Luiz Carlos Azedo

Luiz Carlos Azedo: Tudo será como antes?

O objetivo da Lava-Jato é romper com o patrimonialismo, essas relações cordiais e não civis entre os empresários e políticos

“A Operação Lava-Jato é importante, mas ela sozinha não mudará nada”, dispara o sociólogo Luiz Werneck Vianna na última frase da entrevista que concedeu a Patricia Fachin para a revista do Instituto Humanitas, a propósito dos 80 anos de publicação de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Nela, o professor e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica faz uma releitura dessa obra que ajuda a entender a crise pela qual o país está passando e, em particular, o choque frontal entre o Ministério Público Federal e o Congresso Nacional. Na madrugada passada, a Câmara desfigurou a proposta de 10 Medidas Contra a Corrupção e incluiu uma emenda contra o abuso de autoridade, que prevê punições para juízes e procuradores da Operação Lava-Jato.

Os procuradores reagiram duramente e ameaçaram renunciar aos cargos se a lei for aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente Michel Temer. A ameaça foi feita pelo procurador da República Deltan Dallagnol, da Lava-Jato. Seria uma dose dupla de ingenuidade, pois o Congresso é suscetível às pressões populares, mas não a esse tipo de ameaça. Tudo o que os parlamentares que aprovaram as medidas desejam é se livrar dos delegados, procuradores e juízes da operação. Foi ingenuidade acreditar que o Congresso endureceria uma legislação que já está sendo utilizada para punir duramente os políticos investigados.

O pacote de 10 medidas anticorrupção era um projeto de iniciativa popular, proposto pelo Ministério Público Federal, que reuniu assinaturas de cerca de 2,3 milhões de apoiadores antes de ser enviado ao Congresso. A punição a juízes, promotores e procuradores não estava no relatório aprovado na comissão especial da Câmara criada para transformar as 10 medidas em lei. A proposta foi tão desvirtuada que o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) afirmou que seu relatório virou “picadinho”.

No fim da tarde de ontem, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), atropelou as comissões e os líderes da Casa e submeteu ao plenário um pedido de urgência para votar ontem a proposta aprovada na Câmara. Sofreu uma derrota acachapante. Senadores não se elegem com voto de legenda, precisam de voto majoritário. Diante da situação, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, emitiu nota defendendo a independência do Judiciário. “A democracia depende de Poderes fortes e independentes. O Judiciário é, por imposição constitucional, guarda da Constituição e garantidor da democracia (…) Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça”, destaca a nota. Renan é réu em um processo que será julgado hoje pelo Supremo.

Ibéria ou América
A entrevista de Werneck sobre a obra de Sérgio Buarque contextualiza a Operação Lava-Jato no eixo da relação entre os conceitos de iberismo e americanismo, cordialidade e civilidade no Brasil. Destaca que os procuradores da Lava-Jato não são homens da catolicidade, mas da reforma. “Seus principais personagens são ligados à Igreja Batista, como é o caso do Dallagnol. Nesse sentido, eles fariam parte desse movimento americanista, uma categoria com a qual o Sérgio Buarque trabalha, que estariam em oposição à Ibéria.”

“Acho esse um dado interessante para ser analisado, e que mostra bem a contemporaneidade das análises de Sérgio Buarque (…) Cada geração vai relendo-a do seu modo, de tal forma que podemos entender a Lava-Jato como um canal através do qual o processo da civilidade se impõe sobre o da cordialidade. Eu diria que o alvo principal da Lava-Jato é esse de romper com o patrimonialismo, entre essas relações entre Estado e mercado, Estado e interesses, essas relações cordiais e não civis entre os empresários e os dirigentes políticos do Estado. Essas forças, ao que parece — está se mostrando agora —, tiveram um papel na montagem desse sistema.”

Werneck cita como exemplo o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e as relações pessoais com os empresários da construção civil. “Essa nossa dialética é complicada, porque nós nascemos da Ibéria e estamos numa trajetória em direção à América. Estamos fazendo, ao longo do tempo, essa trajetória, mas não em direção à América deles (norte-americana), mas à nossa América (…) E uma das nossas marcas de origem seria isso que chamamos de cordialidade, essas características de ações dominadas pelo afeto, pelo coração. O que não quer dizer que nós não devamos avançar no sentido de uma relação cada vez mais civil, de que a civilidade triunfe entre nós e que nós derrotemos o patrimonialismo. Mas nós não nascemos do mundo da reforma; o nosso mundo é o da catolicidade.”

Para Werneck, essa mudança não será catastrófica, mas um processo longo: “Nós estamos vivendo isso de forma atribulada e agora conhecemos esse atropelo da Operação Lava-Jato, que tem a intenção de nos afastar de vez da matriz da cordialidade, da matriz patrimonial. Como um empreendimento radical, isso é possível? Fica a pergunta. Isso não quer dizer que estou desqualificando essa intervenção. Ao contrário, eu a valorizo.”


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Luiz Carlos Azedo: A grande corrente

O fenômeno das eleições municipais tende a se repetir nas eleições de 2018

Como nos oceanos, a política também tem ondas, marés e correntes. Não permanece parada. As ondas são um fenômeno físico que ocorre na superfície das águas, quando se aproximam da costa se dobram e se quebram. Às vezes, podem ganhar grandes dimensões, como ocorre normalmente no Havaí (EUA) e, eventualmente, nas grandes ressacas. Nos tsunamis, são gigantescas, porque são provocadas nas profundezas do oceano pelo deslocamento das placas tectônicas, erupção de vulcões ou terremotos.

As marés são movimentos de avanço e recuo das águas, cuja amplitude é provocada pelas forças gravitacionais do Sol e da Lua. Quanto mais próxima a Lua, maior o movimento de preamar e baixa-mar, duas vezes por dia. Isso ocorre na lua nova e na lua cheia. Já as correntes marítimas são provocadas pelo vento e pela rotação da Terra; por isso, deslocam-se em direções contrárias nos hemisférios Norte, no sentido horário, e Sul, no sentido anti-horário. Foram elas que permitiram os grandes descobrimentos e a globalização do comércio, a partir da chamada Carreira das Índias. Há correntes quentes, que se originam nas regiões tórridas e se dirigem às zonas polares e frias, que se deslocam das zonas polares em direção à zona intertropical da Terra.

Assim como a navegação marítima, na política também é importante distinguir os movimentos das ondas, marés e correntes. Por exemplo, saber se as recentes eleições municipais foram resultado de uma onda ou maré ou apontam a existência de uma grande corrente, que direciona-se para mares nunca antes navegados. Essa dúvida certamente já instiga o pensamento dos cientistas políticos, mas parece que não acontece a mesma coisa com os políticos. Eles tendem a ver o que correu como uma simples maré, que vai e volta num período relativamente curto. Talvez, para os que naufragaram nas urnas, uma grande onda de azar, no máximo um tsunami político. Pode ser que o fenômeno eleitoral seja uma grande corrente que pode arrastar a todos das águas quentes e confortáveis de um balneário para regiões geladas e inóspitas da política, onde a sobrevivência é quase impossível.

