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José Casado: Bolsonaro no buraco
Presidente eleito seria um poeta se falasse menos sobre política externa
Aconteceu numa segunda-feira de 55 anos atrás, na Manhattan de um mundo em Guerra Fria, quando Jair Bolsonaro era apenas um garoto nas ruas descalças de Ribeira (SP), a oito mil quilômetros de distância.
Cinco homens e uma mulher entraram no 112-Oeste da Rua 48, Nova York. Há meses Astrud Gilberto (voz), Antonio Carlos Jobim (piano), Tião Neto (baixo), Milton Banana (bateria), João Gilberto (violão) e Stan Getz (sax) lutavam para apresentar a bossa nova ao público.
Nos ensaios faltou sintonia entre Getz e João, relata Ruy Castro em “Chega de saudade”. O baiano explodiu: “Tom, diga a esse gringo que ele é burro.” O carioca Jobim virou-se para o americano e traduziu: “Stan, o João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você.”
Foi um dos grandes momentos da diplomacia brasileira: o disco “Getz/Gilberto” abriu o mercado dos EUA e da Europa para a bossa nova.
Bolsonaro não possui átomo da genialidade diplomática de Jobim, mas seria um poeta se falasse menos sobre política externa no seu mandato.
Em uma semana (lapso de tempo em que os seis de Nova York lapidaram um revolucionário Made in Brazil), Bolsonaro e equipe conseguiram semear tensões e incertezas sobre o futuro do Brasil com Argentina, Paraguai e Uruguai (sócios no Mercosul), China, Cuba, União Europeia, países árabes e muçulmanos.
Presidente eleito de um país desesperado para ampliar exportações e receber investimentos estrangeiros, Bolsonaro resolveu desprezar um quarto do mercado global, com três bilhões de consumidores. Semana passada a China advertiu, publicamente, que uma ruptura vai “custar caro” ao Brasil. Ontem, o Egito recusou-se a receber o chanceler brasileiro, em reação ao alinhamento do Brasil ao governo Trump na mudança da embaixada para Jerusalém.
Bolsonaro pode não gostar da melodia de Tom e preferir o punk-brega de Trump, mas deveria ouvir o conselho grátis do bilionário Warren Buffet, um conservador: “Se você está num buraco, a coisa mais importante a fazer é parar de cavar.”
José Casado: O valor das promessas
É politicamente perigoso supor que 57,7 milhões de brasileiros elegeram Jair Bolsonaro sem ter a mais vaga ideia do que ele vai fazer no Palácio do Planalto, a partir de 1º de janeiro. Sua vitória em todo o Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte (exceto Tocantins e Pará) não foi acaso.
Goste-se ou não, mais da metade do eleitorado deu-lhe o crédito de confiança que era reivindicado pelos adversários. E, dizia Abraham Lincoln, ninguém é suficientemente competente para governar outras pessoas sem o seu consentimento.
O problema de Bolsonaro, agora, é cumprir as promessas. Quase todas, sim, podem ser qualificadas como confusas, inconsistentes, equivocadas, entre outros adjetivos. Uma exceção está no compromisso público assumido no sábado, 20 de outubro: “O que eu pretendo é fazer uma excelente reforma política para acabar com instituto da reeleição que, no caso, começa comigo, se eu for eleito.”
Não conseguiria ser mais límpido. É, portanto, legítima a expectativa de que Bolsonaro apresente ao novo Congresso, em fevereiro, um projeto de renúncia à reeleição, limitando-se aos 1.460 dias do mandato.
Faltam razões objetivas para não se acreditar ao menos nesse compromisso de um candidato que, há 72 horas, obteve maioria de votos numa dimensão só comparável ao mapa eleitoral de Lula em 2002.
Outras promessas independem da caneta presidencial, como a de enxugar “em 15% ou 20%” o número de integrantes do Legislativo.
A renúncia à reeleição, não. Ela está sujeita, única e exclusivamente, à sua vontade, já expressa em público.
Bolsonaro estará ausente da disputa presidencial de 2022. Outro que abdicou, publicamente, foi Ciro Gomes (PDT), que no dia 12 de setembro, no Rio, disse o seguinte: “(Se Bolsonaro ganhar) eu vou desejar boa sorte, cumprimentá-lo pelo privilégio e depois vou chorar com a minha mãe. Saio da política. A minha razão de estar na política é amor, paixão, confiança. Se nosso povo por maioria não corresponder, vou chorar.”
Não há por que não acreditar neles.
José Casado: Agora, a vida real vai começar
Futuro presidente e governadores precisam construir uma aliança parlamentar sólida e majoritária a partir de fragmentos políticos
Hoje, a realidade bate à porta de Jair Bolsonaro e dos 14 governadores estaduais eleitos ontem. Eles vão descobrir que o eleitorado entregou o governo, mas sonegou-lhes o poder. São coisas diferentes, interdependentes. Agora, precisam batalhar para conquistá-lo.
Para começar, precisam negociar maiorias no Legislativo, porque sem elas não governam. E o problema é que o eleitorado usou o voto para implodir o sistema partidário. Levou 30 partidos para a Câmara, plantou 21 no Senado e 31 nas assembleias estaduais.
O resultado foi o fracionamento do poder político. Exemplo: é do PT a maior bancada na Câmara, com 56 deputados que detêm apenas 11% dos votos num plenário de 513 parlamentares. No Senado, o MDB ganhou a primazia com 12 vagas, o equivalente a 15% do 81senadores.
Essa lógica se reproduziu nos estados e no Distrito Federal, onde foram eleitos 1.059 deputados. Os resultados dos partidos, individualmente, são modestos.
O MDB ficou com o maior agrupamento parlamentar estadual: 93 deputados, ou 8,7% do total — sua maior bancada está Santa Catarina (22,5% do plenário).
Já o PT ficou em segundo lugar na disputa pelos legislativos estaduais, com 85 deputados, ou 8% do total nacional. Seu melhor desempenho foi na Bahia, onde conseguiu uma fatia de 16% da assembleia.
Sem construir uma aliança parlamentar sólida e majoritária a partir desses fragmentos políticos, o futuro presidente e os governadores se arriscam a uma rápida erosão da legitimidade alentada nas urnas.
Bolsonaro, ontem, deixou entrever sua inquietação: “Todos os compromissos assumidos serão cumpridos com as mais variadas bancadas” — fez questão de dizer no primeiro discurso da vitória. Ele saiu das urnas com 57,6 milhões de votos a favor. Foi rejeitado por 46,8 milhões de eleitores.
Como os governadores, o futuro presidente terá de encontrar formas inovadoras para acertos com esse universo partidário em desencanto, ou em decomposição, porque o modo convencional de composição de interesses conduziu a essa eleição balizada pela desconfiança, na qual predominou o voto de exclusão.
Sem isso, será impossível governar, aprovar leis e administrar orçamentos que, na média, preveem R$ 130 em despesas fixas para cada R$ 100 de receita.
A partir de 1º de janeiro, presidente e governadores estarão diante de outra fase da vida real, mais dura, porque apoio eleitoral não é perene e precisa ser revalidado acada decisão.
Ao governante que perder o rumo, principalmente na recuperação da economia, só restará a alternativa de um telefonema aos ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff, para perguntar: “Onde foi que vocês erraram?”
José Casado: Divisão no Judiciário
A eleição presidencial cristalizou uma divisão política e ideológica na cúpula do Judiciário.
Parte dos juízes entende ser necessário agir de imediato contra qualquer iniciativa do Executivo ou do Legislativo que contenha laivos de uma visão autoritária, com potencial ameaça à ordem democrática.
É nesse contexto que ocorreram as duras reações dos ministros do Supremo Celso de Mello e Alexandre de Moraes, ontem, sobre a “fórmula” para fechar o STF, apresentada pelo ex-policial e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Moraes abandonou a habitual discrição e pediu em público um inquérito contra o deputado, filho do candidato presidencial líder nas pesquisas. Levantou a suspeita de crime de incitação a golpe de Estado, previsto na Lei de Segurança Nacional.
Outros integrantes do comando do Judiciário seguem por trilha distinta. Ofereceram ao candidato Bolsonaro uma ponte para o futuro. Ela lhe permitiria irradiar as ideias sobre a regressão nos direitos civis nos tribunais federais e superiores.
Se as negociações avançarem, é provável que a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 contenha uma reserva para criação de novos tribunais federais.
Assim, o novo governo teria espaço para nomear quase uma centena de juízes na segunda instância e nos tribunais superiores. As escolhas, obviamente, obedeceriam à afinidade com um plano conservador nos costumes e liberal na economia.
Nessa conversa, até agora, rebarbaram-se os custos políticos e o bolso de quem paga a conta. Abstraiu-se o fato de que o Brasil mantém a Justiça mais cara do planeta.
O Judiciário consome 1,3% do Produto Interno Bruto. Significa despesa anual de R$ 364 (US$ 91) no bolso de cada um dos 208 milhões de habitantes. Esse nível de gasto com a Justiça só existe na Suíça, cuja população é 25 vezes menor e tem renda cinco vezes maior.
A perspectiva de poder aumenta o custo do antiliberalismo de Jair Bolsonaro.
José Casado: Uma agenda de confusões
Como a perspectiva do poder embriaga, Bolsonaro já aumenta os custos políticos do eventual governo
Jair Bolsonaro se consolida como favorito. Além de manter a vantagem obtida no primeiro turno, com 18 pontos à frente, conseguiu inverter o fluxo da rejeição eleitoral, agora liderada por Fernando Haddad.
Como a perspectiva do poder embriaga, Bolsonaro já aumenta os custos políticos do eventual governo.
Semana passada, no Rio, celebrou com aliados políticos e religiosos a vitória no primeiro turno, com 49 milhões de votos. “Depois de Israel, o próximo país que vou visitar é os Estados Unidos, ok?”, avisou.
Na plateia, muitos perceberam nesse aviso de viagem o eco de uma promessa de Bolsonaro a sionistas cristãos feita em outubro do ano passado, na Nova Inglaterra (EUA): se eleito, vai transferir a embaixada do Brasil em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém, cidade sagrada para judeus.
Significaria uma reversão em meio século de política externa do Brasil, com alinhamento às prioridades do governo Donald Trump e, também, ao governo conservador de Israel. Desde 1967, o Brasil vincula o status de Jerusalém ao reconhecimento das fronteiras de duas nações, Israel e o Estado palestino.
A reação à promessa de Bolsonaro já é perceptível entre diplomatas de nações islâmicas. Consideram provável uma revisão do comércio do Brasil com 57 países, entre eles 22 árabes — destino de 25% das exportações brasileiras de carne.
O candidato favorito à Presidência conseguiu, também, nublar o horizonte das relações com a China, ao anunciar mudanças no rumo da privatização do grupo Eletrobras: “Você vai deixar nossa energia na mão do chinês?”, argumentou em entrevista à Band.
A China comprou 21 empresas brasileiras, investindo US$ 21 bilhões nos últimos três anos. Mas o candidato acha que as relações com os chineses devem passar pelo prisma do alinhamento com Washington, em guerra comercial com Pequim. Em uma semana, Bolsonaro abriu focos de potencial conflito com países cujas populações, somadas, representam metade dos habitantes do planeta. E ainda nem foi eleito.
José Casado: Onda conservadora muda o mapa político
Afluência do conservadorismo ocorreu em dimensão imprevista nas pesquisas e inesperada para para todos
Uma onda conservadora avançou sobre as urnas no primeiro turno, mudou o mapa político nacional e impôs a vitória expressiva de Jair Bolsonaro sobre Fernando Haddad, o "advogado de Lula" como ele faz questão de se apresentar nos palanques. Bolsonaro ganhou com 17 pontos de vantagem sobre o adversário.
Essa afluência do conservadorismo ocorreu em dimensão imprevista nas pesquisas e inesperada para para todos. É novidade relevante num país onde até pouco tempo atrás parecia ser mais fácil acertar na loteria do que encontrar um político que assumisse pertencer às legiões da "direita".
