Lava Jato

Mauricio Huertas: Para onde caminha o Brasil?

O livre pensar é um direito. Uma conquista. Então, vamos lá: Para onde caminha o Brasil? Parece haver consenso nos dois lados da trincheira, entre governistas e opositores, que o governo do presidente Michel Temer é simplesmente uma transição do pós-PT para algo que está por vir, um futuro ainda desconhecido. A escolha democrática se dará em outubro de 2018. O grupo que está hoje no poder é simplesmente consequência dos caminhos políticos e institucionais trilhados - e não há aqui qualquer julgamento de mérito, apenas uma constatação óbvia dos fatos.

Esteja você do lado que estiver, tendo gritado "Fora Dilma" ou "Fora Temer" (ou ambos), situado mais à direita ou mais à esquerda no velho mapa partidário e ideológico, a sua cota de responsabilidade será cobrada nas eleições de 2018, quando escolheremos o(a) Presidente da República, senadores e deputados federais que guiarão os rumos do país no Executivo e no Congresso Nacional.

Grosso modo, teremos em 2018 um menu bastante variado de opções, possibilitando que os eleitores votem livremente naqueles candidatos que considerem melhores, mais preparados ou mais adequados para o momento que o país vive. Nunca se teve tanta informação e transparência tão reveladora das entranhas do sistema político-eleitoral como se tem agora, o que não se traduzirá necessária e automaticamente na melhoria da qualidade dos eleitos.

É por isso que este convite à reflexão nos parece tão urgente e oportuno. De que adianta seguirmos militando nas redes e nas ruas, manifestando nossas preferências ou, ao contrário, protestando contra tudo aquilo e todos aqueles que repudiamos, às vezes em disputas fratricidas dentro de um mesmo campo democrático e republicano, se não formos capazes de promover ações verdadeiramente transformadoras através do voto?

O cenário das próximas eleições é ainda bastante incerto, mas já começam a se desenhar no horizonte as primeiras candidaturas. Num contexto global de exacerbação do radicalismo, com o quadro nacional propenso também a buscar salvadores da pátria aleatórios diante do descrédito da política mais tradicional, tornam-se preocupantes os destinos do país, da economia, dos direitos sociais e individuais, das garantias constitucionais de liberdade, segurança, desenvolvimento, bem-estar, igualdade e justiça como valores supremos.

Mas não venham apontar a Lava Jato e outras operações da Polícia Federal e do Ministério Público, nem suas gravíssimas implicações na Justiça, como "culpadas" da degradação que macula, desonra e constrange a maioria dos partidos e de seus mandatários. É triste que tenhamos chegado tão fundo do poço moral e ético, mas é alvissareiro que ainda possamos reagir democraticamente para sanear e desenxovalhar a política sem atalhos fascistas, autoritários e antirrepublicanos.

É salutar que velhos caciques, sobretudo os envolvidos em esquemas de corrupção e caixa 2, percam o lugar cativo que mantinham há décadas, abrindo espaço para novas lideranças e organizações que possam arejar a nossa democracia representativa, aprimorar a democracia participativa e instituir mecanismos cada vez mais necessários da democracia direta.

Portanto, é difícil afirmar diante das incertezas da política para onde caminha o Brasil, mas seguramente o rumo certo será dado na medida em que o maior número de cidadãos tiver a capacidade de se reunir, refletir e agir com isenção, responsabilidade, consciência, ética, equilíbrio, maturidade e espírito coletivo para enfrentar os desafios que se colocam à nossa frente. Que essas dores do crescimento sejam apenas sintomas naturais da construção de uma verdadeira Nação.

* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e apresentador do #ProgramaDiferente

 


Maurício Huertas: Lava Jato - Cumpra-se a lei; punam-se os culpados!

Mal comparando – e vai aí uma explicação bastante simplista e simplificada da Teoria Geral da Relatividade de Einstein, buracos negros são regiões que possuem uma quantidade tão grande de massa concentrada, maciça e compacta que nada consegue escapar da atração da sua força de gravidade, nem mesmo a luz. No coração de um buraco negro, o tempo para e o espaço deixa de existir. Em resumo, seria o estágio final de uma estrela após o seu colapso gravitacional.

A publicação das delações dos executivos da Odebrecht mostra, com todos os detalhes sórdidos e uma crueza deprimente, o colapso do nosso sistema político-partidário dominado por uma organização mafiosa que se apoderou do Estado. Por outro lado, a Operação Lava Jato é o foco de luz que desafia as leis do crime e da Física: conseguiremos escapar desse buraco negro?

O escárnio dos delatores narrando a compra de políticos com seus codinomes ridículos (mas apropriados), o envolvimento de legendas à esquerda e à direita, no governo e na oposição, tudo isso regado com o derramamento de dinheiro público para manter essa estrutura putrefata mostra que, não por acaso, chegamos à fase decisiva das investigações no clima que justamente se apelidou de “fim do mundo”.

Agora, neste momento apocalíptico, ou nos perdemos todos na implosão que engole tudo que parecia sólido em nosso universo político (naves, sondas, asteroides, luas, planetas e até resquícios de vida inteligente) após a falência da última missão tripulada do partido da estrela e de seus satélites em governos de coalizão que nos deixaram perdidos no tempo e no espaço, ou nos reinventamos e partimos verdadeiramente para a construção de um novo mundo, com princípios éticos, democráticos e republicanos.

Da suspeita generalizada e empírica de que no Brasil existia uma corrupção empresarial e política sistêmica, arraigada há décadas, partimos para a certeza comprovada da podridão como única regra do jogo, com o mau cheiro típico e o transbordamento de um esgoto a céu aberto que exige saneamento urgente.

O que fazer, então, a não ser defender que se cumpra a lei e punam-se os culpados? Doa a quem doer, sem protecionismo, corporativismo ou partidarismo. Não podemos ser cúmplices, já que fomos todos omissos ou negligentes – para dizer o mínimo – diante dos sinais cada vez mais evidentes da necrose que tomava conta do tecido social, político e institucional que protege a nossa frágil democracia.

Ou reagimos permanentemente, com o máximo rigor, à máfia instalada na máquina estatal, ou damos por barato que todos são venais na sociedade e tudo tem seu preço: das medidas provisórias, licitações, leis, tempos de TV, alianças partidárias, perguntas em debates eleitorais, notícias, fim de greves, impeachments etc. até o pastor, o sindicalista, o servidor, o índio, a polícia, o promotor, o delegado, o juiz, o candidato, o político eleito e o eleitor.

Que sejam punidos exemplarmente corruptos e corruptores, políticos e empresários, delatores e delatados, partidários do campo azul ou do campo vermelho do nosso mapa tão fortemente polarizado mas que – chegamos à triste conclusão – não se diferenciam tanto assim na hora e nos métodos da pilhagem dos cofres públicos para se manterem no poder.

Bandido é bandido, seja rico ou pobre, culto ou ignorante, amigo ou inimigo. Não há como compactuar com esse sistema. Não há como ser condescendente com a corrupção. Que as investigações, apurações e o julgamento das denúncias vá às últimas consequências, com celeridade, independência e responsabilidade. Todo apoio às ações saneadoras do STF, da Procuradoria Geral da República, do Ministério Público e da Polícia Federal. Que se resgate no Congresso Nacional o mínimo de pudor e de espírito público para fazer avançar as reformas estruturais e profiláticas.

