Luiz Carlos Azedo

Luiz Carlos Azedo: Será o fim do patrimonialismo?

Não houve ainda o grande debate sobre a gestão dos ativos públicos para reduzir a dívida e os impostos, custear investimentos em infraestrutura, fortalecer a democracia e combater a corrupção

A emblemática privatização da Casa da Moeda, anunciada ontem pelo governo, vai muito além da desmobilização de seu patrimônio e concessão de serviços. É a joia mais antiga da coroa do nosso velho patrimonialismo. Fundada em 1694, em Salvador, por Dom Pedro II de Portugal, foi criada para cunhar moedas de ouro de circulação exclusiva no Brasil. Desde então, é responsável pela produção do meio circulante brasileiro e de outros produtos de segurança, como passaportes com chips e selos fiscais. O complexo industrial, localizado em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, por exemplo, é um dos maiores do gênero no mundo, com três fábricas da empresa (de cédulas, de moedas e gráfica); na antiga sede no Campo de Santana, no Rio de Janeiro, inaugurada em 1868, hoje funciona o Arquivo Nacional.

Dois dias depois de anunciar a privatização da Eletrobras, uma gigante estatal com receita de R$ 60,7 bilhões e 24 mil empregados — com 13 subsidiárias, 178 empresas e 223 usinas hidrelétricas —, o governo anunciou um Programa de Parcerias de Investimento (PPI) no qual 57 novos ativos foram disponibilizados, entre aeroportos, ferrovias, portos e rodovias. Segundo o ministro da secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco, o objetivo é “enfrentar a questão do emprego e da renda”. O governo não sabe ainda quanto pretende arrecadar com os novos leilões, mas estima que representarão R$ 44 bilhões em investimentos. O objetivo é elevar as receitas num momento de arrecadação fraca e deficit fiscal de R$ 159 bilhões.

Na prática, foi anunciada ontem a decisão política de se desfazer do patrimônio, sem que tenham ficado muito claras as regras do jogo. Não houve uma prévia discussão no interior da equipe econômica da modelagem das privatizações. O modelo será selvagem, como aconteceu com o programa do primeiro-ministro russo Boris Yeltsin, ou cercado de garantias institucionais, como nas privatizações do governo de Fernando Henrique Cardoso? As duas experiências ocorreram na década de 1990 e servem de paradigma para investidores do mundo inteiro quando se trata de lidar com os chamados países emergentes.

O programa reabre a discussão sobre o patrimonialismo no Brasil. O conceito foi criado por Max Weber, filósofo e sociólogo alemão, e adotado por alguns dos chamados intérpretes do Brasil, como Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 1936) e Victor Nunes Leal (Coronelismo: enxada e voto, 1948). Em 1978, o tema foi retomado com a reedição da obra de Raymundo Faoro Os donos do poder, a formação do patronato brasileiro (1958), que mostra as dificuldades em separar o patrimônio público dos bens privados para a construção de um Estado moderno, baseado no respeito aos preceitos legais.

Privatizações
A crise do Estado de bem-estar social na Europa e o chamado “Thatcherismo” coincidiram, no Brasil, com a crise do modelo nacional desenvolvimentista, que proporcionara o chamado “milagre brasileiro” no auge do regime militar. Após a vitória conservadora no Reino Unido, em 1979, a primeira-ministra Margaret Thatcher privatizou a maior parte do setor público, contra a opinião dos trabalhistas e a mobilização dos sindicatos, que acabaram derrotados depois de uma greve de mineiros que durou mais de um ano. Nos meios intelectuais, o debate sobre as privatizações emergiu como uma espécie de saída para a crise de financiamento do setor público e superação do patrimonialismo em meio à luta pela democratização do país. Mas morte de Tancredo Neves, em 1985, de certa forma, frustrou uma reforma liberal.

Agora, a Operação Lava-Jato repôs esse debate na ordem dia. A passagem do PT pelo poder, economicamente intervencionista e estatizante, exacerbou o fisiologismo, o clientelismo e o patrimonialismo. A presidente Dilma Rousseff foi afastada do poder, mas seus aliados permaneceram no controle das estruturas de governo, a começar pelo PMDB, cujas práticas patrimonialistas dispensam apresentação. Doutrinariamente, caberia ao PSDB liderar a retomada do debate sobre as privatizações, mas o que está acontecendo é outra coisa. Foi o núcleo peemedebista ligado ao presidente Michel Temer que resolveu desatar o nó das privatizações.

Como se dará esse processo? Essa é a grande indagação no mercado, porque as regras não estão claras. Na Rússia, as privatizações selvagens de Yegor Gayder, ministro de Boris Yeltsin, transformaram burocratas comunistas em magnatas capitalistas da noite para o dia. Putin virou um novo czar da Rússia ao pôr ordem no processo, com apoio da classe média generalizada que surgiu da restauração capitalista. No Brasil, a recessão impediu a consolidação da chamada nova classe média, lançada ao desemprego e à falência, mas a retomada do crescimento pode viabilizar isso. É uma aposta para 2018 se a reforma do Estado avançar na administração direta e na Previdência e os investimentos vierem. Muitos desses investidores são africanos, árabes, russos e chineses, que gostam de jogo bruto. Não houve ainda o grande debate sobre a gestão dos ativos públicos para reduzir a dívida e os impostos, custear investimentos em infraestrutura, fortalecer a democracia e combater a corrupção e o mau uso do patrimônio do Estado. Ele pode ser abortado por privatizações a toque de caixa.


Luiz Carlos Azedo: Notícia boa, notícia ruim 

A notícia boa foi a reação do mercado financeiro à decisão de que o governo pretende privatizar a Eletrobras. O Ibovespa, principal índice de ações brasileiras, fechou em alta de mais de 2%, atingindo, pela primeira vez em mais de seis anos, o patamar de 70 mil pontos. Com valorização de quase 50% nos papéis ordinários da Eletrobras, a empresa ganhou R$ 9,13 bilhões num único dia, muito mais do que renderia qualquer plano de reestruturação que fosse anunciado para melhorar seu desempenho.

Falou em vendê-la e a Eletrobras mudou significativamente de valor. As ações ordinárias, que dão direito aos acionistas de voto nas assembleias, subiram 49,3%, para R$ 21,20. Já as ações preferenciais, que permitem aos acionistas prioridade no recebimento dos lucros da empresa, avançaram para R$ 23,55 (32,08%). Os analistas de mercado exultaram com a decisão, que deixará de fora do pacote a Itaipu binacional, de propriedade do Brasil e do Paraguai, e a Eletronuclear, responsável pela produção e programas de energia nuclear.

A notícia ruim, porém, foi a assinatura do acordo de delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, anunciada pela Procuradoria-Geral da República. Trata-se do principal operador do caixa dois do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e de outros caciques do PMDB. Funaro promete revelar novos detalhes de esquemas de corrupção envolvendo o presidente Michel Temer e alguns de seus ministros. A prisão de Roberta Funaro, irmã do doleiro, a partir da delação premiada dos executivos da JBS, levou-o a fazer o acordo.

