embargos de declaração”.


Merval Pereira: O papel dos advogados

Num momento em que os advogados estão na berlinda, tão criticados quanto necessários nesses tempos de Lava Jato, o advogado José Roberto Castro Neves não faz por menos. Em livro recém lançado, ele simplesmente defende a tese de que os advogados salvaram o mundo, como está explicitamente no título da obra.

Na opinião arrebatada de outro advogado, Técio Lins e Silva, o livro é uma legítima defesa dos advogados, que os magistrados e membros do Ministério Público deveriam ler. Embora não fale da Lava Jato, José Roberto a considera obra de advogados idealistas, jovens que decidiram enfrentar o sistema, como tantos outros advogados idealistas no passado, que buscavam um mundo mais justo e correto.

No fundo, avalia José Roberto, os valores que animam os procuradores, membros do Ministério Público, delegados da Polícia Federal e juízes, a fim de desbaratar a corrupção no país, são os mesmos que motivaram Calvino, Cromwell, Jefferson, Danton, Gandhi ou Mandela, todos advogados, contra injustiças que encontraram. “A mensagem é de esperança”, acredita o autor.

José Roberto tem uma visão humanista de sua profissão, vê como indispensável ao bom advogado a literatura, a história, as artes, sobretudo define o advogado como aquele que, além de falar pelo outro, deve colocar-se no lugar do outro que representa.

Especialista em Shakespeare, tem um estudo sobre a comédia Medida por Medida em que analisa o Direito à luz dos desdobramentos da peça. E participou de uma antologia de textos de advogados sobre Shakespeare, escrevendo sobre os canalhas que aparecem em suas pecas e como eles são nossos conhecidos até os dias de hoje.

“Como os Advogados Salvaram o Mundo” busca retratar a contribuição da advocacia para a Humanidade e não deixa por menos: os advogados não apenas formaram e modelaram a civilização, mas “salvaram o mundo”. O livro trata, a rigor, de como o homem se relaciona com o arbítrio. A tese, na definição do autor, é a de que os advogados, pela sua atividade, são os primeiros a se confrontar com um estado autoritário.

Em função disso, historicamente, lideraram os movimentos que visavam a assegurar as garantias fundamentais, como a liberdade, a possibilidade de manifestar as opiniões, a isonomia do tratamento, assim como evitar os desmandos dos poderosos (opondo-se, também, à corrupção).

Foi assim com a Revolução protestante – pois Lutero estudou direito e Calvino era advogado. Foi assim com o movimento iluminista – Descartes estudou Direito. Montaigne e Montesquieu também. Nas revoluções que movimentaram a Inglaterra, os advogados estavam à frente: Cromwell era advogado, assim como toda a sua família. A revolução americana foi toda obra de advogados.

José Roberto lembra ainda que, tirando Washington – um militar, pois era necessário expulsar os Ingleses –, todos os demais “founding fathers” eram advogados. Adams, Jefferson, Madison, Hamilton. A Declaração de Independência é um documento jurídico – um libelo contra o rei inglês. A Constituição americana – a primeira desse tipo e a mais longeva – é outro instrumento jurídico que moldou toda a civilização.

A Revolução francesa serve de outra prova de que os advogados estavam no comando desses movimentos: Robespierre, Danton, Saint-Just entre muitos outros advogados comandaram os acontecimentos. A Declaração dos Direitos Universais segue um modelo jurídico. Mais recentemente, outros advogados, como Gandhi e Mandela fizeram toda a diferença, sempre partindo de modelos jurídicos.

José Roberto Castro Neves inclui o Brasil em sua história da advocacia, lembrando advogados importantes como José Bonifácio de Andrada, o Patriarca da Independência, formado em direito em Coimbra, destino da elite na colônia. Aliás, lembra ele, antes, todos os poetas e líderes da Inconfidência Mineira também eram advogados formados em Portugal, pois não havia universidades no Brasil colonial, quando nos Estados Unidos já havia várias.

A classe se envolveu mais no movimento abolicionista e nas campanhas civilistas, nas quais Ruy Barbosa teve posição proeminente. Prudente de Moraes deixou a presidência para reassumir sua banca de advogados em Piracicaba. Getúlio Vargas também era advogado. Hoje – depois de um hiato – temos outro advogado no poder.

Embora não houvesse uma participação direta de advogados na nossa formação, José Roberto Castro Neves lamenta que somos chamados – de forma depreciativa – de o país dos Bacharéis. E registra a seguinte estrofe de autoria desconhecida:

Quando Deus voltou ao mundo,
Para castigar os infiéis,
Deu ao Egito gafanhotos
E ao Brasil deu bacharéis...


Merval Pereira: Sem protelações

Se condenado, Lula não pode protelar recurso. O ex-presidente Lula pode não ter tanto tempo para recorrer contra a inelegibilidade, caso sua condenação seja confirmada pelo TRF-4, quanto sugere a legislação eleitoral. A Lei da Ficha Limpa não fala em recursos, considerando que a segunda condenação é suficiente para impedir uma candidatura. Um de seus autores, Marlon Reis, que na época era juiz, diz que houve inclusão da possibilidade de recurso com prioridade através do artigo 26C da Lei das Inelegibilidades a fim de que não alegassem que o direito a uma medida liminar para suspender os efeitos da lei fora retirado dos condenados.

O artigo foi escrito com a intenção de, ao mesmo tempo em que garante o direito ao recurso, não permitir ações protelatórias. Diz lá que o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso (no caso de Lula, o Superior Tribunal de Justiça) poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

Segundo o Código de Processo Civil, preclusão é a perda de direito de se manifestar, por não ter feito atos processuais na oportunidade devida ou na forma prevista. A lei prevê que “conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)”.

Mantida a condenação da qual derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010). A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito suspensivo (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

Isso quer dizer que, quando os advogados de Lula entrarem com um recurso no STJ contra a decisão do TRF-4, terão também que pedir a suspensão da inelegibilidade. Se não o fizerem, para esperar até agosto, depois da convenção partidária, terão perdido o prazo para anular a inelegibilidade. Prevalecendo essa interpretação, o STJ decidirá simultaneamente o recurso contra a condenação e também sobre a inelegibilidade de Lula, afastando a possibilidade de que o recurso se prolongue até a convenção partidária. Muito antes de 5 de agosto, portanto, a situação de Lula estará definida e, confirmada a sentença condenatória, seu nome não poderá nem mesmo ser apresentado na convenção do PT.

O presidente Michel Temer foi mais um político a dizer que prefere que Lula seja derrotado nas urnas a impedido de se candidatar à Presidência da República este ano. O raciocínio, que aparenta ser uma defesa da democracia, peca pela base e segue a mesma linha do mantra petista de que “eleição sem Lula é golpe”.

Se o ex-presidente for impedido de se candidatar, terá sido em decorrência de uma lei, e não há possibilidade de uma legislação em vigor valer para uns e não para outro, mesmo que esse outro seja um líder popular e ex-presidente da República. Ao contrário, esses atributos só fazem aumentar sua responsabilidade diante da sociedade e, consequentemente, a gravidade de sua culpa.

Condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro, os petistas e Lula resolveram denunciar não apenas uma suposta parcialidade do juiz de Curitba, como também dos desembargadores do TRF-4, que julgarão seu recurso na próxima semana. Se para Lula não há juízes isentos, ou se apenas sua absolvição demonstrará que no Brasil a Justiça é independente, estaríamos diante de um impasse institucional grave. É o mesmo que dizer que somente as urnas podem condená-lo, como sugere o presidente Michel Temer.

Como se sabe, as urnas não absolvem ninguém, pois se assim fosse diversos deputados hoje envolvidos na Operação Lava-Jato, alguns condenados como Eduardo Cunha, teriam um salvo-conduto como vencedores de eleições.

A Lei da Ficha Limpa, projeto de lei de iniciativa popular que reuniu cerca de 1,6 milhão de assinaturas, teve o objetivo de impedir que candidatos já condenados por um colegiado de juízes (segunda instância) pudessem disputar a eleição, adequando as regras de elegibilidade à necessidade de moralidade dos agentes públicos.

Não é uma legislação autoritária. Foi concebida pela sociedade, apoiada por parlamentares que assumiram a autoria da proposta, aprovada pela Câmara e Senado e sancionada pelo então presidente Lula.

 


Merval Pereira: Pequenos avanços 

Independentemente do sistema eleitoral que venha a ser aprovado (ou não) pela Câmara, uma coisa é certa: os deputados, enfim, entenderam que a opinião pública não aguenta mais ser ludibriada. A decisão unânime (se não contarmos o gaiato que votou a favor) de retirar o percentual de 0,5% da receita líquida para definição do fundo de financiamento das eleições dá a dimensão desse entendimento e torna praticamente impossível que haja um golpe na Comissão de Orçamento para fixar nos mesmos R$ 3,6 bilhões ou mais o tamanho do Fundo.

Essa hipótese foi levantada por vários deputados, que temem que a existência do fundo sem um valor previamente fixado seja um cheque em branco para a Comissão de Orçamento. Não creio que essa teoria da conspiração tenha base na realidade, pois, para fixar o valor do fundo, será preciso enquadrá-lo no teto de gastos e adaptá-lo ao Orçamento, o que quer dizer que verbas terão que ser remanejadas.

Os parlamentares se verão diante da árdua tarefa de tirar verbas da Saúde, Educação, de investimentos públicos no já escasso Orçamento da União para prover suas necessidades nas campanhas eleitorais. Não será uma tarefa fácil enganar o cidadão dessa maneira e ainda querer ganhar seu voto em 2018.

Outro dado interessante que saiu da sessão de ontem da Câmara foi a discussão sobre o sistema eleitoral. Pelo visto, não há votos suficientes para aprovar uma emenda constitucional mudando o atual sistema proporcional nem para aprovar o distritão, muito menos o distritão misto ou o distrital misto para 2022.

Tudo parece se encaminhar para a manutenção do sistema proporcional com as alterações que foram aprovadas em outra comissão especial, a cláusula de desempenho e o fim das coligações proporcionais. A discussão vai se dar em torno das medidas paliativas que foram incluídas no texto para preservar o máximo possível as pequenas legendas, não apenas aquelas tradicionais e programáticas como o PCdoB ou o PSOL ou o PV, mas a maior parte dos partidos nanicos que vivem do fundo partidário e do tempo de propaganda oficial no rádio e televisão como se fossem empreendimentos comerciais.

A invenção das federações partidárias é uma dessas jabuticabas que ajudarão a sobrevivência dessas legendas de aluguel, mas pelo menos tem a vantagem de obrigar os partidos que fazem parte dela a atuarem em conjunto durante toda a legislatura.

Isso garante pelo menos a coerência programática dessa federação, de modo que o voto do eleitor não será usurpado por uma legenda de tendência ideológica completamente diferente da sua.

O que tem que ser barrado no plenário são as subfederações regionais, que podem ser criadas por alguns dos partidos que fazem parte da federação nacional, mas com um detalhe que distorce tudo: no plano regional, é permitido a esses partidos atuar sem ser em consonância com a orientação da federação.

Ora, nesse caso, estarão de volta no plano regional os efeitos maléficos das coligações proporcionais, com suas distorções programáticas. Esses penduricalhos foram criados, conforme, aliás, confessou candidamente a relatora do projeto, a deputada Shéridan, para que a maioria dos partidos possa passar pelas cláusulas de desempenho que serão exigidas.

O início da limitação dos partidos será com um sarrafo bastante baixo, de 1,5% dos votos nacionais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas, ou eleger pelo menos 9 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. Para a eleição de 2022, a exigência passará a ser de 2% dos votos válidos, em pelo menos um terço das unidades da Federação, com mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas ou eleger pelo menos 11 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. Em 2026, a exigência passa a 2,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com mínimo de 1,5% dos votos válidos em cada uma delas; ou eleger em pelo menos um terço das unidades da Federação um total de 13 deputados.

Até que, em 2030, a cláusula de desempenho passará a ser de 3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas; ou eleger pelo menos 15 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. O importante é que os partidos que não atingirem as metas não terão direito nem ao fundo partidário nem ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão. Funcionarão na Câmara e no Senado com restrições, não podendo participar de comissões, por exemplo.

 


Merval Pereira: Racha saudável  

“É bom que rache, há momentos na vida em que é preciso tomar uma decisão”. Assim o presidente em exercício do PSDB, senador Tasso Jereissati, reagiu às críticas ao programa partidário que assumiu os erros cometidos no passado e mostrou o partido disposto a recuperar seu eleitorado.

O PSDB, criado depois do rompimento com o MDB por causa do fisiologismo comandado por Orestes Quércia, agora se vê às voltas com o fisiologismo do governo Temer, que tem sob controle o PMDB, que, sintomaticamente, quer voltar a ser MDB. Mas será o MDB de DNA quercista, e não o de Ulysses Guimarães.

Romper agora novamente devido ao fisiologismo estaria de acordo com a linha programática do partido. Ajudar o governo de transição de Temer estava dentro do que o PSDB deveria fazer, por ser a solução constitucional e, inclusive, porque o partido apresentou um programa de governo reformista que tinha tudo a ver com o programa do PSDB.

Mas, após a divulgação da conversa com Joesley Batista, ficou difícil justificar a permanência no governo e houve o racha no partido. Um grupo forte, especialmente na Câmara, formado por jovens deputados tucanos e mais vereadores e prefeitos, chamados de “cabeças pretas” por serem a nova geração do partido, paradoxalmente encontrou em dois “cabeças brancas” o apoio para a mudança: Jereissati, que assumiu a presidência interina do PSDB com o afastamento do senador Aécio Neves, e o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.

Presidente de honra do partido, ele diz de brincadeira que não tem influência alguma, mas, na prática, é quem dá a linha programática do partido nas palestras que profere e nos artigos que escreve. Pelo menos mostra a direção que o partido deveria tomar, uma indicação muito mais próxima dos que desejam a retomada de posições iniciais do PSDB do que da cúpula partidária, adepta da velha politicagem de bastidores.

Um exemplo recente foi a carta dos economistas tucanos Elena Landau, Edmar Bacha, Gustavo Franco e Luiz Roberto Cunha para Jereissati, de apelo para que a sigla deixe o governo Temer. Eles integram o grupo de economistas ligados à PUC-Rio que definiu a política econômica do governo FH, especialmente na elaboração e execução do Plano Real.

Os economistas chegaram a pensar em se desfiliar do PSDB, mas decidiram aguardar a convenção do partido, que deve se realizar ainda em agosto. Depois do programa partidário de televisão, vários deles já procuraram Tasso para congratulá-lo pela coragem de encarar as questões fundamentais que o partido enfrenta. Continuam defendendo que o PSDB entregue os quatro ministérios que tem, mas mantenha o apoio à equipe econômica e às reformas estruturais que forem a votação no plenário do Congresso.

O senador Ricardo Ferraço também faz parte desse grupo que quer recuperar a linha programática do antigo PSDB e diz que é preciso assumir que o partido associou-se a um modelo falido que precisa ser modificado. Já o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, um dos principais nomes do partido, ficou irritadíssimo e soltou uma nota no seu Facebook afirmando que o programa era um “monumento à inépcia publicitária” e expressão “de uma confusão política digna de figurar numa antologia do gênero”. Segundo ele, o programa diz que o “o PSDB errou, sem dizer exatamente onde está o erro” e reagiu a declarações sobre corrupção generalizada.

A expressão “presidencialismo de cooptação”, sugerida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi o que mais irritou tanto a cúpula do Palácio do Planalto quanto os ministros tucanos, que se indignaram com a insinuação de que estariam no Ministério por interesses escusos.

O movimento contrário à atual direção partidária tenta fazer com que o grupo do senador Aécio Neves retome a presidência, para ele próprio ou outro membro mais ligado ao grupo que quer se manter no governo. Como prevê Jereissati, está chegando a hora da definição para o PSDB, que tem na sua ala mais forte, a paulista, uma concordância entre o prefeito João Doria e o governador Geraldo Alckmin para a manutenção da linha reformista da direção partidária atual.

 


Merval Pereira: Disputa de poder

O episódio da prisão de membros da Polícia Legislativa do Senado acusados de estarem agindo para obstruir as investigações sobre senadores envolvidos na Lava-Jato é a explicitação de uma disputa entre o Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Legislativo, empenhado em aprovar uma legislação que limite as investigações.

Esses limites, segundo os parlamentares, são os da lei, que consideram estar sendo ultrapassada em muitos casos. Já o Ministério Público e o próprio juiz Sérgio Moro acham que os políticos querem colocar obstáculos ao combate à corrupção. É provável que o presidente do Senado, Renan Calheiros, que responde a 9 processos no Supremo, a maioria ligada à Lava-Jato, faça reclamação ao STF pelo que teria sido invasão do Senado pela Polícia Federal.

A alegação oficial é que a ação da PF foi contra funcionários do Senado, que não têm foro privilegiado, e por isso ela tem validade apenas com a autorização de um juiz de primeira instância. Como, porém, diversos computadores e outros instrumentos eletrônicos foram apreendidos, é provável que informações sobre senadores venham a ser reveladas.

Nesse caso, a Polícia Federal pode alegar que é uma “prova achada”, isto é, que surgiu indiretamente de outra investigação, não devendo ser anulada, mas o Supremo certamente será chamado a decidir a disputa. Há rumores no Senado de que os integrantes da Polícia Legislativa faziam trabalhos paralelos que podiam incluir a vigilância de senadores por seus adversários políticos no próprio Senado.

Episódios recentes mostram como a disputa entre polícia do Senado e PF vem se agravando. Além do caso do apartamento da senadora Gleisi Hoffmann, que integrantes da Polícia Legislativa tentaram proteger impedindo a ação da PF, houve outro caso, mais grave.

Quando a Polícia Federal chegou à Casa da Dinda, onde reside o senador Fernando Collor, a Polícia Legislativa foi acionada e enviou para lá um batalhão de homens armados que tentaram impedir que computadores e outros documentos fossem retirados da residência, inclusive a frota de carros importados. Por pouco não houve confronto físico.

A ação da PF no Senado reforçou a iniciativa de aprovar lei contra o abuso de autoridade, que o MP considera um atentado à magistratura, comprometendo o combate à corrupção. O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima disse ao “Estadão” que a lei sobre o abuso de autoridade representa um golpe contra a Lava- Jato: “A aprovação da lei de abuso de autoridade pode significar o fim da Lava-Jato; inclusive eu pessoalmente, se essa lei for aprovada, não vou continuar”.

Ele considera que o projeto pretende criar constrangimentos para quem investiga situações envolvendo pessoas poderosas, especialmente empresários e políticos. Com a aprovação da lei, Carlos Fernando diz que os investigadores serão ameaçados “por corruptos e bandidos em geral, porque vão estar expostos a todo tipo de retaliação”.

A atuação da Polícia Legislativa foi considerada a de uma “organização criminosa armada”, e os agentes presos estarão sujeitos às penas da lei 12.850, de 2 de agosto de 2013. As investigações indicam que ela atuava como uma “guarda pretoriana” ou, como registrei ontem na coluna, uma milícia a serviço da proteção dos senadores.

Por enquanto não há denúncia direta de que esse grupo obedecia a Renan, mas as investigações caminham nessa direção. Nesse caso, as malhas do § 2º do art. 2º da lei que trata da organização criminosa se abateriam sobre Renan, agravando ainda mais sua situação: “A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução”.

O artigo 2º, § 5º, esclarece: “Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual”.

“Indícios”, diz o texto legal, e não provas. “Investigação”, e não ação penal. Se a Procuradoria-Geral da República, em resposta a uma provável reclamação do Senado, encaminhar ao STF pedido de afastamento de Renan da presidência da Casa, a crise institucional ganhará proporções perigosas.(O Globo)


Fonte: pps.org.br