Madri

Bernardo Mello Franco: Arapongas em Madri

A Abin enviou quatro agentes secretos para espionar a última Cúpula do Clima das Nações Unidas, em Madri. De acordo com o jornal “O Estado de S. Paulo”, a caravana recebeu a missão de monitorar críticas ao governo Bolsonaro. Se o objetivo era esse, os arapongas poderiam ter ficado em casa. Bastava ler os jornais ou assistir às notícias na TV.

A COP-25 deveria ter sido realizada no Brasil. Foi enxotada pelo capitão, que nega as mudanças climáticas e trata os ecologistas como inimigos. Desde o ano passado, o país é visto como um vilão ambiental. Ele trabalhou para isso: desmontou os órgãos de fiscalização, facilitou a vida dos desmatadores e permitiu o avanço das queimadas na Amazônia.

Segundo a reportagem do “Estadão”, os espiões monitoraram organizações não governamentais, integrantes da comitiva brasileira e representantes de delegações estrangeiras. Isso mostra um triplo desrespeito: à sociedade civil, aos profissionais do Itamaraty e à comunidade internacional.

Os arapongas atravessaram o Atlântico à toa. Parte de sua tarefa era acompanhar debates com transmissão ao vivo e ampla cobertura na imprensa. Os agentes secretos usaram crachás e tiveram seus nomes publicados no jornal. Tudo seria engraçado se o contribuinte não tivesse bancado os gastos com passagens e diárias.

O caso expõe mais um desvio de função da Abin sob o comando do ministro Augusto Heleno. Antes do passeio em Madri, a agência já havia espionado padres e bispos que prepararam o Sínodo da Amazônia. O general deve ver o Papa Francisco, que convocou o encontro, como um perigoso comunista infiltrado no Vaticano.

A Abin é uma instituição de Estado, criada para zelar pela segurança do Brasil e dos brasileiros. Não deveria ser usada para estimular paranoias ou atender aos caprichos do governo de plantão.

Se estivesse mesmo preocupado com a imagem do país, Bolsonaro poderia acionar a agência para saber quem põe fogo na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado. Mas o capitão parece mais interessado em proteger amigos e caçar fantasmas.


José Goldemberg: A Conferência de Madrid, fracasso ou sucesso?

Revolução silenciosa no mundo está evitando um aumento assustador das emissões de gases-estufa

A 25.ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP 25), que se realizou em Madrid, na Espanha, em dezembro de 2019, tem sido descrita frequentemente como um completo fracasso, porque as decisões mais importantes a serem tomadas foram adiadas para a COP 26, neste ano de 2020, em Glasgow, na Inglaterra.

Essas decisões dizem respeito, basicamente, a recursos financeiros, tais como a transferência de recursos dos países mais ricos para os países em desenvolvimento para ajuda-los a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e reconhecer créditos por ações já realizadas no passado por esses países.

Há anos que as discussões sobre esses temas se arrastam. A impressão que se pode ter, portanto, é de que os temas essenciais estão sendo transferidos de ano para ano e que as reuniões da COP são realmente convescotes em que se reúnem diplomatas, ativistas ambientais, celebridades e ministros do meio ambiente, nos quais a retórica é elevada, mas não tem consequências práticas.

A realidade é bem mais complexa: apesar das emissões estarem aumentando, elas teriam aumentado muito mais sem as decisões tomadas pela Convenção do Clima assinada no Rio de Janeiro em 1992 e pelas COPs subsequentes, realizadas desde então, que alertaram o mundo todo para os problemas do aumento das emissões de carbono e o consequente aumento da temperatura global.

Essa conscientização estimulou inovações tecnológicas (e sua adoção) que tornaram a economia mundial mais eficiente e, por conseguinte, reduzindo as emissões de carbono. Por exemplo, automóveis produzidos hoje podem rodar 15 quilômetros com um litro de gasolina, os produzidos há 20 anos atrás necessitavam 1,5 litro para rodar a mesma distância. Lâmpadas LED iluminam muito mais com menos consumo de eletricidade.

O sucesso da globalização da atividade industrial que se verifica no mundo contribuiu para a redução das emissões: não existem mais automóveis produzidos no México, no Brasil ou nos Estados Unidos, mas uma cadeia internacional de componentes que permite que eles sejam fabricados em vários países.

Em outras palavras, enquanto os diplomatas se reúnem nas COPs durante duas semanas, todos os anos, e parecem não chegar a um acordo – como não chegaram na Conferência de Madrid –, uma revolução silenciosa está acontecendo no mundo e evitando um aumento assustador das emissões de carbono e de outros gases responsáveis pelo aquecimento global.