Com isso, o fantasma de uma nova denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer voltou a rondar o Palácio do Planalto. Cumpriria a promessa que fez ao anunciar que a faria até a entrega do cargo para Raquel Dodge, sua sucessora no cargo. Essa expectativa nos meios políticos acaba repercutindo no mercado e deixa inseguros os agentes econômicos. De certa forma, a antecipação do anúncio da privatização da Eletrobras pode ter sido provocada pela informação de que Funaro havia assinado a delação. Ao fazê-lo, Temer passou à ofensiva novamente junto aos meios empresariais, neutralizando o desgaste da notícia.

A narrativa do Palácio do Planalto de que a Operação Lava-Jato é autoritária e atrapalha a recuperação da economia já salvou o presidente da República de afastamento pela Câmara, com a rejeição da denúncia de Janot baseada nas gravações da conversa de Temer com o empresário Joesley Batista, da JBS. A privatização da Eletrobras é um sinal muito forte de que o governo o avança nas reformas econômicas, ainda que não consiga enxugar os gastos na Esplanada dos Ministérios e desencalhar a reforma da Previdência no Congresso. E que a Lava-Jato se tornou o maior problema para o país reencontrar seu rumo. Isso não resolve o problema de popularidade de Temer, mas ajuda a blindá-lo contra uma nova denúncia.

Reforma política
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiou pela segunda vez a votação da reforma política. Os deputados não conseguem se entender em relação às propostas em discussão. Afora as questões de mérito, a confusão quanto ao processo de votação é grande. Parte dos deputados queria analisar a PEC ponto a ponto, não o relatório completo. Mas, pelo regimento, o requerimento para fatiar a votação deve ser apresentado pelo relator ou ter o consentimento dele. Vicente Cândido (PT-SP), relator do projeto, havia concordado com o fatiamento, mas acabou pressionado e voltou atrás.

Pra aumentar a confusão, a relatora de outra comissão, a deputada Shéridan (PSDB-RR), anunciou mudanças na proposta de regras da cláusula de desempenho eleitoral para beneficiar partidos menores. Flexibilizou as exigências para ter direito ao tempo gratuito de rádio e televisão e acesso ao Fundo Partidário, da ordem de R$ 819 milhões em 2017.

Também propôs a formação de federações regionais, que teriam que se manter durante toda a legislatura. A exigência para ter direito ao dinheiro do fundo era o partido eleger pelo menos 18 deputados distribuídos em pelo menos nove estados; o número foi reduzido para 15 deputados.

Na fase de transição, até a implementação efetiva das medidas, de 2018 a 2030, o número de deputados eleitos pelo partido para ter acesso ao fundo também diminuiu. Manteve-se a regra alternativa, que determina que terão acesso ao fundo os partidos que alcançarem pelo menos 3% dos votos válidos nas eleições para a Câmara, distribuídos em pelo menos nove estados, com um mínimo de 2% dos votos em cada um. A federação é uma saída para os partidos que não atingirem as exigências mínimas de acesso ao fundo. Esta proposta abre espaço para manutenção do atual sistema de votação proporcional.

 


Debate na ABI:” Gramsci não pode tirar o País dessa crise”

Neste ano em que se completa 80 anos da morte do pensador italiano Antonio Gramsci, a Fundação Astrojildo Pereira e a Associação Brasileira de Imprensa realizaram a mesa redonda ‘Um pouco de Gramsci nessa crise não faz mal a ninguém’. O debate recebeu dezenas de pessoas no auditório Belizário de Souza, nesta terça-feira, dia 21 de agosto.

A mesa redonda foi aberta pelo presidente da ABI, Domingos Meirelles, e teve como mediador o Conselheiro da entidade e colunista político Luís Carlos Azêdo. O debate contou com a presença do tradutor e ensaísta Luíz Sérgio Henriques, do representante da Fundação Astrogildo Pereira Alberto Aggio e de Andrea Lanzi, do Partido Democrático Italiano.

O objetivo do encontro foi discutir a importância do legado intelectual de Antonio Gramsci, 80 anos depois da sua morte, e a contribuição de sua obra como instrumento de percepção e análise da atual crise brasileira. Ao contrário do pensamento marxista tradicional, que se dedicava ao estudo das relações entre política e economia, ele chamava a atenção para o papel da cultura e dos intelectuais nos processos históricos de transformação social.

Domingos Meirelles destacou as diferentes leituras da obra do pensador italiano e a lucidez com que se debruçou sobre as questões de sua época e observou na mesa debatedora os vários ‘Gramscis’ que apareceram nas diversas leituras que cada teórico fez sobre sua obra.”As temáticas levantadas pelo autor são muito atuais para entender o mundo pós-moderno. O encontro foi muito frutífero já que foi possível ouvir as diversas interpretações do pensamento de Gramsci sob diversas perspectivas”.

O diretor da Fundação Astrogildo Pereira, Alberto Aggio, lembrou que nesse momento em que se recorda os 80 anos de seu falecimento, é importante se pensar a recepção do pensador no Brasil. O ensaísta ressaltou que Gramsci é de leitura difícil já que escrevia em códigos e desde os anos 60 ele é discutido no país.

Para Aggio, toda a dificuldade de entendimento da teoria gramisciana é válida já que seu pensamento é extremamente desafiador. “Existem muitas interpretações a respeito do pensamento gramsciano, mas seguramente as mais aceitas e difundidas dão conta de que nele há uma perspectiva democrática importante e perspectivas culturais novíssimas que o marxismo do século XIX não comportava. Mais do que isso, Gramsci também foi um crítico aos caminhos que tomava a URSS e suas reflexões buscam uma saída em relação a esses descaminhos que, mais tarde, ficaram mais evidentes. Por tudo isso, vale a pena refletir sobre o pensamento do filósofo italiano. Ao discutirmos sobre drogas, temos de estudar a experiência de outros países, como, por exemplo, o Uruguai ou Portugal. Ao discutirmos sobre violência, teremos de considerar o que acontece em sociedades, como a americana, que permitem a difusão abusiva de armas. Nesta nossa longa viagem no interior da sociedade civil, marxistas de inspiração gramsciana poderão dizer alguma coisa em proveito da convivência democrática e civilizada entre pessoas de múltiplas e variadas inspirações”.

Luiz Sérgio Henriques fez uma reflexão sobre Gramsci como um teórico que convida toda a sociedade a um diálogo. Mas lembrou que o pensador, por si só, não vai salvar a sociedade e nem o Brasil, como nenhuma teoria ou religião. Mas que é um importante instrumento para refletir sobre a atual crise da esquerda no país. Trazendo Gramsci para o contexto político brasileiro, ele garantiu que o Partido dos Trabalhadores nunca se embasou na teoria gramisciana. “Ao chegar ao poder, a esquerda do PT construiu relações de poder equívocas, e deixou de lado o que a sociedade pensava. Ele não considerou as questões e necessidades da população. Mas o que mais se deve nos interessar mais nesse autor é a Democracia como uma utopia”.

Andrea Lanzi, do Partido Democrático Italiano, acentuou que apesar de considerar que Gramsci jamais pensaria a sociedade com a Revolução Industrial, os ideias de liberdade e igualdade, da Revolução Francesa e o pensamento Gramisciano ainda são referência para um movimento que queira reduzir as injustiças sociais.