O que aconteceu no Brasil nas eleições deste ano tem características muito particulares, marcadas pela Operação Lava-Jato, a recessão e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Mas pode ser que o fenômeno não seja apenas nacional. Basta olhar para o que acontece com os nossos vizinhos, principalmente, a Argentina e a Venezuela, mas também o Chile e a Colômbia, ou para outros hemisférios, principalmente a Grécia, a Espanha, a Inglaterra e, agora, os Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump. O impasse fiscal dos estados do Ocidente, a crise de representação dos partidos tradicionais, a crise humanitária no Mediterrâneo, a desconstrução do sujeito moderno, a ultrapassagem da sociedade industrial, tudo junto e misturado, colocam em xeque a política tal como a conhecemos no século passado.

No Brasil, se considerarmos que a falta de sintonia entre os nossos grandes atores políticos e a sociedade são um fenômeno isolado, já teremos muitas dores de cabeça sobre o porvir. Mas, se o que ocorrer for parte de uma grande tendência, como as correntes marítimas, podemos supor que o fenômeno das eleições municipais tende a se repetir nas eleições de 2018, ou seja, não haverá refluxo da maré ou bonança após a borrasca. Na verdade, o fenômeno se repetirá numa outra escala, bem maior. Há uma grande corrente arrastando o barco da política para bem longe de onde se pretendia ir.

Entretanto, apesar de todos os indícios, os grandes partidos ainda não se deram conta do que está acontecendo e caminham para as regiões inóspitas por causa disso. Alguns tentam neutralizar a Operação Lava-Jato, como se ela fosse apenas uma grande onda havaiana. Os mais pessimistas, um tsunami. Outros acreditam que podem neutralizar a corrente ressuscitando velhos discursos nacionalistas, como o contra Trump. E ainda os que querem resolver o problema cartelizando a política com uma reforma partidária e eleitoral, sem entender que isso vai apenas aumentar a distância em relação à sociedade.

O problema é que o ambiente de descrença generalizada da sociedade em relação aos partidos e aos políticos não vai se resolver com nada disso, pode até aumentar. É aí que surgirão salvadores da pátria, tecnocratas, populistas de direita, toda uma fauna de candidatos que falarão o que o povo quer ouvir, sem saber como e quando poderão resolver os problemas reais. A política brasileira precisa desesperadamente se reinventar.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Luiz Carlos Azedo: A porta de saída

A resistência ao ajuste fiscal está encastelada na estrutura do Estado: são as corporações e seus privilégios e os grupos econômicos que aprisionam as políticas públicas

Qualquer que seja o seu percurso, a porta de saída da crise política brasileira são as eleições de 2018, a linha fina do horizonte que nos oferecem “a árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte — os beijos merecidos da verdade”, como no poema de Fernando Pessoa (Mensagem). Chegar até lá é um objetivo comum de todas as forças políticas. Por mais incrível que pareça, tanto o governo Temer e seus aliados quanto seus principais adversários, a começar pelo PT, têm esse mesmo objetivo.

Quais são as tarefas para chegar até lá em condições melhores do que as atuais? Em primeiro lugar, enfrentar a crise fiscal em seus diversos níveis. É possível fazer isso com uma estratégia de ajuste sustentável a longo prazo, que implicará num esforço comum do Palácio do Planalto, do Congresso e do Judiciário, em nível federal, e de governadores e prefeitos, e demais poderes, em níveis estadual e municipal. É aí que a PEC do teto dos gastos públicos e a reforma da Previdência se encaixam.

A outra opção é o salve-se quem puder, com cada um dos Poderes e entes federados puxando a brasa pra sua sardinha e tentando resolver isoladamente o seu problema, o que tende a aprofundar as desigualdades e os conflitos. Basta comparar os discursos dos governadores Luís Fernando Pezão, do Rio de Janeiro, e Paulo Hartung, do Espírito Santo, ambos do PMDB e à frente de estados banhados pelo petróleo da camada pré-sal.

O Rio de Janeiro está em colapso, que só não chegou mais cedo por causa da ajuda generosa de R$ 3 bilhões do governo federal às vésperas das Olimpíadas; o Espírito Santo está em ponto morto, com suas prefeituras na penúria. Embora o governo capixaba tenha dinheiro em caixa, ninguém quer investir. Ou seja, ninguém se salva sozinho da crise fiscal, da recessão e da onda de desemprego. Nenhum dos dois governos estaduais, por exemplo, aceita privatizar suas companhias de saneamento, que são cabides de emprego.

Onde está a resistência principal ao ajuste fiscal? No Congresso, as forças que foram desalojadas do poder pelo impeachment, principalmente o PT, não são suficientes para barrar as reformas. Na verdade, a resistência mais poderosa está encastelada na estrutura do Estado brasileiro: são as corporações e seus privilégios, de um lado, e os grupos econômicos, cujos interesses aprisionam as políticas públicas, de outro. É esse nó que precisa ser desfeito. Basta ver a resistência do Tribunal de Justiça e do Ministério Público do Rio de Janeiro ao pacote anunciado pelo governador Pezão, sustado ontem por medida liminar que impede a Assembleia Legislativa de discutir e aprovar as medidas propostas pelo governo fluminense, logo após o Palácio Tiradentes ser invadido por policiais.

Os barnabés fluminenses estrilam com a cobrança de uma alíquota extraordinária de 16% do salário ou vencimento de ativos e inativos que recebam mais de R$ 5.189 mensais. Essa cobrança seria feita por 16 meses e também depende de aprovação de projeto de lei. Outra medida proposta foi o aumento da alíquota previdenciária dos servidores de 11% para 14%. Segundo o texto, nenhum servidor estadual, ativo ou inativo, escapará das medidas para aumentar a arrecadação previdenciária: o pessoal da ativa e os aposentados que recebem mais de R$ 5.189,82 por mês terão o desconto aumentado de 11% para 14% do salário.

O Rio de Janeiro acreditou que o pré-sal resolveria seus problemas e deu um tiro no pé ao aceitar o regime de partilha do petróleo, que desorganizou o setor energético do estado, imaginando que resolveria a crise do seu sistema previdenciário com os royalties de petróleo. Mas também embarcou na megalomania das obras e nos projetos mirabolantes dos governos Lula e Dilma. Sem falar nos “gatos públicos”, como diria o João Saldanha, num trocadilho infamante. Acontece que a conta chegou faz tempo para os trabalhadores do setor privado, com a recessão e o desemprego. Agora, é a vez dos servidores públicos. É justo que lutem para não pagar a maior parte dessa conta. Provavelmente, a saída fácil é pendurar a conta na União. Mas não é assim que funciona. O melhor exemplo é o Rio Grande do Sul, cuja crise fiscal dura décadas, e nenhum governador se reelege.

A crise ética

Mas voltemos à porta de saída. A segunda tarefa para chegar às eleições de 2018 é enfrentar a crise ética. A tarefa principal é dos tribunais superiores: do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que julga os governadores; do Tribunal Superior Eleitoral, (TSE) que julga as contas de campanha; e do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga tudo depois e enfrenta o desafio da Operação Lava-Jato. O estoque de políticos só aumenta porque a Justiça é lenta e a estratégia dos advogados é conseguir que seus clientes sejam salvos pela prescrição dos processos. A aprovação de uma anistia para o caixa dois dos políticos pelo Congresso não resolve o problema. Na hora em que o Supremo começar a julgar os envolvidos no escândalo da Petrobras, a crise ética se dissipará.

A outra vertente do processo é a chamada reforma política. Quem quiser que se iluda. Os grandes partidos, que são os mais envolvidos na aguardada delação premiada de Marcelo Odebrecht e seus executivos, vão fazer uma reforma para sobreviver à borrasca. Não estão nem aí para a renovação política. Nada que possa ameaçar a sobrevivência da maioria dos atuais senadores e deputados será aprovado. É aquela velha história: não convidem os perus para a festa de Natal.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br


Luiz Carlos Azedo: O bom ladrão

A política se tornou um empreendimento pessoal, familiar e corporativo. A riqueza privada e a vida pública se cruzam e se reforçam reciprocamente

Uma prática comum dos colonizadores ibéricos é que “chegavam pobres às Índias ricas e retornavam ricos das Índias pobres”, nas palavras do Padre Antônio Vieira (1608-1697), o Paiaçu, na língua tupi. Lusitano, passou a vida entre o Brasil (Salvador, Olinda e São Luís) e a Europa (Lisboa e Roma). Ao morrer na Bahia, deixou uma obra que soma 30 volumes. Um de seus sermões mais famosos é o do Bom ladrão, de 1655, proferido na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e sua corte, além dos dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros. Vieira atacou os que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamente, denunciou escândalos no governo, as gestões fraudulentas e, indignado, criticou a desproporcionalidade das punições nas masmorras do século 17: “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma viatura, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma força pública, sois governador?”

Depois de conjugar o verbo furtar de várias maneiras durante o sermão — “furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse” —, disparou contra a corte: “São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo”. À época de Vieira, a política era uma via de enriquecimento patrimonial, que, por sua vez, permitia o acesso continuado aos cargos públicos.

Desde então, no Brasil, a política se tornou um empreendimento pessoal, familiar e corporativo. A riqueza privada e a vida pública, dialeticamente, se cruzam e se reforçam reciprocamente.

A fusão entre os negócios privados e a gestão pública é um instrumento de perpetuação no poder. Mas esse mecanismo está em xeque devido à Operação Lava-Jato, cuja escala de combate ao chamado “crime de colarinho branco” não tem precedentes. Graças à Constituição de 1988, que conferiu autonomia ao Ministério Público Federal e fortaleceu os órgãos de controle e coerção do Estado, principalmente à Receita Federal e à Polícia Federal.

Há dois tipos de políticos profissionais: os que vivem para a política como bem comum e os que vivem da política como negócio. Ambos têm a política como profissão principal, o que torna essa separação uma fronteira sinuosa. São consequências desse fenômeno os critérios plutocráticos para constituição da camada dirigente dos partidos.

Operadores

Os partidos que têm mais recursos econômicos elegem mais e têm mais poder. Segundo Max Weber, isso facilita a criação de “uma casta de filisteus corruptos”. A captação de votos e recursos valoriza os “operadores” capazes de montar “estruturas” eleitorais com empregos, dinheiro e poder. Promove as carreiras meteóricas, o troca-troca partidário e os escândalos, muitos escândalos. No lugar dos projetos de nação, que deveriam definir os partidos e seus programas, surgem poderosos projetos pessoais de poder e formaçao de fortuna.

Na sexta-feira, a Justiça de São Paulo aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual contra o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, e o ex-tesoureiro do PT e ex-presidente da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) João Vaccari Neto, além de outras 10 pessoas por irregularidades relacionadas a oito empreendimentos imobiliários.

Vaccari está preso desde o começo da Operação Lava-Jato. Era o típico “operador” do PT. É acusado de associação criminosa, falsidade ideológica e violação à lei do condomínio, que diz que é crime contra a economia popular promover incorporação fazendo afirmação falsa sobre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações. Léo Pinheiro é acusado de associação criminosa e estelionato.

A juíza excluiu da ação o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, Fábio Lula da Silva e Igor Ramos Pontes, por entender que a denúncia contra eles, relacionada ao imóvel 164-A do edifício Solaris, foi apresentada pelo Ministério Público Federal e recebida pela 13ª Vara Federal de Curitiba. (Correio Braziliense)


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: Os laços da perdição

Pela primeira vez, a esquerda no poder promoveu uma política de concentração e internacionalização de capital nunca vista, com os chamados “campeões nacionais”

A discussão sobre capitalismo de laços no Brasil não é nenhuma novidade, assim como a tentativa de reinventar o capitalismo de Estado. Por R$ 100 é possível comprar pela internet dois livros de Sérgio Lazzarini sobre o assunto. Professor do Insper, o economista é um estudioso das imbricadas relações empresa-Estado no Brasil e do modelo político adotado pelo PT e que entrou em colapso com o escândalo da Petrobras, uma espécie de fusão das operações ilícitas envolvendo empresários, gestores públicos e políticos investigados pela Operação Lava-Jato com os mecanismos de intervenção do governo na economia, durante os mandatos de Lula e de Dilma.

Não se pode atribuir ao PT tudo o que aconteceu, até porque as estruturas do Estado e do capitalismo brasileiros foram historicamente constituídas. O problema é que, ao assumir o poder, o partido foi abduzido pelos laços perversos do sistema, ao conquistar a chave do cofre e assumir as redes da política. O transformismo petista, porém, é mascarado pela retórica neopopulista de amplos setores da esquerda, na qual o nacional desenvolvimentismo ainda serve de biombo ideológico. Encaixa-se como luva na velha doutrina dos movimentos de libertação nacional durante a guerra fria: aliança com a burguesia nacional contra o imperialismo, num esquema em que a emergência da China na economia globalizada e o jogo duro da Rússia de Putin contra os Estados Unidos na Ucrânia e no Oriente Médio substituíram a antiga União Soviética e os ex-aliados da Cortina de Ferro. Os sindicatos e a esquerda europeia se encarregaram de dar ressonância internacional ao projeto.

Lazzarini notou que, nos processos de licitação, formavam-se consórcios com atores conhecidos, com a participação do governo e seus agentes, mesmo depois do período de privatizações. O Estado já não tinha controle total sobre grandes empresas, com exceção das Petrobras; havia diluído sua participação em algumas empresas (privatizadas ou não) para atuar em uma rede muito maior de organizações. Com isso, ao lado da ofertas públicas de ações (IPOs – Initial Public Offerings) nas empresas estatais a novos investidores nacionais e internacionais, o Estado permanecia forte e presente em muitos setores.

O Estado não se afastou de atividades econômicas por meio da privatização e da abertura econômica. Pelo contrário, adotou um modelo de maior capilaridade, aumentando o número de empresas que contam com a participação do BNDES e dos fundos de pensão de estatais, que têm laços políticos com o governo. E essa ramificação do Estado é tão ou talvez mais poderosa do que o modelo anterior, concentrado em grandes empresas. Além disso, os mesmos proprietários e grupos, com laços cruzados, estavam em muitas empresas. Com isso, grupos privilegiados pelo governo, em troca de propina, passaram a ter uma grande presença transversal na economia.

Pela primeira vez, a esquerda no poder promoveu uma política de concentração e internacionalização de capital nunca vista, os chamados “campeões nacionais”, cuja consequência foi a criação de um ambiente econômico degenerado e pouco competitivo. Ao contrário do que apregoa o discurso de defesa da “engenharia nacional” e da reserva de mercado para a inovação e tecnologia nacionais, quando as empreiteiras formaram o cartel que controlava todos os grandes projetos do governo, da construção de plataformas de petróleo a estádios de futebol, puxaram para baixo a competitividade, a inovação, a qualidade e a produtividade no país.

Caso de polícia

As conexões internacionais do modelo são parte de um esquema de reprodução do projeto de poder, no qual o BNDES entrava como fonte financiadora. A maioria dos empréstimos camaradas tem prazo em torno de 12 a 15 anos, embora alguns contratos com Cuba destoem por terem até 25 anos. As taxas de juros estão entre 3% e 6% ao ano, em dólar. O financiamento desses contratos se dá via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que recebe, nesses casos, remuneração atrelada a taxas internacionais. Mas essas são muito mais baixas do que o custo que o próprio governo consegue captar, aqui ou no exterior. E o próprio Tesouro tem coberto rombos no FAT.

Pois bem, quando um dos maiores fornecedores da Petrobras, com contratos no valor de R$ 25 bilhões, o estaleiro Keppel Fels, reconhece na Bolsa de Cingapura, onde fica a sua sede, que os pagamentos feitos a seu representante no Brasil “podem ser suspeitos”, desnuda os laços mais perversos e conexões internacionais desse modelo, que virou caso de polícia. Seu representante no Brasil é o lobista e engenheiro Zwi Skornicki, preso pela Operação Lava-Jato, que já disse que pagou US$ 4,5 milhões (R$ 14,4 milhões, em valores atuais) ao marqueteiro João Santana, que cuidou das campanhas de Lula (2006) e de Dilma Rousseff (2010 e 2014). A mulher e sócia de Santana, Mônica Moura, confessou que recebeu os US$ 4,5 milhões numa conta na Suíça, uma dívida da campanha de 2010. Os ataques ao juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, não salvarão o modelo fracassado. A crise fiscal do país exige do Estado e da sociedade uma mudança de paradigma.


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: Lula na ponte aérea

Duas eleições municipais estão implodindo a frente de esquerda que o PT articulou para deixar o poder em ordem e tentar sobreviver às eleições municipais, garantindo uma mínima base de apoio à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2018: a de São Paulo e a do Rio de Janeiro. Em ambas, as forças que adotam a narrativa de golpe — PT, PCdoB, PSol e representantes da Rede — se digladiam e correm o risco de ficar fora do segundo turno. Com exceção de Rio Branco, no Acre, o PT enfrenta grandes dificuldades nas capitais, a começar pela reeleição de Fernando Haddad em São Paulo.

Em São Paulo, a possível ausência do prefeito Fernando Haddad (PT) no segundo turno subverte a lei da gravidade, uma vez que administra o terceiro orçamento do país e disputa a eleição com a máquina administrativa da capital sob seu controle, mas não será surpresa. Sua administração é considerada um desastre pelos paulistanos. No Rio, se houver segundo turno, a disputa poderá ser entre Marcelo Crivella (PRB) e o candidato do PMDB, Pedro Paulo, apoiado pelo prefeito Eduardo Paes, que surfa os louros do sucesso das Olimpíadas, apesar do peemedebista ter a pecha de supostamente “bater em mulher”. A candidatura de Jandira Feghali (PCdoB), apoiada pelo PT, pode tirar do segundo turno o candidato do PSol, Marcelo Freixo.

Sampa

O empresário João Doria (PSDB) assumiu a liderança da disputa em São Paulo, em pesquisa Ibope divulgada ontem, com 28%. O deputado federal Celso Russomanno (PRB) continua em queda, com 22%. Em seguida vêm a senadora e ex-prefeita Marta Suplicy (PMDB), com 16%, mostrando certa capacidade de recuperação; o atual prefeito, Fernando Haddad (PT), com 13%; e a deputada federal e ex-prefeita Luíza Erundina (PSol), com 5%, também em ligeira recuperação. Major Olímpio (Solidariedade) teve 1% das intenções de voto, assim como Ricardo Young (Rede), João Bico (PSDC) e Levy Fidelix (PRTB).

Marta sofre duros ataques dos adversários, principalmente de Russomanno, que vem caindo e teme ser volatilizado, ficando fora da disputa, e do prefeito Haddad, que tenta resgatar os votos tradicionais do PT, nacionalizando a campanha. A forte movimentação organizada pelo partido após o julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, com grandes manifestações na Avenida Paulista, serviu para reforçar o discurso contra a ex-petista, vinculando-a ao presidente Michel Temer.

O fato de ter deixado a legenda e votado a favor do impeachment estimula impiedosos ataques dos petistas contra Marta, que ficou ensanduichada, mas tem muito voto popular na periferia de São Paulo. O voto da classe média é seu maior problema. Além de arcar com o desgaste do apoio a um governo federal de baixa popularidade, Marta não conta com o apoio do presidente Michel Temer, que teme desagradar o governador Geraldo Alckmin (PMDB). O tucano aposta todas as fichas na eleição de Doria, cuja ascensão é impressionante, para se viabilizar como candidato em PSDB à Presidência em 2018. Luíza Erundina (PSol) resiste às pressões para desistir da candidatura e apoiar Haddad, para levá-lo ao segundo turno.

Rio

Marcelo Crivella lidera com folga a disputa no Rio de Janeiro, com 34% dos votos, segundo o Ibope divulgado ontem. Pedro Paulo (PMDB) e Marcelo Freixo (PSol) estão empatados, com 10%. Pedro Paulo conta com 18% das intenções de votos na parcela da população que recebe menos de um salário-mínimo, Marcelo Freixo desponta entre os eleitores com renda acima de cinco salários (16%). Geograficamente, ocupam territórios demarcados: Freixo nas zonas Sul e Norte, Pedro Paulo na Oeste. Quem invadir a praia do outro vai para o segundo turno.

Acontece que os votos da esquerda carioca estão divididos por causa da candidatura da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), apoiada pelo PT, que tem 7% dos votos, empatada com Flávio Bolsonaro, também com 7%. Foi ultrapassada por Índio da Costa (DEM), que está com 8%; Carlos Osório (PSDB) caiu para 4%. Molon, da Rede, está empatado com Carla Migueles, do Partido Novo, com 1%. Como Haddad em São Paulo, Jandira nacionalizou as eleições: na semana passada, atraiu a ex-presidente Dilma para a campanha (o que provocou sua queda nas pesquisas), mas depois levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para um comício em Campo Grande, para seduzir eleitores contra o impeachment.

Sua candidatura é acusada de divisionismo pelo PSol, que denuncia um acordo de bastidor do PT com o prefeito Eduardo Paes para viabilizar a ida de Pedro Paulo para o segundo turno. A manobra tem a cara do ex-presidente Lula, que sempre usou a legenda como moeda de troca para suas alianças no Rio de Janeiro com o grupo político do ex-governador Sérgio Cabral. A juventude de esquerda, intelectuais e artistas estão com Freixo. É o caso, por exemplo, de Chico Buarque, que compareceu ao comício do candidato do PSol no mesmo dia em que Lula prestigiava Jandira. (Correio Braziliense – 29/09/2016)


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: Operação champanhe

A famosa Operação Mãos Limpas, na Itália, foi deflagrada após a prisão, em 1992, de Mario Chiesa, ligado ao PSI, que ocupava a diretoria de uma instituição filantrópica e era acusado de receber propina de uma empresa de limpeza. O PSI tentou isolar Chiesa, mas o político resolveu falar e incriminar colegas. Como aqui no Brasil, empresários pagavam propinas aos políticos para vencer licitações de construção de ferrovias, autoestradas, prédios públicos, estádios e na construção civil em geral. Delações do ex-espião da KGB Vladimir Bukovsky e do ex-mafioso Tommaso Buscetta também revelaram licitações irregulares e o uso do poder público em benefício particular e de partidos políticos.

