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Bernardo Mello Franco: Dia ruim para a política de toga

Esta quinta não foi um dia animador para juízes interessados em fazer política. No Palácio Tiradentes, os deputados estaduais deram mais um passo para cassar o governador Wilson Witzel. A um quilômetro dali, o Tribunal Regional Federal aplicou uma punição ao juiz Marcelo Bretas.

Witzel deixou a magistratura às vésperas da eleição de 2018. Entrou na disputa como azarão, mas usou o prestígio da toga para chegar lá. Aliado ao bolsonarismo, ele vendeu a imagem de que varreria a corrupção do Rio. Por trás da farsa, estavam personagens de escândalos da virada do milênio.

Segundo a Procuradoria-Geral da República, o governador começou a receber propina quando ainda era juiz. O empresário Edson Torres disse ter feito pagamentos de R$ 980 mil em espécie. O objetivo, ele contou, era garantir “conforto e segurança financeira” a Witzel caso ele perdesse a eleição.

O ex-juiz negou as acusações, mas não convenceu ninguém na Alerj. Em junho, a abertura do processo de impeachment foi aprovada por 69 a 0. Agora o relatório a favor da cassação foi aprovado por 24 a 0. A unanimidade pode se repetir na semana que vem, na votação que selará a queda do governador.

Bretas deu um impulso decisivo à ascensão de Witzel. Três dias antes do primeiro turno, ele divulgou um depoimento com acusações a Eduardo Paes. O ex-prefeito liderava as pesquisas e foi ultrapassado na reta final. Depois da vitória, governador e juiz confraternizaram em jatinhos e camarotes.

A amizade durou até o rompimento de Witzel com Jair Bolsonaro, quando Bretas escolheu o lado do capitão. O TRF considerou que a dobradinha foi longe demais. O juiz recebeu uma censura por desfilar com o presidente em inauguração de viaduto e evento evangélica com ares de comício.

Ao apoiar a punição, a desembargadora Simone Schreiber disse o óbvio: juizes não devem subir em palanques com políticos. “Isso acaba gerando dúvida e descrédito sobre o Poder Judiciário”, afirmou. Também vale para o caso de Witzel, o Breve.


Helena Chagas: A agenda oculta de Michel

A agenda pública de Michel Temer hoje é aprovar reformas no Congresso que ajudem a alimentar o clima de recuperação da economia e passar à história como um presidente reformista.

A agenda não declarada, mas prioritária, é uma só: não ir parar na cadeia a partir de 1 de janeiro de 2019, quando passa a presidência ao sucessor e, teoricamente, perde a proteção constitucional e a prerrogativa de foro inerentes ao cargo.

É real a possibilidade de Michel e seus auxiliares mais próximos no Planalto, como Eliseu Padilha e Moreira Franco, irem parar nas mãos de juízes como Sérgio Moro, Marcelo Bretas ou Vallisney Oliveira, dependendo do caso, para serem investigados e processados. Só para lembrar: o presidente já foi alvo de duas denúncias, temporariamente arquivadas, por corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa, e é investigado no inquérito que apura irregularidades no Porto de Santos.

A fogueira ganhou mais lenha com a decisão desta quarta do ministro do STF Edson Fachin de enviar a Moro as acusações por organização criminosa contra os demais personagens citados na segunda denúncia de Rodrigo Janot: Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves e Rodrigo Rocha Loures. A leitura nos meios políticos e jurídicos é de que se trata de um aviso aos navegantes, e o ministro usa a palavra "suspensas" ao se referir às denúncias contra Temer, Padilha e Moreira, rejeitadas pelo plenário da Câmara.

Aliás, o argumento de que estavam apenas "suspendendo" o andamento do processo contra o presidente, a fim de preservar a economia do país, foi amplamente utilizado pelos deputados que votaram com o Planalto. Nos microfones, os que tiveram coragem de falar algo a mais do que a palavra "sim", explicavam que, encerrado o mandato, Temer será investigado.

Tudo indica que para valer, e pelo pessoal das prisões preventivas, das buscas e apreensões, das delações premiadas e dos julgamentos rigorosos da primeira instância.

É uma perspectiva suficiente para assombrar os 405 dias de governo que restam a Michel. Uma preocupação que já deflagrou, entre os mais íntimos, uma articulação para tentar resolver o assunto antes do fim do mandato. Como?

Só há dois jeitos de Michel manter o foro privilegiado do STF quando deixar a presidência - o que não lhe garante absolvição nem clemência, mas provavelmente o resguardaria de medidas extremas como a prisão preventiva e outras humilhações:

1) Sair candidato à reeleição ou a outro cargo eleitoral em 2018. Com popularidade de 3%, a reeleição não chega a ser uma hipótese. A candidatura poderia até ser um recurso para o presidente não virar o saco de pancadas de todos os candidatos presidenciais - ou, ao menos, ter espaço na campanha para se defender. Mas, como não seria reeleito, continuaria com o mesmo problema de perda do foro privilegiado - que, por outro lado, poderia ser mantido caso o Michel se elegesse para outro cargo, como deputado ou senador. Nesse caso, a eleição seria possível, tendo por trás a caneta e a máquina do PMDB. Mas há um sério problema: para concorrer em qualquer eleição que não seja para o mesmo cargo, ele teria que se desincompatibilizar, ou seja, deixar a Presidência da República, em abril do próximo ano. Quase impraticável.

2) Mudar a Constituição. Nada fácil para quem vê sua base minguar. Mas a ideia é incluir um rabicho no texto da PEC aprovada pelo Senado e em tramitação na Câmara limitando o foro privilegiado, que não valeria mais para crimes comuns de parlamentares e autoridades, com exceção dos presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF. A intenção seria incluir, entre vírgulas, os ex-presidentes da República na lista dos que vão manter a prerrogativa.

De quebra, beneficiaria todos os demais ex-presidentes da República, notadamente o ex-presidente Lula, o que poderia assegurar os votos do PT e de seus aliados a favor da mudança na PEC. Se aprovada, Lula sairia das mãos de Moro para as dos onze ministros do STF, alguns deles nomeados pelos governos do PT. Não é garantia alguma, mas pode fazer uma grande diferença - por exemplo, aquela que lhe daria a condição de ser candidato.

A discussão está restrita a poucos interlocutores, mas é nesse rumo que as coisas caminham. Michel pode ter virado pato manco, mas ainda tem alguma tinta na caneta e uma baita estrutura partidária. É incapaz de eleger o sucessor, mas pode influir e atrapalhar a vida de muita gente, sobretudo dentro da base aliada. É bom prestar atenção, porque todos os seus movimentos a partir de agora serão impulsionados pelas necessidades prementes dessa agenda oculta.

* Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação