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Fifa Exemplo de espaço da FIFA Fan Festival | Crédito: Divulgação

Catar: mitos e verdades do país sede da Copa do Mundo

Catraca livre*

Catar é um país pequeno situado no Oriente Médio. A península tem apenas 11,571km 2 fazendo fronteira terrestre unicamente com a Arábia Saudita, e possui mais de 560 km de praias banhadas pelo Golfo Pérsico. O país é rico em petróleo, dono da terceira maior reserva de gás natural e da maior renda per capita mundial.

Como país monárquico, o Catar é governado pela família Al Thani desde meados de 1825. Em 1916, tornou-se protetorado britânico permanecendo assim até 1971, ano de sua independência. A religião islâmica rege todos os âmbitos do país: cultura, política e valores do cotidiano. Um lugar tão diferente dos padrões ocidentais acaba trazendo dúvidas e atiçando a curiosidade das pessoas que querem conhecer mais sobre o país que sediará a Copa do Mundo de 2022.

Aqui vamos desmistificar algumas impressões e trazer outras informações que vão fazer você querer conhecer o Catar. Para começar nossa jornada é interessante saber que a capital do país é Doha e qatari, qatariano ou qatarense é aquele que nasce no país, mas apenas 15% da população é nativa. Aqui vivem pessoas de aproximadamente 90 países, sendo a maioria do Egito, Índia, Filipinas e Bangladesh. O árabe é o idioma oficial, porém 80% da população fala inglês. Quanto ao dinheiro, a moeda é o qatari rial (QAR), que equivale em média a R$ 1,50.

Mesmo com a cultura islâmica bem forte no dia a dia das pessoas, é possível ouvir os cinco chamados das mesquitas na hora da reza, é fácil adaptar o jeito ocidental durante sua permanência aqui. O país é um dos mais seguros do mundo, então a liberdade em ir e vir está assegurada em qualquer horário. Como já falado, o inglês facilita sua comunicação com os locais, a leitura de placas também com tradução, rádios com músicas estrangeiras, culinárias
diversas e atrações para todos os tipos de pessoas.

O fim de semana é diferente

Outra curiosidade é sobre as horas e os dias da semana. Aqui a semana começa no domingo e vai até quinta-feira. Sexta-feira e sábado são os dias destinados ao fim de semana. Porém, em relação ao nosso fim de semana, aqui difere um pouco. A sexta-feira equivale ao nosso domingo, isso porque para os mulçumanos esse dia é sagrado e a partir do meio dia, eles se reúnem para a oração nas mesquitas para celebrar o “salat al Jumah”. O sábado é como o
nosso, todos os estabelecimentos abertos e a vida noturna agitada. Caso você queira ligar daqui para o Brasil para contar suas aventuras, saiba que o fuso horário é de seis horas a mais em relação ao horário de Brasília. Apenas um adendo, whatsapp aqui funciona apenas para mensagens e ligações e chamadas de vídeo são bloqueadas.

Símbolo da riqueza

Sendo um país rico, o turista encontra algumas extravagâncias pelas ruas de Doha e não falo só pelos modelos luxuosos que circulam por aqui. Não é apenas o veículo que mostra o status do proprietário, mas as placas com numerações diferentes ou quantidades de dígitos comprovam a influência e riqueza de quem os dirige. Por exemplo, uma placa padrão tem seis números com ordem aleatória, mas para aquele que pagar mais, a placa pode ter seis números escolhidos ou até menos dígitos. Uma placa com apenas três dígitos certifica o poder e dinheiro do motorista. O custo para isso é caríssimo. Para se ter uma dessas, basta participar de um leilão. Em maio deste ano foi realizado um leilão de placas com o logo da Copa do Mundo e o valor mais alto por uma placa foi de 1,8 milhões de qatari rials.

As mulheres usam burca?

Em relação ao cotidiano do Brasil, há algumas diferenças e estando por dentro vai te ajudar a evitar qualquer saia justa. Como moradora aqui há quase dois anos o que mais me perguntam é sobre como se vestir. Não, eu não uso burca e nem as mulheres mulçumanas. As mulheres qataris usam um vestido preto longo e de mangas longas chamado abaya. Para cobrir o cabelo, elas usam um lenço, chamado hijab. Os homens usam a roupa tradicional, o thobe, que é uma camisa branca que vai até os pés. Na cabeça usam um lenço chamado ghutra.