Passar o Brasil a limpo deixou de ser força de expressão. É uma necessidade vital. Ou, do contrário, abriremos caminho para salvadores da Pátria que, a pretexto de sanear o País, atendendo aos anseios difusos da turba que se manifesta nas ruas e nas redes contra a corrupção e a imoralidade, descambem para atalhos autoritários e desprezem as conquistas do nosso valoroso Estado Democrático de Direito. A saída, ainda que traumática e tortuosa, é pela Política. Vamos traçar o nosso rumo.

* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e apresentador do #ProgramaDiferente

** Foto: Agência Brasil/EBC

 

 


Luiz Carlos Azedo: Verdades e mentiras

A veracidade expressiva dos indivíduos é mais importante do que a veracidade dos fatos, principalmente nas campanhas eleitorais

Mago do cinema, Orson Welles nos mostrou que uma mentira pode parecer uma verdade forjada e materializada a ponto de o espectador ser incapaz de distingui-la. Não é à toa que paradigmas do cinema — a recriação do real, a reimaginação, o drama, o épico, mistério, o suspense, a investigação, a contemplação, o real e o imaginário — foram cada vez mais usados nas campanhas eleitorais. No filme Verdades e mentiras (Vérités et mensonges, 1973), um clássico do cinema, Welles utiliza a linguagem do documentário para questionar a verdade e mostrar como a mentira pode se parecer com a realidade.

O perseguido falsificador de quadros Elmir de Horry é retratado como um artista tão talentoso quanto aqueles que reproduz. O biógrafo Clifford Irving inventa uma biografia do excêntrico magnata norte-americano Howard Hughes. O próprio Welles é o cicerone das histórias, como uma espécie de arquétipo de ilusionista. O que é a verdade? Quais os limites entre a verdade e a mentira? O que é a realidade?

Na verdade, a fotografia e o cinema revolucionaram a arte e a percepção da humanidade. Vivemos a era do virtual, que contaminou irremediavelmente a política, primeiro com os programas de televisão no horário eleitoral; agora, com as redes sociais. A veracidade expressiva dos indivíduos é mais importante do que a veracidade dos fatos, principalmente nas campanhas eleitorais. Mas mentiras serão sempre mentiras.

Ontem, Mônica Moura, a mulher e sócia do marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas de Lula (2006) e Dilma (2010 e 2014), confirmou o uso de caixa dois pelo PT para pagar os serviços do casal. Em 2010, uma parte foi paga pelo partido e outra pela Odebrecht. Em 2014, todo o caixa dois foi pago pela Odebrecht. O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, segundo o depoimento de Mônica Moura, responsável pelas finanças do casal, acertou os pagamentos das campanhas do PT.

Era Palocci que a mandava pegar o dinheiro na Odebrecht. A empresa também teria financiado as campanhas do ex-presidente Lula (2006), Fernando Haddad (2012) e de Dilma (2010 e 2014). No exterior, Mônica Moura disse que a empreiteira também pagou por campanhas no Panamá, na Venezuela, em Angola e em El Salvador, mas isso nada teve a ver com Palocci e o PT. Somente em El Salvador foi a pedido de Lula, com pagamento acertado com Palocci.

João Santana, que também prestou depoimento, foi o grande artífice da espetacular vitória de Lula em 2006, depois de um mandato abalado pelo “mensalão”. Havia assumido o lugar de Duda Mendonça, responsável pela campanha de 2002, quando o petista derrotou José Serra. Depois da vitória, foi o grande gestor da imagem de Lula no segundo mandato e o responsável por dar asas ao “poste” Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, que virou mãe do PAC. No mandato da “presidenta”, mandou e desmandou no marketing do Palácio do Planalto e conseguiu reeleger Dilma Rousseff, cujo primeiro governo fora um desastre.

O marqueteiro também surfou o prestígio de Lula para conquistar contratos no exterior, pois as vitórias do PT eram seu cartão de visita e o ex-presidente, seu padrinho nas relações com líderes políticos aliados do petista. Por ironia, agora é um dos responsáveis pela desconstrução da imagem de Lula e, principalmente, de Dilma Rousseff, que circula pelo mundo afora como “presidenta constitucional” e se apresenta como honesta e competente. Diz que foi apeada do poder pelas forças que temiam a Operação Lava-Jato. Essa narrativa também cai por terra.

Mea culpa

Santana também fez um mea-culpa ao depor: “Eu acho que nossas contradições constroem as nossas armadilhas. (…) Eu, mesmo sendo uma pessoa organicamente a favor das coisas bem-feitas, legais e honestas, criei um escudo em minha cabeça, um duplo escudo. Um, social externo, que era essa doutrina de censo comum do caixa dois, que não se faz campanha. E outro que era pelo trabalho honesto que estou fazendo”, afirmou. E concluiu: “Eu construí esse equívoco para mim mesmo, sem perceber que, ao fazer isso, eu estava sendo cúmplice de um sistema eleitoral corrupto e negativo. Não estou aqui dizendo que eu não tinha culpa, que fui vítima disso. Não, eu fui agente disso. Mas quero alertar”, afirmou.

O que Santana não fala é que a “qualidade” do seu trabalho profissional estava diretamente associada às mentiras que ajudou a construir no imaginário popular, utilizando o poder de expressão de Lula como candidato e levando para a televisão um país imaginário, no qual muitos ainda acreditam, desde o sujeito isolado nos grotões ao professor universitário engajado no “nós contra eles”. Pode-se dizer que isso é uma exclusividade de João Santana e das campanhas do PT? Não, as fronteiras entre as verdades e as mentiras na política brasileira só agora estão sendo novamente demarcadas.

Luiz Carlos Azedo é jornalista


Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-verdades-e-mentiras/


Luiz Carlos Azedo: Os juízes

 Os políticos sem mandato serão os primeiros a serem julgados, pois as investigações em primeira instância andam mais rápido

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, decidiu reforçar a equipe que assessora o ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, para que não ocorram atrasos nas investigações e julgamentos dos políticos com direito a foro especial envolvidos no esquema de caixa dois da Odebrecht. A maior preocupação é com a prescrição dos processos, principalmente os de falsidade ideológica eleitoral, que tipifica o caixa dois.

Com isso, a responsabilidade maior no andamento dos processos caberá à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal (MPF), que precisam reunir provas materiais para corroborar as delações premiadas. A quebra do sigilo dos depoimentos dos executivos da Odebrecht, cujos vídeos estão sendo divulgados diariamente, revelou a existência uma espécie de polvo gigante, cujos tentáculos controlavam concorrências e licitações da administração direta, autarquias, fundações e estatais em vários ramos de atividade, da energia ao futebol, em níveis federal, estadual e municipal.

Somente com base nesses depoimentos, os processos nas mãos do ministro Fachin passaram de cinco para 10 ações penais, nas quais os envolvidos já estão denunciados, e as investigações saltaram de 37 para 113 inquéritos. São 195 políticos sob investigação no Supremo. Governadores, prefeitos, deputados estaduais, conselheiros de tribunais de contas serão investigados sob supervisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os primeiros, e pelos tribunais regionais federais. Não estão sendo consideradas as delações premiadas dos executivos de outras empresas do cartel de empreiteiras.