Sob apoio e pressão da opinião pública, as investigações levaram à prisão industriais, políticos, advogados e magistrados, 12 pessoas se suicidaram e alguns dos envolvidos fugiram da Itália. No curso das investigações, a máfia siciliana matou os juízes Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, que obteve a delação de Buscetta. Foram 2.993 mandados de prisão; 6.059 pessoas investigadas, sendo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, entre os quais quatro ex-primeiros-ministros.

A partir de Milão, a capital mundial da moda, descobriu-se que a Itália havia submergido na corrupção, com o pagamento generalizado de propinas para obtenção de contratos com o governo. Os grandes partidos no governo em 1992, a Democracia Cristã, o Partido Socialista Italiano, o Partido Social-Democrata Italiano desapareceram completamente; o antigo Partido Comunista, então denominado partido democrático de esquerda, e o Movimento Social Italiano mudaram de nome. Somente o antigo Partido Republicano sobreviveu.

Um dos envolvidos na Operação Mãos Limpas era o empresário e então primeiro-ministro da Itália, Sílvio Berlusconi, considerado o maior beneficiado pela corrupção e principal acusado em processos de fraudes, como nos casos All Iberian, SIR (empresa petroquímica privada), IMI (Instituto Mobiliare Italiano) e Lodo Mondadori.Em 2009, porém, senadores governistas aprovaram uma reforma do Judiciário, que beneficiou Berlusconi com a extinção de dois processos, nos quais era acusado de fraude contábil na compra de direitos de TV para seu império de comunicação Mediaset e de ter subornado um advogado britânico para prestar falso testemunho, em 1997.

Anistia

Aqui no Brasil, está em curso no Congresso uma operação semelhante, que foi abortada na segunda-feira, mas ainda não morreu. Trata-se da criminalização do caixa dois de campanha, que é considerado uma infração eleitoral. Numa manobra abortada pelos deputados fluminenses Miro Teixeira e Alexandre Molon, da Rede, parlamentares de diversos partidos tentaram aprovar uma emenda ao projeto anticorrupção do Ministério Público, em discussão na Câmara, para livrar de responsabilidade penal quem praticou caixa dois antes da aprovação da lei, sem embargo da punição por crimes conexos, tipo lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito, desvio de recursos públicos, etc.

A sessão foi presidida pelo primeiro-secretário, Beto Mansur (PRB-SP), porque o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), exercia interinamente a Presidência da República, em razão da viagem de Michel Temer aos Estados Unidos. A nova lei anticorrupção estava sendo negociada com o Ministério Público, por Maia e alguns líderes da Casa, mas entrou na pauta sem prévia comunicação e de forma muito confusa, com uma emenda que anistiava todos os políticos acusados de receber dinheiro de caixa dois, ou seja, não declarado à Justiça Eleitoral. Muitos já tinham até mandado gelar a champanhe para as comemorações.

A razão de tanta pressa é a iminente delação premiada de Marcelo Odebrecht e outros executivos da empresa que leva o nome da família, que está sendo negociada com o Ministério Público Federal. Cerca de 100 senadores e deputados estariam citados na delação, além de ex-presidentes, governadores e prefeitos, tanto pelo recebimento de contribuições legais provenientes de dinheiro público desviado pela empreiteira, quanto de propina e doações não contabilizadas. A cúpula do Congresso e pelo menos oito ministros do governo Temer estariam citados na delação, além dos ex-ministros petistas.

Há duas questões em jogo na operação frustrada. A primeira é o avanço irreversível das investigações da Operação Lava-Jato em direção à elite política do país, em razão das delações premiadas; a segunda, a crise de financiamento das campanhas eleitorais, com o fim das doações de pessoas jurídicas, que coloca em xeque o atual sistema eleitoral. A resposta urdida no Congresso é conter a Lava-Jato, zerando as investigações do caixa dois, e blindar os grandes partidos, com a cláusula de barreira e o monopólio do fundo partidário e do tempo de rádio e televisão. (Correio Braziliense – 22/09/2016)


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: “Rouba, mas faz!”

O ex-presidente Lula e seus aliados acreditam que suas convicções estão acima do bem e do mal

Fui buscar na estante de casa, empoeirado, o velho Dicionário Universal de Citações, de Paulo Rónai, de 1985 (Editora Nova Fronteira). Minha curiosidade era saber se o famoso bordão “Rouba, mas faz!”, de Ademar de Barros, constava do verbete corrupção. Foi uma frustração, a citação mais recente era dos tempos do Império, nas Máximas do Marques de Maricá (1773-1848): “um povo corrompido não pode tolerar governo que não seja corruptor”.

Havia outras citações mais antigas: “Ah, se as propriedades e títulos e cargos/ Não fossem fruto da corrupção! E se as altas honrarias / Se adquirissem só pelo mérito de quem as detém / Quantos, então, não estariam hoje melhor do que estão? / Quantos, que comandam não estariam, entre os comandados?”, de Shakespeare (1564-1616), no Mercador de Veneza. “A corrupção do melhor é a pior das corrupções”, de São Gregório, o Grande (540-604), nas Considerações Morais. E “Em Roma tudo está à venda”, de Salústio (86?-35 a.C.), na Guerra de Jugurta.

Nenhuma delas se equipara à máxima de Ademar de Barros, uma síntese da velha tradição patrimonialista da política brasileira no regime republicano. Apadrinhado do chefe de polícia de Getúlio Vargas, Filinto Müller, foi nomeado interventor de São Paulo, em abril de 1938, logo após a implantação da ditadura do Estado Novo. Médico, cultivou a imagem de administrador competente, realizador de grandes obras públicas e político de preocupação social. Construiu as rodovias Anchieta, iniciada em 1939, e Anhanguera, em 1940, e do Hospital das Clínicas, que começou em 1938. O Aeroporto de Congonhas foi iniciado em 1936, mas passou como se fosse de sua iniciativa.

Denúncias de peculato e enriquecimento ilícito, porém, levaram Vargas a afastá-lo da interventoria em junho de 1941, mas as suspeitas não impediram que fosse eleito governador, em 1947, cargo que exerceu até 1951. Uma série de reportagens intitulada “O meu destino é o Catete”, de autoria do jornalista Paulo Duarte, tornou famoso o “rouba, mas faz!”, frase atribuída ao próprio Ademar. Em 1949, teria comprado em benefício próprio, com dinheiro público, 11 automóveis e 20 caminhões da General Motors. O Ministério Público abriu um processo e pediu sua prisão preventiva. Em março de 1956, Ademar foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a dois anos de reclusão e perdeu os direitos políticos por cinco anos. Mas, em maio do mesmo ano, foi absolvido por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal.

Ética na política

Livre das denúncias, Ademar foi eleito prefeito de São Paulo em 1957. Em três eleições — prefeitura de São Paulo (1953), governo do estado (1955) e Presidência da República (1960) —, foi vencido por Jânio Quadros (1917-1992), seu maior rival político. Perdeu para Juscelino Kubitschek (1902-1976) na disputa pela Presidência, em 1955. Em 1962, finalmente, Ademar superou Jânio, que havia renunciado à Presidência, na eleição para o governo do estado. Em 1969, a ex-presidente Dilma Rousseff planejou e participou do roubo do cofre de Ademar de Barros, numa mansão de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, onde vivia a ex-amante do político, Ana Capriglioni, uma ação armada da Var Palmares, organização guerrilheira liderada pelo ex-deputado Carlos Araújo, seu ex-marido.

É impossível não resgatar a memória de Ademar de Barros, em razão de um trecho do discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na quinta-feira em São Paulo, quando se defendeu das acusações dos procuradores da Operação Lava-Jato. “A profissão mais honesta que existe é a de político, sabe por quê? Porque, por mais ladrão que ele seja, de 4 em 4 anos, ele está suando e pedindo voto, o concursado não! O concursado faz a faculdade, passa num concurso e tem o seu emprego pelo resto da vida, sem precisar se preocupar”. A frase pode não ser digna do dicionário de Rónai, mas é uma pérola. Mostra uma concepção de governo na qual o Estado foi tomado de assalto e saqueado, verbalizada por quem ocupou a Presidência por 8 anos.

Lula quis agradar os políticos que querem acabar com a Operação Lava-Jato e anistiar todos os envolvidos no escândalo da Petrobras, mas essa esperteza choca os cidadãos e os servidores públicos concursados, principalmente a alta burocracia federal. Max Weber, em sua famosa palestra A política como vocação (Munique, em 1919), foi enfático ao destacar a tensão entre a ética da responsabilidade e a ética das convicções. A Operação Lava-Jato é uma síntese disso: enquanto auditores, corregedores, delegados, promotores e juízes zelam pela legitimidade dos meios empregados na política, o ex-presidente Lula e seus aliados acreditam que suas convicções estão acima do bem e do mal. (Correio Braziliense – 18/09/2016)


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: Dilma sabia de tudo

A presidente afastada, Dilma Rousseff, teve poucos interlocutores na “jaula de cristal” do Palácio da Alvorada para conversar sobre literatura. Um deles era o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, seu advogado no julgamento do impeachment. Um de seus romances favoritos é Crime e Castigo, de autoria do russo Fiódor Dostoiévski, cujo personagem principal é um jovem estudante chamado Raskólnikov. Neurótico, introspectivo, vivendo na miséria, o jovem tinha mania de grandeza e se julgava explorado pela proprietária do apartamento onde vivia. Matou-a e justificou o crime, em seus pensamentos íntimos, comparando-se a César e a Napoleão, que foram responsáveis por milhares de mortes, mas foram tratados como heróis.

Raskólnikov havia praticado o crime perfeito. Ninguém sabia que ele era o assassino da velhinha. Matar uma pessoa, porém, pode ser mais complicado do que ordenar um ataque maciço numa guerra. Raskólnikov começa a se enrolar ao ser interrogado pelo juiz Porfiri Pietróvitch. Culpa, remorso, sentimento de prazer e grandeza, tudo se mistura na cabeça do jovem que imagina duelar com o juiz e perde o controle da situação. Estimulado por Sônia, uma prostituta pela qual se apaixonara, e influenciado por uma passagem bíblica, Raskólnikov confessa o crime. Ninguém sabia quem era o assassino, mas ele sabia.

Na condição de ré, Dilma Rousseff prestará seu depoimento hoje no Senado para se defender das acusações de crime de responsabilidade, pelas quais pode ser condenada à perda do mandato e dos direitos políticos por oito anos, o chamado impeachment. Seu depoimento é aguardado por aliados e adversários e poderá ser bem mais longo do que os 30 minutos que lhe foram reservados, pois não poderá ser interrompida. O rito do impeachment estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) visa a garantir seu mais amplo direito de defesa. Há semanas, a presidente afastada prepara seu discurso com os ex-ministros que a acompanham desde seu afastamento do cargo. A versão final será do próprio punho.

Depois de seu pronunciamento, os senadores poderão fazer perguntas. A bancada de 20 senadores que apoiam a presidente da República reforçará seu discurso. A antiga oposição, pelas palavras do presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), espera que o discurso tenha o “tom adequado”, ou seja, não quer ser acusada de golpista. Vai ser difícil. Toda a retórica dos aliados de Dilma Rousseff e a “trupe” que mobilizou para acompanhá-la durante o julgamento, liderada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, indicam que sua defesa será na linha dessa acusação.

Legado histórico

Nos bastidores, percebe-se um certo alívio dos petistas. Acreditam que Dilma Rousseff, ao depor no Senado, consolidará a narrativa do golpe e preservará o “legado histórico” da passagem do ex-presidente Lula pelo poder. As dificuldades de seu governo serão atribuídas à crise mundial, às forças ocultas que conspiram contra a soberania nacional, à mídia golpista e à atuação da oposição no Congresso para inviabilizar a saída da crise, além da traição do presidente interino, Michel Temer. Que ninguém espere uma autocrítica de seus erros no governo. Dilma dirá que está sendo deposta pelas suas virtudes e não pelos defeitos, como costumava dizer o ex-senador Darci Ribeiro ao defender o governo João Goulart.

Esse é o busílis. Dilma quer comparar o seu governo ao de Jango e o de Lula, ao de Getúlio Vargas, para que o PT possa ter uma plataforma política que possibilite a sobrevivência do partido nas eleições de 2018. É preciso varrer para debaixo do tapete todos os equívocos cometidos no poder, seja a condução dada à economia – a guinada começou no segundo mandato de Lula –, seja o espantoso estratagema montado pelo PT para se perpetuar no poder, que foi desnudado pela Operação Lava-Jato. Dilma sabia de tudo. Mas esse, ironicamente, é o conjunto da obra. Perderá o mandato por causa das “pedaladas fiscais”, que violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal, e dos “decretos ilegais”, que desrespeitaram a Lei Orçamentária e usurparam atribuições do Congresso.

Essa enfadonha discussão técnica sobre pedaladas e decretos, objeto do processo de impeachment, porém, será deixada de lado. Dilma dirá que não houve crime de responsabilidade. Como todo governante isolado da sociedade, falará de coisas que estão no seu imaginário e de seus colaboradores, e não, da dura realidade enfrentada hoje pelo povo brasileiro, que é o resultado do seu fracasso político. Sabe que está derrotada, mas pretende discursar para a História. Alguém já disse, porém, que não se julga uma personalidade política pelo que ela imagina de si e das suas próprias circunstâncias. (Correio Braziliense – 29/08/2016)


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Luiz Carlos Azedo: Adeus, presidenta!

O livro Adeus, senhor presidente, de Carlos Matus, um dos teóricos da administração pública mais estudados no Brasil, por causa do seu método de “planejamento estratégico situacional”, é um ensaio romanceado sobre o exercício do poder na América Latina. Ex-ministro de Salvador Allende, Matus não se limitou a denunciar e repudiar o golpe militar de Pinochet, ocorrido em 1973, que transformou o Chile num mar de sangue, procurou também entender o que aconteceu e buscar caminhos para que os erros cometidos pela esquerda chilena não se repetissem.

Não passa pela cabeça de ninguém comparar o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, ao golpe fascista chileno, mesmo entre aqueles que acusam o presidente interino, Michel Temer, de golpista, mas o contexto justifica, ao menos para quem foi apeado do poder, conhecer ou revisitar a obra de Matus. Ele constrói um cenário fictício, que começa com a posse de um presidente que criou grandes expectativas e prometeu muitas mudanças e termina com suas reflexões, depois de afastado do poder, sobre o desapontamento dos eleitores e as razões pelas quais não cumpriu o que prometeu. Detalhe: seu sucessor também é malsucedido e desaponta o povo.

Matus trabalha com o cotidiano do governo, a perda de tempo com coisas banais, os erros estratégicos, as intrigas políticas e lutas intestinas, num palácio onde pululam sindicalistas, dirigentes partidários, empresários, tecnocratas, intelectuais, jornalistas, parentes e corruptos de todas as categorias. É muito semelhante à situação de Dilma, que pode até ter lido a obra de Matus, mas parece que não adiantou muito. São favas contadas a sua cassação, depois da votação da madrugada de ontem no Senado, quando se decidiu, por 59 votos a favor e 21 contrários, dar inicio ao julgamento final do seu impeachment.

O líder comunista Enrico Berlinguer, falecido em 1984, profundamente marcado pelo fracasso da experiência chilena, nela se inspirou para propor o famoso “compromisso histórico” entre os comunistas e democratas-cristãos na Itália, que se digladiavam desde o fim da II Guerra Mundial. À época, o líder democrata-cristão Aldo Moro, que viria a ser assassinado em 1978, depois de 55 dias de cativeiro, pelas Brigadas Vermelhas, uma organização terrorista de extrema-esquerda, sinalizava a possibilidade de concretização da aliança, com sua “abertura à esquerda”. Esta estratégia produziu bons resultados eleitorais para o PCI nas eleições de 1976, nas quais obteve 35,9% dos sufrágios, levando-o a apoiar o governo do democrata-cristão Giulio Andreotti. Mas a DCI estava em crise por causa do referendo do divórcio e o assassinato de Aldo Moro destruiu as boas perspectivas então desencadeadas para um governo de coalizão dos dois maiores partidos da Itália.

Foi uma grande oportunidade perdida por todos os partidos italianos, que prosseguiram numa trajetória meio suicida ao deixar que a corrupção contaminasse suas entranhas e levasse a Itália a uma sucessão de crises políticas, que acabou com a derrocada de todos, que praticamente desapareceram após a Operação Mãos Limpas, inclusive o poderoso PCI. Depois de uma sucessão de fusões, o PCI se tornou o Partido Democrático, hoje no poder. Esses parênteses faz sentido porque aqui no Brasil vivemos um fenômeno político semelhante, que está sendo desnudado pela Operação Lava-Jato, cujo impacto no sistema eleitoral e partidário pode ser muito maior do que imaginam os grandes caciques da política brasileira.

Não errar

O placar de ontem no Senado mostra que o impeachment é mesmo inexorável e que o presidente interino, Michel Temer, tem capacidade de articulação e força política para garantir a governabilidade. Há expectativa de que a cassação da presidente Dilma se dê em 25 de agosto, ironicamente, o Dia do Soldado. Vale destacar que a presidente afastada, no auge das manifestações de protesto contra seu governo, chegou a cogitar da decretação de “estado de defesa” (que lhe conferiria poderes especiais para suspender algumas garantias individuais asseguradas pela Constituição, a pretexto de restabelecer a ordem em situações de crise institucional), mas não obteve apoio dos comandantes militares, nem do então ministro da Defesa, Aldo Rebelo (PCdoB), que a demoveu dessa ideia. Esse fato é o melhor exemplo de que o Brasil atravessa uma crise política, econômica e ética sem precedentes, mas não vive uma crise institucional, graças ao comportamento profissional das Forças Armadas.

Mas voltemos ao impeachment. O presidente Michel Temer, apesar do grande apoio político e parlamentar, se defrontará com os mesmos problemas que levaram à breca o governo Dilma: recessão, desemprego, inflação, deficit fiscal, fisiologismo político e envolvimento dos partidos de sua base no escândalo da Petrobras. Seu estoque de problemas não pode aumentar, pelo contrário, precisa ser reduzido. Certamente, não cometerá os erros de Dilma Rousseff, mas está sujeito a outros e precisará evitá-los. Para encerrar, a ministra Cármem Lúcia foi eleita ontem para a Presidência do Supremo Tribunal Federal. Data vênia, quer ser chamada de presidente e não de presidenta.


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Luiz Carlos Azedo: A bandeira da ordem

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Os atentados de Nice, na França, e de Munique, na Alemanha, na sexta-feira, acenderam a luz amarela dos serviços de segurança do Brasil e das principais potências ocidentais em relação às Olimpíadas do Rio de Janeiro a duas semanas dos jogos. Por aqui, o fato relevante foi a prisão preventiva, pela Polícia Federal, de 11 suspeitos de envolvimento com Estado Islâmico, que supostamente estariam se organizando para realizar um ato terrorista e agora correm o risco de serem enquadrados na nova Lei Antiterror.

O episódio reacende o debate sobre a segurança dos jogos e os direitos e garantias individuais, porém, em contexto muito diferente das prisões dos black blocs durante as grandes manifestações de junho de 2013, que antecederam a Copa do Mundo de 2014. A paranoia em relação ao terrorismo no Brasil, diante dos atentados de inspiração islâmica na Europa e nos Estados Unidos, não é uma coisa sem sentido. A maioria dos ataques de “lobos solitários” ou grupos ligados virtualmente ao Estado Islâmico foi perpetrada por indivíduos que haviam sido monitorados pelos serviços secretos dos respectivos países.

As Olimpíadas são o maior evento de massas do mundo e, de fato, põem o Rio de Janeiro em situação de risco, devido à presença de grandes delegações de atletas dos países diretamente envolvidos nos conflitos do Oriente Médio, particularmente na guerra contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. É nesse contexto que o governo interino de Michel Temer, responsável pela segurança das Olimpíadas, empunha a bandeira da ordem, às vésperas da votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, de quem herdou o problema e pode fazer desse limão uma doce limonada.

Ordem e Progresso, o lema positivista da bandeira nacional, é o slogan oficial do governo Temer. Adotado no contexto da crise político que resultou no afastamento de Dilma Rousseff, parecia uma sacada artificial e démodé, em meio à crise econômica, política e ética. A onda terrorista protagonizada por indivíduos que se associam ao Estado Isâmico pelas redes sociais, porém, com a aproximação das Olimpíadas, fez da manutenção da ordem uma necessidade real. O que não se pode é derivar para a lógica do Estado Leviatã.

Terror e tráfico

Publicado em 1651, O Leviatã, de Thomas Hobbes, foi uma resposta à Guerra Civil inglesa, provocada pela destituição do rei Carlos I pelo parlamento, em meio ao conflito entre anglicanos e presbiterianos. O resultado foi o caos, uma guerra de todos contra todos, que Hobbes atribuiu à natureza humana. Segundo ele, sem uma ordem política estabelecida, a vida se torna “solidária, pobre, repugnante, brutal e breve”. Para construir uma sociedade é necessário que cada indivíduo renuncie a uma parte de seus desejos e chegue a um acordo mútuo de não aniquilação com os outros.