Há sim um dress code que é basicamente você usar roupas que cobrem os joelhos e os ombros, mas isso não te impede de usar blusas e vestidos de alça, basta ter sempre um lenço para cobrir os ombros caso seja necessário ou pedido. Em alguns lugares, como o bairro The Pearl, a vestimenta é liberada, então você encontra pessoas com shorts, saias curtas, decotes, etc.

Beijo é proibido?

Nós brasileiros somos muito afetuosos, estamos sempre abraçando, dando beijos, andando de mãos dadas…. Pois saiba que aqui no Qatar essas demonstrações em público não são bem vistas, independente do sexo e do estado civil do casal.

Pode beber na rua?

Beber aqui também requer algumas regras. Entrar no país com bebida alcoólica é proibido. Aqui os lugares para beber são restritos aos restaurantes e bares de hotéis autorizados, ou em casa. Em bares, por exemplo, uma cerveja long neck chega a custar aproximadamente R$ 65. Já para os residentes, e que não sejam mulçumanos, existe uma única loja no país que vende bebidas e carne de porco, e é necessário obter uma licença e marcar horário para a visita. Diferente do álcool, a carne suína é proibida em qualquer estabelecimento no Qatar.

E na Copa, como ficará a questão da bebida alcóolica para os turistas? Durante o Mundial será permitido o consumo no FIFA Fan Festival e nos arredores dos estádios em horários próximos aos jogos. Além disso, bares e restaurantes que já servem bebidas alcóolicas continuarão com o serviço normalmente.

Como faz com o calor de quase 50°C?

O clima aqui também influencia bastante o dia a dia de quem mora e vem visitar Doha. Toda a cidade tem um sistema de ar condicionado nos principais pontos turísticos seja ao ar livre, como no Souq Waqif, Katara e Msheireb (a refrigeração sai pelo chão), como em locais fechados. Isso é necessário porque no verão as temperaturas chegam a quase 50 o C. Mesmo nós brasileiros, acostumados ao calor, não conseguimos aguentar.

Outro problema durante essa estação é a umidade alta. Não é à toa que durante a estação a cidade fica vazia, porque a maioria aproveita as férias escolares e viaja para destinos mais amenos. O melhor dos mundos é quando o outono chega em meados de outubro (ainda é quente, por volta de 32 o C) até o final do inverno, que dura até março. É por isso que a Copa será realizada entre os dias 20 de novembro e 18 de dezembro. Será a primeira vez que o Mundial não acontecerá no meio no ano. A razão para a mudança é exatamente por conta das altas temperaturas nos meses de junho e julho no Oriente Médio. Para o período dos jogos é esperada temperatura média de 25 o C. Apenas uma dica, a noite o termômetro cai um pouco mais, por isso esteja preparado para o frio do deserto.

Agora que você já tem todas as informações sobre o Catar, viu que não é nenhum bicho de sete cabeças, que o povo árabe é tranquilo e te receberá de braços abertos, vale incluir uma visita para cá sendo para a Copa do Mundo 2022 ou para qualquer outro momento.

*Juliana Lauar é jornalista que se mudou, há dois anos, para o Catar movida pelo calendário da Copa do Mundo. 

Texto publicado originalmente no portal do Catraca livre.


BBC: Jogos que exploram escândalos da política ganham adeptos no Brasil

Doria
Desenvolvedores ironizam personagens políticos

 

Na vida real, aprende-se desde cedo que dinheiro não cai do céu. Mas, na realidade virtual, o dinheiro pode cair do alto de um prédio enquanto você tenta recolher todas as notas para encher sua mala com milhões de reais. Só tem uma questão: se não pegar a grana toda, você acaba em cana. Para seu alívio, neste caso, o xadrez também é virtual.

O jogo "Recupere o dinheiro de Gededel" tem como inspiração a intrincada situação jurídica do ex-ministro Geddel Vieira Lima, acusado pela Polícia Federal de ser o responsável por manter R$ 51 milhões em espécie em um apartamento em Salvador. Geddel nega envolvimento com esquema criminoso.

O game, lançado no final de setembro para o sistema Android e em breve para IOS, é criação de três jovens baianos: o analista de sistemas Ricardo Schimid, o designer Victor Hugo Castro e o músico Daniel Castro Barbosa.

Na aventura eletrônica, depois de ser informado que a polícia descobriu seu "bunker" monetário, o personagem Gededel corre para tentar salvar o dinheiro. Start.

Para evitar a prisão de Gededel, o jogador deve resgatar todo o dinheiro, que cai em montantes variados, começando com moedas que valem R$ 5 mil e chegando até malotes com R$ 3 milhões. Além disso, é preciso desviar de objetos arremessados por vizinhos indignados com a corrupção - até um gato vira projétil.

As referências políticas não acabam aí: a trilha sonora em 8 bits, típica de games antigos, lembra a melodia do jingle de Geddel Vieira Lima, ecoado à exaustão na Bahia em todas nas suas candidaturas à Câmara. O original versava que o ex-ministro era "um nome forte no cenário nacional". O criminalista Gamil Foppel, advogado de Geddel, atualmente preso, afirmou que enviaria uma nota sobre o game, o que não ocorreu até o fechamento da reportagem.

"Sou ligado em games desde criança. Na faculdade, comecei a criar jogos. Agora, estávamos desenvolvendo outro game quando surgiu esse caso. Paramos tudo pra fazer isso e a recepção foi ótima", conta Ricardo Schimid, que tem 27 anos e diz que, até pouco tempo atrás, jamais dera muita atenção à política.

Agora ele dá - e acha que a sátira é a melhor forma de tratar do tema. "A política no Brasil virou comédia. É só ver como os programas de humor abordam a política. Nem precisam criar grandes roteiros, as histórias já são piada", opina.

Política virtual
O game inspirado pelo imóvel-cofre atribuído a Geddel Vieira Lima, que em pouco tempo foi baixado por aproximadamente 5 mil usuários, é apenas um exemplo recente de jogos que ironizam personagens da política nacional, boa parte deles envolvida em denúncias de corrupção.

Entre aplicativos para dispositivos móveis e jogos para navegador da web, existem opções de games a mirar políticos das mais diversas legendas e ideologias.

Um exemplo de diversidade surgiu da parceria entre os pequenos estúdios Nebulosa e Black Hole. Em 2016, eles lançaram o jogo de navegador "Super Impeachment Rampage", que passou da marca de 500 mil jogadas.

Corre companheiro
Jogos usam estética de games antigos

 

Em oito fases, o jogador controla um avatar da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), saltando repórteres, coxinhas humanas e manifestantes pelas ruas de Brasília na missão de evitar o impedimento, coisa que Dilma não conseguiu na vida real. Dilma foi afastada do cargo ainda em maio do ano passado, em um processo de impeachment.

Neste ano, após a delação premiada dos executivos da J&F, os mesmos criadores lançaram o "Super Impeachment Rampage Apocalypse": enquanto no Planalto de verdade o presidente Michel Temer negocia com deputados para barrar a segunda denúncia contra si, nesta nova versão do game o pequeno simulacro de Temer percorre cenários sombrios a fim de evitar a renúncia.

Na última fase, ele enfrenta o "boss", ou chefão: em vez de Koppa, do Mario Bros., um mega-pato amarelo em chamas que solta raios incendiários - uma referência ao mascote da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), que adotou o animal como símbolo de uma campanha contra o aumento de impostos.

Na versão anterior, o boss encarado por Dilma é um supercaranguejo com cara de Eduardo Cunha, numa alusão ao codinome que, apontam os investigadores, era atribuído ao ex-presidente da Câmara nas planilhas de propina da Odebrecht.

"A criação dos dois jogos políticos foi um acaso. Fizemos o primeiro inspirado no 'Leo's Red Carpet Rampage', lançado na época do Oscar de 2016 (em uma brincadeira com o ator Leonardo DiCaprio). Cerca de um ano depois, a situação política estava tão caótica que decidimos criar a versão Apocalypse como continuação", diz Mariana Salimena, sócia do Nebulosa Studio, com sede em Juiz de Fora (MG).

Em 2015, quando a sombra do impeachment começou a rondar Dilma, suas diferenças com Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, já poderiam ter sido resolvidas no game "Vale Tudo", que segue o modelo de clássicos como Mortal Kombat e Street Fighter.

"O jogador escolhe com quem quer lutar e cada personagem é dotado de poderes criados a partir das notícias da época. Dilma vira a Mulher Sapiens e tem o poder da mandioca. Cunha, por sua vez, tem os panelaços a seu favor", explica Alex Leal, criador do jogo e CEO da Lizards Games, de Brasília. "Mulher sapiens" e saudação à mandioca são trechos de dois famosos discursos da ex-mandatária, ainda no cargo.

Então candidata ao Planalto, em 2010 Dilma já havia inspirado o primeiro jogo político desenvolvido por Leal, o "Dilma Adventure", que teve aproximadamente 1,5 milhão de partidas ao ser lançado.

Mais recentemente, quando o prefeito de São Paulo, João Dória Jr. (PSDB), esteve em Salvador para receber o título de cidadão da capital baiana e acabou levando uma ovada na cabeça, o time da Lizards Games não perdeu tempo. "Em coisa de quatro, cinco horas, nós criamos o 'Dória Ovacionado'", conta Alex Leal.

Feito para navegadores da web, "Dória Ovacionado" segue o modelo do sucesso mundial "Angry Bird". Num cenário que exibe o casario colonial de Salvador e o Farol da Barra, o usuário tem que acertar ovos nas caricaturas de Dória e do deputado federal Jair Bolsonaro, que terminou inserido no game porque, no mesmo período, também foi atingido por um ovo a jato.

Em uma semana, foram mais de 450 mil jogadas. Depois do episódio do ovo, Dória afirmou que "não é esse o caminho que desejamos para o Brasil. Esse é o caminho do Lula, o caminho do PT, das esquerdas que querem isso. A intransigência, a agressividade e a tentativa de amedrontar. A mim não intimida".

 

Angry STF
STF também inspira jogos

 

"Ficamos torcendo pra virar febre, com ovadas em políticos de todos os partidos. A gente poderia sempre lançar uma versão atualizada do game", caçoa Leal, que se diz "sem lado" e acha possível brincar com todas as vertentes políticas. "Com nossos políticos, o que não falta é inspiração. Ainda não brinquei com o Judiciário, mas bem que estão pedindo".

Companheiros virtuais
Também na linha do "Angry Bird", a Icon Games lançou em 2012 o "Angry STF", que fez sucesso no período de julgamento do Mensalão. Neste, a munição é o próprio ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa. O objetivo é alvejar bonecos dos acusados de então, como Marcos Valério, José Genoino, Duda Mendonça e José Dirceu.

Reintegrado ao Congresso e livre para sair à noite depois que seus pares rejeitaram as medidas cautelares impostas pelo STF, o senador Aécio Neves também já serviu de inspiração para um game.

Em 2016, o Dashbits Studio lançou "Tempere o Político", cujo mote é uma das gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Em conversa com o senador Romero Jucá, Machado afirma que Aécio seria "o primeiro a ser comido".

No joguinho, o usuário é o chef que cozinha um avatar com as feições de Aécio. No caldeirão efervescente, adiciona ingredientes como alho, carne, pimenta, folhas de louro, maços de dinheiro, etc.

Geddel
Políticos como Geddel Vieira Lima inspiram jogos para celular

 

O ex-presidente Lula, condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão no caso do Tríplex do Guarujá e réu em mais quatro processos, também não escapou dos criadores de games.

Para navegadores, a Icon já produziu os jogos "Pixuleco" e "Jarareco". No primeiro, o controlador deve evitar que o boneco inflável com a caricatura do ex-presidente seja furado, enquanto recolhe uma boa grana no caminho.

O segundo joguinho, por sua vez, é inspirado pelos clássicos games de cobrinha e aproveita uma deixa do próprio Lula, que já se colocou como uma jararaca difícil de ser abatida. No jogo, a cobrinha come dinheiro enquanto tenta escapar do juiz Sergio Moro e do Japonês da Federal.

O objetivo é o mesmo de "Corre companheiro", da Tempero Studio. Neste, o jogador foge com o avatar de Lula pelas ruas de São Paulo, desviando do boneco de Moro, de um agente com traços nipônicos e até de tucanos em voos rasantes. Consultada, a assessoria do Instituto Lula afirmou que não comentaria o assunto.

Newsgames
O jornalista Pedro Zambarda, criador e editor dos portais Drops de Jogos e Geração Gamer, aponta que empreitadas do tipo são cada vez mais comuns, dentro daquilo que o mercado classifica como "Newsgames".

"São jogos inspirados por fatos contemporâneos, que circulam na mídia e demonstram grande senso de oportunidade dos criadores. São feitos para consumo rápido, quando o tema está quente, e dificilmente darão grande retorno financeiro, mas ajudam muito a popularizar os estúdios", comenta Zambarda.

Ricardo Schimid confirma que o retorno pelo game "Gededel" tem sido mais a abertura de espaço no mercado do que em faturamento. Segundo ele, a inserção de publicidade no jogo rendeu para os criadores, até agora, US$ 6. Entretanto, já surgiram convites para desenvolver outros games.

Compartilhando da mesma visão, Alex Leal, da Lizards Games, levanta outra característica dos newsgames: "O problema é o timing. É preciso fazer rápido para o assunto não morrer, por isso muitos não tem uma qualidade técnica muito elevada. No entanto, muito jogo grande não consegue o mesmo espaço de divulgação que uma boa sátira política ou social consegue".

Professor universitário, Alex Leal enfatiza que fatos políticos e sociais sempre serviram de inspiração para a criação da arte e do entretenimento em suas mais diversas expressões e que os games seguem esse caminho.

"Todo jogo tem algo relacionado à política, no roteiro ou nos personagens. Esses impasses entre Estados Unidos e Coreia do Norte, ou entre Espanha e Catalunha, por exemplo, viram jogos facilmente", comenta Leal.

Angry STF
Games são inspirados em jogos que já existem, como Angry Birds

 

Lynn Alves, pesquisadora da área de games e professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e do Senai Cimatec, acredita que os newsgames ajudam na difusão das notícias, pois atuam de forma lúdica na recepção de informações.

"O jogo muitas vezes é um disparador. A pessoa joga sem ter conhecimento do fato político e depois vai em busca de mais dados. A imersão no jogo e a interatividade são capazes de despertar o interesse por qualquer assunto", afirma.

Ela lembra que, em 2010, após o lançamento do jogo para videogames "Dante's Inferno", aumentou bastante a procura pelo livro A Divina Comédia, poema épico escrito pelo italiano Dante Alighieri no século 14.

"O crescimento da indústria digital e a popularização dos suportes para desenvolvimento de games eletrônicos aumentam a velocidade com que os newsgames surgem, mas eles sempre existiram, nos mais variados formatos", comenta Lynn Alves.

O primeiro newsgame de que se tem registro, aponta a pesquisadora, é de 1890. Trata-se do jogo de tabuleiro "Round the World with Nellie Bly", inspirado pela aventura da jornalista americana Elizabeth Jane Cochran, que realizou, na vida real, a viagem do livro A Volta ao Mundo em 80 dias, de Julio Verne.

Sobre os jogos, a BBC Brasil também enviou perguntas para as assessorias da ex-presidente Dilma Rousseff, do senador Aécio Neves, do deputado Jair Bolsonaro e do prefeito paulistano João Dória. Não houve resposta. O advogado do ex-deputado Eduardo Cunha não atendeu nem retornou as ligações.

 


Luiz Carlos Azedo: A bandeira da ordem

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Os atentados de Nice, na França, e de Munique, na Alemanha, na sexta-feira, acenderam a luz amarela dos serviços de segurança do Brasil e das principais potências ocidentais em relação às Olimpíadas do Rio de Janeiro a duas semanas dos jogos. Por aqui, o fato relevante foi a prisão preventiva, pela Polícia Federal, de 11 suspeitos de envolvimento com Estado Islâmico, que supostamente estariam se organizando para realizar um ato terrorista e agora correm o risco de serem enquadrados na nova Lei Antiterror.

O episódio reacende o debate sobre a segurança dos jogos e os direitos e garantias individuais, porém, em contexto muito diferente das prisões dos black blocs durante as grandes manifestações de junho de 2013, que antecederam a Copa do Mundo de 2014. A paranoia em relação ao terrorismo no Brasil, diante dos atentados de inspiração islâmica na Europa e nos Estados Unidos, não é uma coisa sem sentido. A maioria dos ataques de “lobos solitários” ou grupos ligados virtualmente ao Estado Islâmico foi perpetrada por indivíduos que haviam sido monitorados pelos serviços secretos dos respectivos países.

As Olimpíadas são o maior evento de massas do mundo e, de fato, põem o Rio de Janeiro em situação de risco, devido à presença de grandes delegações de atletas dos países diretamente envolvidos nos conflitos do Oriente Médio, particularmente na guerra contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. É nesse contexto que o governo interino de Michel Temer, responsável pela segurança das Olimpíadas, empunha a bandeira da ordem, às vésperas da votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, de quem herdou o problema e pode fazer desse limão uma doce limonada.

Ordem e Progresso, o lema positivista da bandeira nacional, é o slogan oficial do governo Temer. Adotado no contexto da crise político que resultou no afastamento de Dilma Rousseff, parecia uma sacada artificial e démodé, em meio à crise econômica, política e ética. A onda terrorista protagonizada por indivíduos que se associam ao Estado Isâmico pelas redes sociais, porém, com a aproximação das Olimpíadas, fez da manutenção da ordem uma necessidade real. O que não se pode é derivar para a lógica do Estado Leviatã.

Terror e tráfico

Publicado em 1651, O Leviatã, de Thomas Hobbes, foi uma resposta à Guerra Civil inglesa, provocada pela destituição do rei Carlos I pelo parlamento, em meio ao conflito entre anglicanos e presbiterianos. O resultado foi o caos, uma guerra de todos contra todos, que Hobbes atribuiu à natureza humana. Segundo ele, sem uma ordem política estabelecida, a vida se torna “solidária, pobre, repugnante, brutal e breve”. Para construir uma sociedade é necessário que cada indivíduo renuncie a uma parte de seus desejos e chegue a um acordo mútuo de não aniquilação com os outros.

Nasceu daí a ideia hobbesiana do “contrato social”, de modo a transferir os direitos que o homem possui naturalmente sobre todas as coisas em favor de um soberano dono de direitos ilimitados. Este monarca absoluto, cuja soberania não reside no direito divino, mas nos direitos transferidos, seria o único capaz de fazer respeitar esse contrato e garantir, desta forma, a ordem e a paz, exercendo o monopólio da violência que, assim, desapareceria da relação entre indivíduos. Ironicamente, foi a ditadura de Cromwell, o “Lorde Protetor”, que primeiro deu forma ao Estado Leviatã e realizou a revolução burguesa na Inglaterra. Mais tarde, em 1689, na Revolução Gloriosa, que foi pacífica, o parlamento promulgou a Declaração dos Direitos (Bill of Rights), que serve de base para o parlamentarismo monárquico britânico.

A crise humanitária do Mediterrâneo e os atentados terroristas na Europa parece reproduzir o “estado natural” descrito do Hobbes no Leviatã. São consequência da guerra civil e do caos que se instalou com a desestruturação dos estados nacionais do Iraque e da Síria pelas desastradas intervenções das potências ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos durante o governo Bush, após o 11 de Setembro de 2003, que agravaram ainda mais os conflitos do Oriente Médio e do Afeganistão. O Brasil manteve-se sempre à margem desses conflitos, apesar das grandes comunidades brasileiras de origem árabe e judaica.

Entretanto, os indicadores de violência e a presença ostensiva do tráfico de drogas no país, principalmente no Rio de Janeiro, se assemelham a uma espécie de “guerra civil” não declarada. Não há, porém, registro de conexões entre traficantes e supostos apoiadores do Estado Islâmico, mas nem por isso deixa de ser prudente a transferência dos chefes das quadrilhas que atuam no Rio de Janeiro de Bangu para presídios federais de segurança máxima em outros estados e a prisão temporária de suspeitos de envolvimento com organizações terroristas. O que não se pode, porém, é derivar para uma concepção de segurança pública contrária aos fundamentos da democracia, ainda mais num ambiente político pautado pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. (Correio Braziliense – 24/07/2016)


Fonte: www.pps.org.br