Os casos que mais desestabilizam o governo Temer são os dos ministros Eliseu Padilha (PMDB), da Casa Civil; Moreira Franco (PMDB), da Secretaria-Geral da Presidência da República; Gilberto Kassab (PSD), da Ciência e Tecnologia; Helder Barbalho (PMDB), da Integração Nacional; Aloysio Nunes (PSDB), das Relações Exteriores; Blairo Maggi (PP), da Agricultura; Bruno Araújo (PSDB), das Cidades; e Marcos Pereira (PRB), da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Todos estão sendo investigados por determinação de Fachin.

Ontem, o presidente Michel Temer reiterou que os ministros somente serão afastados se forem denunciados pelo MPF; e definitivamente, se a denúncia for aceita e o ministro virar réu. Entretanto, Temer admitiu a hipótese de que alguns peçam para sair do governo antes disso, nos casos de o desgaste político ser insuportável. Os vídeos das gravações estão tendo grande impacto na opinião pública e somente hoje se saberá a reação da base do governo no Congresso quanto às denúncias.

Temer pretende afastar o governo de polêmicas sobre a Lava-Jato e cuidar das reformas, enquanto o chamado “devido processo legal” segue o seu curso. Com exceção dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que serão julgados pelo pleno do Supremo caso se tornem réus, os demais políticos serão julgados na Segunda Turma, presidida pelo ministro Gilmar Mendes e formada ainda pelos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandovski, Celso de Mello e Edson Fachin. De certa forma, Fachin é bastante contingenciado pelos colegas, o que explica um pouco a reação dos investigados.

O caso Lula

Uma recente decisão dessa turma, sobre o caso do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), porém, gerou inquietação nos políticos, porque considerou como sendo caixa dois uma doação declarada à Justiça Eleitoral proveniente de recursos obtidos de forma ilegal pelo doador. Esse entendimento colocou em xeque toda a linha de defesa dos partidos em relação às doações da Odebrecht que foram declaradas à Justiça Eleitoral. Votaram com Fachin os ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandovski. Como a margem foi estreita e o mérito ainda não foi julgado, esse caso deve balizar os demais julgamentos.

Entretanto, os políticos sem mandato serão os primeiros a serem julgados, pois as investigações em primeira instância andam mais rápido, principalmente na jurisdição da força-tarefa de Curitiba, sob comando do juiz federal Sérgio Moro. O mais ilustre réu da capital paranaense é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prestará depoimento em 3 de maio. Até lá, outros depoimentos tendem a fragilizar ainda mais o petista, que está mobilizando uma grande manifestação contra Moro, no dia do depoimento, na porta da Justiça Federal. Ocorre que o desgaste de Lula deve aumentar com os depoimentos de Mônica Moura e João Santana, no caso do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, ainda hoje, e de Léo Pinheiro, sobre o tríplex do Guarujá (SP), no próximo dia 20, ambos em Curitiba.

Luiz Carlos Azedo é jornalista


Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-juizes/


Luiz Carlos Azedo: O joio e o trigo

Os mais enrolados são os políticos acusados dos chamados crimes conexos, como corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude em licitações

O ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, ao divulgar a lista de políticos investigados pela Operação Lava-Jato com direito a foro privilegiado, fez aquilo que mais se discutia nos bastidores do mundo político e jurídico de Brasília: a separação do joio do trigo. Entre os nove ministros, 29 senadores, 42 deputados e três governadores da lista que divulgou ontem, todos contra os quais pesa apenas a acusação de falsidade ideológica têm grandes possibilidades de terem seus processos arquivados, alguns porque a punibilidade já estaria extinta, dependendo da idade do investigado e o disposto no Código Penal. Estão na lista de Fachin os ex-presidentes Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, ex-ministros e outros políticos sem mandato, cujos casos tiveram os sigilos levantados.

Os mais enrolados são os políticos acusados dos chamados crimes conexos, como corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude em licitações. Ou seja, o ministro estabeleceu uma fronteira entre os suspeitos de receberem doações eleitorais do caixa dois da Odebrecht durante a campanha de 2010 e os envolvidos em superfaturamento de obras, desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro. Para se compreender a diferença entre uma situação e outra, podemos comparar, por exemplo, os casos do senador Humberto Costa (PT-PE), que é acusado de corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude em licitações, com o do ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS), acusado apenas de falsidade ideológica.

O caso mais emblemático talvez seja o do ministro da Cultura, Roberto Freire, contra o qual Fachin não abriu inquérito. “Considerando a data do fato, a pena máxima prevista para o delito do artigo 350 do Código Eleitoral, a idade do investigado e o disposto nos artigos 107, inciso IV; 109, inciso III; e 115, todos do Código Penal, antes de decidir sobre a instauração do inquérito, importa colher a manifestação do Procurador-Geral da República sobre eventual extinção da punibilidade do delito narrado”, determinou. Estão na mesma situação os senadores Marta Suplicy (PMDB-SP), José Agripino (DEM-RN), Lídice da Mata (PSB-BA) e Garibaldi Alves (PMDB-RN); e os deputados Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Paes Landim (PTB-PI) e Heráclito Fortes (PSB-PI).

Entre os políticos com foro privilegiado, também são acusados de falsidade ideológica os senadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Jorge Viana (PT-AC), Vanessa Grazziotin (PCdoB-MA), Katia Abreu (PMDB-TO), Eduardo Alves de Amorim (PSC-SE), Maria do Carmo Alves (DEM-SE), Fernando Bezerra (PSB-PE), Ricardo Ferraço (PMDB-ES); os deputados Jutahy Júnior (PSDB-BA), Maria do Rosário (PT-RS), Felipe Maia (DEM-RN), Ônix Lorenzoni (DEM-RS), Vicente Paulo da Silva (PT-SP), Arthur Maia (PPSW-BA), João Paulo Papa (PSDB-SP), Vander Loubert (PT-MS), Paulo da Costa (PP-CE), Rodrigo Garcia (DEM-SP), Cacá Leão (PP-BA), Celso Russomano (PRB-SP), Daniel Vilela (PMDB-GO), Beto Mansur (PRB-SP). De qualquer forma, eleitoralmente falando, todos terão grandes dificuldades, mesmo que escapem dos processos.

Prescrição

Falsidade ideológica é omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. No caso, caixa dois eleitoral. A pena prevista é reclusão, de 1 a 5 anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 a 3 anos, e multa, se o documento é particular. Em setembro de 2014, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o deputado federal Marçal Filho pelo crime de falsidade ideológica, na modalidade documento particular, previsto no artigo 299 do Código Penal (CP).

Embora a pena do parlamentar na Ação Penal (AP) 530 tenha sido fixada em dois anos e seis meses de reclusão e ao pagamento de multa de 15 salários mínimos, a punibilidade foi considerada extinta em razão da prescrição da pretensão punitiva. O ministro revisor, Luiz Roberto Barroso, verificou que a falsificação de documento ocorreu em fevereiro de 1998, mas a denúncia só foi recebida em setembro de 2006. “Entre o fato delituoso e o recebimento da denúncia, transcorreram-se mais de oito anos, por essa razão, julgo extinta a punibilidade dos acusados em face da prescrição punitiva, restando prejudicada a condenação”, concluiu.

Luiz Carlos Azedo é jornalista


Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-joio-e-o-trigo/


Luiz Carlos Azedo: O vácuo eleitoral

Em razão do esgarçamento do tecido social e do desgaste da política, é preciso ser porta-voz da “aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia” para vencer

 

Na astrofísica, “nada” se chama “vácuo”. Segundo os cientistas, o universo é composto por 74% de vazio; 22% de matéria escura (só interage com a gravidade) e os outros 4% são realmente matéria tangível e mensurável. Na política, porém, costuma-se dizer que não existe espaço vazio. O vácuo sempre será ocupado por alguém. Essa talvez seja a maior incógnita das eleições de 2018, no day after do strike político da Operação Lava-Jato, que pode levar de roldão a elite política do país.

Os candidatos “históricos” do PSDB — José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves — estão sendo volatilizados pelas delações premiadas da Odebrecht; candidato do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva corre sério risco de ser preso e ficar fora da disputa. Marina Silva (Rede) tangencia a política, como quem teme ser identificada com os demais. Por enquanto, quem está solto na raia é o ultradireitista Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

Analistas costumam dizer que toda pesquisa é uma fotografia do momento, nada impede que possa haver grandes mudanças no processo eleitoral. É verdade, mas isso somente reforça a necessidade de identificar as linhas de força do processo, ou seja, aquelas tendências que podem se afirmar até o pleito. Por exemplo, há duas eleições que Marina Silva mantém em torno de um quinto do eleitorado: em 2014, obteve 21% dos votos válidos; em 2010, 19%. Resta saber se a tática que tem adotado segura esse eleitorado. As pesquisas não mostram isso. Marina aparece em empate técnico com Bolsonaro.

A competitividade da candidatura de Lula é real. Na última pesquisa CNT/MDA (15/02), o petista liderava em todos os cenários estimulados. A) Lula: 30,5%, Marina Silva: 11,8%, Jair Bolsonaro: 11,3%, Aécio Neves: 10,1%, Ciro Gomes: 5,0%, Michel Temer: 3,7%, Branco/Nulo: 16,3%, Indecisos: 11,3%; B) Lula: 31,8%, Marina Silva: 12,1%, Jair Bolsonaro: 11,7%, Geraldo Alckmin: 9,1%, Ciro Gomes: 5,3%, Josué Alencar: 1,0%, Branco/Nulo: 17,1%, Indecisos: 11,9%; C) Lula: 32,8%, Marina Silva: 13,9%, Aécio Neves: 12,1%, Jair Bolsonaro: 12,0%, Branco/Nulo: 18,6%, Indecisos: 10,6%.

Entretanto, o que mais interessa aqui é o vácuo político revelado na pesquisa espontânea, que geralmente aponta o voto consolidado. A situação é um espanto: Lula: 16,6%, Jair Bolsonaro: 6,5%, Aécio Neves: 2,2%, Marina Silva: 1,8%, Michel Temer: 1,1%, Dilma Rousseff: 0,9%; Geraldo Alckmin: 0,7%, Ciro Gomes: 0,4%, Outros: 2,0%, Branco/Nulo: 10,7%, Indecisos: 57,1%. É nesse cenário que o novo prefeito de São Paulo, João Doria, desponta como opção tucana em caso de o desastre anunciado pelas delações premiadas realmente ocorrer.

Dória foi catapultado nesta semana por uma pesquisa do instituto DataFolha que lhe garantiu uma aprovação de 76% (43% de ótimo/bom e 33% de regular), contra 20% que o consideram ruim/péssimo. É a melhor avaliação de um administrador da capital paulista em 30 anos. Eleito em outubro com 53,29% dos votos válidos, no primeiro turno, não é à toa que seu nome começa a ser apontado nos bastidores do PSDB como uma alternativa para ocupar o vácuo político criado pela Lava-Jato. Qual é o segredo de Dória?

O espetáculo

O “neotucano” é um craque da chamada “sociedade do espetáculo”. A melhor definição sobre o assunto é do filósofo francês Guy Debord (1931-1994): “O espetáculo consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias — tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida” (A sociedade do espetáculo, editora Contraponto).

A eleição de Doria não foi um fenômeno novo, pois outros candidatos que surgiram do nada (estamos nos referindo às fileiras dos partidos) surpreenderam os favoritos e venceram as recentes eleições municipais, mas não um pleito da envergadura da disputa paulista. Além disso, o novo prefeito contou com a estrutura do PSDB, o mais poderoso partido de São Paulo, para se eleger. Isso garante uma escalada do prefeito paulistano à presidência, como já se fala?

É difícil usar a prefeitura como trampolim para o Palácio do Planalto. Além disso, Doria teria que furar a fila na qual seu padrinho político está à frente. Mas tudo na política brasileira hoje é muito volátil, por causa da Lava-Jato. E na “sociedade do espetáculo”, em razão do esgarçamento do tecido social e do desgaste da política, é preciso ser porta-voz da “aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia” para vencer. Esse é perfil do candidato do vácuo.


Fernando Henrique Cardoso: Apelo ao bom senso

Devemos rever as regras eleitorais em pleno auge da Lava Jato. O momento é agora

Sei que vivemos um momento de desânimo e que o ódio substitui certa bonomia que parecia própria dos brasileiros. É preciso cuidado com cada palavra. Quando eu disse o trivial, que delitos diferentes devem ser apenados de forma diferente, alguns me tomaram como “mais um” que quer acabar com a Operação Lava Jato. Nada disso!

A despeito desse clima, há sinais de vida em nossa economia que mostram que o governo Temer está apontando na direção certa, na área econômica, ao enfrentar temas que são tabus, como as reformas, casas de marimbondo que só podem ser propostas por quem não está visando às próximas eleições. Reconhecer tais avanços não significa desconhecer a enorme quantidade de problemas a enfrentar. Muito menos imaginar que as “condições de governabilidade” serão repostas ao se passar um apagador no quadro que a Lava Jato mostrou. As pessoas só aceitarão a autoridade quando sentirem que a Justiça está atuando e saberá separar o joio do trigo. Pois que existe trigo, existe.

Há terreno para melhorar as coisas ao longo do tempo, permitindo que visões hoje discrepantes convirjam. Uma boa oportunidade para a construção de uma nova agenda é a chamada “reforma política”. Os mais prudentes dirão: não é o melhor momento para mexer em questão tão delicada. Respondo, como dizia a meus colaboradores do Plano Real quando alegavam que a fragilidade do governo da época e o tormento dos parlamentares com a CPI dos “anões do Orçamento” seriam impedimentos para a estabilização monetária: como as forças tradicionais estão desorganizadas, o momento é agora.

Devemos rever as regras eleitorais em pleno auge da Lava Jato. Convém, contudo, qualificar os passos requeridos para aperfeiçoar o sistema político-eleitoral, olhando para o horizonte e tendo as convicções como norte. Política, porém, não é fé: os propósitos não se efetivam ao serem proclamados; precisam convencer, motivar e construir rotas de aproximação entre as diferenças.

Estou convencido de que o parlamentarismo e o voto distrital misto são o melhor caminho para fortalecer as instituições democráticas. Como instalá-los numa conjuntura política em que os partidos se dissolveram e se multiplicaram como siglas que visam mais a obter acesso aos recursos públicos (Fundo Partidário, programa eleitoral, posições vantajosas no Poder Executivo, etc.) do que pregar e construir a “boa sociedade”? Implantar o voto distrital misto e o parlamentarismo neste momento é pouco viável. É preciso reconstituir a confiança nos partidos e para isso eles não deveriam agir como simples máquinas de amealhar votos. Talvez seja conveniente admitir no ínterim candidaturas independentes e discutir a obrigatoriedade do voto.

Enquanto isso, há o que fazer. Alguns propõem o voto em “lista fechada”, pelo qual o eleitor escolhe um partido, e não um candidato, nas eleições para a Câmara dos Deputados. Adotada essa modalidade, cada partido terá o número de cadeiras proporcional ao número de votos obtido por sua legenda. Se um partido tiver direito a dez cadeiras, por exemplo, elas serão ocupadas pelos dez primeiros candidatos da lista partidária. Inconveniente: o eleitor elegeria “em bloco” quem as oligarquias partidárias mais desejassem. A não interferência do eleitor na escolha de nomes pode ser amenizada dando a ele a faculdade de reordenar a lista; esse, entretanto, é procedimento difícil de ser executado e computado.

O propósito da proposta é saudável: fortalecer os partidos, sem os quais não há “democracia representativa”. Além disso, ela torna viável o financiamento público das campanhas eleitorais, porque facilitaria a fiscalização no uso dos recursos, uma vez que as campanhas seriam feitas por alguns partidos, e não por milhares de candidatos.

O enunciado das dificuldades desenha o longo caminho a percorrer. Melhor sermos realistas e começarmos com mudanças menos ambiciosas. Em livro recente de Jairo Nicolau – Representantes de Quem? – há sugestões úteis (algumas em curso no Congresso Nacional) na fase de transição em que nos encontramos. Como há limites de prazo para definir novos procedimentos eleitorais (eles devem ser aprovados até setembro para terem vigência em 2018), creio que o indispensável é aprovar logo a “cláusula de barreira”. Neste caso seriam necessários x por cento de votos, distribuídos por um número mínimo de Estados, para que os partidos pudessem ter representação institucional no Legislativo (menos para o Senado, no qual o voto é no candidato), acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de televisão. Também é indispensável aprovar a proibição de coligações nas eleições proporcionais, para evitar que ao votar num deputado de um partido se eleja alguém de outro.

Resta a questão do financiamento. Os partidos precisam de um fundo público, dada a proibição de contribuição das empresas feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, por que dá-lo a não partidos, como são as siglas sem voto? Deve-se adotar o mesmo critério da cláusula de barreira: o acesso aos fundos públicos deve restringir-se a quem obtenha o quórum nacional mínimo de eleitores. E, sobretudo, podem-se baratear as campanhas, começando pela proibição de “marquetagem” nos programas de TV.

As convicções devem ser mantidas. Essas medidas deveriam vir no bojo de duas outras mais: uma, a aprovação da emenda do senador José Serra que estabelece o voto distrital para as próximas eleições de vereador. Outra, generalizando o voto distrital misto com eleição em 2022 de metade dos deputados por escolha direta dos eleitores e metade a partir de uma “lista fechada”. É o que, aliás, propõe o relator da reforma eleitoral na Câmara dos Deputados.

O momento é já!
*Fernando Henrique Cardoso é Sociólogo, foi presidente da República
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Fonte: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2017/04/apelo-ao-bom-senso-fernando-henrique.html

Luiz Carlos Azedo: A devassa continua

A Operação Quinto do Ouro faz parte da estratégia de regionalização das investigações da Operação Lava-Jato, a partir das delações premiadas da Odebrecht

A condução coercitiva do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani, e a prisão de seis conselheiros do Tribunal de Contas fluminense são um sinal de que a Operação Lava-Jato vai se desdobrar em muitas direções, mirando parlamentares e magistrados nos estados. Picciani é o político fluminense mais poderoso da atualidade, fiador das reformas que o governador Luiz Fernando Pezão tenta aprovar no Legislativo e das negociações com o governo federal para obter recursos para o caixa estadual. Ontem, passou mais de três horas depondo na Superintendência da Polícia Federal no Rio, em razão de mandado de busca e apreensão em sua casa e no seu gabinete na Alerj.

Picciani é o principal alvo político da Operação Quinto do Ouro, que investiga desvios de até 20% de contratos com órgãos públicos para autoridades, em especial, membros do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) e da Alerj. Estão presos os conselheiros Aloysio Neves, atual presidente do TCE-RJ, Domingos Brazão, José Maurício Nolasco, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e Aluísio Gama de Souza. Mesmo assim, Picciani manteve a Assembleia em funcionamento e recebeu a solidariedade dos seus pares.

A operação é um filhote da Lava-Jato e faz parte da estratégia de regionalização das investigações, a partir das delações premiadas da Odebrecht e de outras empreiteiras. Depois da prisão do ex-governador Sérgio Cabral, amplia-se o leque do combate à corrupção na política fluminense, mirando a base parlamentar do grupo e suas ramificações, inclusive no Judiciário. De certa forma, é um “case” do que pode acontecer em outros estados, inclusive Minas e São Paulo.

Não é à toa que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, encaminhou o pacote de medidas anticorrupção para o Senado. Projeto de iniciativa popular elaborado pelos procuradores da Lava-Jato, porém, foi completamente desfigurado ao ser aprovado pelos deputados. No Senado, também começou a andar o projeto de abuso de autoridade, que prevê a punição inclusive de juízes. A cúpula do Senado é o núcleo duro da resistência à Operação Lava-Jato no Congresso e teme o avanço das investigações nos estados, pois isso ameaça a sobrevivência política de muitos senadores.

Num ano pré-eleitoral, a regionalização das investigações terá um efeito devastador nas eleições. No Rio de Janeiro, por exemplo, o clima de revolta da população com os políticos é generalizado. A reação popular ontem à volta da ex-primeira-dama fluminense Adriana Anselmo para casa, onde ficará em prisão domiciliar para poder cuidar dos filhos pequenos, ilustra bem o grau de insatisfação. Vizinhas batiam panelas na calçada e gritavam: “Volta pra Bangu!”. Referiam-se ao complexo prisional na Zona Oeste do Rio, onde Cabral continua preso.

Reação

Os políticos enrolados na Lava-Jato querem mudar as regras do jogo, ou seja, a legislação sobre corrupção, caixa dois eleitoral e abuso de autoridade. Relator da matéria, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) quer votar o projeto sobre abuso de autoridade no dia 19 de abril. Ontem, fez a leitura do seu relatório na CCJ, no qual propõe a revogação da lei de 1965 e cria uma nova legislação, com punição mais rigorosa e com a inclusão de mais situações em que uma autoridade pode ser enquadrada na prática de abuso, inclusive procuradores e juízes. Argumenta, porém, que a legislação vigente é obsoleta e o novo texto protegerá os cidadãos das camadas mais populares de abusos, sobretudo, de policiais.

O relatório de Requião propõe punição de 1 a 4 anos e pagamento de multa para a autoridade que divulgar gravação sem relação com a prova que se pretendia produzir, “expondo a intimidade ou a vida privada, ou ferindo a honra e a intimidade” do acusado ou do investigado no processo. Reclusão de 2 a 4 anos para quem realizar interceptações ou escutas sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Detenção de 6 meses a 2 anos e multa para a autoridade que estende a investigação sem justificativa e em “prejuízo do investigado”. Detenção de um a quatro anos e multa para quem decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole o valor estimado para a satisfação da dívida da parte.

Num recado direto para a força-tarefa da Lava-Jato, pena de 1 a 4 anos de detenção, além do pagamento de multa, para delegados estaduais e federais, promotores, juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores que ordenarem ou executarem “captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária”. Detenção de 1 a 4 anos para a autoridade policial que constranger o preso, com violência ou ameaças, para que ele produza provas contra si mesmo ou contra terceiros; invadir, entrar ou permanecer em casas de suspeitos sem a devida autorização judicial e fora das condições estabelecidas em lei; e obter provas, durante investigações, por meios ilícitos. A pena por não fornecer cópias das investigações à defesa do investigado seria a detenção 6 meses a 2 anos.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Luiz Carlos Azedo: Partidos sem projeto

O ambiente político no Congresso é pautado pelo instinto de sobrevivência, num momento em que o país precisa se reinventar sob vários aspectos

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em vídeo distribuído nas redes sociais, fez um alerta de que o Congresso não está no seu melhor momento para fazer uma reforma política profunda; sugeriu que se limite a discutir as medidas que estão em tramitação na Câmara e no Senado, como o fim das coligações e a cláusula de desempenho. Alertou que a proposta de lista fechada — que ganhou força graças ao relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP) — aparece para a opinião pública como um subterfúgio para que os candidatos enrolados na Operação Lava-Jato mantenham privilégios e se livrem de eventuais processos.

Sua declaração é uma espécie de alto lá para o PSDB e aliados, que já estavam embarcando na proposta petista, que foi agarrada com as duas mãos pelos políticos enrolados do PMDB e outros partidos envolvidos no escândalo da Petrobras. Com a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na rua, a proposta da lista fechada interessa, sobretudo, ao PT, que não está sendo oportunista, vale ressaltar, pois historicamente defende essa posição. Está apenas puxando a brasa para sua sardinha em tempos de Murici, digamos assim.

O ambiente político no Congresso é pautado pelo instinto de sobrevivência, num momento em que o país precisa se reinventar sob vários aspectos. Os grandes partidos discutem mudanças eleitorais cujo objetivo não é melhorar a qualidade da representação do Congresso, que está desmoralizado perante a opinião pública, mas manter o controle da Câmara e do Senado. Os partidos que poderiam protagonizar a renovação da política nacional, em vez de discutir projetos para o país, por sua vez, estão mais preocupados em garantir a ampliação de suas bancadas, digamos, para 15 deputados. Esta é a linha de corte que está sendo traçada pelos partidos maiores para canibalizar os menores.

Enquanto isso, o país patina para sair da recessão, sem um projeto nacional. É prisioneiro das corporações e de seus privilégios, de um lado, e de empresas e empresários incapazes de sobreviver sem sugar os recursos do Tesouro, do outro. Até agora, o ônus da crise foi lançado sobre os ombros da grande massa da população, que perdeu empregos e negócios, paga juros escorchantes e somente agora está se livrando da perda acelerada de poder aquisitivo via inflação. É daí que vem a resistência à reforma da Previdência, ao fim das desonerações fiscais e a novas regras do jogo nas relações entre o público e o privado.

Num momento em que o mundo vive uma grande batalha entra a globalização, um fenômeno objetivo, e as forças que a ela se impõem, agora lideradas pelo novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (quanta ironia!), o Brasil precisa encontrar seu novo lugar no mundo. A crise da “carne podre” é um sintoma de que o modelo de capitalismo de Estado (ou de laços) adotado pelos governos Lula e Dilma era voluntarista e fracassou. Noves fora as trapalhadas do delegado da Polícia Federal que “espetaculizou” a investigação nos frigoríficos, nada disso ocorreria se o setor não concentrasse capital por meio de privilégios e as duas gigantes não operassem um lobby político tão pesado quanto o das empreiteiras nas eleições, com objetivo de garantir benesses e facilidades oficiais para seus negócios.

Porto seguro

A vocação natural do Brasil na divisão internacional do trabalho é produzir alimentos, minérios e petróleo, mas isso não basta. O que vamos pôr no lugar da nossa indústria tradicional para desenvolver a economia, que cada vez emprega menos mão de obra nas atividades nos polos mais dinâmicos, como a indústria automobilística, que está sendo automatizada? Como reinventar o Estado brasileiro para que ele atenda às demandas da sociedade e se livre do patrimonialismo e do fisiologismo na política? Qual o futuro dos nossos jovens, marginalizados da atividade produtiva pela recessão, com a perspectiva de baixas taxas de crescimento nos próximos anos e a má qualidade do ensino? Muito provavelmente, não será a atual elite política que resolverá essas questões.

O establishment do país respira de canudinho, na esperança de que a Lava-Jato passe ao largo. Quem sabe a nova novela da Globo, uma superprodução sobre a chegada da família real e as peripécias de D. Pedro I, faça a crítica dos nossos velhos costumes políticos, muitos dos quais surgiram exatamente nessa época, protagonizados pelo imperador e sua corte, já se vão quase 200 anos. Talvez o folhetim eletrônico seja uma paródia do que estamos vivendo, no estilo do falecido Dias Gomes, autor da novela O Bem Amado, cujo protagonista, Odorico Paraguaçu, satirizou nossa tradicional política.

O porto seguro da democracia brasileira é o pleito de 2018. Até lá, a maior dificuldade será produzir uma nova síntese política, que aponte um rumo para a maioria da sociedade.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


José Álvaro Moisés: Qual reforma política?

Reforma Política: Eleitores precisam se envolver e acompanhar as mudanças, sob pena de serem enganados

O sistema político brasileiro precisa ser urgentemente reformado. O modelo de financiamento de campanhas eleitorais vigente até há pouco, baseado principalmente na participação de empresas privadas, alimentou a corrupção, degradou o sistema e desequilibrou a competição eleitoral. Agora, sob o impacto das revelações da Operação Lava Jato, a urgência se reatualizou, pois o modelo de financiamento não está resolvido. Mas o momento é adequado para a reforma? Ela não será feita sob a égide do instinto de autodefesa dos citados em delações da Odebrecht e outras empresas que corromperam a Petrobrás?

O risco é evidente. As recentes articulações do presidente Michel Temer com o ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e os presidentes Eunício Oliveira, do Senado, e Rodrigo Maia, da Câmara dos Deputados – os últimos dois incluídos nas delações –, iniciadas por ocasião do envio da segunda lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF), suscitaram dúvidas extremamente preocupantes. Os Poderes da República precisam, sem dúvida, interagir e se entender para tirar o País da crise. Mas sobre isso, por que esses atores não agiram antes? Por que deixaram sem resposta os clamores da sociedade, que, desde 2013, sinalizou a sua insatisfação, se não com a democracia, com os governos do dia e com o funcionamento das instituições de representação?

O problema é que não existe um momento ideal para a reforma ser feita. Sempre haverá forças políticas a querer influenciá-la em defesa de seus interesses. E o argumento de suposta ilegitimidade do governo e do Congresso para enfrentar a questão é pueril, além de ser conceitualmente equivocado. O presidente Michel Temer e a maioria dos membros do Parlamento são impopulares, mas não é isso que define a sua legitimidade institucional, pois eles foram conduzidos às suas funções atuais pelo voto popular. Aliás, é por isso que no caso do processo de abuso de poder nas eleições de 2014, em exame pelo TSE, Temer é citado ao lado da ex-presidente Dilma Rousseff, e não em separado, pois ambos foram eleitos pelos mesmos eleitores numa chapa comum.

No caso da reforma, o que importa saber é do que se trata, ou seja, qual é a sua natureza. É isso que define sua pertinência. Nesse sentido, algumas questões são mais importantes do que outras: em primeiro lugar, é preciso ter claro que manter a proibição da influência do poder econômico nas eleições é fundamental. Como decidiu a maioria do STF em 2015, empresas não são cidadãos e não devem ter o direito de influir em eleições. Mas a alternativa do financiamento público precisa ser examinada com cuidado. A proposta que galvaniza o apoio dos políticos, no momento, é a que mudaria o sistema de representação proporcional com lista aberta para o de lista fechada. Isso pode ser positivo se vier a facilitar o fortalecimento dos partidos e a devida apresentação de seu perfil programático aos eleitores, cuja escolha, a exemplo do que ocorre em outras democracias, se tornaria mais qualitativa.

Mas, formulada para defender os políticos da Lava Jato, pode acabar fraudando a reforma. Isso por duas razões: primeiro, porque as decisões partidárias são tomadas, na maioria dos casos, de modo autocrático, sem garantir a liberdade de escolha de alternativas fora do desejo de suas oligarquias; e, segundo, porque a ideia de lista preordenada, destinada a reservar lugar prioritário aos atuais parlamentares – muitos dos quais querem manter o foro privilegiado para melhor se defenderem de suas acusações –, é anticonstitucional, pois quebra a isonomia com que os membros dos partidos podem disputar seu direito de se candidatar a cargos públicos.

Afora isso, é preciso ter em conta que ao lado dos problemas de financiamento de campanhas há outras distorções que comprometem o desempenho das instituições de representação. É o caso, em especial, do sistema de coligações eleitorais, cujos resultados tornam a escolha dos eleitores muitas vezes oposta à sua vontade original. Por outro lado, o fato de o voto de eleitores de alguns Estados valer mais que o de outros – por causa dos tetos de representação – agrava ainda mais a distância entre representados e representantes. A isso se somam características do voto em lista aberta, que, além de estimular a competição de candidatos do mesmo partido, enfraquece o sistema partidário em seu conjunto. Essas questões têm de estar na agenda da reforma.

Por último, duas questões importantes que também precisam ser examinadas pelo Congresso. Por uma parte, o debate atual não está dando atenção à necessidade imprescindível de limitar os gastos das campanhas. Não faz nenhum sentido que um país como o Brasil gaste as somas astronômicas registradas nas eleições majoritárias de 2014. Por outro lado, a reforma do sistema eleitoral precisa estar conectada com a necessidade de se resolver a fragmentação partidária atual, cujos efeitos dificultam a governabilidade. Para isso o Congresso tem de reexaminar as propostas de cláusula de barreira, ou de representação, para os partidos políticos. Isso levaria a que o sistema partidário brasileiro se consolidasse num patamar mais razoável, longe dos mais de 30 partidos de hoje.

Sem essas mudanças a reforma poderá ampliar a frustração e a crítica dos cidadãos ao sistema político. É certo que a democracia não está em questão no Brasil, mais de dois terços de entrevistados de pesquisas de opinião a defendem; o que está em questão é a sua qualidade e para enfrentar isso a reforma do sistema político é imprescindível. Mas, em vez de deixar para os políticos sozinhos a tarefa, os eleitores e a opinião pública precisam se envolver e acompanhar em que direção a reforma está sendo conduzida, sob pena de serem enganados.

* JOSÉ ÁLVARO MOISÉS É PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,qual-reforma-politica,70001704709

 

 


Luiz Carlos Azedo: “É nós” de novo

Depois da narrativa do golpe, o PT quer consolidar o discurso da perda dos direitos sociais. É uma estratégia para não fazer autocrítica do próprio fracasso

O PT voltou às ruas ontem contra as reformas da Previdência e trabalhista, em manifestações organizadas pelas centrais sindicais e outros movimentos sociais. O ponto alto foi a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no palanque armado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) na Avenida Paulista, no centro de São Paulo, para onde confluíram professores em greve, bancários, metalúrgicos e integrantes do movimento dos sem-teto. No Rio de Janeiro, servidores públicos estaduais com salários em atraso e servidores federais encorparam os protestos na Avenida Presidente Vargas, próximo à Estação Central do Brasil.

As duas reformas estão sendo exploradas pela cúpula do PT como plataformas de lançamento da candidatura do ex-presidente da República às eleições de 2018, num momento em que a Operação Lava-Jato, com as delações premiadas da Odebrecht, jogam na vala comum do escândalo da Petrobras toda a elite política do país. O discurso de que todo mundo usava “caixa dois” ganha foro de verdade absoluta e Lula nada de braçada, fazendo-se de vítima. A impopularidade de Temer e a fraqueza do governo, com cinco ministros já identificados como arrolados nos pedidos de inquérito, fragilizam o Palácio do Planalto na opinião pública.

O principal artífice da reforma da Previdência é o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que voltou ao governo, apesar de enroladíssimo na Lava-Jato. Seu “estoicismo” ao reassumir o cargo como quem vai para o sacrifício (convalescia de uma cirurgia na próstata) pode estar sendo levado em alta conta no Palácio do Planalto, mas sinaliza para a opinião pública aquilo que é verbalizado pelos sindicalistas que organizam os protestos: os trabalhadores pagarão o pato pelos desmantelos dos políticos.

Sim, é verdade, Padilha conhece o caminho das pedras das votações no Congresso e pode ser que realmente consiga manter coesa a base do governo para aprovar as reformas; ao mesmo tempo, porém, é um alvo fixo para os adversários das mudanças no regime de Previdência e nas relações trabalhistas. O que terá mais peso nas votações do Congresso: as verbas e cargos federais ou protestos sindicais? Qualquer observador atento sabe que as reformas serão mitigadas de alguma forma pelo Congresso, que haverá negociação e mudanças no projeto original, para estabelecer o teto das aposentadorias e pensões, o tempo de contribuição e a idade mínima para aposentadorias do setor público e do setor privado.