 

 

 


Luiz Carlos Azedo: Um partido pra chamar de meu

O PMDB abduziu o PT e transformou a legenda em bagaço de laranja. Agora, a mesma coisa pode acontecer com o PSDB, que está à beira da implosão

A dialética do processo político brasileiro, digamos assim, será ditada por duas tendências que se fortalecem na medida em nos aproximarmos da eleição: o enfraquecimento do governo Temer, de um lado, e o surgimento de candidaturas mais ou menos competitivas de outro. Duas já estão postas: a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a de Jair Bolsonaro (PSC). A única alternativa possível para o presidente Temer reverter essa tendência e não ficar isolado e moribundo no fim de seu mandato é apoiar uma candidatura forte o suficiente para reagrupar sua base e gerar uma nova expectativa de poder.

Essa é a operação em curso no Palácio do Planalto, mas passa por uma definição do PSDB em relação ao candidato da legenda, que hoje se digladia em torno de dois nomes: o governador Geraldo Alckmin, que seria o candidato natural, e o prefeito de São Paulo, João Doria, que entrou em campanha aberta, atropelando o seu criador político. Como o PSDB é uma variável sobre a qual Temer não tem controle, o presidente e os aliados começaram a meter a colher na luta interna dos tucanos, o que pode não ser uma boa ideia, mas nada impede que dê certo. Essa é a magia da política.

Em razão do poderio político e econômico do governo de São Paulo, o governador paulista ocupa o vértice de um sistema de poder controlado pelos tucanos, que passa pela estrutura partidária, mas é ancorado nos governadores, senadores, deputados federais e prefeitos da legenda. Por essa razão, como nas eleições de 2006, quando o senador José Serra (PSDB-SP) foi preterido, será muito difícil deslocar a candidatura de Geraldo Alckmin, ainda mais porque as alternativas que lhe restariam seria disputar uma vaga ao Senado ou ficar no cargo até o fim do mandato. Ocorre que a candidatura que empolga os aliados do PSDB no governo Temer é a de Doria.

Essa é a questão por trás da polêmica sobre o recente programa do partido, que ensaiou uma autocrítica em relação à Operação Lava-Jato e certa posição de apoio crítico ao governo Temer, cuja frase síntese é “O PSDB errou”. O eixo político do programa foi a crítica ao “Presidencialismo de cooptação”. O resto é detalhe.

No período imediatamente anterior à elaboração do programa, houve a votação do pedido de afastamento de Temer para a investigação da denúncia contra o presidente da República, que rachou a bancada do PSDB. Logo após, um caloroso encontro do presidente Temer com Doria, em São Paulo, sem a presença de Alckmin. Depois, uma afetuosa conversa de Doria com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e a acalorada visita a Salvador, a convite do prefeito ACM Neto (DEM), na qual o prefeito paulista transformou a ovada que levou de um manifestante numa fortificante gemada política.

Novo bloco
A movimentação do prefeito Doria sinalizou para Temer e seus aliados do DEM a possibilidade de se antecipar à convenção do PSDB e iniciar as articulações para fazer de Doria o grande candidato de centro democrático, num movimento no qual a ala tucana que apoia o governo ameaça deixar o partido, da mesma forma como estão trocando o PSB pelo DEM os políticos dessa legenda que apoiam o governo.

Há duas alternativas: a primeira é a incorporação de Doria e todos os dissidentes pelo DEM; a segunda, o surgimento de um novo partido, que teria Doria como candidato, aproveitando a estrutura de um dos partidos aliados. Há vários, de médios a pequenos, à esquerda e à direita do PSDB, à disposição das manobras de Temer. Para Doria, poderia ser a melhor alternativa para não desconstruir a imagem de representante do novo na política, com o puro e simples ingresso no PMDB. Além disso, pode funcionar como um xeque-mate no alto tucanato.

Tudo isso ocorre em meio a uma reforma política feita sobre medida para mudar deixando tudo como está. Trata-se de mais uma faceta do nosso “transformismo” político, no qual recentemente o PMDB abduziu o PT e transformou a legenda em bagaço de laranja. Agora, a mesma coisa parece que pode acontecer com o PSDB, que está à beira da implosão.

O fenômeno é característico de processos políticos nos quais os partidos se descolam das bases eleitorais e buscam se reposicionar com objetivo de manter ou voltar ao poder. Com o colapso de certas utopias e a formação de uma classe dirigente que detém o domínio político do Estado, não importam suas mazelas, as lideranças moderadas e conservadoras buscam absorver os quadros mais ativos de grupos aliados e, eventualmente, até antigos adversários.

 


Luiz Carlos Azedo: A memética da Lava-Jato

Os fatos revelados pela Operação Lava-Jato são tão surpreendentes que parecem fugir à lógica do instinto de sobrevivência dos políticos. É como se uma epidemia tivesse tomado conta dos partidos

Para quem gosta de analogias para explicar o que está acontecendo no mundo da política, o livro Sapiens, uma breve história da humanidade, do israelense Yuval Noah Harari (L&PM), é um prato cheio. Uma das pérolas do livro é a referência à tese neodarwiniana de que, além dos genes replicadores das espécies responsáveis pela evolução orgânica da Terra, existiria um replicador responsável pela transmissão de informações culturais de uma geração para a outra: os “memes”.

Com base nela, alguns estudiosos já tratam a cultura como uma espécie de epidemia infecciosa, provocada por um parasita mental, sendo os homens seus hospedeiros voluntários. Harari entra nessa seara para explicar o que poderíamos classificar de “pós-fim da história”. Explico: quando acabou a União Soviética e o Leste europeu derivou de volta ao capitalismo, graças a um artigo de Francis Fukuyama (célebre economista e filósofo americano de origem japonesa, que foi um dos ideólogos de Ronald Reagan), que depois virou livro, a velha tese do “fim da História” de Hegel ressurgiu das cinzas. Harari vai além: defende que a História não é feita pelos e para os humanos.

Segundo ele, não há provas disso. O fio condutor do seu livro é a saga de uma das seis espécies de humanos que habitavam a Terra há 100 mil anos, os sapiens, que exterminaram os neandertais. Mas, entretanto, a História não atuaria em prol dos humanos. Ela não seria fruto de decisões de seus governantes e líderes, mas dos tais “memes”: “Os parasitas orgânicos, como os vírus, vivem dentro do corpo de seus hospedeiros. Eles se multiplicam e se espalham de um hospedeiro a outro, alimentando-se deles, enfraquecendo-os e, às vezes, até os matando. Contanto que os hospedeiros vivam o bastante para transmitir o parasita, este pouco se importa com a condição em que o seu hospedeiro se encontra”. Da mesma forma, as ideias culturais viveriam dentro da mente dos humanos. “Elas se multiplicam e se disseminam de um hospedeiro a outro, às vezes enfraquecendo os hospedeiros e até mesmo os matando.”

A tese exposta por Harari é perturbadora e nos remete aos conflitos religiosos e raciais e à crise humanitária do Mediterrâneo, berço da nossa civilização. Desde o fatídico 11 de setembro de 2001, dia do atentado às Torres Gêmeas de Nova York, as cidades mais cosmopolitas do mundo deixaram de ser lugares seguros para morar, trabalhar e visitar. “Uma ideia cultural — tal como a crença no paraíso cristão nos céus ou no paraíso comunista aqui na Terra — pode forçar um ser humano a dedicar sua vida a espalhá-la, às vezes tendo a morte como preço. O humano morre, mas a ideia se espalha.”

Narrativas
A memética é uma polêmica abordagem antropológica: “Culturas bem-sucedidas são aquelas que se sobressaem ao reproduzir seus memes, independentemente dos custos e benefícios aos hospedeiros humanos. Essa forma de abordagem é tratada como um amadorismo pela academia, que considera essa analogia muito tacanha. Mas, com a mais fina ironia, Harari situa o pós-modernismo acadêmico como uma espécie de irmão gêmeo da memética, pois seus defensores falam que os discursos, como os blocos construtores de cultura, também se propagam sozinhos. O nacionalismo e a guerra seriam frutos desse fenômeno. A pós-verdade estaria ainda mais associada aos “memes” com suas “narrativas”.

Mas o que isso tem a ver com a crise ética, política e econômica que estamos vivendo? Ora, muita coisa. Os fatos revelados pela Operação Lava-Jato são tão surpreendentes que parecem fugir à lógica do instinto de sobrevivência dos políticos. É como se uma epidemia tivesse tomado conta dos partidos. Além da reprodução biológica facilmente constatável pelos velhos sobrenomes de batismo das oligarquias — a genealogia começa no Casa grande & senzala, de Gilberto Freyre —, a cultura do desvio de dinheiro público e do caixa dois tornou-se tão dominante na política que os investigados na Operação Lava-Jato, mesmo sabendo das quebras de sigilo bancário, das escutas telefônicas, das buscas e apreensões e prisões, não conseguem viver sem maços de dinheiro vivo guardados nos armários, caixas de joias, viagens de jatinho e contas bancárias milionárias.

A Operação Lava-Jato desencadeou uma espécie de guerra de “memes” entre políticos, magistrados, promotores, delegados, auditores e advogados, no qual duas grandes correntes se digladiam, uma quer nos livrar dos “memes” da corrupção, outra tenta nos salvar dos “memes” do autoritarismo. E bilhões de reais deixam de ser gastos em saúde e educação. Outra vez, a tese do Harari: a História não leva em conta a vida dos indivíduos. Bom domingo!


Luiz Carlos Azedo: As velhas raposas

O velho Piantella não perde a majestade. Na noite de quarta-feira, ao contrário da maioria dos deputados que gostam de futebol e foram assistir ao clássico Flamengo e Botafogo pela televisão (um zero a zero dos mais sem graça, no campo do Engenhão, no subúrbio carioca do Engenho de Dentro), um grupo de velhas raposas do Congresso se reunia nos fundos do velho reduto dos deputados Ulysses Guimarães (PMDB-SP) e Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA). Ambos pontificaram na política nacional tecendo grandes acordos políticos que garantiram a transição à democracia, o primeiro, e o sucesso do Plano Real, o segundo. Ambos deixaram discípulos na arte da política.

Estavam lá o atual decano da Casa, Miro Teixeira (Rede), eleito pela primeira vez nas eleições de 1974 com um caminhão de votos, Heráclito Fortes (PSB-PI), Benito Gama (PTB-BA), José Carlos Aleluia (DEM-BA), Rubens Bueno (PPS-PR) e Tadeu Alencar (PSB-PE), que é novo no grupo, mas respeitado porque é muito sensato e bom advogado, o que é muito importante nessas horas nas quais a criatividade pode selar o destino do país com uma boa saída jurídica. O assunto da conversa entre essas velhas raposas da política não poderia ser outro: desatar o nó da reforma política, em discussão na Câmara, que havia acabado de encerrar a sessão sem conseguir votar nenhuma proposta. Motivo: absoluta falta de clareza da maioria sobre o que fazer com o sistema eleitoral e o financiamento das campanhas.

Nessa roda de conversa, todos são contrários ao “fundão” de R$ 3,6 bilhões e a favor de uma forma de financiamento privado, com limite de arrecadação e previamente controlado pela Receita Federal. Se a fórmula que discutem será emplacada, não será a primeira vez que isso acontece. O grupo costuma jogar conversa fora em público e garante grandes acordos nos bastidores do plenário da Câmara. A maioria articulou os dois impeachments aprovados na Casa, do Collor de Melo e de Dilma Rousseff. Algumas conversas decisivas foram em almoços e jantares fechados na casa de Heráclito, no Lago Sul, sem a presença de jornalistas, lobistas e boquirrotos. Quem vaza conversas nesses encontros está fora do jogo. O convidado mais recente do grupo foi o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que resolveu sair da toca por causa do prefeito paulistano, João Doria.

Não há acordo no grupo sobre a outra proposta polêmica, o “distritão”, projeto que tem como um dos seus patronos o deputado Miro Teixeira. Seu amigo Rubens Bueno é radicalmente contra a proposta. Para Miro, o “distritão” não é problema, é solução. Elege-se com facilidade e se livra das amarras da Rede, embora não diga isso em nenhum momento. Para Rubens, é o fim dos partidos, principalmente os pequenos, com menos tempo de televisão e recursos, porque o leilão do troca-troca partidário já é uma realidade na Câmara. Benito Gama se diverte com a polêmica. Como bom baiano, ironiza a situação. E comemora o fato de o Congresso reagir às pressões da opinião pública. “Quem vai dar uma solução para crise política somos nós, os políticos, não são os juízes, promotores e militares. Democracia é assim!”

Essa é a questão de fundo da crise ética. Não há a menor possibilidade de uma solução a la Emmanuel Macron, o novo presidente francês, que deixou o governo do socialista de François Hollande, criou um movimento que, em um ano, filiou 200 mil militantes e derrotou gaulistas e socialistas, os tradicionais partidos franceses, levando de roldão a direita chauvinista de Marine Le Pen. A solução da crise terá que sair das eleições de 2018, é a regra do jogo democrático, cuja primeira condição é a manutenção do calendário eleitoral; a segunda, a possibilidade de alternância de poder.

Mas as regras da eleição estão sendo decididas por muitos líderes políticos acuados pela Lava-Jato e um baixo clero à beira de um ataque de nervos por causa do desgaste do Congresso. É nesse universo que essas raposas jogam no meio de campo e armam suas jogadas. A sociedade já detonou o “distritão” e o “fundão”. Até ministros do Supremo que votaram a favor do financiamento público já estão revendo suas posições contrárias ao financiamento privado. Miro Teixeira já queima as pestanas pra encontrar uma fórmula que salve o “distritão” do naufrágio. No momento, a ideia é “distritão” com voto em legenda. É uma tremenda jabuticaba, não existe em lugar algum. Mas ainda não colou!

Las Ramblas

Em 23 de junho, em férias, estava flanando por Las Ramblas, cujo nome é uma corruptela do árabe “ramla”, tão comum na Península Ibérica, que nesse caso significa leito de rio seco. A longa avenida de 1,2 km tem um grande calçadão que desce da Praça da Catalunha ao Porto Velho, no coração de Barcelona, pelo qual transitam diariamente de 230 mil a 310 mil pessoas. O atentado de ontem deixou ao menos 13 mortos e uma centena de feridos, de pelo menos 18 nacionalidades. Nenhum brasileiro, embora seja impossível fazer aquele trajeto sem ouvir os sotaques de diversas regiões do nosso país. O mundo está cada vez mais perigoso, não é só o Rio de Janeiro que tem motivos de sobra para se vestir de branco pela paz universal. (Correio Braziliense – 18/08/2018)


Luiz Carlos Azedo: Descida da ladeira

Enquanto a narrativa da responsabilidade fiscal vira uma sombra do passado, a sucessão de 2018 vai para a rua.

É bom o Palácio do Planalto verificar os freios, porque começou a descida de uma sinuosa ladeira, que pode ser suave se o trem não descarrilar numa das curvas que nos levam às eleições de 2018. Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o governo não tem os votos mínimos para aprovar a reforma da Previdência no plenário. Defende a reforma, mas a prioridade dos integrantes da base do governo, depois de salvarem o presidente Michel Temer do afastamento, é cuidar da própria eleição. “Hoje, nós não temos voto para aprová-la, e eu estou deixando bem claro isso entre os líderes”, disse.

A reforma precisa de 308 votos dos 513 deputados para ser aprovada no plenário da Câmara. O relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA), apesar de amplamente negociado e com consistência técnica, nunca teve apoio suficiente para ser aprovado. Estava chegando perto disso quando foi anunciada a delação premiada do empresário Joesley Batista, que gravou Temer numa conversa no Palácio do Jaburu e descarrilou, para usar a linguagem ferroviária. A prioridade do governo mudou, passou a ser salvar o presidente da República à custa da negociação de cargos no governo e distribuição de verbas para a banda mais fisiológica do Congresso.

Passado o sufoco, o Palácio do Planalto deparou-se com uma nova realidade. A eleição de 2018 está logo ali para os deputados. Eles voltaram do recesso assustados com o desgaste político causado pela votação que rejeitou a denúncia do Ministério Público contra Michel Temer e mudaram de prioridade: em vez de reformas necessárias, que consideram impopulares, mudanças nas regras do jogo das eleições para garantir seus mandatos. Como? Com o “distritão”, que dispensa o voto de legenda e maiores composições partidárias, e o “fundão” de R$ 3,6 bilhões, com o qual poderão formar seus exércitos eleitorais, já que os partidos estão cada vez mais desgastados e com lideranças queimadas. Não é à toa que muitos senadores acompanham com lupa a reforma, pois concorrerão à Câmara e não ao Senado, por falta de apoio para disputar eleições majoritárias.

Maia registrou a insatisfação da base do governo após uma reunião com os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, além de deputados líderes de bancada na Câmara. A pauta foi o desajuste fiscal do governo, que havia hasteado a bandeira da austeridade e aprovado a Lei de Teto de Gastos, sobre a qual ainda repousa a credibilidade da equipe econômica. Politicamente correto, o presidente da Câmara destacou a importância da reforma: “A mais estruturante, a mais definitiva, aliás, a única definitiva”.

Não será fácil garantir os votos porque a maioria dos deputados está de olho mesmo na reforma política, com seu “fundão” de R$ 3,6 bilhões para gastar nas eleições. A comissão especial da Câmara que analisou a reforma política concluiu ontem a votação do relatório, que agora seguirá para análise do plenário. Emenda à Constituição, a proposta também deve passar por dois turnos e obter em cada um o apoio mínimo de 308 dos 513 deputados. Se for aprovada, seguirá para o Senado. Essa é a prioridade, que promete ainda algum barulho, porque a repulsa da sociedade aos políticos só aumentou. É que as mudanças para valerem nas eleições de 2018 precisam ser aprovadas na Câmara e no Senado até 7 de outubro. E esse trem tem preferência de tráfego.

Sucessão
Enquanto a narrativa da responsabilidade fiscal vira uma sombra do passado (Meirelles anunciou ontem a necessidade de o Congresso aumentar a meta de deficit para R$ 159 bilhões neste ano e no próximo), a sucessão de 2018 vai para a rua. Tucanos se bicam no ninho com dois candidatos paulistas, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Doria. Ambos estão em campanha aberta para atrair o PMDB e o DEM como aliados. As chances de alguém voar do ninho para outra legenda não é pequena.
Lula já pôs a caravana na rua faz tempo, mas sua campanha é híbrida: trata-se de uma blindagem contra a Operação Lava-Jato e, ao mesmo tempo, uma alternativa de poder. À sombra de Lula, o ex-prefeito Fernando Haddad se movimenta para ser o “regra três” ou virar vice de Ciro Gomes (PDT), o que parece ser o plano B do ex-presidente da República se for impedido de disputar as eleições pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Hoje, quem polariza com Lula é Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que ocupa o espaço do chamado “partido da ordem” com um discurso de extrema-direita. À esquerda, Marina Silva tenta domar a Rede e recuperar o espaço que ocupava há duas eleições. Álvaro Dias, do Podemos, já está em campanha, e outra estrela do Senado, o senador Cristovam Buarque (DF), colocou o seu nome à disposição do PPS para disputar a Presidência.


Luiz Carlos Azedo: A volta do parlamentarismo

A principal experiência parlamentarista na nossa história é a do Império, na qual saquaremas (conservadores) e luzias (liberais) se revezaram no poder e produziram uma das mais perenes de nossas tradições políticas: a conciliação. Seu maior legado foi a nossa integridade territorial, pois assim se resolveu pela política o ciclo de rebeliões do período regencial que ameaçou dividir o país, desde a Revolução Pernambucana, que completou 200 anos. O pior legado são as sequelas da escravidão, que, graças à política de conciliação, foi mantida até 1888.

Na Corte de D. Pedro II, o parlamentarismo funcionou muito bem como um pacto de elites; o povo, a rigor, não contava. A proclamação da República, espelhada nos Estados Unidos e não na França, embalada pelas ideias positivistas de Benjamin Constant e a forte personalidade do presidente Floriano Peixoto, nosso primeiro grande caudilho, sepultou o parlamentarismo, mas não a conciliação, que ressurgiu das cinzas com a política café com leite.

Foi como subproduto da conciliação que o parlamentarismo voltou a ser adotado, em 1961, para garantir a posse do ex-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. Evitou-se com ele o golpe de Estado que viria a ocorrer alguns anos depois, embalado pelas mesmas forças que haviam forçado o suicídio de Vargas e tentaram impedir a posse de Juscelino. A vitória do presidencialismo no plebiscito convocado por Jango impôs a radicalização política como destino, num momento em que a guerra fria por muito pouco não se tornou guerra quente.

Jânio renunciaria sete meses depois de tomar posse, num gesto que nunca foi muito bem explicado, mas resultou de uma contradição de seu governo: a adoção de uma política externa independente, que não se coadunava com o sistema de forças que havia garantido sua eleição. Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961, João Goulart deveria assumir o governo. Naquela época, o vice eleito era o mais votado, independentemente da chapa. Uma manobra de trabalhistas e comunistas paulistas viabilizou a eleição do vice com a chapa Jan-Jan. O general Henrique Lott, candidato oficial do PTB, foi cristianizado.

Golpe
Mas a UDN (União Democrática Nacional) e os militares tentaram impedir a sua posse. Jango, que era aliado do PCB, estava em visita oficial à China comunista. O golpe fracassou porque o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de Jango, encabeçou a chamada Campanha da Legalidade, a fim de garantir o direito previsto na Constituição de 1946 de que, na falta do presidente, assume o candidato eleito a vice.

Com o apoio do Comando Militar do Rio Grande do Sul e de líderes sindicais, de movimentos estudantis e de intelectuais, o golpe foi frustrado, mas para isso foi feito um acordo político no Congresso, com a adoção do sistema parlamentarista e consequente limitação dos poderes do presidente. Ele indicava os ministros, mas interferia muito pouco na vida dos ministérios. O primeiro-ministro indicado foi Tancredo Neves, do PSD (Partido Social Democrata) mineiro, que ocupou o cargo de setembro de 1961 até junho de 1962.

Plebiscitos
A eleição de Tancredo foi esmagadora: 259 votos a favor, 22 votos contra e sete abstenções. Mas Jango não aceitava o parlamentarismo e resolveu antecipar o plebiscito que referendaria o sistema de governo, marcado para 1965. Foi substituído por Brochado da Rocha, um político trabalhista, e Hermes Lima, que exerceu um mandato-tampão. Em janeiro de 1963, houve um plebiscito (consulta popular), para decidir sim ou não à continuidade do parlamentarismo. Com 82% dos votos, o povo optou pela volta do presidencialismo.

Restavam ainda três anos de mandato para João Goulart. Elaborado pelo economista Celso Furtado, acabou lançado o Plano Trienal, que previa geração de emprego, diminuição da inflação, entre outras medidas para pôr fim à crise econômica. Porém, o plano não atingiu os resultados esperados. A crise política se reinstalou e o golpe militar retomou sua marcha, consumando-se em março de 1964.

A adoção do parlamentarismo voltou a ser cogitada na Constituinte de 1987, mas fracassou por causa das idiossincrasias de políticos que se diziam parlamentaristas, mas abriram mão do regime de governo de olho na Presidência. O então presidente, José Sarney, chegou a admitir a aprovação do plebiscito, em troca de seis anos de mandato. Relator da Constituinte, Mario Covas rejeitou o acordo, com apoio de Ulysses Guimarães, que sempre foi presidencialista. Hoje, temos o “presidencialismo de coalizão” porque a Constituição de 1988 tem viés parlamentarista. Tanto que a legislação sobre o impeachment, enxertada no texto constitucional, se baseia numa lei da década de 1950.

O plebiscito convocado pela Constituinte para decidir entre os regimes republicano ou monarquista e os sistemas presidencialista e parlamentarista, em 1993, deu o resultado que já se esperava. Vitória da república presidencialista. Agora, o tema do parlamentarismo volta à pauta, defendido por partidos tradicionalmente parlamentaristas, mas com o apoio velado do presidente Michel Temer. A crise ética e a reforma política de fato criam condições para a aprovação de uma emenda constitucional estabelecendo o parlamentarismo mitigado, que poria fim a crises políticas de longa duração (em tese, essa é a vantagem). Mas também pode dar margem à existência de um projeto continuísta a la Putín, que bloqueie ainda mais a nossa democracia.


Luiz Carlos Azedo: A revoada dos perus

O “distritão” seria um retrocesso institucional, pois os parlamentares serão eleitos sem praticamente nenhum vínculo partidário, a não ser o elo financeiro da partilha dos recursos do “fundão”

A aprovação do chamado “distritão” (depois explico) e do fundo de financiamento eleitoral de R$ 3,6 bilhões pela comissão especial que discute a reforma política na Câmara pode despertar forças que estavam adormecidas desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a começar pelo movimento Vem Pra Rua, que convocou manifestação de protesto para 27 de agosto intitulada “Marcha Contra a Impunidade”, em todo o país. A reação às duas propostas é tão forte que alguns políticos já estão se descolando da reforma, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que criticou os dois projetos.

Na Câmara, a reação de grande número de deputados parece uma revoada de perus às vésperas da ceia de Natal, para voltar à analogia avícola. Todos os deputados que se sentiram ameaçados pelo “distritão” (sistema no qual são eleitos os deputados mais votados, independentemente da votação de sua legenda) estão contra a mudança. São em número suficiente para barrar a emenda constitucional que viabilizaria a medida. O “distritão” é um retrocesso institucional, pois os parlamentares serão eleitos sem praticamente nenhum vínculo partidário, a não ser o elo financeiro da partilha dos recursos do “fundão”, digamos assim.

O novo sistema está sendo criado para viabilizar a reeleição dos atuais deputados e blindar os políticos enrolados na Operação Lava-Jato. Não é o caso aqui, mas seria um bom exercício checar a lista de votação das eleições passadas e verificar quem hoje manteria o mandato e quem o perderia. No caso de São Paulo, por exemplo, seriam beneficiados os 70 mais votados; de Minas, os primeiros 53; do Distrito Federal, oito. Os votos nos demais candidatos da legenda seriam desprezados, o que mudaria completamente as características da Câmara, que bem ou mal representa hoje 100% do nosso eleitorado.

Deve-se ao diplomata e jurista Assis Brasil a criação do atual sistema proporcional, idealizado em 1932, mas somente sacramentado na Constituinte de 1945. Fundador do Partido Libertador, com Raul Pilla, só apoiou a Revolução de 1930 porque Getúlio Vargas havia se comprometido a aceitar o voto secreto. “Menino, todo homem tem seu preço. O venal se deixa comprar por dinheiro. O meu preço é o Código Eleitoral. E como vale mais a pena ladrar dentro de casa do que fora dela, aceito o ministério”, disse, ao justificar sua breve passagem pelo Ministério da Agricultura no Governo Provisório, ao qual renunciou em protesto pelo empastelamento do Diário Carioca.

Na sua obra Democracia representativa: do voto e do modo de votar, Assis Brasil antevia uma “máquina de votar”, o que seria hoje a nossa urna eletrônica. No sistema proporcional, cada estado (ou distrito eleitoral) elege um determinado número de representantes de acordo com sua população. O objetivo do sistema proporcional é garantir um grau de correspondência entre votos e cadeiras recebidas pelos partidos em uma eleição. Por exemplo, um partido que tenha recebido 15% dos votos teria direito a cerca de 15% das cadeiras. Nesse sistema, o partido apresenta uma lista de candidatos para as eleições; a distribuição das cadeiras é feita de acordo com os votos dados em cada lista.

Mas há outros métodos, como o voto distrital clássico, no qual o estado seria dividido em vários distritos, e cada distrito elegeria um deputado por maioria simples, isto é, 50% dos votos mais um. Assim, o candidato mais votado é eleito. E o distrital misto, uma combinação do voto proporcional e do voto majoritário. Neste caso, os eleitores têm dois votos: um para candidatos no distrito e outro para as legendas (partidos). Os votos em legenda (sistema proporcional) são computados em todo estado ou município, conforme o quociente eleitoral (total de cadeiras divididas pelo total de votos válidos). Já os votos majoritários são destinados a candidatos do distrito, escolhidos pelos partidos políticos, vencendo o mais votado.

“Fulanização”

O sistema proporcional teve como objetivo viabilizar a existência dos partidos, num país que emergia do Estado Novo e cuja tradição de “fulanizar” a política é tão velha como o costume de comer castanhas e perus na ceia de Natal. Essa cultura vem das primeiras câmaras municipais, que surgiram a partir de 1532. Eram compostas por 3 ou 4 vereadores, denominados “homens-bons”, geralmente grandes proprietários de terras. Escravos, judeus, estrangeiros, mulheres e degredados não podiam se tornar vereadores.

Essa “fulanização” era mais do que presente na época da Constituinte de 1945, na qual um mito político deixava o poder, Vargas, e outro era libertado da prisão, o líder comunista Luiz Carlos Prestes, de mãos dadas pelo “queremismo” (Constituinte com Getúlio), que fracassou. No século passado, ambos foram “reencarnações” do nosso velho sebastianismo, movimento místico secular que surgiu após a morte do rei português D. Sebastião, durante a batalha de Alcácer-Quibir, no ano de 1578. Como não possuía herdeiros, o trono de Portugal ficou sob o controle do rei Filipe II, da Espanha.

Como o corpo de D. Sebastião nunca foi encontrado, o sebastianismo se traduziu na esperança da vinda de um salvador, em meio à inconformidade e ao sentimento de insatisfação com a situação política da época, mesmo que para isso acontecer fosse necessário um verdadeiro milagre, como a ressurreição do rei morto. No Brasil, o sebastianismo influenciou movimentos populares desde o Rio Grande do Sul até o Norte do país, sendo representado como alegoria nas folias de reis, principalmente no Nordeste. Não é exagero dizer que o “distritão” leva água para esse moinho.

 


Temer joga com as brancas

Temer sinalizou para o PMDB que o prefeito de São Paulo, João Doria,  pode ser uma alternativa para o partido na sua própria sucessão

O encontro de ontem do presidente Michel Temer (PMDB) com o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), para sacramentar a transferência de parte da área do Aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte da capital paulista, foi mais do que um ato administrativo. Como quem joga com as brancas, Temer mexeu a primeira peça do tabuleiro do xadrez da própria sucessão. “Tenho orgulho de me equiparar às atitudes de João Doria para que nós tomássemos atitudes que estavam paralisadas há muitíssimos anos (…) Isso é fruto da ideia porque tenho um parceiro e um companheiro. João não tem uma visão só municipalista, mas nacional”, disse Temer, ao transferir um terreno muito cobiçado, que será destinado a um parque municipal.

Ao dar à questão local uma dimensão nacional — afinal, trata-se apenas de um terreno destinado a um parque municipal —, Temer sinalizou para o PMDB que o prefeito de São Paulo pode ser uma alternativa para o partido na sua própria sucessão. E, com isso, começa a resolver um grande problema: a “sombra de futuro” curtíssima. O presidente da República escapou do afastamento pela Câmara dos Deputados porque a denúncia do Ministério Público Federal foi rejeitada, mas saiu do embate menor do que entrou: a base do governo diminuiu de tamanho e o desgaste político causado pelo episódio é de difícil reversão. Além disso, seu mandato durará mais 16 meses, apenas.

Com a popularidade atual, Temer não tem a menor perspectiva de fazer um sucessor filiado ao PMDB, embora existam ambições na equipe ministerial, como as do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por exemplo. Em termos de expectativa de poder, ou arranja um candidato competitivo para sua sucessão ou em breve começará a tomar café frio, como se diz no jorgão palaciano. O lance de ontem foi uma espécie de “Abertura Réti”, jogada de xadrez que recebeu esse nome por causa de seu autor, Richard Réti, que quebrou a invencibilidade de oito anos do famoso enxadrista Capabranca, ao controlar, por antecipação, o centro do tabuleiro, com uma ação de flanco para capturar os peões adversários e dominar o jogo. Temer não economizou elogios a Doria: “Sempre agregou, sempre somou”.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, não participou da solenidade. O prefeito paulistano foi uma invenção política do tucano, mas agora criatura e criador andam se estranhando. Alckmin não moveu uma palha para demover os deputados paulistas de votarem a favor da denúncia do Ministério Público contra Temer, que agora deu o troco incensando Doria. Nos bastidores da política nacional, os dois tucanos já estão em guerra pela vaga de candidato a presidente da República pelo PSDB.

Reformas

Doria também não se fez de rogado em relação a Temer: “A parte mais difícil já passou e agora há pouco campo para fazer oposição ao governo. O PSDB tem de fazer as reformas. Agora, não é mais o caso de discutir se é contra ou a favor de Temer, mas de puxar o Brasil para a frente, porque já chega o que os partidos de esquerda puxam para baixo”, disse. E defendeu a permanência dos tucanos na equipe de governo: “O PSDB tem quatro ministros muito bons que atuam no governo com muita eficiência, com destreza, são prestigiados, e, a meu ver, podem continuar o seu trabalho onde estão. E entendo também que o PSDB é um grande partido, composto por boas cabeças, que emitem suas opiniões nem sempre coincidentes.”

Além de se reposicionar em São Paulo, cuja política conhece bem, Temer neutraliza um pouco o protagonismo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que passou a ser o polo decisivo para aprovação das reformas e a própria estabilidade do governo, conforme ficou claro na votação da denúncia. Maia é hoje o principal fiador da aprovação das reformas política, previdenciária e tributária, quando nada porque manda na pauta da Casa que lidera. Ao lado do prefeito de Salvador, ACM Neto, Maia opera para resgatar o antigo poderio do DEM, incorporando à legenda os dissidentes do PSB e de outros partidos que votaram com Temer.


Temer passa à ofensiva

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para mobilizar o apoio dos agentes econômicos, anunciou que o governo pretende aprovar a reforma da Previdência até outubro

Livre da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, até o fim de seu mandato, o presidente Michel Temer pretende passar à ofensiva no Congresso, com objetivo de aprovar uma extensa pauta legislativa, cujo nó górdio é a reforma da Previdência. O Palácio do Planalto conseguiu mobilizar o apoio de 263 deputados para congelar a investigação, mas precisará de pelo menos 308 votos para aprovar essa reforma, considerada crucial para restabelecer o equilíbrio das contas públicas. Para isso, acena para os dissidentes da base do governo com a promessa de perdão por terem votado a favor de seu afastamento.

Ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para mobilizar o apoio dos agentes econômicos, anunciou que o governo pretende aprovar a reforma da Previdência até outubro. Meirelles minimizou a diferença de votos a ser alcançada. “São decisões diferentes. Acreditamos sim na viabilidade de aprovação”, disse. Na prática, são 45 deputados que precisam ser conquistados se não houver nenhuma defecção na base hoje existente. Mas anunciou também que o governo pretende aprovar a reforma tributária ainda este ano, o que não é fácil.

O maior aliado de Temer para aprovação das reformas é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não compartilha o mesmo otimismo, embora esteja engajado plenamente nessa agenda. Maia comemorou a rejeição da denúncia, mas disse que o resultado não era bom para as reformas pelo fato de que a manifestação a favor de Temer não alcançou o quórum equivalente ao de aprovação de emendas constitucionais. De certa forma, revelou certa surpresa com o número de votos contra Temer.

O PSDB rachou na votação da denúncia contra o presidente Michel Temer: dos 47 deputados da bancada, 22 votaram a favor do presidente e 21, contrários. Quatro estavam ausentes. Esse resultado fragilizou a posição do PSDB na Esplanada, sendo que a pasta das Cidades, ocupada pelo deputado Bruno Araújo (PE), é o objeto de desejo do chamado Centrão (PP, PR, PSD e PTB), que reúne 142 deputados. Mas o grupo também não votou monoliticamente: houve 32 deputados dissidentes, sendo 14 do PSD, cuja bancada tem 38 deputados. No PMDB, somente sete dos 63 deputados votaram contra Temer, mesmo com o partido fechando questão. Temendo punição, já procuram outras legendas.

No caso dos tucanos, a tensão na legenda é grande. O presidente interino, Tasso Jereissati (CE), ontem, disse que a permanência dos ministros tucanos no governo é um problema do presidente da República e não da legenda, que não precisa de cargos para aprovar as reformas. O senador Aécio Neves (MG), licenciado da presidência da legenda por causa da Lava-Jato, foi um dos artífices da vitória de Temer. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, passou a defender publicamente o desembarque do governo. Segundo ele, a permanência do PSDB na administração federal perderá o sentido depois da reforma da Previdência.

Reforma política

Uma extensa agenda legislativa já está definida para o Congresso, mas a intenção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-EJ), é pôr em votação na próxima semana a reforma política. As principais propostas em discussão são a instituição do financiamento público de campanhas; o sistema de listas partidárias preordenadas para as eleições proporcionais; o fim das coligações; a perda de mandatos majoritários por infidelidade partidária; e cláusula de barreira. A proposta mais polêmica em discussão, porém, é a criação do chamado “distritão”, uma jabuticaba plantada pelo presidente Michel Temer quando ainda era vice da presidente Dilma Rousseff.

O “distritão” acaba com a eleição proporcional, em vigor desde as eleições de 1945, e absolutiza o voto uninominal. Serão eleitos os deputados mais votados em cada estado, independentemente da votação de seus respectivos partidos. Não é fácil a aprovação dessa proposta no plenário da Câmara, porém, porque a mudança altera profundamente as condições para a reeleição dos atuais parlamentares, acostumados com as regras atuais. Outra discussão aberta com a reforma política é a adoção do parlamentarismo. O impeachment de Dilma Rousseff e as agruras de Michel Temer, que assumiu seu lugar, para muitos parlamentares, são a demonstração de que o chamado presidencialismo de coalizão é um sistema falido, que joga o país em longas crises quando o governo perde sua base parlamentar.

 


A nova base de Temer

A vitória (262 votos contra 227, 2 abstenções e 19 ausências) demonstrou que o presidente da República tem força para governar sem depender da cúpula tucana e outros aliados da antiga oposição

O resultado da votação de ontem na Câmara, que rejeitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o presidente da República, inaugura uma nova fase do governo Temer. O novo Centrão cobrará o preço do apoio com olho grande nas pastas sob controle do PSDB, cuja bancada rachou na votação da denúncia (22 votos contra, 21 a favor e 4 ausências). Mesmo que Temer seja magnânimo e resolva lamber as feridas da base, como deu a entender no pronunciamento de ontem à noite, nada será como antes. A vitória (262 votos contra 227, 2 abstenções e 19 ausências) demonstrou que o presidente da República tem força para governar o país até 2018 sem depender da cúpula tucana e outros aliados da antiga oposição, ainda que para isso tenha que negociar caso a caso as medidas que exigirem quórum qualificado.

Quem vacilou não estará inteiramente fora do jogo, quando nada porque há compromisso programático dessas forças com as reformas, principalmente a da Previdência, mas passará à condição de aliado de segunda classe. Os preferenciais são os que votaram “sim” na noite de ontem. A reforma da Previdência, que subiu no telhado, será uma espécie de rubicão. Se não for aprovada, o presidente da República será visto como uma espécie de “pato manco”, a expressão usada pelos norte-americanos para se referir aos presidentes sem apoio no Congresso. Aprová-la será a maior demonstração de que governo foi capaz de reagrupar a base.

A atual composição do governo Temer espelha as articulações e acordos feitos pelo presidente da República para isolar e afastar do poder a ex-presidente Dilma Rousseff. A maioria dos partidos aliados ao PT permaneceu no governo após o impeachment, mas o aliado principal de Temer passou a ser o PSDB, o que se reflete na ocupação de posições estratégicas na Esplanada dos Ministérios. A posição da metade da bancada tucana a favor da aceitação da denúncia, porém, terá como consequência alterar a relação do partido com Temer, reduzindo a influência da legenda.

Um ator importante nesse processo é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que em todos os momentos defendeu a posição de que o PSDB não deveria abandonar o governo. Entretanto, não moveu uma palha para obrigar os tucanos paulistas a votarem contra a denúncia. Quem trabalhou fortemente para rejeitar a denúncia foi o presidente licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG), que atua para retomar o controle da legenda.

Se antes a hegemonia na base do governo era das forças que lhe defendiam a responsabilidade fiscal e as reformas, agora passou aos setores interessados em contingenciar ao máximo a Operação Lava-Jato e se viabilizar eleitoralmente por meio de liberação de cargos e verbas, ou seja, o velho toma lá da cá. A consequência é o descontrole dos gastos públicos. Será muito difícil o governo alcançar a meta fiscal deste ano, um deficit primário de no máximo R$ 139 bilhões, se a economia seguir lenta, como no primeiro semestre, e a arrecadação continuar decepcionante. Ainda neste mês o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deverá decidir se uma nova meta para 2017, mais acessível, que terá que ser submetida ao Congresso.

Lava-Jato

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, voltou à carga contra o presidente da República. Pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que inclua Michel Temer como investigado no inquérito que apura se integrantes do PMDB formaram uma organização criminosa para desviar recursos da Petrobras e de outros órgãos públicos. O pedido será analisado pelo relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Luiz Edson Fachin.

Assim, a Operação Lava-Jato continua sendo um espectro que ronda o Palácio do Planalto e a cúpula do PMDB. A investigação contra Temer no caso JBS foi congelada pela decisão da Câmara, mas será retomada quando a acabar o mandato. A poderosa coalizão formada para barrar a denúncia atuará no sentido de contingenciar a investigação, o que já vem acontecendo. Os sinais de inflexão na Lava-Jato vêm de todos os lados.

A “delação premiada” do publicitário Marcos Valério, já encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Polícia Federal, foi um sinal de enfraquecimento de Janot. A nomeação da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge sinaliza essa inflexão a partir do próprio Ministério Público.

No âmbito do governo, medidas administrativas foram tomadas para reduzir a equipe da Polícia Federal que atua em Curitiba e redistribuí-la para outros estados. A grande mudança, porém, será a substituição do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello Coimbra, que já arruma as gavetas e negocia a sucessão.