Desde a noite de ontem, pode-se dizer que o Brasil está alinhado ao fenômeno do conservadorismo que se espraia pelo mundo. É uma reação contundente ao avanço do debate de questões sociais relevantes, como os direitos das minorias.
Pelo avesso, Bolsonaro (PSL) conseguiu cristalizar na campanha presidencial o debate sobre a desigualdade de gênero no país. A resistência feminina encheu as ruas, em manifestações que partidos da esquerda tentaram manipular, sem êxito.
Uma peculiaridade brasileira é o fato de que essa súbita afluência de ideais conservadores ocorre na esteira de década e meia de crispação política, protagonizada pelo PT e partidos satélites.
Da prisão em Curitiba, Lula reafirmou sua força no partido e no segundo maior colégio eleitoral, o Nordeste, conduzindo o seu "advogado" ao segundo turno. No entanto, acabou derrotado pelo maior cabo eleitoral dessa primeira rodada - o antipetismo.
A direita emergente impulsionou Bolsonaro, um ex-militar afastado dos quartéis por indisciplina, explícito na nostalgia de um governo autoritário. Também, alavancou candidatos regionais que, embora de formação liberal, com ele estiveram identificados ou se associaram na campanha, como ocorreu no Rio (Wilson Witzel, do PSC), em São Paulo (João Doria, do PSDB) e em Minas Gerais (Rodrigo Zema, do Partido Novo).
O resultado da disputa presidencial deu relevo ao tamanho da liquefação da legitimidade do sistema político. Ela se tornou visível nas manifestações de rua em 2013 e foi acelerada com a exposição dos envolvidos em corrupção nos contratos públicos nos inquéritos da Operação Lava-Jato.
Dela resultou uma anomalia: na final da disputa pela Presidência da República estarão os dois candidatos mais desprezados pela maioria nas pesquisas realizadas durante toda a campanha. Exemplo: no sábado, véspera da votação, quatro em cada dez eleitores diziam ao Datafolha e ao Ibope que não votariam neles "de jeito nenhum". Bolsonaro e Haddad continuam se apresentando como "solução", sem perceber que são sinônimos eleitorais de uma grave crise de representatividade.
Reverter essa rejeição seria o desafio de ambos nos próximos 21 dias. Sem isso, o futuro presidente se arrisca a sair das urnas no domingo 28 de outubro como refém de uma inédita antipatia eleitoral.
Bolsonaro insiste em se manter enclausurado no antipetismo. Para Haddad, confinado aos limites do PT, sobrou a retórica da união contra o "facismo".
Entre ambos, restam forças de centro absolutamente fracionadas, como é o caso do PSDB de Alckmin e da Rede de Marina Silva, ou agrupamentos partidários tradicionais como o PMDB, DEM e PTB, cujo foco habitualmente está na partilha do orçamento federal.
Qualquer que seja o resultado do segundo turno, logo depois da celebração o vencedor vai descobrir que ganhou o governo, mas não o poder. Nem a direita emergente à volta de Bolsonaro, nem a esquerda dogmática em torno Haddad têm maioria na Câmara e no Senado. Ambos não demonstraram competência em construí-la durante a campanha.
O eleito será obrigado a negociar com um Congresso fragmentado, habitualmente desgastado e empenhado num virtual semi-presidencialismo. Com todas as fragilidades, no último quarto de século esse mesmo Legislativo derrubou dois presidentes eleitos pelo voto direto. Em comum, eles tinham o vício da arrogância, eram devotos do isolamento político e amargavam alta rejeição nas ruas.
José Casado: PT mantém Palocci
Depois de amanhã, Antonio Palocci Filho comemora 58 anos de idade. Não vai ter festa na ala A da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, onde acaba de completar dois anos. Alguém deverá oferecer-lhe um café —não é privilégio do ex-preferido de Lula, apenas autoproteção dos outros presos, porque, estabanado, sempre que tentou cozinhar, ele produziu um desastre.
No domingo, Palocci permanecerá prisioneiro a 704 quilômetros da sua zona eleitoral, em Ribeirão Preto. Mas o eleitor 3942125012-4 continua petista “de carteirinha”, como há 37 anos, quando fundou o partido na faculdade de Medicina.
À 1h30m de ontem, dez horas antes da liberação de trechos da sua delação, Palocci ainda estava no PT. Era o 132.389º na lista do partido na Justiça Eleitoral de São Paulo.
Numa terça-feira da última primavera, 26 de setembro, Palocci soube de um processo ético para expulsá-lo do PT. Foi logo depois do seu depoimento sobre Lula e a Petrobras.
Respondeu, por carta, informando a delação premiada e defendeu “o mesmo caminho” para o partido, como dissera um ano antes a Lula e a Rui Falcão, então presidente, que “transmitia uma proposta” do ex-tesoureiro João Vaccari, para “um processo de leniência na Lava-Jato”.
Foi além: “Sobre as informações prestadas em 6-9-2017 (compra do prédio para o Instituto Lula, doações da Odebrecht ao PT, ao Instituto e a Lula, reunião com Dilma e Gabrielli sobre as sondas e a campanha de 2010, entre outros) são fatos absolutamente verdadeiros.” Acrescentou: “Tenho certeza que, cedo ou tarde, o próprio Lula irá confirmar tudo isso, como chegou a fazer no mensalão (...) Um dia, Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimônias, na cena mais chocante que presenciei.”
Palocci desenha suas memórias. O PT também não esquece o “favorito de Lula”. Por isso, o mantém filiado.
José Casado: Eles devem desculpas
Esta é, por enquanto, a eleição das minorias. Isso porque, até agora, pesquisas como a do Ibope ontem mostram os principais candidatos oscilando em torno do patamar de 25% da preferência. Nenhum deles pode se achar seguro de que vai obter mais de 50% dos votos válidos no domingo 7 de outubro.
Projeções sobre eventual avanço de Jair Bolsonaro na maioria dos estados nordestinos, antigos redutos do PT que somam 26,6% dos votos do país, animam reuniões de empresários em São Paulo, pontuadas por desembolsos crescentes. A torcida para a eleição acabar logo no primeiro turno é apenas desejo manifesto do antipetismo, sobretudo entre líderes do agronegócio
Falta combinar com o eleitorado, que ainda mantém elevados os índices de rejeição a Bolsonaro (46%) e ao “advogado de Lula” (30%), como Fernando Haddad se apresenta.
Os candidatos, sem exceção, deveriam aproveitar esse intervalo de imprevisibilidade a 12 dias do primeiro turno para apresentar um pedido de desculpas aos brasileiros. Eles devem isso, porque são protagonistas de um histórico fracasso.
Encerram um ciclo de três décadas, iniciado no funeral da ditadura, empenhados numa campanha de volta ao passado da Guerra Fria. Disputam uma eleição com mochila recheada de falsificações da história, e um catálogo de ilusões baratas.
Omitem o futuro corrosivo na esquina de 2019. Não souberam, ou quiseram, reinventar o modo de fazer política — apelo recorrente nas ruas e nas urnas desde 2013.
O que está aí é um espetáculo de realismo mágico, onde todos perdem no final. Vitória nessas circunstâncias dificilmente levará a uma sólida coalizão governamental. O eleito não terá bancada expressiva no Congresso e deverá amargar dificuldades crescentes com um Judiciário ativista e um Legislativo mais fragmentado.
É a eleição da exclusão. Atrás da cabine de votação oculta-se um Estado em colapso, consumindo 40% de tudo que os brasileiros produzem
José Casado: Uma nova tribo à direita
‘Eu sou baixo clero, e sou de direita”, repetiu na Câmara nos últimos 27 anos. Encarnou um personagem que, sem farda, exala a rusticidade da caserna. Se tornou um missionário da ruptura com a democracia, em negação permanente da catástrofe dos 21 anos de ditadura militar.
Foi ignorado até 2015 quando se anunciou candidato de uma nova tribo à direita: a sociedade anônima dos que têm medo do PT com os ressentidos da liquefação política. Líder nas intenções de voto — e na rejeição eleitoral, sobretudo entre as mulheres —, Jair Bolsonaro, 63 anos, ventaneja há décadas a “refundação” do Brasil por uma nova direita, essencialmente antiliberal.
O projeto prevê intervenção militar, “para manutenção da lei e da ordem, conforme o artigo 142 da Constituição”, repetiu pelo país. Ele não conspira, fala em público, e não renega a tosca antipolítica: “Um curto período de exceção, que incluiria o fechamento temporário do Congresso e a suspensão das prerrogativas do Legislativo”, disse no Sul.
A última ditadura durou 21 anos. No epílogo da anarquia fardada, ele figurou com um plano para explodir bombas em quartéis no Rio.
Da tribuna da Câmara ecoou seu fascínio pelo autoritarismo: “Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção”. Desenhou-o como saída aos problemas nacionais.
“O que o gaúcho quer? Que dos impostos que paga, parte não continue sendo desviada para a indústria da seca no Nordeste.” E ainda: “Quando é que vamos conseguir aprovar uma emenda que diminua a bancada de Roraima? Não acredito nisto.”
Nesse roteiro, primeiro, se decreta a “falência” do Legislativo. “Quem decide?” — perguntou dias atrás o repórter Merval Pereira a Hamilton Mourão, parceiro de chapa de Bolsonaro. O general candidato a vice do capitão retrucou: “O próprio presidente. Ele pode decidir empregar as Forças Armadas. Aí, você pode dizer: ‘Mas isso é um autogolpe’”.
Bolsonaro, Mourão e a nova tribo à direita acreditam no que dizem — e, talvez, esse seja o problema.
José Casado: Luta pelo poder em plena ruína
Há um país em ruína nas margens do enredo da luta pelo poder — cada dia mais dependente das subtramas desenvolvidas numa Unidade de Terapia Intensiva, em São Paulo, e na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba.
Entretidos no embate personalista, os candidatos à Presidência passeiam cegos à dimensão e à celeridade do desmoronamento da paisagem a que pertencem. Driblam a realidade, onde a renda de sete em cada dez famílias mal alcança dois salários-mínimos (R$ 1,9 mil).
Voluntaristas, abstraem o aumento de 50% na velocidade da regressão social desde 2014, depois de um quinquênio de profunda recessão.
A magnitude desse retrocesso social está na preservação de 23,3 milhões de pessoas na pobreza, com renda inferior a R$ 233 por mês
Significa que o número de brasileiros na miséria já supera a população de Minas Gerais (21 milhões). Num mapa equivale à soma dos habitantes do Paraná e Rio Grande do Sul.
O quadro se deteriora rápido: 6,3 milhões de novos pobres surgiram do governo do PT até o do MDB.
Vai-se completar três anos de aumento na desigualdade de renda, demonstra um estudo sobre a vida como ela é por trás do Produto Interno Bruto (PIB), do pesquisador Marcelo Neri, da FGV.
Isso não acontecia desde a eleição de 1989, a primeira depois da ditadura. Para se avaliar o impacto dessa regressão social, é necessário lembrar que ela ocorre num período de moeda estável. Três décadas atrás, aconteceu sob o desastre legado pelo regime militar: do golpe de 1964 até o Plano Real de 1994 o aumento acumulado dos preços ultrapassou a marca do quatrilhão (1.302.442.989.947.180,00%, pelo IGP-DI), conta Míriam Leitão no excelente livro “Saga brasileira”.
A massa pobre do eleitorado está um terço mais empobrecida do que na eleição de 2014. Aumento da desigualdade na sociedade é sinônimo de instabilidade. Nessa paisagem, a cegueira eleitoral pode ser prelúdio de um governo em crise permanente.
José Casado: Na ponta da faca, novo rumo da campanha
Atentado em Minas contra o candidato do PSL, líder nas pesquisas, deverá ter efeitos eleitorais. Imprevisíveis.
O atentado de ontem é o tipo de evento com peso específico para mudar o rumo de uma campanha eleitoral. Até chegar ao centro de Juiz de Fora, Jair Bolsonaro estava isolado no topo da disputa presidencial. Já há algum tempo estacionara no patamar de 20%, mas conservava ampla vantagem sobre os outros candidatos. Seu potencial de votos equivalia, praticamente, à soma dos adversários Marina Silva e Ciro Gomes, empatados em segundo lugar.
Mais notável, porém, era a dimensão da sua rejeição, acima de 40% —ou seja, o dobro da preferência eleitoral que possuía nas pesquisas Ibope e Datafolha.
Até então, o problema do candidato Bolsonaro era com o voto feminino. Ele moldou sua imagem num discurso arcaico, rudimentar e percebido como hostil às mulheres, a maioria (52%) no eleitorado. Conseguiu assim, pelo lado avesso, cristalizar na campanha presidencial o debate sobre a desigualdade de gênero no país.
Quando isso ficou evidente, os adversários iniciaram uma ofensiva anti-Bolsonaro focada no eleitorado feminino. Ele começou a perder em média 300 mil votos por dia, conforme pesquisas diárias que abastecem o PSDB de Geraldo Alckmin, do PT de Lula e do MDB de Henrique Meirelles.
No meio da tarde de ontem, Bolsonaro foi à esquina das ruas Rio Branco e Alfred, área preferida de políticos em campanha por causa da multidão em trânsito. Saiu amparado, exangue, vítima de uma facada confessada por Adélio Bispo de Oliveira, 40 anos, mineiro de Montes Claros, aparentemente maníaco de teorias conspiratórias.
Juiz de Fora tem histórico de conspirações políticas. Em 1964, abrigou as conversas dos conspiradores civis Carlos Lacerda e Magalhães Pinto. Dali partiu o general Olympio Mourão Filho com sua tropa. Seguiram-se 21 anos de ditadura militar — reverenciada por Bolsonaro.
A vitimização do candidato do PSL terá efeitos eleitorais. Por enquanto, a única certeza é que a ponta da faca esgrimida por um aluado levou a campanha para um novo rumo. Imprevisível.
José Casado: Companheiros golpistas
Razão tinha o poeta Drummond, quando dizia que uma eleição é feita para corrigir o erro do pleito anterior, mesmo que o agrave
Para alguns candidatos será constrangedor e difícil explicar. Para milhões de eleitores vai ser quase impossível entender as próximas cenas da campanha eleitoral.
O primeiro capítulo vai ao ar na sexta-feira, quando começa propaganda política no rádio e na televisão. Nesse dia, por coincidência, se completam dois anos do último impeachment (em três décadas de democracia, o país já derrubou metade dos quatro presidentes que chegaram ao Planalto pelo voto direto).
Em vários estados o eleitor será surpreendido com o desfile do PT de Dilma e Lula abraçado aos “golpistas” do MDB de Michel Temer. Foram parceiros no poder por 12 anos e sete meses, até o impeachment de Dilma.
Atravessaram os últimos 24 meses em histeria na Câmara e no Senado. Todo dia, gastavam hora e meia nos plenários injuriando-se como “ladrões” e “corruptos” — não necessariamente nessa ordem. Houve parlamentar petista que fez 350 discursos de ataques aos “golpistas”, dois terços do Legislativo.
Agora, o PT está de novo entrelaçado ao MDB de Temer, ao PR de Valdemar Costa Neto, ao PP de Ciro Nogueira, ao PTB de Roberto Jefferson, ao PSD de Gilberto Kassab, ao SD de Paulinho da Força, ao DEM de Rodrigo Maia e ao PSB dos Arraes. Por milagre eleitoral, todos voltaram a ser bons companheiros.
Pelos antigos sócios, em nove estados os petistas renegaram o PCdoB, seu mais fiel e permanente aliado. Esse partido precisa de bancada em nove estados (ou 1,5% dos votos válidos no país) para se manter no mapa político.
Foi preciso ordem judicial para obrigar o PT do Amazonas a não deixar desamparada a senadora comunista Vanessa Graziottin (PCdoB), isolada na batalha pela reeleição. Em Pernambuco, aniquilou uma candidatura própria (Marília Arraes) para apoiar a reeleição de um “golpista”, o governador do PSB em Pernambuco (Paulo Câmara).
Razão tinha o poeta Drummond, quando dizia que uma eleição é feita para corrigir o erro do pleito anterior, mesmo que o agrave.