Essa é a primeira fileira de árvores da floresta, que é um emaranhado mais complexo, com muita diversidade. Em primeiro lugar, a reforma da Previdência é uma necessidade. O sistema está à beira do colapso, como aconteceu no Rio de Janeiro, por causa das desonerações fiscais, da roubalheira, da má gestão, dos privilégios e, principalmente, por causa da mudança de perfil demográfico da população (o xis da questão). Sem desonerações, roubos e má gestão, ainda que se consiga receber o que os sonegadores devem, a Previdência não suportará uma situação na qual cresce o número de aposentados e pensionistas e diminui o número dos que contribuem. Ou seja, o sistema perdeu sustentabilidade.

Narrativas

Os mesmos sindicatos que fecharam os olhos para a roubalheira na Petrobras e nos fundos de pensão (Previ, Petros, Fundef, etc) lideram as mobilizações ao lado de sindicatos de professores e servidores públicos que obtiveram sucessivos aumentos reais de salários e ajudaram a quebrar as contas públicas em vários estados. Alguns representam pequeno número de servidores com grande poder de barganha, por ocuparem posições estratégicas na administração pública. Todos voltaram às ruas para impedir as reformas, graças à montanha de dinheiro que arrecadam com o imposto sindical.

Os trabalhadores do setor privado, porém, que são a esmagadora maioria, não aderiram ao movimento. Algumas categorias estão definhando. Vivem uma realidade completamente diferente. Haja vista os metalúrgicos do setor automotivo, cujas fábricas estão sendo completamente robotizadas. O desemprego afasta qualquer possibilidade de greve; o peão não tem a mamata de ficar dias e dias parado e receber os salários sem desconto. Vive no andar de baixo e não frequentam a casa grande.

Depois da narrativa do golpe, o PT quer consolidar o discurso da perda dos direitos sociais. É uma estratégia para não fazer autocrítica ao próprio fracasso. Um grande biombo para não reconhecer a forma como se beneficiou do status quo durante 12 anos. E não fazer autocrítica do seu próprio transformismo, ao se alinhar às forças que agora são hegemônicas no poder, nas eleições de 2010 e 2014. É uma estratégia inteligente, mas falsa. Porque aposta num projeto historicamente derrotado, cujo eixo — a antiglobalização e o nacional desenvolvimentismo —, ironicamente, coincide com a política esdrúxula do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e da direita xenófoba da Europa.

O grande problema do Brasil é chegar a 2018. É o que fazer depois, quando o país precisará encontrar o caminho de desenvolvimento sustentável e da renovação política. Os protestos de ontem  reproduzem dogmas e palavras de ordem dos anos 1960. Ideias mortas há mais de 50 anos.

Luiz Carlos Azedo é jornalista

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-e-nos-de-novo/


Luiz Carlos Azedo: O gene dos políticos

A política é velha no Brasil não somente pelos costumes, mas também pela falta de renovação de suas lideranças

O gene egoísta, de Richard Dawkins, publicado em 1976, é uma síntese dos estudos sobre o surgimento e a diversidade das espécies, cujo ponto alto é análise do comportamento dos indivíduos. A tese central é de que somos uma máquina de sobrevivência de um gene egoísta perpetuador da espécie. Apesar da importância dos grupos e organismos (arranjos biológicos), o gene é que comanda. O altruísmo é apenas uma estratégia de sobrevivência: os organismos interagem entre si e com o mundo inanimado, e assim alteram seu ambiente e promovem a propagação de genes presentes em outros corpos.

As delações premiadas da Odebrecht revelaram no Congresso o gene egoísta de deputados e senadores. O melhor exemplo de gene egoísta é o comportamento do cuco, que não faz ninho nem toma conta das crias. Em vez disso, procura o ninho de outra ave. O cuco espera que esta se afaste do ninho. Quando tal acontece, retira um dos ovos e coloca o seu. O ovo é semelhante aos outros em cor e tamanho, para que o truque não seja percebido. A cria do cuco é a primeira a nascer; a ave enganada não nota a diferença e alimenta-a como se fosse sua. É aí que o filhote de cuco mostra sua genética: lança os ovos da outra espécie para fora do ninho para se livrar da concorrência e ser o único a receber comida.

É mais ou menos essa a operação em curso no Congresso. Parlamentares de todos os partidos discutem uma estratégia comum de salvação dos mandatos. Há um consenso de que as delações premiadas, diante do número de políticos envolvidos com o caixa dois da Odebrecht, ameaçam a sobrevivência da elite política do Congresso e podem implodir o sistema partidário. Não se trata apenas da criminalização do caixa dois. O desgaste político que pode inviabilizar a sobrevivência eleitoral dos citados, ainda que consigam se safar ou empurrar com a barriga os processos da Lava-Jato. Trata-se, isso sim, de garantir a própria sobrevivência eleitoral.

Por uma dessas ironias da política, o relator da comissão especial da reforma política na Câmara é o deputado Vicente Cândido (PT-SP). Sua indicação é resultado de um acordo feito entre a bancada do PT e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por ocasião de sua primeira eleição. Para os deputados enrolados na Operação Lava-Jato, o petista é o cara certo, no lugar certo e na hora certa. Por uma simples razão, o PT sempre defendeu o financiamento público de campanha e o voto em lista. Ninguém poderá acusá-lo de adotar um expediente para se safar das delações premiadas.

Mas é disso que se trata, quando os demais partidos começam a aceitar a proposta. Diante do tremendo desgaste causado pela Lava-Jato, o voto em lista é como o ninho invadido pelo cuco. Essa pode ser a única possibilidade de os políticos que controlam os grandes partidos assegurarem a sobrevivência eleitoral. O eleitor vota numa lista, na qual são eleitos os primeiros da fila, na proporção da votação de cada partido. Atualmente, são eleitos os mais votados de cada chapa, embora a proporcionalidade também exista. Assim, seria possível o político queimado viabilizar sua eleição com base na votação da sua lista partidária, dependendo da posição que nela ocupe e do número de vagas conquistadas pela legenda. Com certeza, vai tomar o lugar de alguém com a ficha limpa, como aquele filhote de cuco que não admite concorrência no ninho.

Reforma política

O presidente Michel Temer entrou de cabeça na operação para salvar a elite do Congresso. Amanhã, vai discutir a reforma política e o financiamento de campanhas eleitorais com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia; do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE); e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, de quem partiu a iniciativa. O financiamento público de campanha, testado nas eleições municipais, impediu o financiamento de empresas, mas não a existência de caixa dois; além disso, criou uma situação que favorece candidatos apoiados por organizações religiosas e meios de comunicação. O ministro Gilmar é a favor do financiamento privado, votou contra o financiamento público no Supremo Tribunal Federal (STF).

O fato concreto, porém, é que a discussão não ocorre motivada pela necessidade de renovação política. Pelo contrário, a articulação tem um caráter regressivo. Seu objetivo é exatamente o contrário: bloquear o surgimento de uma nova elite parlamentar. A política é velha no Brasil não somente pelos costumes, mas também pela falta de renovação de suas lideranças. Talvez a reeleição tenha empurrado a fila para trás. Uma simples comparação com os principais líderes mundiais torna evidente a necessidade do surgimento de uma nova geração de políticos. Há muitos jovens parlamentares no Congresso, mas a maioria foi catapultada pelas respectivas oligarquias, basta conferir os sobrenomes.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo