meio ambiente
Folha de S. Paulo: Ressuscitada por Bolsonaro, rodovia ameaça região de maior biodiversidade do Brasil
Dois projetos de lei preveem a construção de rodovia que dividiria em dois o Parque Nacional da Serra do Divisor (AC) e a privatização de seu território, abrindo caminho ao desmate, ao gado e à extração mineral
Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida, Folha de S. Paulo
Em todo o mundo, o pássaro choca-do-acre só foi encontrado em um único cume dentro do Parque Nacional (Parna) da Serra do Divisor. O habitat do animal arisco e de plumagem escura se limita a um bosque de vegetação baixa, um dos dez tipos de floresta encontrados nessa unidade de conservação, localizada na fronteira do Brasil com o Peru.
Habitat de outros animais endêmicos e de ao menos 1.163 espécies de plantas, a Serra do Divisor é uma das regiões de maior biodiversidade do mundo. Apesar disso, dois projetos em paralelo preveem a construção de uma rodovia dividindo o parque em dois e a privatização do território do Parna, abrindo caminho ao desmatamento, ao gado e à extração mineral.
As propostas são impulsionadas por dois parlamentares bolsonaristas do estado do Acre. A ideia da estrada foi encampada pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido), que já tomou os primeiros passos para a construção do lado brasileiro da rodovia, mas ainda não se pronunciou sobre o projeto de lei em tramitação no Congresso que revoga o Parna da Serra do Divisor.
O prolongamento da BR-364, que hoje termina em Mâncio Lima (670 km de Rio Branco) começou a ser discutido na década de 1970, durante a ditadura militar e está previsto no decreto de criação do Parna, em 1989, durante o governo José Sarney (PMDB). Mas o projeto parecia esquecido com a inauguração, em 2010, da Rodovia Interoceânica (Estrada do Pacífico), que já liga o Acre e o Brasil à costa peruana.
Então começou o governo Bolsonaro. Em 2020, três ministros de Bolsonaro já estiveram no Acre para tratar do assunto. Em junho, Ricardo Salles (Ambiente) visitou a área onde a obra teria início. Em setembro, o então chanceler Ernesto Araújo e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) passaram por Cruzeiro do Sul, a maior cidade da região do Vale do Juruá, por onde a via cruzaria. Reuniram-se com políticos locais e peruanos.
Também em setembro, o próprio presidente defendeu o projeto em uma live no Facebook, argumentando que abrirá uma passagem do Brasil para Pacífico —ecoando o discurso do então presidente Lula (PT) nos anos 2000, quando viabilizou a primeira rodovia, em parceria com o colega peruano Alejandro Toledo, hoje foragido da Justiça.
O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) afirma que lançará até junho o Termo de Referência para a contratação do projeto, orçado em pelo menos R$ 500 milhões, segundo estimativa oficial.
A autarquia informou que ainda não foi definido o traçado detalhado da rodovia federal, mas que o lado brasileiro terá cerca de 120 km, dos quais 20 km (17%) dentro do parque da Serra do Divisor e que, para este ano, “estão previstos recursos suficientes para o desenvolvimento das ações de estudos e projetos do empreendimento”.
Na região, o projeto divide opiniões.
Lideranças indígenas e ribeirinhos afirmam que até agora não foram consultados sobre a rodovia —como determina a legislação— e preveem impactos socioambientais negativos. "Até hoje, a primeira pessoa que chegou perguntando pra mim falar sobre a estrada é o senhor”, disse à Folha o cacique Joel Puyanawa, em conversa no centro cultural do seu povo.
Separada do casco urbano de Mâncio Lima (AC) por uma estrada de terra de 10 km, a Terra Indígena Poyanawa, com cerca de 680 moradores, fica na área de influência direta da rodovia. Salles esteve ali em 27 de junho, mas Joel não se reuniu com ele. Diante de lideranças indígenas, o ministro discursou que “o tempo é de integração”, ao defender o projeto rodoviário.
“O entorno da nossa terra já está todo comprometido. Já sabemos o prejuízo que as invasões causam. Os brancos vivem caçando na nossa terra, e as instituições ambientais não têm uma política para impedir. Imagina uma rodovia. Quantos milhões de pessoas vão transitar? Vai aumentar o agronegócio? Vai. Mas a nossa sobrevivência não está no agronegócio”, diz o cacique, vereador pelo PT.
Puyanawa teme também que a rodovia passe por cima de uma área sagrada fora da terra indígena demarcada. Foi nessa região que, por volta de 1910, seu povo foi capturado para ser escravizado pelo coronel seringalista Mâncio Lima (1875-1950). Apesar disso, é retratado como herói pela história oficial, a ponto de ser homenageado com o nome da cidade.
“Essa rodovia ameaça 100% a nossa terra, destrói o nosso sítio sagrado. Basta o prejuízo que tivemos com o coronel. Se a rodovia sair, extermina a história do nosso povo”, afirma.
Por outro lado, prefeitos e empresários apostam na estrada para acabar com o isolamento geográfico da região mais ocidental do país. Apesar de ser do mesmo Partido dos Trabalhadores, o prefeito reeleito de Mâncio Lima, Issac Lima (não é parente do coronel), é um entusiasta da estrada —a ponto de ter aberto, por conta própria, uma picada de 40 km no provável traçado da rodovia.
Para o petista e pecuarista, a conexão com Pucallpa, a 740 km de estrada de Lima, traria benefícios para a cidade de 19 mil habitantes, que vive principalmente da pecuária e da agricultura familiar. “A estrada ligaria o mundo todo e traria pra nossa região aqui, com certeza, o desenvolvimento, o crescimento, e Mâncio Lima seria a porta de entrada.”
O principal responsável pela retomada da ideia é o senador Márcio Bittar (MDB-AC). Aliado incondicional de Bolsonaro, como ele mesmo se define, ele ocupa o estratégico cargo de relator do Orçamento de 2021, o que lhe dá o poder de direcionar verbas para a estrada, entre outras atribuições.
Em paralelo, a deputada federal bolsonarista Mara Rocha (PSDB-AC) apresentou, em novembro de 2019 o projeto de lei (PL) 6.024, que transforma o Parque Nacional em APA (Área de Proteção Ambiental), o nível de proteção mais baixo entre áreas protegidas. A mudança abriria caminho para a privatização das terras, desmatamento, extração de madeira, fazendas de gado, mineração e a exploração de gás de xisto.
Mais reticente, o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), não esteve presente em nenhuma das visitas ministeriais para tratar da estrada. Por telefone, ele disse à Folha que o projeto é de “médio a longo prazo” e que o estado tem outras prioridades, como incrementar o uso da primeira rodovia interoceânica, hoje subutilizada.
Cameli diz que é contra o rebaixamento do parque para APA e que sua principal preocupação sobre a estrada é com o possível aumento de contrabando de cocaína peruana na região de Cruzeiro do Sul, a principal rota de entrada ao Acre. “[As quadrilhas] estão dominando. As fronteiras precisam da maior presença do Estado de Direito.”
Em reação à forma como a rodovia está sendo planejada pelo governo federal e pelos parlamentares, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito para investigar irregularidades na condução do projeto.
Segundo o procurador da República Lucas Costa Almeida Dias, o objetivo é assegurar que as “comunidades indígenas sejam consultadas de forma prévia, livre e informada”, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
O procurador Dias defendeu que o trajeto da estrada considere a possível presença de indígenas isolados e que o licenciamento seja feito pelo Ibama, com a participação da Funai, e não pelo órgão ambiental estadual, mais suscetível a pressões políticas.
RIBEIRINHOS E INDÍGENAS
A Folha visitou a região norte da Parna da Serra do Divisor entre o final de outubro e início de novembro de 2020. Foram 9 horas de barco pelo rio Moa desde Mâncio Lima até a comunidade Pé da Serra, o povoamento mais ocidental do Brasil.
Com três pousadas mantidas por moradores, é a base para turistas em busca das cachoeiras, das vistas panorâmicas e das trilhas pela mata. Um dos locais mais belos e impressionantes é o cânion do rio Moa. São 40 minutos de barco entre montanhas verdes, um cenário associado à Amazônia peruana, próxima dos Andes, mas incomum no Brasil
Apesar de ser vetado pela legislação, cerca de 350 famílias de ribeirinhos vivem dentro do parque, ao longo dos rios Moa e Juruá-Mirim. A maioria delas já morava quando o parque foi criado, mas, passadas três décadas, o o governo federal nunca concluiu o reassentamento dessas famílias. Em Pé da Serra, elas vivem do turismo, da agricultura não mecanizada, da caça e da pesca.
A eletricidade vem de geradores e de placas solares. As casas, distribuídas ao longo das margens, chegam até perto das primeiras montanhas, que amanhecem cobertas de névoa. O transporte é feito em canoas com rabetas, motores de pequena potência pilotados por adultos e crianças. Sem internet, um único telefone público faz a comunicação com o mundo.
Nascida e criada à beira do rio Moa, a agricultora Eva Maria Lima da Silva, 41, diz que é contrária tanto à extinção do parque quanto à abertura da estrada. Cozinheira da pioneira Pousada do Miro, ela diz que o parque impediu o avanço do gado e que o turismo é a melhor alternativa econômica.
“Se a estrada sair, vai prejudicar o nosso parque. Seria bom pela rapidez, mas, viajando pelo rio, a nossa estrada, quantas belezas não vou vendo? Quantas matas não estão preservadas?”, afirmou.
Outro morador antigo, o agricultor e artesão João Silva, 51, afirma que a estrada seria benéfica para diminuir o isolamento da comunidade: “De repente, a gente precisar ir pra rua, pegava a estrada, é mais rápido”.
Por outro lado, discorda da proposta de extinguir o parque, projeto que os moradores desconheciam até serem questionados pela reportagem.“Num sentido, achava bom porque o cara podia achar um emprego. Mas deixar sem explorar seria melhor. Ficamos tranquilos, ninguém vai mexer conosco. Se vier esse pessoal, vai tirar muita gente daqui. Os fazendeiros vão entrar, comprar, os caras vão ter de sair.”
Vizinhos ao parque e habitantes históricos do rio Moa e da Serra do Divisor, os indígenas nukinis rechaçam tanto o plano da estrada quanto a transformação do projeto em APA, segundo o cacique Paulo Nukini, 39. Ele não foi consultado sobre o projeto. Seu povo reivindica que parte do parque seja anexada ao território indígena, homologado em 1991.
“Somos contra porque sabemos que vai trazer muito impacto, muito desmatamento. Pode crescer acesso maior dos contrabandos [tráfico de cocaína]. E vai deixar a nossa serra com bastante risco de contaminação. Pra nós, nukinis, a serra é um recanto sagrado”, afirma a liderança, em conversa diante da sua aldeia, à beira do rio. “O Brasil viveu até hoje sem precisar dessa travessia aí.”
A preocupação com o tráfico tem fundamento. O lado peruano da fronteira tem sofrido com o aumento de plantio ilegal de coca e de presença de quadrilhas de narcotraficantes. A droga atravessa o Brasil por meio de rios e picadas na selva.
PARAÍSO DOS PESQUISADORES
A alta biodiversidade e endemismo da Serra do Divisor decorrem principalmente da altitude variada, entre 200 e 650 metros. Além disso, possui os três tipos de rio existentes na Amazônia: água branca (barrenta), água preta (cor de chá preto) e água clara (transparente). Finalmente, é a única área de proteção integral do Brasil que contém uma ramificação da cordilheira dos Andes, incluindo parte de sua flora e fauna.
“Desde 1901, houve cerca de 3.500 coletas botânicas na Serra do Divisor, com o registro de 1.163 espécies”, diz o biólogo da Universidade Federal do Acre (Ufac) Marcos Silveira, que pesquisa no local há 24 anos. “O número de espécies de plantas vasculares [com vaso de condução de seiva] representa 8,3% da diversidade conhecida na Amazônia.”
O catálogo não para de crescer. Junto com outros pesquisadores, o biólogo prepara um artigo no qual mostra que a lista de espécies registradas no parque aumentou 63% desde 1997, quando havia 720 plantas identificadas. Em média, são três espécies encontradas na Serra do Divisor a cada dois meses, entre novas para a unidade de conservação, desconhecidas no Acre e até mesmo inéditas para a ciência.
A fauna não fica atrás. “Quando fazemos inventários, sempre temos uma chance grande de coletar espécies novas. É impressionante”, afirma o biólogo Elder Morato, da Ufac.
Duas espécies de abelha descobertas no Divisor foram nomeadas em sua homenagem: Euglossa moratoi, uma das cerca de 30 espécies de abelha das orquídeas encontradas no parque, e a Dolichotrigona moratoi, uma das aproximadamente 60 abelhas nativas sem ferrão e melíferas.
Outra abelha sem ferrão descoberta no parque é a Celetrigona euclydiana, uma homenagem ao escritor Euclides da Cunha, que, no início do século 20, esteve no Acre para chefiar os trabalhos de delimitação da fronteira do Brasil com o Peru.
"Para nós, biólogos, a Serra do Divisor é bastante emblemática. Não é exagero dizer que todos sonham em algum dia visitá-la”, afirma um comentário assinado pelos pesquisadores Leandro Moraes (Universidade de São Paulo), Tomaz Melo (Universidade Federal do Amazonas e Raíssa Rainha. Todos são também ligados ao Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), com sede em Manaus.
Em novembro de 2019, os três participaram de uma expedição de pesquisa para um censo de vertebrados para marcar o aniversário de 30 anos do parque. Eles encontraram cerca de 80 espécies de anfíbios e 40 espécies de lagartos e cobras.
Também foram identificadas 326 espécies de aves, dos quais ao menos 5 novos registros para o parque, que já ultrapassa 500 espécies listadas de pássaros. Um deles se tornou o símbolo da região: o choca-do-acre (Thamnophilus divisorius). Morador das áreas mais altas, só existe ali em todo o planeta.
“Essa diversidade expressiva só é documentada em outras regiões da Amazônia após décadas de levantamento no mesmo local. Na Serra do Divisor, registramos em menos de 15 dias de amostragem. Muitas dessas espécies são bastante restritas a essa região e já deixam de ocorrer no sentido leste do Acre”, afirmam os pesquisadores.
Tanta diversidade levou o Ministério do Meio Ambiente a protocolar a candidatura, em 2017, do Parque Nacional da Serra do Divisor como Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade junto à Unesco (ONU). Essa distinção só foi concedida a apenas duas outras regiões da Amazônia: o Parque Nacional Manú, no Peru, e a Amazônia Central, um conjunto de quatro unidades de conservação no estado do Amazonas (Jaú, Anavilhanas, Mamirauá e Amanã).
A proposta, no entanto, acabou retirada dias depois por pressão do Conselho de Defesa Nacional, órgão ligado ao Palácio do Planalto —na época, ocupado por Michel Temer (MDB). A alegação foi ameaça à segurança nacional.
PEDREIRA NO PARQUE
No PL, a deputada Mara Rocha —irmã do vice-governador, o major da PM Wherles da Rocha— usou 213 palavras para justificar o fim do parque nacional. Nenhum estudo ambiental ou econômico é citado para justificar o fim da única unidade de conservação brasileira de proteção integral situada dentro de uma área pré-andina, onde há uma transição entre a fauna e flora andina e da Amazônia baixa.
Para a deputada, a existência do parque de 837 mil hectares (o nono maior do país) “vai de encontro aos interesses e necessidades do povo acreano” por se tratar da “única região do estado que possui rochas que podem ser extraídas e utilizadas na construção civil, de maneira a fomentar o desenvolvimento econômico do estado”.
Em vídeo divulgado em janeiro de 2019, ela afirma que o objetivo é que o parque passe a permitir ocupação humana e que o “projeto é de autoria do senador Márcio Bittar”.
Por telefone, Bittar tentou se desvencilhar da iniciativa da aliada. Disse que não é “idiota” de apresentar o PL para extinguir o parque, mas defendeu o seu teor. “A Alemanha, que banca ONG ligada à mídia nacional, fez uma Itaipu e meia em termelétrica, cavando buraco na terra por carvão. Agora, nós, no Acre pobre, miseráveis, na Amazônia miserável, não temos pedra.”
"Se dentro da reserva tiver uma jazida de pedra e não dá um quilômetro quadrado, não pode tirar porque a lei diz que não pode tirar. Se tiver petróleo lá dentro, pode tirar? Não pode. E vai continuar assim porque não sou idiota e sei que, se eu apresentar um projeto de lei desses, não passa”, completou.
A reportagem tentou falar com Mara Rocha, mas a deputada federal não respondeu ao pedido de entrevista.
PRIMEIRA INTEROCEÂNICA
O fato é que, desde 2010, o Acre já tem uma ligação ao Pacífico peruano, via Assis Brasil (AC). Porém a obra, quase toda executada no país vizinho, não cumpriu a promessa de transformar o estado amazônico em polo exportador ou corredor para a Ásia. No Peru, a rodovia desatou a explosão do desmatamento e da madeira ilegal e está no centro da “Lava Jato peruana”, escândalo de corrupção que abalou a política do país vizinho.
No ano em que a obra foi inaugurada, as exportações do Acre representavam 0,4% do PIB estadual. Em 2018, último dado disponível, esse percentual subiu apenas para 0,7%. Os dados são do Ministério da Economia e do IBGE.
Esse aumento da participação das exportações no PIB acreano ocorreu em ritmo menor em comparação com a região Norte. Em 2010, as vendas ao exterior dos sete estados somavam 14%. Oito anos mais tarde, esse percentual havia subido para 17,4%.
O Acre é o estado menos exportador do Norte. Em 2019, as vendas aos exterior somaram US$ 31,5 milhões —somente 0,2% das exportações da região.
“A estrada não mudou a realidade econômica do Acre, exceto para passear de automóvel até Lima, Cuzco”, diz o presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), o empresário acreano George Pinheiro.
“A expectativa era de que grande parte das empresas transportadoras faria uma via mais barata e ir pra China, pro Japão. Nada disso aconteceu”, afirma Pinheiro.
Questionado sobre o baixo impacto econômico da estrada que já funciona há dez anos, o senador Bittar disse que a rodovia é “inviável” pelo excesso de curvas e pela altitude elevada do percurso pelos Andes.
"A estrada que sai por Assis Brasil (AC) tem um problema grave, sai na cordilheira alta e pega quase 5.000 metros de altura, não tem carreta que ande ali, tem tanta curva que é inviável”, afirmou. “A saída econômica mais importante é pelo Juruá porque a cordilheira alcança 2.000 metros de altura.”
Esse argumento, usado também por Bolsonaro em setembro, está errado. Entre Pucallpa e Lima, onde está o principal porto do país (Callao), a estrada passa por Cerro de Pasco, uma das cidades mais altas do mundo, a 4.338 metros de altitude.
Bittar admitiu que não há nenhum estudo oficial de impacto econômico da estrada concluído, mas que ele propôs a criação de um comitê binacional para “levantar todo o portfólio de ambos os lados: o que eles têm que nos interessam, e o que nós temos que os interessam”.
Apesar de defender a nova estrada, Pinheiro afirma que a conexão entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, cidade com cerca de 380 mil habitantes, é uma necessidade sobretudo local. “Em termos de distâncias amazônicas, é muito pequena [210 km em linha reta]. E seria uma ligação com uma cidade peruana com grande movimento comercial, industrial.”
Para o líder empresarial, a retomada do projeto se deve sobretudo à “nova perspectiva política”: “Há novos atores que querem fazer a estrada. Todo mundo quer ter o carimbo: ‘Fui eu que fiz a estrada’. Isso dá sustentação política, o que acho isso lícito, normal.”
*A viagem dos repórteres Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida foi patrocinada por InquireFirst e pelo Departamento de Educação Científica do Instituto Médico Howard Hughes (HHMI).
Com Bolsonaro, país aumenta risco de ficar fora de negociações da política externa
Avaliação é do professor no Insper Leandro Consentino, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O Brasil corre o risco de ficar de fora das principais mesas de negociações por conta da política externa do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), isolando-se da futura governança global. O alerta é do doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) Leandro Consentino, professor no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
Estados devem reconstruir os organismos internacionais quando a pandemia da Covid-19 tiver fim, segundo Consentino. Ele publicou artigo de sua autoria na revista Política Democrática Online de abril, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. O acesso é gratuito no portal da entidade.
Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021
Bacharel em Relações Internacionais e também professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o analista de política externa diz que o país interrompeu um "círculo virtuoso” com o mundo após a vitória de Bolsonaro, em outubro de 2018.
Além disso, segundo artigo de Consentino na revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), a situação piorou ainda mais com a subsequente nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de ministro de Relações Exteriores.
“Com uma visão que preconizava completo alinhamento com os Estados Unidos, à época governados por Donald Trump, e outros países governados por populistas conservadores, a política externa brasileira esposou a antítese do paradigma de Azeredo da Silveira, pautando-se por um ideologismo irresponsável”, analisa o autor do artigo na revista mensal da FAP.
Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online
“Governo de turno”
De maneira cada vez mais alheia aos anseios brasileiros, segundo Consentino, “o governo de turno prefere privilegiar suas convicções políticas e ideológicas em detrimento do interesse nacional”.
Assim, conforme acrescenta, o governo coloca em risco os esforços de política externa, conquistados nas últimas décadas e prejudicando a economia e a sociedade brasileira em um momento tão grave como o atual.
“Foi dessa forma que ficamos para trás na corrida pelas vacinas e que tivemos os insumos atrasados por algumas semanas, perdendo centenas de vidas pelo caminho”, lamenta o professor no Insper.
Isolamento
Dessa forma, destaca o autor do artigo na revista da FAP, quando a pandemia tiver fim e os Estados decidirem a reconstrução de organismos internacionais pautados na questão sanitária e na recuperação da economia, o Brasil pode não ser convidado às principais mesas de negociações, isolando-se da futura governança global. “Eis o risco que ora enfrentamos e que precisamos evitar a todo custo”, afirma.
A íntegra da análise de Consentino pode ser vista na versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.
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Fonte:
Carlos Nobre: 'Brasil precisa diminuir desmatamento da Amazônia ainda neste ano para não receber sanções'
Cientista defende que o grande potencial econômico da floresta é mantê-la em pé, mas que é preciso um forte combate ao crime organizado para zerar a degradação o quanto antes
Felipe Betim, El País
O climatologista Carlos Nobre é uma das principais vozes da ciência que alertam para os riscos de savanização da Amazônia caso o desmatamento não seja freado e zerado até, no máximo, 2030. Em entrevista ao EL PAÍS por telefone às vésperas da Cúpula do Clima, o cientista afirmou que ou o Governo Jair Bolsonaro muda sua conduta ou corre o risco de sofrer sanções econômicas. “Se o Brasil quiser deixar de ser o pária ambiental do planeta, não dá para ficar em cima do muro nem deixar para mudar de postura depois, para a COP-26”, explica o cientista, referindo-se à conferência do clima da ONU que será realizada em novembro deste ano, em Glascow (Escócia). “Eu acho que vai ter muita sanção econômica. Podem enterrar de vez o acordo entre Mercosul e União Europeia, por exemplo. Por isso, é muito importante que o desmatamento caia ainda neste ano. Já se sabe que não vai cair muito, mas não pode crescer”, alerta ele.
Atualmente, pouco mais de 80% da cobertura original da Amazônia está preservada. O número parece alto, mas estudos científicos indicam que a floresta está “na beira do precipício da savanização”: a estação seca está três ou quatro semanas mais longa no sul da região e a floresta absorve menos carbono e recicla menos água, explica Nobre. “Há colegas meus que dizem que savanização ja começou. Eu ainda acho que dá para evitar o pior se a gente zerar rapidamente o desmatamento e restaurar grandes áreas, gerando chuvas e diminuindo temperaturas. Mas isso tem que acontecer a jato”. Para salvar a Amazônia, o mundo também precisa ter sucesso na aplicação do Acordo de Paris e não deixar que a temperatura do planeta suba mais que 1,5 grau celsius. Caso contrário, todo esforço de preservação será em vão, explica Nobre. Os desafios são enormes.
Durante seu discurso de três minutos na Cúpula do Clima nesta quinta-feira, Bolsonaro garantiu que o Brasil tem a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030. De acordo com Nobre, mais de 90% de todo o desflorestamento da Amazônia é ilegal e não tem a ver com produção agrícola, mas sim com o mercado de terra. Para mudar esse quadro, é preciso combater o crime organizado, o que praticamente zeraria toda a degradação da floresta, explica. Em sua fala, Bolsonaro reconheceu que medidas de comando e controle são parte da reposta. “Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização”, assegurou o presidente. As metas apresentadas pelos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, foram elogiadas pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em seu discurso de encerramento nesta sexta.
Porém, um dia depois do pronunciamento de Bolsonaro, aconteceu exatamente o inverso do que ele prometeu diante de 40 líderes internacionais: entre os vetos no Orçamento de 2021, o Governo federal cortou nesta sexta-feira 19,4 milhões de reais do Ibama, sendo que 11,6 milhões seriam destinados para atividades de controle e fiscalização ambiental e seis milhões para a prevenção e controle de incêndios florestais. Bolsonaro também retirou sete milhões do ICMBio, outro braço da fiscalização ambiental, que seriam destinados à criação, gestão e implementação de unidades de conservação. Também cortou 4,5 milhões do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. No total, os cortes do Ministério do Meio Ambiente somam 240 milhões de reais para o ano de 2021.
“Tem que haver um esforço de guerra para acabar ou diminuir o crime na Amazônia. Não pode ser só um discurso de tolerância zero, porque na prática o crime continua acontecendo”, enfatiza Nobre. Os anos de 2019 e 2020 registraram um importante aumento no desmatamento. Em 2021, o mês de março foi o pior dos últimos 10 anos. “O general Mourão [vice-presidente e responsável pelo Conselho da Amazônia] afirmou que o Exército iria sair da Amazônia no dia 30 de abril e que o Ibama iria contratar 700 fiscais temporários. Até agora não contratou nenhum. Muitos fiscais foram aposentados por idade ou estão fora de campo com a pandemia”, alerta o cientista, que teme novo aumento do desmatamento a partir de maio, quando começa o período mais seco na região amazônica.PUBLICIDADE
Nobre explica que o desmatamento das florestas tropicais representa 15% das emissões de gás carbônico no planeta, enquanto que a maior parte, 70%, vem dos combustíveis fósseis. Porém, o objetivo global de zerar as emissões até 2050 passa, necessariamente, por zerar o desmatamento ao mesmo tempo que se investe “em um mega projeto de restauração florestal em todos os trópicos para retirar gás carbônico da atmosfera”. Além disso, proteger as florestas significa, também, proteger a biodiversidade. “Existe um simbolismo imenso na proteção da Amazônia”, explica o cientista. Para ele, Biden percebeu essa preocupação dos consumidores de todo o mundo com a proteção da Amazônia. “E o Brasil tem a maior parte da floresta, o maior desmatamento, a maior incidência do crime organizado, de grilagem de terra, de roubo de madeira... Em função dos dois últimos anos de discurso do Governo federal contrário à proteção das florestas tropicais, o país se tornou o centro das atenções.”
Novo modelo econômico para a Amazônia
Nobre defende que a restauração da Amazônia não deve acontecer para compensar novas áreas desmatadas. Zerar o desmatamento e promover a restauração de áreas devem andar juntos. “Há áreas degradadas e baixa produtividade sem valor econômico. Há estudos indicando que poderíamos aumentar 35% da produção agropecuária reduzindo em 25% as áreas de pastagens. Só nessa brincadeira poderíamos liberar 150.000 quilômetros quadrados de áreas ruins que poderiam ser restauradas”, explica. Ele defende que parte dessa restauração seja feita para construir sistemas agroflorestais, “que são florestas com uma densidade maior de espécies com valor econômico”. Como exemplo cita a cooperativa de Tomé-Açu, no Pará, que gera “140 produtos diferentes a partir de 70 espécies, sendo a mais conhecida o açaí”.
Assim, ele reforça que “o grande potencial econômico da Amazônia” é mantê-la em pé. Também rebate a ideia, muito propagada pelo Governo, de que os mais 20 milhões de habitantes da região recorrem ao desmatamento para poderem sobreviver. “Os empregados do garimpo e da extração de madeira estão em semiescravidão e não ganham nem um salário mínimo por mês. São paupérrimos, estão na classe E. Não podemos dizer que isso é um modelo econômico”, argumenta. Além disso, argumenta que o minério e a madeira extraídos ilegalmente são contrabandeados. Não pagam impostos e nem geram riqueza ao país. “E veja o açaí, movimenta um bilhão de dólares [cerca de 5,5 bilhões de reais] na região e muitos produtores estão na classe C”.
O custo maior da mudança de modelo econômico seria na restauração florestal, garante Nobre. Com pouco investimento, afirma, é possível dobrar ou triplicar a produtividade da pecuária. Ele acredita que no setor privado o momento é positivo, com as grandes companhias de carne investindo em rastreabilidade para não comprar de áreas desmatadas. Sabem que o risco é perder mercados internacionais e investimentos. “O que precisamos, agora, é de uma grande mudança de postura nas políticas públicas, de efetividade no combate ao crime e na valorização da bioeconomia”, destaca.
Cristovam Buarque: Soberania decente
Proteção de nossas florestas
Cento e oitenta anos antes do Biden, Macron, Merkel estarem dando opinião sobre como devemos cuidar de nossas florestas, um parlamentar inglês aprovou lei dando direito à Marinha Britânica de intervir nos mares internacionais e nacionais e até nos portos de qualquer país, para proibir tráfico de escravos. Esta lei gerou uma forte indignação entre os traficantes, os fazendeiros e classes médias urbanas que dependiam da escravidão para fazer funcionar a economia e a sociedade.
A realidade social e econômica levou a população brasileira a se manifestar em defesa de nossa soberania, nosso direito a ter escravos, usar a escravidão a deixar nossos navios transportarem as mercadorias que nossa soberania aceitasse, inclusive mercadoria humana. Vista à distância, 180 anos depois, difícil entender a soberania de manter o que hoje parece infame a nossos olhos: o maldito tráfico de escravos.Mas, aos mesmos olhos de hoje, parece uma quebra de nossa soberania a intervenção de dirigentes estrangeiros querendo nos impor a proteção de nossas florestas, nos ensinar como cuidar delas.
Nos comportamos hoje como os escravocratas, defendendo nossos direitos soberanos para destruir o que é nosso; antes os nossos navios negreiros e nossos escravos, agora nossas florestas. Há uma diferença moral entre ter um escravo e derrubar uma floresta, mas destruir florestas é um genocídio contra os povos que nela vivem. Há uma diferença no conceito de soberania no século XIX e no século XXI. O mundo ficou um condomínio de nações interligadas.
A pandemia mostra isto, a globalização e o poder da técnica e da ciência também. Não é possível deixar que a soberania plena de cada nação permita ameaçar o bem estar e o futuro da humanidade: instalar uma mina nuclear na fronteira com outros países, comércio de drogas não é mais uma questão apenas nacional, sigilo bancário para proteger corruptos em paraísos fiscais. Mais do que tudo, o mundo requer regras internacionais para proteger o meio ambiente em cada país, sem o que provoca-se o desequilíbrio ecológico em todo o planeta, afetando a sustentabilidade da civilização ou até mesmo a sobrevivência da espécie humana. A Terra é hoje um condomínio de países e cada um deles precisa levar em conta os interesses do conjunto deles, da humanidade.
Da mesma forma que na época da escravidão a moral humanista deveria se sobrepor à soberania nacional, cada país precisa aceitar regras que definam os limites de seus direitos soberanos. A diferença é que no lugar de um só país impor-se aos demais, agora as interferências devem ser definidas de forma global. No lugar de em nome da soberania nos opormos a intervenção estrangeira, devemos proteger nossas florestas e participarmos da definição de regras internacionais para todos países. Aceitar a preocupação do mundo com nossas florestas e exigir que os Estados Unidos e Europa reduzam o nível de consumo que depreda o meio ambiente tanto quanto o desflorestamento. Provocar as nações do mundo a irem além da preocupação com as florestas, definirem um novo rumo para a economia, domando o monstro da produção e do consumo, em busca de um desenvolvimento harmônico entre as pessoas e delas com a natureza, graças a uma soberania decente que respeite valores morais humanista.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Dorrit Harazim: Planeta Terra
Em semana tão memorável para nosso planetinha, alvo, finalmente, de uma Cúpula do Clima com tonalidade de emergência global, vale relembrar quanto devemos à bióloga marinha e escritora americana Rachel Carson. Pioneira de uma escrita belíssima sobre a ciência e o mundo natural, Carson catalisou o movimento ambiental dos anos 1960 com a publicação do seu clássico “Primavera silenciosa”. O livro desarrumou para melhor as até então inexistentes políticas ambientais nos Estados Unidos e despertou a consciência ambiental moderna — começando pela cadeia de danos a todas as espécies causada por agrotóxicos. A obra serviu de referência para, entre outras medidas, a criação da Agência Federal de Proteção do Meio Ambiente (EPA, na sigla em inglês), a aprovação das leis de Ar Puro (1963), Áreas Selvagens (1964), Água Limpa (1972) e Espécies em Extinção (1973). Coisa grande, portanto. E, contra a maré dos preconceitos culturais do Pós-Guerra, então ainda prevalentes. “Por que uma mulher solteira, sem filhos, e comunista, está tão preocupada com a genética?”, indagava Ezra Taft Benson, que servira ao governo de Dwight Eisenhower por oito anos como secretário da Agricultura.
“O controle da natureza é um conceito concebido na arrogância, nascido na Era Neandertal da biologia e da filosofia, quando se supunha que a natureza existe para conveniência do ser humano”, escreveu a cientista do século 20. Na Cúpula on-line de 2021, as mesmas palavras foram repetidas em roupagens variadas e idiomas diversos. Apenas com um denominador comum novo — a urgência do tema. “É quase tarde demais, devemos começar já”, resumiu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Para a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, sempre na dianteira do progresso de seu povo, o elenco de medidas obrigatórias e imediatas passa pela precificação do carbono, pelo fim dos subsídios a combustíveis fósseis, pelo financiamento da conversão rumo a uma economia limpa. Até o FMI se manifestou a favor da instituição de um preço mínimo internacional para o carbono, aplicável aos maiores predadores do ar que respiramos.
Como se sabe, a chanceler alemã Angela Merkel, PhD em Química Quântica, é pouco afeita a arroubos retóricos e ainda menos ao uso de adjetivos superlativos. Já por isso, prestou-se atenção dupla quando ela definiu como “trabalho hercúleo” o combate urgente ao aquecimento global. Nesta luta contra o tempo, é possível que estejamos em situação apenas ligeiramente melhor que os 53 tripulantes do submarino indonésio KRI Nanggala-402, desaparecido nas profundezas do Mar de Bali, sem contato com o mundo desde a quarta-feira. Como não foi resgatado até ontem, sua reserva de oxigênio se esgotou.
Estima-se que nosso planetinha já existe há uns 4,5 bilhões de anos e deverá existir por mais outros 7,5 bilhões até ser absorvido pelo Sol. Não é ele que corre perigo com a mutação climática, e sim a biosfera, aquilo que chamamos de “mundo” — a camada de organismos cósmicos que envolve o globo e engloba todas as formas de vida, a partir de uma profundidade de 9,5 km abaixo do nível do mar até uma altura 8 km acima da superfície terrestre. A revista impressa “Lapham’s Quarterly” dedicou sua edição de outono de 2019 ao tema, com preâmbulo de Lewis H. Lapham, fundador, editor e alma da publicação. Para ele, o aquecimento do planeta, que já atinge os sete continentes, quatro oceanos e 24 fusos horários, é produto da dinâmica capitalista movida a energia fóssil, que tem entupido o mundo com riquezas muito além da necessidade, da imaginação ou de qualquer senso de medida humanos. “Somos guiados pela crença de que o dinheiro é capaz de comprar nosso futuro. Só que a natureza não aceita cheques. Veremos mais adiante quem pagará a conta — se o capitalismo sobreviverá à mudança climática ou se um clima alterado afundará o capitalismo”, escreve ele.
Com 78 anos de idade, e com a pandemia da Covid-19 a convulsionar imensos nacos da população global, o presidente americano Joe Biden já teve tempo de sobra para pensar na posteridade. Escolheu as vésperas do seu 100º dia como líder do colosso econômico, militar e campeão em poluentes para oficializar o papel que escolheu para si: locomotiva de uma nova era ambiental. O robusto programa de investimento em infraestrutura apresentado por Biden no mês passado, que consumirá perto de US$ 2,3 trilhões, está todo voltado a uma economia de baixas emissões. Se conseguir a difícil aprovação no Senado, sinalizaria o início de uma grande revolução estrutural no país. Também as ambiciosas metas/promessas ambientais dos EUA, feitas pelo presidente ao abrir os trabalhos da Cúpula, indicam que, se concretizadas, cada milímetro da atividade econômica do país acabaria atrelado a um futuro mais limpo. “A hora é agora”, anunciou Biden ao mundo. Tomara.
Lewis Lapham, o do ensaio citado, sustenta que depositamos demasiada fé na tecnologia como salvação da raça humana. Transformamos o mercado consumidor num lobo universal que devora e destrói não por instinto neolítico ou ideologia — simplesmente por termos nos tornado máquinas e, como boas máquinas, não sabemos fazer outra coisa. Para salvar a raça humana, só mesmo o humano — nem acima nem à parte da natureza.
Esta semana a Nasa conseguiu o feito inédito de converter dióxido de carbono da atmosfera marciana em oxigênio puro. Foi pouquinho, porém extraordinário — segundo a agência, os cinco gramas de oxigênio produzidos no planeta vermelho equivalem a algo como 10 minutos de ar respirável por astronautas. Como então não conseguirmos nos salvar por aqui? Se falharmos agora, talvez só nos reste mesmo zarpar para Marte.
Roberto Romano: Federação, municípios, morticínio. Tragédia nacional
Temos um povo dizimado pelo poder, que age como conquistador em terra arrasada
Jair Bolsonaro ataca Estados e municípios como inimigos a serem destruídos. Para ele, não existem cidadãos merecedores de respeito nas unidades federativas. Em vez de lutar contra a pandemia, o presidente gera batalhas contra as bases administrativas e políticas do País. Surgem os frutos assustadores: mais de 350 mil brasileiros entregues à tortura da morte sem ar, o que revolta quem sente misericórdia ou segue a ética e a moral.
O ignaro governante reitera – em cena macabra – uma guerra antiga das culturas políticas humanas. Trata-se do choque entre poderes centrais e municípios. Estes últimos eram desconhecidos na Grécia e na Roma primitiva. Ali existiam soberanas cidades-Estado. Na Itália as urbes eram livres para organizar suas práticas internas. Vencidas por Roma e ela ligadas em federação (foedus) dela recebiam em especial a justiça. O prefectus, agente romano, resolvia os casos urgentes, mas o júri reunia habitantes locais, cujas instituições eram mantidas.
Os elos entre municípios e Roma se retraíam e se estendiam conforme as vicissitudes políticas, econômicas, sociais. Ora o poder se concentrava, ora se espraiava pelas bases federadas. Os municípios conservavam independência na sua organização, a assembleia do povo elegia os dirigentes. “Os magistrados municipais têm sobre os cidadãos o imperium. Todos obedecem à lei votada pelo povo e se inclinam diante dos administradores nas taxas ou nos trabalhos públicos. Em casos extremos o município cede aos poderes centrais e a lei de Roma toma a dianteira” (Mommsen). “Em casos extremos”, sublinhemos.
Após a chamada “guerra social”, quando as cidades italianas exigiram tratamento similar ao concedido a Roma, os municípios se generalizaram. Cito novamente o grande historiador Mommsen: “O município, constituído no interior do Estado e a ele se subordinando, é uma das mais notáveis manifestações políticas e das mais fecundas da era comandada por Sylla. As reformas constitucionais de Sylla definem um Estado cuja base é múltipla, a das comunas locais”. Dentre os municípios do Estado romano temos Olissipo, Lisboa. Aquelas unidades começaram a ruir por causa dos abusos das autoridades locais, abusos agravados pelo aumento sem freios do fisco em vantagem do poder central.
Os esqueletos municipais serviram às cidades europeias na resistência ao moderno absolutismo, cuja tarefa era unificar os Estados monárquicos. Nos século 16 e 17 tudo fizeram as Cortes para arrancar finanças e poderes dos municípios. Hobbes pensa as urbes como ameaça ao poder absoluto e vê como doença “a desmesurada grandeza de uma cidade, quando ela é apta a fornecer para além de seu próprio domínio os números e o pagamento de um grande exército” (Leviatã). A história da centralização estatal passa pela beligerância entre a Corte e os municípios. Tocqueville (O Antigo Regime e a Revolução) revela as táticas do rei: ele arranca das cidades as suas prerrogativas, como a de eleger os próprios magistrados, para revendê-las com lucro aos mesmos municípios. O prefeito assim escolhido, acrescenta Tocqueville, tem poder menor do que o fiscal do Reino. Daí ser possível aquilatar o grau de corrupção do Antigo Regime. Nele tudo se vende, tudo se compra. O Antigo Regime é um imenso Centrão.
Não citei Lisboa por acaso. Quando surge o Brasil os reis europeus – incluído o português – controlam os países, os municípios perdem força. Em nossa terra os municípios existem, mas não há foedus com a Corte, apenas subordinação. Líderes locais são desprovidos de real autonomia, como seus colegas da Europa absolutista. Tal realidade vigora no Império e na República. Maria Sylvia Carvalho Franco (Homens Livres na Ordem Escravocrata) analisa o controle e o parasitismo do poder central em relação às cidades. Impostos são retirados dos cofres municipais e para eles quase nunca retornam. Tal regime faz dos poderes subordinados fontes de recursos para o Executivo do País, sem retorno em obras públicas dignas do nome.
Com documentos a autora mostra aí a fonte brasileira da indistinção entre público e privado, o compadrio político e outras mazelas. Para obter verbas surgem as oligarquias regionais. No Congresso elas vendem apoio ao presidente/monarca. Tal é a gênese do perene Centrão.
As ditaduras do século 20 reforçam o Executivo nacional. Temos uma enganosa Federação a jungir Estados e municípios. Se na Presidência há uma pessoa despótica e desprovida de saberes – jurídicos, políticos, científicos, históricos –, o combate pátrio vira carnificina. Temos um povo dizimado pela virulência do poder, que age, em relação aos municípios, como conquistador em terra arrasada. Os mortos, hoje aos milhares, são enterrados sem justiça.
Se a Federação brasileira não deixar de ser apenas farsa, seguiremos sob o guante de dirigentes que violam os direitos de Estados e municípios, espaço onde vivemos ou morremos. Quem não respeita tal fato da vida pública não merece governar.
*Professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de Estado e outros estados da Razão’ (Perspectiva)
Elio Gaspari: Vinte e quatro governadores numa impertinência
Governadores que entregaram carta a Biden praticaram uma marquetagem imprópria, incompetente e inútil.
Os 24 governadores que entregaram ao embaixador americano Todd Chapman uma carta ao presidente Joe Biden oferecendo o “desenvolvimento de parcerias e de estratégias de financiamento” para a proteção do meio ambiente praticaram uma marquetagem imprópria, incompetente e inútil. (Os governadores de Santa Catarina, Rondônia e Roraima não assinaram a carta.)
Foi uma iniciativa imprópria, porque não compete a governadores propor “estratégias” a governos estrangeiros. Na carta, os doutores falam em nome dos “governos subnacionais brasileiros”. Ganha um fim de semana num garimpo ilegal, quem souber o que é isso.
É incompetente, porque uma colaboração internacional para defender o meio ambiente (leia-se proteger a Amazônia dos agrotrogloditas aninhados no bolsonarismo) não precisa ser buscada na Casa Branca. Até o ano passado, ela era ocupada por um tatarana. Existem organizações credenciadas para negociar essas “parcerias”.
À incompetência e à impertinência junta-se um fator de inutilidade historicamente documentada. Os Estados Unidos, como qualquer outra nação, tem interesses. Os amigos são asteriscos. Governadores “amigos” acabam virando massa de manobra.
Em 1961, o presidente John Kennedy lançou um programa chamado Aliança para o Progresso. Tratava-se de barrar a influência do comunismo cubano promovendo reformas sociais na América Latina. Coisa fina, mobilizando quadros da elite que trabalhara nas transformações dos Estados Unidos durante os mandatos de Franklin Roosevelt e na Europa do pós-guerra. Nesse grupo, estava o professor americano Lincoln Gordon, com seu currículo de Harvard e Oxford, mais a experiência adquirida durante o Plano Marshall .
Kennedy nomeou Gordon para a embaixada no Brasil, e ele fez parcerias com governadores amigos, como Carlos Lacerda, no Rio, Ney Braga, no Paraná, e Aluízio Alves, no Rio Grande do Norte. O que havia sido uma ideia de reformas sociais para o continente transformou-se aos poucos num instrumento de interferência política. Em menos de um ano, Gordon estava no Salão Oval da Casa Branca, discutindo também a possibilidade de um golpe militar no Brasil. Trabalhava-se com os “bons governadores” e estimulavam-se projetos que impedissem avanços de candidatos de esquerda.
No final de 1962, Gordon percebeu que a essência reformista da Aliança para o Progresso tinha morrido. Sua embaixada, e ele, estavam noutra.
Em 1964, deposto João Goulart, os governadores Ney Braga, Carlos Lacerda e Aluízio Alves tornaram-se joias da coroa da Aliança para o Progresso e da nova ordem. Quatro anos depois, Lacerda e Aluízio Alves foram banidos da política pela ditadura.
Em 1971, o diretor do programa de segurança pública da USAID, filha da Aliança para o Progresso, foi perguntado por um senador que pretendia denunciar a ação dos torturadores brasileiros:
— Uma dura declaração de nosso governo ou de sua embaixada talvez os inibisse? (...) O senhor não concorda ?
— Eu não acredito, senador, e estou habilitado a responder assim.
(O doutor disse aos senadores que não sabia o que era a Operação Bandeirantes. Era a mãe do DOI.)
A essa altura, Gordon estava desencantado com os rumos do regime brasileiro, e a embaixada em Brasília informava que seria inútil aconselhar os empresários americanos a se afastarem da caixinha de colaborações para as agências de repressão política.
Vila Kennedy, um sonho americano
No mesmo depoimento aos senadores americanos, o burocrata da USAID disse que à noite se sentiria “mais seguro no Rio” do que em Washington. Em 1971, a capital americana estava mal das pernas, e o Rio tinha o Esquadrão da Morte. Passou o tempo e deu no que deu.
Um dos projetos mais vistosos da Aliança para o Progresso foi a construção da Vila Kennedy, no Rio de Janeiro. O projeto fazia a alegria do andar de cima. Havia uma favela no Morro do Pasmado, entre Botafogo e Copacabana. Tratava-se de tirar os moradores dos barracos, levando-os para um subúrbio da cidade. Construíram-se casas populares, instalou-se uma pequena réplica da estátua da Liberdade numa pracinha. A USAID botou US$ 25 milhões em dinheiro de hoje.
Passou o tempo, e no entorno da Vila surgiram mais de dez comunidades e as narcomilícias. Em 2018, a demofobia entrou na região com a cloroquina da ocasião: a intervenção do Exército, com a utilização de 1.400 soldados. Militares distribuíram flores no Dia da Mulher, e a Vila Kennedy deveria ter sido a vitrine das operações militares. Virou resort do Comando Vermelho, e dois anos depois drogas eram vendidas no pedaço em regime de drive-thru.
Madame Natasha
Madame Natasha faz qualquer coisa pelo meio ambiente, mas não participa de queimadas do idioma. Na quinta-feira, não houve reunião de cúpula de chefes de Estado. Houve, quando muito, um vídeo muito chato.
Desde sempre, as reuniões de cúpula reúnem governantes que às vezes discursam, mas sempre conversam reservadamente. Essa é a parte útil dos encontros. Na cúpula de Biden, houve só a parte inútil.
No mesmo dia, houve muito mais interesse e emoção com a plenária virtual do Supremo Tribunal Federal confirmando a suspeição do então juiz Sergio Moro.
Rascunho perdido
No rascunho que Ricardo Salles preparou para o discurso de Bolsonaro de quinta-feira, alguns países europeus seriam atacados
Os parágrafos foram para o arquivo.
A Europa livrou-se de uma boa.
Receio real
Jair Bolsonaro e seu pelotão palaciano estão convencidos de que há uma articulação para tirá-lo da cadeira.
Quando esse temor entra no palácio, o governo deixa de ter projeto.
Só isso explica que Bolsonaro tenha sido capaz de dizer que “o Brasil está na vanguarda dos esforços de parar o aquecimento global”.
Salles na mira
O ministro Ricardo Salles haverá de se dar conta de que a mais letal das encrencas em que se meteu foi a da joelhada que deu na Polícia Federal, com a demissão do delegado Alexandre Saraiva.
Para a corporação, Salles solidarizou-se com delinquentes. Nenhuma polícia do mundo deixa isso barato.
Braga Netto em 22
O general da reserva Walter Braga Netto, ministro da Defesa, defendeu o governo dizendo que “é preciso respeitar” o “projeto escolhido pela maioria dos brasileiros” para dirigir o país.
Fica combinado que ele continuará na mesma posição em novembro 2022 quando terminar a contagem dos votos da eleição presidencial.
Isolamento no ócio
Nos próximos quatro domingos, o signatário cumprirá um programa de isolamento com ócio.
Míriam Leitão: Com a palavra, os embaixadores
Os embaixadores da Noruega e da Alemanha em Brasília alertam que o Brasil deve tomar muito cuidado nos próximos três meses na Amazônia. São os de maior risco de desmatamento no ano florestal que termina em julho. Nils Gunneng, da Noruega, e Heiko Thoms, da Alemanha, afirmam que há meio bilhão de reais sendo usados do Fundo Amazônia e lembram que os recursos, quase R$ 3 bilhões, que estão congelados precisam apenas que o Brasil restaure o conselho do Fundo. “O Brasil não está sozinho no combate ao desmatamento”, diz o alemão Thoms. “Tem um mercado enorme para um país que tem florestas e queira mantê-las em pé”, completa o norueguês Gunneng.
Noruega e Alemanha são os financiadores do Fundo Amazônia, um bem-sucedido mecanismo em que os dois países doaram recursos para apoiar programas de proteção ambiental. Ele funcionava perfeitamente. Em junho de 2019, o ministro Ricardo Salles dissolveu o conselho que reunia representantes do governo federal, dos estados amazônicos, da sociedade e dos empresários. Sem essa estrutura, o Fundo Amazônia não pode liberar novos recursos. “Não há base legal para as decisões”, explica o embaixador da Noruega.
Eu entrevistei os dois diplomatas durante uma hora na sexta-feira, por uma chamada de vídeo. Eles demonstram conhecimento sobre o Brasil, admitem as culpas de seus próprios países nas emissões de gases de efeito estufa, comemoram a cúpula do clima, pela volta dos Estados Unidos aos esforços globais de combate às mudanças climáticas. Ambos disseram ter gostado da carta do presidente Bolsonaro ao presidente Biden e do discurso do brasileiro na reunião do clima. Mas alertam que é preciso ir além. “Queremos ver em breve os resultados dessas palavras nas taxas de desmatamento”, disse Nils Gunneng. “Estamos ansiosos para ver a tradução desse compromisso no plano concreto”, diz Heiko Thoms.
Os dois têm tido conversas com vários setores da sociedade brasileira, e, nos dias anteriores ao encontro convocado por Joe Biden, eles e outros embaixadores fizeram reuniões com políticos de diversos partidos, com empresários e ONGs. Perguntei o que eles têm ouvido. Segundo o embaixador alemão, todas as partes entendem que problemas ambientais têm um efeito negativo na reputação do país. “Os povos indígenas compreendem isso, os bancos compreendem isso”, diz Thoms.
O representante da Alemanha afirma que seu país é parceiro tradicional do Brasil na luta ambiental desde 1992, que a cooperação bilateral tem 70 anos e há um portfólio de investimento de US$ 9 bilhões. O representante norueguês conta que o Fundo Soberano tem investimentos de US$ 8 bilhões em ativos brasileiros. O grande nó das relações entre os dois e o Brasil atualmente é o Fundo Amazônia. Perguntei a Gunneng o que ele tinha a dizer sobre a afirmação de Salles de que o Fundo parou por decisão da Noruega. “É importante dizer que o Fundo foi congelado porque o governo brasileiro dissolveu a estrutura de governança unilateralmente sem o acordo da Noruega ou da Alemanha”, respondeu.
O embaixador da Alemanha acha que o “Brasil está bem posicionado” para se beneficiar da transição para a economia de baixo carbono. “Tem a tecnologia necessária, tem uma legislação sólida e produtores sérios.” Gunneng concorda e diz que o Brasil já mostrou ser capaz de produzir sem aumentar o desmatamento. “Nós queremos ver mais países pagarem por isso”. O embaixador alemão disse que “no mundo inteiro os consumidores querem saber de onde vem o bife que está no seu prato e como o seu smartphone foi produzido. Os investidores procuram opções verdes de investimento. Quem produz de forma sustentável tem vantagem competitiva”.
Perguntei a Gunneng o que a Noruega fará com sua economia tão dependente do petróleo, e a Thoms, sobre as emissões históricas da Alemanha. “Nós somos parte do problema”, admitiu o norueguês. “A Alemanha tem grandes desafios como o do carvão”, admitiu o alemão. Os dois, contudo, dizem que seus países estão determinados a fazer a necessária transição para uma economia de baixo carbono. Perguntei se era fácil explicar para os contribuintes os gastos com o Fundo Amazônia. “Sim e não. É fácil quando o desmatamento cai, é difícil quando ele sobe”, diz Nils Gunneng, da Noruega. No momento, então, está difícil explicar.
Jamil Chade: Cúpula do Clima revelou que o Brasil encolheu
Bolsonaro descobriu que, sob seu Governo, não foi apenas a floresta que diminuiu. A sociedade encolheu, a expectativa de vida caiu, a economia contraiu, a comida no prato foi reduzida, o emprego desapareceu e as possibilidades de cruzar as fronteiras foram limitadas
Em dezembro de 2005, o mundo se reunia em Hong Kong para uma conferência sobre o comércio. Ali, regras seriam negociadas para permitir a construção de um sistema internacional mais equilibrado e uma base mais favorável para o desenvolvimento das economias em desenvolvimento.
Os olhos do mundo estavam fixados numa aliança improvável de países emergentes, o G-20, que insistia que as placas tectônicas do planeta precisavam começar a se mover.
Nunca contei essa história. Mas descobri que os principais ministros do grupo se reuniriam antes da conferência dar início para costurar uma estratégia. A meta era frear eventuais gestos da Europa e EUA para tentar manter seus indecentes subsídios agrícolas.
Também descobri que a sala reservada para a reunião tinha paredes extremamente finas e pensei que, se ocupasse uma sala ao lado e permanecesse em absoluto silêncio, poderia ouvir o que aquela reunião traria. Funcionou.
Mas o que também me deparei foi com a constatação de que praticamente só um país falava, só um país dava as cartas: o Brasil. A liderança era incontestável.
Não era uma condição exclusiva daquele governo. De fato, a postura de liderança do Brasil em debates internacionais conta com dezenas de episódios, independente da tendência política do Governo ou da situação econômica do país. Nos anos 80, fragilizado, a diplomacia do país marcou posição nas negociações comerciais em Punta del Leste.
No início dos anos 90 e ainda com uma democracia frágil, coube ao Brasil liderar de forma histórica os trabalhos da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em Viena. Coube ao embaixador Gilberto Sabóia coordenar o comitê de redação da Declaração e Programa de Viena, uma primeira chancela internacional ao papel da democracia brasileira no mundo.
O país era protagonista da construção de um novo mundo que permitisse um espaço digno às economias emergentes. Chegou a ser visto como arrogante por parceiros menores e duramente criticado por apertar a mão de ditadores na busca por acordos.
Mas sempre considerado como líder, o Brasil buscava desenhar seu futuro. Nem sempre funcionou e, em certos momentos, a diplomacia nacional tentou exercer um papel que ia além da real dimensão do país no palco internacional. Mas nunca pecou por não se aventurar por esse caminho.
Nesta semana, porém, a Cúpula do Clima organizada para recolocar os EUA no centro do debate internacional, mostrou uma nova realidade: a de um Brasil encolhido, escanteado.
O presidente Jair Bolsonaro foi estrategicamente colocado para falar longe do momento em que os principais líderes davam seu recado. Deixado para o final da fila e com a palavra dada apenas depois que Argentina, Bangladesh, África do Sul ou Ilhas Marshall fizeram seus discursos, Bolsonaro descobriu que não lidera e não influencia parceiros.
Coincidência ou não, Bolsonaro discursou quando Joe Biden já tinha abandonado o evento.
Na cúpula, o brasileiro foi o símbolo de um presidente acuado, pressionado e sem a capacidade de dar as cartas, justamente no momento em que a comunidade internacional desenha o mundo pós-pandemia. Para se defender, mentiu. E o mundo não acreditou.
Ele terá de provar agora seu discurso. E não bastarão ações por parte de sua milícia digital e nem mesmo uma live. A comunidade internacional quer ver resultados concretos e redução real do desmatamento, mês à mês.
Enquanto tentava vender uma imagem de credibilidade para a comunidade internacional, o Planalto descobria que, pela sua gestão da pandemia, certas regiões do Brasil já contam com mais mortes que nascimentos, algo inédito na história do país.
A sociedade encolheu, a expectativa de vida caiu, a economia contraiu, a comida no prato foi reduzida, o emprego desapareceu e as possibilidades de cruzar as fronteiras foram limitadas.
Bolsonaro, na Cúpula do Clima, descobriu que, sob seu Governo, não foi apenas a floresta que diminuiu. O Brasil também encolheu.
Jamil Chade é correspondente na Europa desde 2000, mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e autor do romance O Caminho de Abraão (Planeta) e outros cinco livros.
Marcus Pestana: O Brasil e as mudanças climáticas
O fato mais importante da semana foi a realização da Cúpula de Líderes sobre o Clima, reunindo quarenta chefes de governos, ato preparatório para a COP-26, a Conferência do Clima da ONU, que terá lugar em Glasgow, na Escócia, em novembro. Marca importante mudança de postura dos EUA, Joe Biden à frente, sobre as questões ambientais e o desenvolvimento sustentável, após o turbulento Governo Trump e sua postura negacionista frente às mudanças climáticas e suas consequências, que culminou com a saída dos EUA do Acordo de Paris firmado em 2015.
Nos últimos trinta anos, a agenda do desenvolvimento sustentável ganhou papel central no planejamento e nas ações de governos, da sociedade e das empresas. A consciência ecológica ganhou corações e mentes a partir do esgotamento de um modelo de crescimento urbano-industrial baseado em energias vindas dos combustíveis fosseis (carvão mineral, petróleo, gás natural, xisto betuminoso) e na intensa poluição do ar, das águas e da terra.
Para o Brasil se abre uma enorme oportunidade, mas há também riscos e ameaças. Tudo dependerá das escolhas que fizermos. Até a pouco, nosso país era protagonista no jogo político e diplomático na arena de discussão sobre o desenvolvimento sustentável. Não foi à toa que a Cúpula Mundial, a RIO-92, se deu em terras brasileiras. Temos uma das matrizes energéticas mais limpas do globo. Temos um dos melhores arcabouços legais na área ambiental. Temos um verdadeiro tesouro ecológico com uma das maiores biodiversidades do mundo e a maior floresta tropical do Planeta.
O atual governo, que chegou a namorar com o negacionismo ambiental de Trump, parece estar processando uma mudança de rota. Apresentou na Cúpula de Líderes a proposta de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e antecipar em dez anos o compromisso de zerar as nossas emissões de gases poluentes. Na carta enviada à Biden, Bolsonaro falou em fortalecer os mecanismos de comando e controle, trabalhar na regularização fundiária, implementar o pagamento por serviços ambientais, trabalhar no zoneamento ecológico-econômico e promover a bioeconomia, transformando nossa fantástica biodiversidade em atividades geradoras de emprego e renda sustentáveis.
As palavras precisam agora encontrar consequências práticas. Não é “passando a boiada” tendo a pandemia como biombo ou nos alinhando com madeireiros e garimpeiros ilegais que chegaremos lá.
A transição para uma nova matriz energética não é nada fácil. Os países ricos dependem em 79% dos combustíveis fósseis. China, EUA, União Europeia, Índia e Rússia são responsáveis por 59% das emissões poluentes, o Brasil por 2,19%. As estratégias globais não podem passar por negar oportunidades aos países pobres e em desenvolvimento e nem pela taxação de importações que gerem barreiras comerciais. A parceria tem que ser pra valer, um jogo de ganha-ganha. E o Brasil pode ser um grande captador de investimentos ambientais se superar a armadilha ideológica do falso dilema entre soberania nacional e cooperação internacional.
Para quem quiser se aprofundar no diagnóstico e na agenda do desenvolvimento sustentável recomendo o artigo do ex-ministro do meio ambiente José Carlos Carvalho e da socióloga Aspásia Camargo, “Meio Ambiente e Sustentabilidade” (disponível em psdb.org.br/wp-content/uploads/2020/12/BRASIL-PÓS-PANDEMIA-FINAL.pdf).
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
El País: 2021 - Ano decisivo na luta climática
Uma pandemia que o relegou a um segundo plano, o retorno dos EUA como ator fundamental e as pressões por uma recuperação verde confluem em um momento histórico para o meio ambiente
Manuel Planelles, El País
Os alarmes não deixaram de soar apesar da pandemia. E António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), está ficando sem palavras duras para advertir para as consequências desta crise climática planetária. Nesta semana falou de um cenário “aterrador” ao referir-se ao último relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Essa agência da ONU publica suas avaliações anuais há 28 anos e a conclusão é cristalina: as evidências e os impactos do aquecimento global estão se acumulando. Por exemplo, 2020 foi um dos três anos mais quentes já registrados, lembrou a OMM. Os outros foram 2016 e 2019.
Se a tendência continuar, 2021 será outro ano mais quente do que o normal. Como lembra Freja Vamborg, cientista do Serviço de Mudança Climática Copernicus, da União Europeia, os últimos seis anos foram os seis mais quentes desde o início dos registros confiáveis. Será quente, mas também deveria ser um ponto de inflexão na luta climática, como pedem as ONGs, a ONU e outras instituições internacionais e governos. “Verdadeiramente”, enfatizou Guterres na segunda-feira, “este é um ano crucial para o futuro da humanidade.” A pandemia fez com que duas importantes cúpulas sobre o meio ambiente fossem adiadas para este ano de 2021: a cúpula do clima que aconteceria em Glasgow (Reino Unido) e a reunião sobre biodiversidade de Kunming (China). Além disso, a pandemia tirou em grande medida a luta contra o aquecimento da agenda internacional. Mas o coronavírus não acabou com o problema. Como lembra a Organização Meteorológica Mundial, “a desaceleração da economia relacionada à pandemia não conseguiu deter os motores da mudança climática nem a aceleração de seus impactos”.https://datawrapper.dwcdn.net/MopwE/3/
Na cúpula do clima de Glasgow, em 2020, os países deveriam ter apresentado planos de redução das emissões de gases de efeito estufa mais rígidos do que os oferecidos até agora no Acordo de Paris. Mas, quando 2020 terminou, apenas 75 dos quase 200 países que assinaram o Acordo de Paris o tinham feito. É por isso que se espera que 2021 seja determinante. Também pela volta à luta contra o aquecimento por parte dos Estados Unidos, cujo presidente organizou uma cúpula do clima que começa hoje, coincidindo com o Dia da Terra, com os 40 principais presidentes e chefes de Estado do mundo para oficializar sua volta. Nessa reunião apresentará suas metas de redução de emissões até 2030, ou seja, para a década que é considerada a mais importante nos esforços que o ser humano deve fazer para reverter o problema que gerou com suas emissões.
Aumento das emissões
Os registros oficiais de temperatura usados pela OMM e por outros organismos científicos remontam a 1850, no início da era industrial, quando começou a queima em larga escala de combustíveis fósseis para alimentar o desenvolvimento econômico. Quando esses combustíveis são queimados, produzem gases de efeito estufa que se acumulam em grande parte na atmosfera e superaquecem o planeta. O principal desses gases é o dióxido de carbono (CO₂) e durante a pandemia essas emissões caíram. Mas, como os especialistas alertaram desde o início, após a queda haverá um aumento porque o declínio aconteceu devido à desaceleração econômica e não a uma mudança estrutural que modificou a forma como o mundo alimenta seus automóveis ou gera sua eletricidade. A Agência Internacional de Energia prevê que as emissões de CO₂ relacionadas à energia crescerão cerca de 5% em 2021, o que seria o segundo maior crescimento registrado até agora. O anterior aconteceu em 2010, depois da grande crise financeira.
Cerca de metade do CO₂ emitido acaba se acumulando na atmosfera —o restante é absorvido pelos oceanos e pela vegetação terrestre. Essa acumulação atmosférica, a maior dos últimos 800.000 anos segundo a OMM, leva ao aumento das temperaturas e da intensidade e quantidade de fenômenos extremos como secas, inundações e fortes tempestades. “Os indicadores mundiais mostram que as temperaturas médias dos últimos cinco anos são as mais altas já registradas: 1,2º grau centígrado acima da média do período 1850-1900”, aponta um relatório que o serviço Copernicus, um programa de monitoramento dos efeitos do aquecimento da UE, apresenta nesta quinta-feira.
Esforços insuficientes
O Acordo de Paris estabeleceu que, para evitar os efeitos mais desastrosos da mudança climática, os países deveriam reduzir suas emissões de tal forma que a partir de 2050 estas teriam de desaparecer. O objetivo geral é que o aumento da temperatura, que já está em 1,2º grau, não ultrapasse os dois graus em relação aos níveis pré-industriais. E, na medida do possível, que não supere 1,5º grau.
O problema é que os planos de redução dos países atuais levarão a um aumento de mais de três graus. É por isso que os Estados devem aumentar suas metas de redução. Alguns já o fizeram, como a União Europeia, que passou de uma diminuição até 2030 de 40% para 55% —algo que será estabelecido numa lei do clima— em relação a 1990, e o Reino Unido, que prometeu reduzir 68% no final desta década. Esses objetivos estariam alinhados com o roteiro traçado pela ONU para cumprir o Acordo de Paris, que determina que os gases de efeito estufa globais sejam reduzidos em 45% em 2030 em relação a 2010. O problema é que a Europa, com ou sem o Reino Unido, tem cada vez menos peso nas emissões mundiais —não chega nem a 10%— embora seja um dos responsáveis históricos pelo aquecimento por ter sido pioneira na revolução industrial.
A volta dos Estados Unidos
O problema neste momento envolve principalmente dois atores: Estados Unidos e China, responsáveis por cerca de 40% das emissões mundiais. A China, o principal emissor global há mais de uma década, resiste há anos a ser equiparada aos países desenvolvidos em relação às obrigações de redução de emissões. Suas metas são muito menos severas do que as da UE: atingir o pico de emissões antes de 2030 e, a partir daí, reduzi-las. Mas, no final do ano passado, comprometeu-se a endurecer um pouco seus planos e prometeu alcançar a neutralidade de carbono (emitir tanto quanto retira da atmosfera) até 2060.
Os Estados Unidos são uma incógnita. Embora seu novo presidente, o democrata Joe Biden, tenha dado sinais claros de querer colocar a luta contra a mudança climática no centro de sua política, a verdade é que os Estados Unidos não têm sido um parceiro confiável nesta batalha internacional se observarmos seu histórico de desistências. Primeiramente, o pais se desvinculou do Protocolo de Kyoto no início do século. E, já com Donald Trump como presidente, ignorou o Acordo de Paris, pacto que foi assinado em 2015 e cujos instrumentos jurídicos tiveram de ser amplamente suavizados para que os EUA o ratificassem. Talvez por isso, quase todas as vezes que a China intervém em um fórum internacional sobre aquecimento insiste que cumpre o que assina e o que se compromete.
Coincidindo com o Dia da Terra, Biden convocou para esta quinta e sexta-feira uma reunião com 40 presidentes e primeiros-ministros de todo o mundo. Ao contrário do que aconteceu nos últimos anos, em que não compareceram dirigentes que não demonstraram compromisso contra a mudança climática, os Estados Unidos decidiram convidar líderes controvertidos como o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
Nessa cúpula o presidente norte-americano deve apresentar sua meta de redução de emissões para 2030, que rondaria os 50% em relação aos níveis de 2005 —ano em que os EUA atingiram seu pico de emissões—, segundo informação vazada até agora aos grandes veículos de comunicação norte-americanos. Isso significaria dobrar a meta estabelecida por Obama antes de assinar o Acordo de Paris. E envolverá um grande processo de descarbonização (abandono do uso de derivados de petróleo, carvão e gás) da economia norte-americana com atenção especial ao setor elétrico e, principalmente, aos transportes. Jennifer Morgan, diretora executiva do Greenpeace International, esclarece: “Para ser considerado um líder climático, Biden precisa eliminar gradualmente os combustíveis fósseis em seu país e no exterior.” Isso significa acabar com os subsídios ao poderoso setor de combustíveis fósseis. A outra questão em que se espera o retorno dos Estados Unidos é em relação ao financiamento climático: os recursos que os países desenvolvidos aportam para que os menos ricos façam frente aos efeitos do aquecimento. Até a chegada de Trump, os EUA eram o principal doador internacional.
Recuperação ainda pouco verde
A pandemia tirou a mudança climática do foco principal e levou ao adiamento das cúpulas da ONU; no entanto, os planos bilionários de recuperação dos países podem significar uma aceleração da descarbonização da economia mundial, como vários organismos internacionais vêm insistindo há meses.
No momento, o balanço é bastante discreto. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) monitora as ajudas e estímulos que estão sendo lançados pelos governos dos 43 países membros desse organismo, entre eles EUA, China e União Europeia. A conclusão é que 336 bilhões de dólares (aproximadamente 1,87 trilhão de reais) destes fundos covid-19 têm um claro impacto ambiental positivo. Representam 17% do gasto total na recuperação até agora. O problema é que uma quantia semelhante de recurso foi gasta em atividades que têm um impacto ambiental negativo ou misto, na melhor das hipóteses. Os dois terços restantes do auxílio à recuperação ainda não foram classificados pela OCDE. Do seu desenvolvimento e dos recursos públicos que virão dependerá em grande parte que este 2021 realmente se torne um ano crucial na luta contra a crise climática.
Diretoria do Banco Central parece infectada por ‘populismo cambial’, diz economista
Em artigo na revista Política Democrática Online de abril, José Luis Oreiro cita patologia grave do país
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro diz que a diretoria do Banco Central parece ter sido “infectada com o vírus do ‘populismo cambial’, endêmico tanto entre os economistas ortodoxos, como em parte da heterodoxia brasileira”.
A avaliação dele está em artigo publicado na revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A publicação tem acesso totalmente gratuito no site da entidade.
Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021
O chamado “populismo cambial”, de acordo com o economista, tem a seguinte ideia: “elevações da taxa Selic levam a uma apreciação do câmbio, que permite uma redução da inflação, a qual leva a um aumento do salário real e do consumo das famílias. Dessa forma, um aumento da Selic seria compatível com a recuperação do nível de renda e emprego”.
“Perda de dinamismo”
Essa política, segundo o economista, foi adotada durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) (2003/2007 e 2007/2010). “O resultado foi desindustrialização e perda de dinamismo econômico”, afirma o autor do artigo na revista Política Democrática Online de abril.
Na avaliação de Oreiro, a decisão do Banco Central de aumentar a taxa Selic em 0,75% em março passado, no contexto da maior crise econômica da história do Brasil, foi a prova cabal de que o país ainda não se livrou da armadilha juros-câmbio.
“Patologia grave”
A sociedade brasileira, de acordo com o professor da UnB, tem uma patologia grave. “Ela se mostra refratária a aprender com os inúmeros erros que vem cometendo nos últimos 40 anos”, observa.
“Trata-se da incapacidade de nossa sociedade, e particularmente dos economistas ditos ‘ortodoxos’, de reconhecer o estrago que a combinação entre juros altos e câmbio sobrevalorizado tem causado ao tecido produtivo da economia brasileira desde o início do Plano Real e mantido, quase incólume, durante as sucessivas administrações petistas”, diz.
Mais detalhes do artigo de Oreiro podem ser vistos, na íntegra, na versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.
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