Nasceu daí a ideia hobbesiana do “contrato social”, de modo a transferir os direitos que o homem possui naturalmente sobre todas as coisas em favor de um soberano dono de direitos ilimitados. Este monarca absoluto, cuja soberania não reside no direito divino, mas nos direitos transferidos, seria o único capaz de fazer respeitar esse contrato e garantir, desta forma, a ordem e a paz, exercendo o monopólio da violência que, assim, desapareceria da relação entre indivíduos. Ironicamente, foi a ditadura de Cromwell, o “Lorde Protetor”, que primeiro deu forma ao Estado Leviatã e realizou a revolução burguesa na Inglaterra. Mais tarde, em 1689, na Revolução Gloriosa, que foi pacífica, o parlamento promulgou a Declaração dos Direitos (Bill of Rights), que serve de base para o parlamentarismo monárquico britânico.

A crise humanitária do Mediterrâneo e os atentados terroristas na Europa parece reproduzir o “estado natural” descrito do Hobbes no Leviatã. São consequência da guerra civil e do caos que se instalou com a desestruturação dos estados nacionais do Iraque e da Síria pelas desastradas intervenções das potências ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos durante o governo Bush, após o 11 de Setembro de 2003, que agravaram ainda mais os conflitos do Oriente Médio e do Afeganistão. O Brasil manteve-se sempre à margem desses conflitos, apesar das grandes comunidades brasileiras de origem árabe e judaica.

Entretanto, os indicadores de violência e a presença ostensiva do tráfico de drogas no país, principalmente no Rio de Janeiro, se assemelham a uma espécie de “guerra civil” não declarada. Não há, porém, registro de conexões entre traficantes e supostos apoiadores do Estado Islâmico, mas nem por isso deixa de ser prudente a transferência dos chefes das quadrilhas que atuam no Rio de Janeiro de Bangu para presídios federais de segurança máxima em outros estados e a prisão temporária de suspeitos de envolvimento com organizações terroristas. O que não se pode, porém, é derivar para uma concepção de segurança pública contrária aos fundamentos da democracia, ainda mais num ambiente político pautado pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. (Correio Braziliense – 24/07/2016)


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Luiz Carlos Azedo: O bolchevismo tardio

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

A matriz ideológica da esquerda brasileira é uma mistura de anarquismo, marxismo e positivismo. Leandro Konder, no livro A derrota da dialética, explica que a chegada das ideias de Marx ao Brasil se deu logo após a comuna de Paris de 1871. Contra elas reagiram as elites políticas escravocratas do Império, mas muitos estudantes receberam essas ideias com entusiasmo. Os principais intelectuais do país, porém, não se empolgaram com as teses marxistas.

Tobias Barreto considerava Marx um reformista ingênuo. Clóvis Bevilacqua via a desigualdade como o resultado do progresso. Machado de Assis o ignorou. O grande ideólogo da proclamação da República seria Benjamin Constant, líder positivista ortodoxo, que lecionava na Escola Militar da Praia Vermelha. Somente em 1900, onze anos depois, o professor italiano Antônio Piccariolo (1868-1957) criou o centro socialista paulistano. Era formado por anarco-sindicalistas, sindicalistas-revolucionários, reformistas e social-democratas.

Como hoje, o socialismo era algo distante da realidade brasileira. Após a Revolução Russa de 1917, no rastro da I Guerra Mundial, as ideias socialistas voltaram a ter eco no Brasil, sob forte influência do Partido Bolchevique, liderado por Vladimir Lênin. Pouco depois, em 1922, sindicalistas de origem anarquista, liderados pelo jornalista Astrojildo Pereira (RJ) e o contador Cristiano Cordeiro (PE), fundaram o Partido Comunista do Brasil (PCB). Alguns anos depois, Astrojildo converteu ao comunismo o líder tenentista Luiz Carlos Prestes.

A adesão de Prestes completou a simbiose entre as ideias anarquistas, marxistas e positivistas, que depois influenciaram o comportamento de toda a esquerda brasileira. Houve uma espécie de fusão da visão bolchevique, cuja política considerava a luta de classes como parte de uma guerra civil mundial, com o golpismo dos militares brasileiros de formação positivista. Seu ponto alto foi a tentativa dos comunistas de tomada do poder pelas armas em 1935. Como os militares tutelaram a República de 1889 a 1985, com destaque para a Revolução de 1930 e o golpe militar de 1964, a concepção de “revolução social pelo alto” adotada por comunistas e militares nacionalistas era a outra face da moeda de uma concepção de modernização do país por uma “via prussiana”. Durante 100 anos da história republicana, o golpismo provocou graves crises políticas.

O melhor cenário para examinar essa questão é a crise do governo João Goulart (PTB), em 1964, depois de uma sucessão de tentativas de golpe de Estado por parte da direita militar e setores conservadores. O programa de reformas do governo defendia a nacionalização das empresas estrangeiras e a reforma agrária, mas não reunia apoio efetivo no Congresso. A esquerda, porém, queria que Jango fizesse as reformas “na lei ou na marra”. Além disso, havia o problema da sucessão de Jango, na qual os candidatos mais fortes eram o ex-presidente Juscelino Kubitschek (PSD) e o governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda (UDN).

A esquerda nacionalista atacava a “política de conciliação” de Jango e defendia a candidatura do ex-governador gaúcho Leonel Brizola (PTB). O líder comunista Luiz Carlos Prestes, porém, já articulava a reeleição de Jango. Pela Constituição, nenhum dos dois poderia ser candidato. Como o mundo vivia o auge da Guerra Fria, a radicalização política no Brasil era quase inexorável, com os Estados Unidos incentivando a tomada de poder pelos militares. Foi nesse contexto que houve o golpe de 1964.

A destituição de Jango provocou um racha na esquerda, porque não houve resistência armada ao golpe, por decisão de Jango e de Prestes. Liderada por Carlos Marighella, parcela expressiva resolveu partir para a luta armada, com apoio de Cuba e da China. Prestes e o PCB, com apoio da antiga União Soviética, defendiam uma frente ampla contra o regime militar e a luta pela redemocratização do país, por meios pacíficos.

De modo geral, o “bolchevismo” adotava três ideias-força: a implantação do socialismo a partir do Estado, a inevitabilidade da “guerra civil” para a manutenção do poder e a necessidade de neutralizar a reação das potências imperialistas. Essa visão pautou o comportamento da esquerda no Brasil, principalmente dos setores que optaram pela luta armada contra o regime militar, alguns dos quais nunca fizeram autocrítica do seu fracasso.

A presidente Dilma Rousseff e o presidente do PT, Rui Falcão, são remanescentes da guerrilha urbana. A ideia de renúncia ao poder não passa por suas cabeças. Diante da crise econômica, política e ética, a postura da esquerda governista cada vez mais reflete uma espécie de “bolchevismo tardio”: Aposta no Estado para controlar o país, sua economia e a sociedade. Usa de todos os meios para se manter no governo e considera um retrocesso a alternância de poder. Adota a retórica nacionalista para tratar os adversários como inimigos do povo e traidores da pátria. Vê o crescimento da oposição como suposta conspiração golpista articulada pelos Estados Unidos. Viola as regras do Estado democrático de direito ao mesmo tempo que pretende usufruir de suas prerrogativas e garantias. (20/03/2016)