Não entender essa realidade é que tornou difícil a implementação das medidas acertadas no Rio de Janeiro em 1992 e em Kyoto em 1997 para reduzir as emissões de carbono. Esse não é apenas um problema ambiental, mas um problema de política industrial e comercial, que só foi resolvido com a adoção do Acordo de Paris, em 2015, na COP 21. Nesse acordo ficou acertado que cada país decidiria de forma soberana o que pretende fazer no que se refere à redução das suas emissões, adotando metas e prazos para cumpri-las. Apesar de voluntárias, elas se tornariam mandatórias uma vez comunicadas ao Secretariado da Convenção das Partes e seriam revisadas a cada cinco anos. O Brasil fez isso sem exigir recursos para cumprir suas metas, como, por exemplo, reflorestar 12 milhões de hectares.

A China, o maior emissor mundial e cujas emissões estão crescendo, comprometeu-se a reduzi-las substancialmente substituindo o uso de carvão por gás natural e estimulando o uso de energias renováveis. Ao fazê-lo, o governo chinês pretende resolver também o problema urgente da poluição urbana, cuja causa principal é o uso de combustíveis fósseis.

Transferência de recursos para ajudar os países mais pobres a tomar medidas para reduzirem emissões se destina, realmente, a países da África, do Sudeste da Ásia e das ilhas do Oceano Pacífico, e não a países mais avançados e aspirantes a membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como o Brasil.

Essas promessas – que inicialmente eram muito vagas – tomaram a forma de um aporte prometido de US$ 100 bilhões anuais na COP de Copenhague, em 2009. Mas esses US$ 100 bilhões se referem a “investimentos relacionados ao clima”, como os que o Banco Mundial faz todos os anos e atingiriam US$ 43,1 bilhões em 2012. A Índia e outros países argumentam que esses recursos seriam transferidos para os seus governos, o que é considerado um entendimento equivocado.

Além disso, foi criado o Fundo Verde para o Clima, em 2015, que levou anos para ser estruturado e só tem desembolsado alguns bilhões de dólares por ano em 123 projetos – apenas três deles no Brasil. Acelerar a apresentação de projetos a esse fundo é a principal ação que o Brasil deveria tomar, além de insistir para que ele se torne mais ágil.

Esse parece ser um caminho muito mais promissor do que se envolver em intermináveis discussões sobre a expectativa de receber créditos por ações realizadas no passado, que parece muito problemática. Esse programa de créditos foi mal formulado e o seu valor de mercado se tornou irrisório. Insistir neles parece ser uma estratégia pouco construtiva.

*Professor emérito e ex-Reitor da Universidade de São Paulo (USP), foi ministro do Meio Ambiente


Cidades colapsadas

É urgente aplicar medidas para conseguir uma mobilidade que contamine menos, evite o colapso do tráfico e permita recuperar espaço urbano

Como campanha de conscientização e experimentação, as medidas adotadas em diferentes cidades para marcar o Dia Sem Carros podem ser boas, mas não devemos nos enganar sobre seu alcance. Pouca eficácia terá essa maior consciência da opinião pública se não existirem alternativas eficientes ao uso do transporte privado. É verdade que muitas pessoas o usam por comodidade, mas é um erro pensar que tudo depende da vontade do povo. A maioria dos que usam transporte privado para trabalhar nos horários de pico fazem isso pois são forçados, especialmente se tiverem que fazer trajetos metropolitanos. Não se pode culpar os cidadãos por um modelo de mobilidade que não escolheram por que gostam, mas por necessidade. Apenas oferecendo uma alternativa igualmente rápida e mais barata é possível esperar mudanças significativas nas decisões sobre mobilidade.

O aumento do tráfego urbano e a maior proporção de carros a diesel na frota elevou perigosamente os níveis de poluição nas grandes cidades, que muitos dias excedem o mínimo tolerável. Estima-se que em aglomerações urbanas como Madri ou Barcelona acontecem mais de 3.000 mortes prematuras a cada ano por causa da poluição do ar.

É urgente implementar medidas para conseguir uma mobilidade que polua menos, evite o colapso do trânsito e permita recuperar o espaço urbano para os pedestres. Mas isso não será conseguido com discursos populistas que criminalizam o carro e descarregam sobre os cidadãos um problema cuja solução não depende só deles. Se tudo ficar em um mero gesto vazio, pouco será alcançado. As prefeituras devem abordar com coragem os planos de mobilidade, incluindo uma melhoria substancial do transporte público, a revisão dos planos de acesso aos centros urbanos (incluindo o eventual pagamento), e uma organização do tráfego que priorize as duas variáveis mais importantes: custo e tempo.


Fonte: El País