Jogos Olímpicos

O Brasil que vale ouro

Olimpíadas evidenciaram um país de gente miscigenada, talentosa, simples, obstinada e resiliente, que dá duro para conquistar seu espaço

Ana Cristina Rosa / Folha de S. Paulo

Acompanhei os resultados do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 com empolgação. Não só porque o país fez a melhor campanha olímpica de todos os tempos, com a conquista de 21 medalhas, mas especialmente pelo fato de boa parte dessas condecorações carregar enorme simbolismo.

O Brasil que vale ouro é um país de gente miscigenada, talentosa, simples, obstinada e resiliente, que dá duro para conquistar seu espaço. É diverso, criativo, cativante e não se cansa de perseguir a realização de sonhos —sejam eles tingidos de dourado, de prata ou de bronze.

O Brasil que vale ouro respeita as regras do jogo, aceita derrotas e insiste em contradizer a falácia da meritocracia porque sabe que mérito e oportunidade precisam andar juntos.

Nesse quesito, a ginasta Rebeca Andrade é inspiração. A jovem que caminhava duas horas para ir ao treino quando a mãe não tinha dinheiro para passagem emocionou e fez história.

Ao conquistar a primeira medalha do país na ginástica artística feminina em olimpíadas, com a prata no individual geral, e o primeiro ouro da modalidade, no salto, tornou-se também exemplo de que meninas negras podem ser o que quiserem, subvertendo a lógica perversa do racismo sistêmico.

Como lembrou com propriedade, em lágrimas, a ex-ginasta Daiane dos Santos após o ouro de Rebeca, “durante muito tempo, disseram que as pessoas negras não poderiam fazer alguns esportes.” O absurdo não poderia ter sido desmascarado de maneira mais primorosa, unindo técnica e graça.

Para um país que não investe na formação esportiva, os resultados da delegação brasileira foram excelentes. E até quem não conquistou medalha está de parabéns. Afinal, nenhum atleta de alto rendimento deveria ter de treinar num terreno baldio.

Se foi possível obter resultados positivos a partir de casos individuais de superação, do que o Brasil seria capaz se o esporte fosse incentivado e tratado como ferramenta de inclusão social no país.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ana-cristina-rosa/2021/08/o-brasil-que-vale-ouro.shtml


Rebeca Andrade, a exceção em um país que desvaloriza o esporte

Ginasta que conquistou ouro e prata na Olimpíada de Tóquio e virou representante do Brasil no encerramento dos Jogos se consagrou graças a treinadores engajados e a um projeto público eficaz

Felipe Betim / El País

As lembranças de quem viu a ginasta Rebeca Andrade dar seus primeiros saltos são de uma menina “sempre alegre”, de “uma criança muito feliz” que não sofria as oscilações de humor que muitos atletas acabam passando. “O que vimos nos últimos dias é o jeito dela. Sempre foi natural, não é forçado”, explica Oscar Fagundes de Oliveira Júnior, de 56 anos, professor de ginástica artística de Rebeca em 2009. “Ela acabava de almoçar e ficava brincando aqui, nunca parava”, completa. Mas por traz dessa leveza que deu a Rebeca a medalha de ouro no salto e a prata no individual nos Jogos Olímpicos de Tóquio está uma história de muito esforço pessoal e superação, marcas de um país desigual e com poucas oportunidades, mas também de uma política pública que funcionou e guiou a ginasta até o pódio.

Nascida em Guarulhos, Rebeca é uma dos sete filhos de Rosa Santos, que trabalhava de empregada doméstica e os criou sozinha. Quando tinha seis anos, foi levada por uma tia ao ginásio municipal Bonifácio Cardoso, onde a Prefeitura de Guarulhos possui um programa voltado para a formação de novos ginastas. “Cida trabalhava aqui na cozinha e havia trazido Rebeca para brincar. Mas pediu que eu desse uma olhada nela porque achava que tinha jeito”, recorda Mônica Barroso dos Anjos, de 49 anos, técnica da equipe de ginástica de Guarulhos e árbitra internacional. Era o período de inscrição para teste de novos atletas. Mônica logo viu futuro na menina “magra e forte, com a musculatura já definida”. Pediu para ela correr, ir para a barra, dar estrelinha... Era “a futura Daiane dos Santos”.PUBLICIDADE  

Rebeca então passou a fazer parte do programa de Iniciação Esportiva da Prefeitura, que atende gratuitamente cerca de 5.000 jovens entre 6 e 17 anos em diversas modalidades. E Mônica tornou-se a primeira treinadora da “Daianinha de Guarulhos“, que teve de mudar o horário da escola para se adaptar à rotina de treinamento. Foi assim no primeiro ano e meio, até que a pequena, aos 8 anos, fosse encaminhada para a equipe de alto rendimento.

Os treinadores Oscar Fagundes de Oliveira Júnior (à dir.) e Monica Barroso dos Anjos, ambos professores de Rebeca Andrade, além do servidor público Marcos Camargo (à esq.), da área de esporte da Prefeitura de Guarulhos. Foto: TONI PIRES

A família se mobilizou para fazer o sonho da ginasta acontecer. Como morava em um bairro afastado do ginásio, Mônica conta que um dos irmãos de Rebeca andava com ela por cerca de duas horas até o local dos treinos e ficava esperando até o fim. Depois, comprou uma bicicleta para levá-la. Traços de um país em que a população mais pobre precisa fazer um esforço extraordinário para agarrar as poucas oportunidades disponíveis. “A mãe foi um fator chave na vida dela. Essa dificuldade de classe faz com que as pessoas superem esses desafios e isso foi muito importante na vida da Rebeca”, explica o técnico Oscar, conhecido apenas como Júnior.

Rebeca ainda contou com o apoio irrestrito de professores engajados, como o próprio Júnior, que a acompanhou em Cuba para um torneio pan-americano, e Mônica. Em determinado momento, quando já estava na equipe de alto rendimento, os professores começaram a se revezar para levar e trazer a menina de casa. Depois, passou a morar na casa da professora Ana Cecília durante a semana. “Pra facilitar a vida dela, ela dormia na Ana, tomava café, ia pra escola, almoçava aqui no ginásio, treinava à tarde e voltava pra casa da Ana para dormir”, recorda Mônica. “A gente sempre fez isso, com o apoio financeiro da Prefeitura. Eu mesma já tive ginastas morando na minha casa. Às vezes elas têm muito potencial e é necessário”, acrescenta a professora.

O Brasil possui algumas ilhas de excelência no esporte, como o vôlei, o futebol, o judô, a vela ou, mais recentemente, o boxe, o skate e a própria ginástica artística. Mas a rotina de muitos atletas brasileiros, diante das políticas públicas ainda tímidas, é de ter que superar a falta de apoio técnico e de patrocínio, público ou privado. Foi assim com o surfista e campeão olímpico Ítalo Ferreira quando ele pegava suas primeiras ondas numa tampa de isopor, em Baía Formosa (RN). Foi também assim com Darlan Romani, do arremesso de peso. Durante a pandemia, ele perdeu patrocínio, ficou sem técnico e sem área pra treinar, precisando apelar para um terreno baldio. Contraiu hérnia e covid-19 nesse período, mas ainda assim ficou em 4º lugar na Olimpíada de Tóquio.

O contraste com os Estados Unidos, um país continental como o Brasil e um dos maiores medalhistas de todos os tempos, fica evidente em algumas situações. Nestes Jogos Olímpicos, mesmo após a estrela Simone Biles ficar de fora de provas de ginástica artística, o país ainda assim conseguiu medalha de ouro no individual geral e no solo, a prata no salto e na geral por equipes, e bronze nas barras assimétricas e na trave. Não precisou se apoiar em sua principal ginasta para conquistar medalhas em todas as categorias da ginástica artística feminina. “O que falta é o Brasil ter um um olhar mais específico para o esporte do país. Quando vejo um quadro de 50 medalhas para os Estados Unidos e 10 para o Brasil, vejo política pública acontecendo lá”, argumenta o servidor público Marcos Camargo, de 51 anos, chefe da divisão técnica de esporte da Prefeitura de Guarulhos.

Apesar de todas essas questões, Rebeca e seus treinadores mostram que é possível alcançar o pódio com investimento ao longo de muitos anos. “O Brasil é muito rico em material humano”, afirma a treinadora Mônica, de Guarulhos. O imenso ginásio municipal Bonifácio Cardoso, aonde trabalha, é um dos mais bem equipados do país e celeiro de ginastas, professores e árbitros da ginástica artística. Ele é fruto de um projeto idealizado em 1979 pela professora Rose Cerqueira e foi ganhando músculo nos anos seguintes, em várias gestões de vários partidos políticos, culminando na construção do ginásio em 1992. Hoje são sete treinadores concursados, mas há também um intercâmbio constante de professores de outros lugares e países. Por exemplo, por 10 anos o técnico russo Wladimir Cheiko ajudou a formar o trabalho de excelência que é feito ali. Também passou por lá, entre 2006 e 2009, o professor Francisco Porath Neto, o Chico, técnico de Rebeca até hoje. Foi ele quem levou a ginasta para a Curitiba em 2010 e, um ano depois, ao Flamengo para alçar voos mais altos.

Ginásio de Ginástica Bonifácio Cardoso, da Prefeitura de Guarulhos, onde Rebeca Andrade começou ainda criança sua trajetória no esporte. Foto: TONI PIRES

“Com esse potencial, imagina se o país inteiro conseguisse fazer esse trabalho. Seríamos uma potência, brigaríamos com os Estados Unidos, a Rússia e a China tranquilamente”, afirma Mônica. Ela explica que Rebeca virou um ícone, mas que o trabalho feito ali deu oportunidade para muitas outras crianças que seguiram outras carreiras dentro da ginástica. A própria treinadora é um exemplo disso, já que entrou como aluna aos 12 anos. Outro exemplo é Marcos Goto, técnico do ginasta Arthur Zanetti, ouro em Londres 2012 e prata na Rio 2016 nas argolas. “Não é só esporte de alto rendimento, essas meninas e meninos vão ter outros caminhos, e isso foi fomentado aqui dentro”, explica a professora. “O esporte vira um meio para que tenham uma vida melhor no futuro. Isso é política pública.”

Além de oferecer e manter essa estrutura, a Prefeitura ainda paga cerca de 40.000 reais em taxas federativas e confederativas da ginástica artística. Dentro deste valor estão taxa de anuidade, filiação de atletas e técnicos novos, renovação de carteirinhas, arbitragem, premiação, renovação de técnicos e atletas antigos e inscrição individual e por equipe às competições. A gestão municipal ainda concede 90 bolsas de estudo em universidades para seus atletas. A ginástica artística é o carro-chefe do programa de Iniciação Esportiva, mas ainda há modalidades como futsal, vôlei, basquete, futebol, handebol e natação, entre outras.

Com o duplo pódio em Tóquio, o ginásio vem recebendo uma enxurrada de busca por vagas. “Agora tem esse fenômeno Rebeca, mas, olhando para trás, parece que foi tudo tão natural e que passou tão rápido”, afirma o técnico Júnior. Sentados no tablado por onde Rebeca passou, ele e Mônica recordam de alguns momentos de sua trajetória. “Aqui no ginásio acontecem muitos treinos ao mesmo tempo. Na hora de perfilar as meninas para começar o aquecimento, cadê a Rebeca? Estava lá na outra ponta olhando as meninas fazendo séries de solo com coreografia”, conta Mônica. “E ela lá dançando. Isso era quase todo dia. Essa menina ficava com os olhos brilhando e eu pensava ‘ela deve estar se imaginando num campeonato, numa Olimpíada’”. Rebeca agora deixa Tóquio duplamente consagrada, com o nome escrito na história do esporte e escolhida para representar o país na cerimônia de encerramento dos Jogos deste domingo. “É um sonho”, declarou, antes de sua temporária despedida dos holofotes.


Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/esportes/jogos-olimpicos/2021-08-08/rebeca-andrade-a-excecao-em-um-pais-que-desvaloriza-o-esporte-e-triunfou-por-meio-de-uma-politica-eficaz.html


Djamila Ribeiro: Lutar contra o racismo é um dever de todos, e o esporte é peça fundamental para isso

Tão importante quanto atletas negros terem acesso a debates raciais é a conscientização de brancos acerca deles

A pedido do Comitê Olímpico do Brasil, desenvolvi junto a Tiago Vinícius André dos Santos, professor de direito antidiscriminatório da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, o curso Esporte Antirracista: Todo Mundo Sai Ganhando, para atletas da delegação brasileira dos Jogos Olímpicos de Tóquio.

A iniciativa pioneira do país recebeu apoio do Unicef e será traduzido para outros idiomas e trabalhado em delegações de outros países.

Na produção do curso, que tomou meses de mim e do meu querido parceiro, também coordenador pedagógico da plataforma Feminismos Plurais, um espaço virtual de debate e ensino antirracista, tomamos contato com trajetórias negras invisibilizadas na história.

Então, iniciamos o curso com um pedido de bênção aos mais velhos na pessoa de Melânia Luz, do São Paulo, primeira mulher negra brasileira na delegação de uma Olimpíada, na edição de Londres de 1948.

Melânia foi pioneira em muitos sentidos. Também se destacou por seu envolvimento com as lutas negras ao longo de sua carreira e até a sua morte, aos 88 anos, em 2016. Era uma mulher devota a Nanã, orixá sábia e a mais velha.

Também foi a oportunidade de conhecer Irenice Rodrigues, do Fluminense, que era tão excepcional nos 800 metros que, mesmo que a modalidade fosse proibida às mulheres pela ditadura, competia internacionalmente.

Denunciou a discriminação de gênero, de raça e liderou movimentos grevistas. O Brasil tinha e tem onças pretas nas pistas, nas águas e nas quadras.

Nas Olimpíadas de 1968, no México, Nelson Prudêncio ganhou a prata no salto triplo e quebrou o recorde mundial. Prudêncio graduou-se em educação física pela Federal de São Carlos, obteve o título de mestrado na Universidade de São Paulo e de doutorado na Universidade Estadual de Campinas.

Os atletas negros e negras lutaram muito pelo direito de existir e empoderar sua comunidade, e a universidade foi e é um palco importante dessa disputa.

Entendo que é necessária a expansão das políticas de acesso a esses locais, pois inspirações não faltam. Outro exemplo é o de Aida dos Santos, quarto lugar na Olimpíada de Tóquio, em 1964, mesmo sem apoio financeiro.

Foi professora por muitos anos da Universidade Federal Fluminense, onde fundou um instituto em que crianças tinham aulas de esportes e também reforço escolar gratuito.

No passado recente, cada vez mais atletas têm se engajado na luta antirracista. Diogo Silva, do taekwondo, primeiro medalhista de ouro do Pan-Americano do Rio de Janeiro, que mantém um blog fundamental sobre o tema; Janeth Arcain, histórica jogadora de basquete; Daiane dos Santos, da ginástica que tanto nos orgulha; Damiris Dantas, jogadora de basquete que tem brilhado nas quadras; Formiga, jogadora de futebol com mais jogos pela seleção; Raissa Rocha, atleta paraolímpica de lançamento de dardo, entre tantos.

Trabalhar com saberes antirracistas e convites a uma prática transformadora em um espaço de tanta potência na sociedade deve, sem dúvidas, ser aproveitado.

Parabenizo o COB pela iniciativa e pela idealização de um projeto vanguardista. Fico muito feliz de poder ser parte disso, entendendo os variados impactos positivos na conscientização de atletas que ainda não tiveram a oportunidade de se dedicar de maneira mais aprofundada ao tema, bem como empoderar aquelas e aqueles que vêm lutando pela pluralidade no esporte.

A luta contra o racismo é constante, já que o sistema se atualiza como forma de resistir a mudanças. Contra essa estrutura, que independe de nossa vontade, temos pessoas engajadas na busca de igualdade racial. Foi o grupo social branco que criou o racismo, sistema que o privilegia. É fundamental que pessoas brancas se engajem e o combatam.

Tão importante quanto atletas negras e negros terem acesso a debates raciais críticos é a conscientização de atletas brancas e brancos acerca deles. Estes devem estudar e descolonizar seus olhares e práticas.

Também trabalhamos no curso ações antirracistas, práticas que o COB, as confederações e demais envolvidos no esporte podem adotar para combater a estrutura racial.

A inclusão de pessoas negras em cargos diretivos e técnicos, o apoio a atletas negras e negros para que se desenvolvam e permaneçam no esporte e trabalhos de conscientização como esse curso são algumas medidas possíveis. Lutar contra o racismo é um dever de todas as pessoas, e o esporte é um meio fundamental para isso.

*Djamila Ribeiro é mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.


Paulo Wanderley: A força do Time Brasil

Os Jogos Olímpicos, marcados para daqui a um ano, que nos aguardem

Onde você se imagina daqui a um ano? Se me fizessem essa pergunta há 12 meses, não teria dúvida alguma da resposta: em Tóquio, em um estádio lotado. Esperando a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, com orgulho da delegação brasileira, que entraria em cena para colocar em prática todo o enorme esforço dos últimos anos. Estaria lá, na esperança de ótimos resultados e com a certeza de que tudo valeria a pena. Estaria sentindo na pele a emoção dos valores olímpicos, de amizade e respeito, que são capazes de unir todos dentro e fora das competições.

O mundo, entretanto, parou. Os atletas tiveram de entender, assim como todos nós, que era preciso encarar o rival de toda uma geração. Era momento de cautela e responsabilidade diante da pandemia do novo coronavírus. Mas e os treinos? E a expectativa alimentada durante todo esse ciclo olímpico? Iríamos jogar tudo fora?

adiamento dos Jogos para 23 de julho de 2021 trouxe alívio para o COB. Desde antes de qualquer decisão formal do COI, o Brasil foi um dos primeiros países a se posicionar entendendo que não havia solução mais assertiva, sensata e prudente. Claro que a tristeza e os questionamentos trazidos acima vieram à tona, mas nunca a dúvida de que seria o melhor caminho.

Não, não vamos jogar tudo fora. Pelo contrário. Estamos nos preparando cada vez mais para o que vem pela frente, colocando em primeiro lugar a segurança, a saúde e a integridade física dos nossos atletas e demais envolvidos com a prática esportiva de alto rendimento no país.

E como estamos a um ano do recomeço? Todos os estudos operacionais para a nossa delegação estão sendo refeitos. Em várias frentes, tivemos de replanejar. Tomamos medidas administrativas necessárias. O pilar desta gestão, de austeridade financeira, nos gerou uma fundamental reserva para contingências, que nos permitiu manter o sistema funcionando sem sobressaltos. Nossos patrocinadores, fornecedores e parceiros, mais uma vez, estão sendo fundamentais nesse processo.

Para que nada saísse do eixo, era preciso agir rápido. Desenvolvemos o Programa Emergencial de Apoio ao Sistema Olímpico. Fizemos uma injeção direta de R$ 7 milhões para que as diversas modalidades pudessem enfrentar essa tempestade.

A Missão Europa, iniciada dia 17 de julho, integra o programa, e a consideramos um marco dessa nova realidade. Em parceria com as Confederações Brasileiras, iniciamos a retomada dos treinamentos de nossos atletas de alto rendimento, com toda a segurança possível. Esse retorno era necessário e traz confiança para todos.

O objetivo é levar mais de 200 atletas até o fim do ano para nossa base em Portugal. O investimento será coberto por parte dos R$ 15 milhões previstos no nosso orçamento deste ano, dentro do Programa de Preparação Olímpica, oriundos da Lei das Loterias, possibilitando ações fundamentais para o desenvolvimento do esporte brasileiro.

Estabelecemos um protocolo de volta às atividades pensado com muito cuidado. E, assim, mais uma fase de nossas medidas de apoio avançou.

A abertura do CT Time Brasil, no Rio de Janeiro, ocorreu no dia 20 e segue todo esse rigoroso protocolo, servindo de referência para qualquer instalação que receber nossos atletas. Novas permissões serão concedidas gradualmente, com cautela.

Os Jogos, na essência do Olimpismo —que gosto de tratar como uma filosofia de vida— devem ser uma mensagem de vitória e superação. Superação essa de que sentimos o gostinho recente nos Jogos Pan-Americanos de Lima, com nosso melhor resultado da história, na segunda colocação geral.

Acreditamos que o trabalho feito dentro e fora das competições irá gerar resultados além das tão sonhadas medalhas. É o momento de desenvolvimento ainda maior de valores que sempre guiaram nosso dia a dia olímpico, como resiliência, trabalho em equipe, planejamento e superação de obstáculos. Vamos passar por essa juntos, como sempre fizemos. E, se nosso Time Brasil já estava unido e pronto antes mesmo da pandemia, 2021 que nos aguarde!

*Presidente do Comitê Olímpico do Brasil


Alberto Aggio: Gambiarra no centro do mundo

Os Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro, ao contrário de alguns prognósticos, não arrastaram para nossas terras o flagelo do terrorismo. Talvez seja a confirmação da suposição de que o Brasil está mesmo fora da tenebrosa rota que o terrorismo vem traçando em várias partes do mundo ou que as medidas tomadas no plano da segurança, antes e durante a realização dos Jogos, revelaram-se eficazes. Ao que parece, nesse quesito fomos tão vitoriosos quanto os melhores atletas que por aqui desfilaram, e, ao final, respiramos aliviados. O fato é que as Olimpíadas nos colocaram no centro do mundo e, nessa posição, integrados a sistemas de segurança globalizados, conseguiu-se afastar a terrível ameaça que ronda o início do século XXI.

Em termos esportivos, o Brasil marcou sua posição: não somos potência olímpica, mas também não somos residuais. Como sempre, para além do talento individual, tivemos vitórias inesperadas de atletas emergentes, a confirmação do favoritismo em alguns esportes e o fracasso, até inesperado, em outros. No final, foram atestadas as nossas deficiências de financiamento e apoio técnico, sem os quais é impossível avançar para a elite do esporte mundial. A conquista da inédita medalha de ouro no futebol masculino é um êxito a ser comemorado, mas não há razões para ilusões. São resultados que denotam mais uma vez a anemia da nossa política esportiva.

Depois das confusões iniciais, correções na organização do megaevento parecem ter contentado o público presente. Mas os custos das inúmeras construções bem como o seu custeio posterior permanecerão como um passivo de não pouca monta. A renovação urbanística do centro do Rio de Janeiro reafirmou a opção por transformar o Rio numa cidade turística global. As mudanças em termos de mobilidade urbana e de segurança foram bem recebidas por turistas e cariocas, embora, no primeiro caso, haja dúvidas quanto à manutenção da sua eficiência e, no segundo, já se sabe, infelizmente, o que esperar depois da retirada das forças nacionais de segurança. Por tudo isso, tem razão Fernando Gabeira quando afirma que “a Olimpíada foi produto de um delírio do passado, realizado com os pés no chão da aspereza do presente”.

O espetáculo de abertura dos Jogos causou certo frisson na opinião pública e entre os intelectuais. Qual Brasil deveria ser apresentado ao mundo e aos próprios brasileiros? Diante de distintas e sempre inconclusas interpretações do Brasil, que elementos essenciais e significativos deveriam orientar a coreografia de imagens, canções, sons e danças daquela abertura? A competência dos criadores produziu um resultado visualmente vibrante e surpreendentemente consensual. Tudo foi muito bem projetado, ensaiado e executado. Um espetáculo de entretenimento, com muito boa técnica e, dizem, parcos recursos por conta da crise.

O toque destoante foi a qualificação dada por seus criadores à concepção que orientou o espetáculo. Sua síntese norteadora estava na palavra “gambiarra”: o Brasil seria então um “país-gambiarra”. Na encenação, foram valorizadas as transformações ocorridas na sociedade brasileira a partir de uma leitura acomodada da nossa trajetória moderna, mas que vem em boa hora. Contudo, mesmo que o espetáculo não tivesse sido projetado para exercitar a reflexão, essa louvação ao “jeitinho brasileiro” como prática e método reiterável, esse elogio ao paliativo, ao remendo, não é apenas um exagero, trata-se de um desserviço. Uma louvação extremamente perigosa, especialmente nessa hora em que o país necessita ser reinventado e não glorificado por meio de uma interpretação mítica sobre ele. Onde há glorificação não há pensamento crítico. Afinal não é isso que se quer para as nossas escolas?

As críticas pontuais feitas ao espetáculo de abertura evitaram enfrentar a nossa crise atual em toda sua profundidade. Não conseguiram abarcar as razões pelas quais a nossa modernidade está hoje empacada pela ineficiência do Estado diante das demandas da Nação, sem mencionar a hemorragia que a corrupção impõe aos recursos públicos. Em meio à encenação se poderia bradar, com satisfação: “Yes, nós (ainda) temos modernismo”. Mas não será um “tropicalismo revisitado” que terá o condão de nos dar a chave para o futuro, retomando os velhos temas da “questão nacional”, que hoje já não é o essencial para nós, uma sociedade imersa nos desafios de uma nova era histórica, marcada pela globalização, com seu cosmopolitismo, suas interdependências e sua irrefreável mudança tecnológica. Efetivamente, nenhuma gambiarra nos serve nessa hora; nenhuma gambiarra deve salvar um governo corrupto que arrasou a economia do país e impôs sacrifícios imensos a trabalhadores e insegurança total a empreendedores.

Uma parte da encenação é bastante significativa. Nela, um menino, isolado e reflexivo, singelamente se senta ao lado de uma muda de árvore, indicando que devemos, com urgência, salvar a natureza. Ele não traz consigo um livro ou um computador, ou os dois. Foi uma oportunidade estética perdida, num país que, nos últimos anos, viu crescer o analfabetismo em algumas das suas regiões. Para os brasileiros fora do Maracanã, aquele “pouquinho de Brasil” (“que canta e é feliz”), que estava lá dentro, não satisfaz. É preciso que definitivamente deixemos de ser conservadores: nossa política, se quiser ser democrática, deve superar o recado contido na estética da abertura dos Jogos.

Ao invés da consagração de “utopias retóricas” – perdoem-me a redundância –, seria mais produtivo um reencontro com a realidade. A história é mundial há séculos e a globalização cristalizou essa tendência, sem que haja possibilidade de retorno. Nosso tempo é este e nele estão as possibilidades do país e não em uma imagem edulcorada de si mesmo, projetando uma especialização passiva e fugaz diante do mundo. (Revista Será  – 09/09/2016)

Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp


Fonte: pps.org.br


Germano Martiniano: O ouro é uma coisa, os 7 a 1 é outra

O brasileiro, ou o ser humano em geral, tem uma séria mania de querer comparar fatos que, muitas vezes, são desconexos. Depois da final Olímpica de Futebol Masculino, na qual batemos a Alemanha nos pênaltis, vi algumas pessoas no Facebook dizerem: “enquanto estamos comemorando este ouro, nossa educação, saúde, segurança etc., continuam sem medalha alguma”. Que o nosso país possuí seríssimos problemas socioeconômicos é inegável. Mas, o ouro é uma coisa, os 7 a 1 que tomamos da Alemanha em 2014, e continuamos tomando em indicadores sociais é outra.

O ouro conquistado no Maracanã pelo nosso futebol é simbólico. O estádio é o nosso cartão postal do futebol, ainda que sua obra original tenha sido destruída para se realizar as “modernas e eficientes” arenas. Foi no Maracanã que perdemos a final da Copa do Mundo de 1950 com, quase, 200 mil torcedores no estádio. Este ouro também é a única medalha que o futebol não possuía e que existia uma grande pressão para tê-la. Um outro fator que aponta este simbolismo é o próprio esporte, o futebol no Brasil não é apenas uma modalidade esportiva, é expressão social, é algo que uni nosso povo em torno de um objetivo em comum. É acima de tudo a maior paixão da maioria dos brasileiros. Por isso a comoção tão grande.

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Outra comparação equivocada foi pessoas dizerem que esta vitória sobre a Alemanha serviria de revanche sobre a dolorida derrota no Mineirão em 2014 por 7 a 1. Esta derrota para Alemanha nunca terá uma revanche, todo brasileiro levará este fardo por suas vidas. Se a vitória olímpica foi simbólica como dito acima, não menos simbólico também foi a derrota em 2014, afinal a Alemanha veio ao Brasil mostrar que ganhava de goleada não apenas no campo, mas em estrutura de futebol. E se falarmos em fatores socioeconômicos os alemães aumentam esta goleada sobre nós. Portanto, para o Brasil apagar os 7 a 1, primeiramente teria que reformar toda sua estrutura futebolística, segundo recuperar o seu futebol de essência, terceiro ganhar dos alemães de 7 a 1 lá na Alemanha, e quarto apagar da memória esta derrota. As três primeiras opções já parecem complicadas, a quarta é impossível. Pois, na vida não esquecemos das coisas, aprendemos a conviver com perdas e dores e as substituímos por outras coisas que dão razão a nossa existência, mas apagar nada apaga. A revanche nunca acontecerá!

As Olimpíadas terminaram, o Brasil ficou aquém do esperado em termos de desempenho e medalhas. A lição que fica é: o esporte é maravilhoso e transformador. Como foi bonito ver o Serginho do vôlei, de história humilde, conquistar sua quarta medalha olímpica. Assim como o Serginho existem vários outros exemplos que mereciam ser contados. Por isso pergunto: “como não se comover? ”. Temos de celebrar nossas conquistas, comemorar e curtir os prazeres que elas nos trazem, mas saber que nossa responsabilidade social como cidadãos não se modifica. Ontem, domingo 21 de agosto, terminaram os jogos olímpicos, hoje, segunda-feira 22 de agosto, continua a vida normalmente. Os ouros que conquistamos estão para história, os 7 a 1 que levamos no futebol e levamos em nossa vida social diariamente continuam latentes, é necessário separar os fatos e ter coragem e disposição para modificar nossa realidade.


Por Germano de Souza Martiniano. Formado em Relações Internacionais pela UNESP Franca e assessor de comunicações da Fundação Astrojildo Pereira.


"A nossa bandeira jamais será vermelha"... Depois da #Rio2016? Já era! :-)

O grito de guerra mais identificado com as manifestações pró-impeachment e anti-PT, um dos mais ouvidos e talvez o mais emblemático nos últimos anos ("a nossa bandeira jamais será vermelha"), foi desmentido ao vivo para bilhões de pessoas no mundo inteiro, em pleno encerramento das Olimpíadas no Rio de Janeiro.yellowred

Bastou o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, trocar as bolas na tradução simultânea do seu próprio discurso, em que alternava o português e o inglês, para a gafe chegar ao topo das citações nas redes sociais.

Ao traduzir o trecho "Vocês coloriram de verde e amarelo, e renovaram em nossos corações o orgulho e a autoestima de ser brasileiro", Nuzman trocou o "verde e amarelo" por um inexplicável "yellow and red". Ai já era! Ninguém nem prestou mais atenção no resto do discurso festivo, patriótico e emocionado.

Enfim, o Brasil "bateu o recorde de medalhas" na Rio 2016. É verdade. Também é verdade que ficou bem abaixo da expectativa, na maioria das modalidades, por todo o investimento feito.

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Mas, afinal, o que esperavam? Acharam que bastaria investir alguns tantos milhões de reais, até por vias tortas, como o patrocínio aos "atletas-militares" das Forças Armadas batendo continência em troca de um soldo mensal, ou trazer duas dezenas de técnicos internacionais? E o investimento na base? E o planejamento a longo prazo? E a formação esportiva dos nossos jovens nas escolas?

Sobre a quantidade de medalhas, basta fazer um comparativo do Brasil com a Grã-Bretanha, vice-campeã no quadro de medalhas do Rio de Janeiro como principal legado dos Jogos de Londres, em 2012. Veja que nas Olimpíadas de Sydney (2000) e Atenas (2004), a Grã-Bretanha era apenas a 10ª colocada, com 28 e 30 medalhas, respectivamente.

Em Pequim (2008), já sabendo que sediaria os Jogos de 2012, a Grã-Bretanha saltou para a 4ª colocação, com 47 medalhas. Em casa, em 2012, ficou em 3º com 65 medalhas, e finalmente saiu do Rio em 2º com incríveis 67 medalhas, a melhor posição da História. Isso é legado olímpico, indiscutível.

E o Brasil? Em 2000 não ganhou nenhum ouro, ficou em 52º com 12 medalhas. Em 2004 o Brasil subiu para 16º, com 5 medalhas de ouro (até então o recorde do país), mas apenas 10 no total. Em 2008 o Brasil caiu para 23º, com 17 medalhas (3 ouros). Em 2012 subiu uma posição, ficou em 22º com 17 medalhas (3 ouros).

No Rio, quando a expectativa declarada pelos organizadores era ganhar entre 28 e 30 medalhas e ficar em 10º lugar, o Brasil acabou em 13º, com 19 medalhas (7 ouros). Ou seja: duas medalhas a mais que em Londres e Pequim, apenas.

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Subiu o número de medalhas de ouro graças ao sucesso do futebol e do vôlei, além de talentos individuais. Mas há alguma expectativa real de melhorar o desempenho do Brasil em Tóquio 2020? Não! Não há! Isso é legado olímpico?

O que falta para o Brasil, com planejamento do governo e respaldo da iniciativa privada, é um projeto olímpico a longo prazo: não simplesmente para ganhar posições no quadro de medalhas, mas por tudo o que o Esporte representa para um país que de fato se empenha na formação e no desenvolvimento dos seus jovens talentos.

Se vale a dica para os próximos três anos de gestão do presidente Michel Temer, aquele que assumirá os rumos do país cuja "bandeira jamais será vermelha", é esta: investimento na formação de jovens atletas e esportistas.

A cultura do esporte, da saúde e da qualidade de vida. Simples assim.

Veja mais sobre o legado da Rio 2016 no #ProgramaDiferente


O maniqueísmo esportivo dos brasileiros inventou a vaia olímpica

As arquibancadas do Rio revelam que nossos torcedores não sabem encarar derrotas num país que tem o esporte como vingança mundial

Saber perder não é exatamente um esporte brasileiro. Parte disso está creditado a todo ouro e toda taça que foram celebrados como as únicas maneiras possíveis de o Brasil sobressair. Éramos vira-latas internacionais até Didi carregar a bola sob o braço direito depois de a seleção de futebol sofrer o primeiro gol da Suécia, na final da Copa do Mundo de 1958.

Desde então, o país elegeu o esporte como a nossa forra mundial. Perder não estava mais no roteiro. Nossa insignificância política parecia menor se comparada ao nosso êxito no futebol. Ninguém segurava a seleção.

Essa prepotência começou a se traduzir na arquibancada. A gana pelo o que um antigo chefe definiu como “o segundo esporte mais popular” do Brasil (ganhar medalhas) gera frustrações. O culpado, quando o time local estiver em campo, é o adversário. E tome vaias, mesmo que seja para um atleta machucado, como o tenista alemão Dustin Brown. Derrota consumada, o comportamento se volta para o brasileiro caído. O futebol brasileiro (Renato Augusto, sobretudo) que o diga.

Ontem, na Arena Carioca 1, no Rio, atletas brasileiros e lituanos viveram essas duas faces em uma partida da primeira fase do basquete masculino. Quando o jogo estava no início, reações da torcida báltica eram ruidosamente abafadas por vaias brasileiras. Até que a seleção europeia abriu 30 pontos de vantagem antes de o segundo quarto acabar — então, as reações negativas voltaram-se para os brasileiros. O time estava perdido em quadra, mas precisou se encontrar para que a torcida ajudasse novamente. O ufanista dirá que a seleção de basquete quase chegou a uma virada histórica porque a torcida abraçou o time, mas, de fato, foi Nenê Hilário, campeão de rebotes, e Leandrinho, o cestinha do jogo, quem a recolocou de volta no jogo.

A única medalha conquistada por um brasileiro até o domingo, a prata no tiro, foi polemizada pelo ouro, o vietnamita Xuan Vinh Hoang. O público “de futebol” o desconcentrou. Há relatos de quem estava no local de que a “virada” do brasileiro, classificado em 18º na primeira eliminatória, foi obtida graças à loucura de quem esteve presente. De fato, é preciso considerar que tiro não é um esporte popular no Brasil. Assistir a uma competição como essa exige que códigos de comportamento sejam assimilados, e não é o caso de quem comprou um ingresso para algo estranho ao nosso histórico esportivo (mesmo que alguém aponte, do outro lado da tela, que nossa primeira medalha olímpica veio do esporte, em 1920).

Todo país tem a sua maneira de torcer, mas não lembro de algum que tome a vaia como algo seu. Como construímos esse jeito? Há palpites, mas nenhuma certeza. Rivalidades foram criadas em campos, quadras, pistas e tablados. Por anos, as cubanas eram nossas rivais no vôlei. Criamos traumas contra italianos, franceses e argentinos no futebol, muitas vezes carregados em tintas nas coberturas da imprensa local. No caso da Argentina, as competições no país vizinhos traziam relatos de que fomos maltratados. Sim, já fomos (nos Sul-Americanos de futebol, por exemplo), mas estão mais restritos às primeiras décadas do século passado que a torneios recentes. Sugira um brasileiro que tenha sido vaiado no Pan de Mar del Plata, em 1995. Não há.

No fundo, somos maniqueístas ao extremo, e sempre é preciso eleger vilões. A Argentina tornou-se este ser místico que não foi poupado de vaias nem mesmo na mais olímpica das apresentações, a Abertura dos Jogos. Ontem, na Arena Olímpica, uma torcedora solitária com uma bandeira alviceleste nas mãos viu seu grito por uma das atletas que competia nas quatro modalidades de ginástica artística ser abafado também por vaias — até que alguém, sabe-se de lá de onde, mas dotado de sensatez, começou a incentivá-la a gritar por seu país, mesmo com tantos “rivais” ao lado.

A vaia parece uma saudade inexplicável de algo distante. Seriam os festivais e as “torcidas” de músicas concorrentes com raciocínios ilógicos? De vilões e mocinhos do telecatch, a popular luta livre? Arrisco a segunda hipótese. Nos ringues das lutas de mentira, havia bons e maus bem definidos tal um roteiro de novela de Silvio de Abreu. Nas quadras do Rio e nos campos de futebol do Brasil, a torcida decidiu nestes Jogos que somos todos um bando de Teddy Boys Marinos lutando contra uma renca de Aquiles, Rasputins Barba Vermelha e Múmias. E a Olimpíada não é isso.


Fonte: El País


Os Jogos Olímpicos do Rio serão lembrados como os Jogos da exclusão?

As instituições democráticas poderiam ter protegido e amparado brasileiros na preparação para os Jogos. Mas isso não aconteceu

Em agosto, a cidade do Rio de Janeiro vai sediar pela primeira vez os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em meio a um dos momentos políticos mais turbulentos que o país já viveu. A crise política e social no Brasil tem mostrado que muitas de nossas instituições democráticas ainda carecem de consolidação. Estas são as mesmas instituições que poderiam ter protegido e amparado brasileiros na preparação para os Jogos, assegurando um legado positivo. Isso não aconteceu.

No início deste ano, conheci e entrevistei lideranças comunitárias e moradores da Vila Autódromo, bairro do Rio localizado ao lado do Parque Olímpico. Acompanhada da Justiça Global, reconhecida organização de direitos humanos, presenciamos um protesto de moradores, com apoio de pessoas e organizações que lutam em favor da comunidade. O protesto era contra o fato de que moradores cujas casas estavam dentro da construção do Parque Olímpico estarem sendo impedidos pelas autoridades locais de entrar e sair livremente de suas casas.

Mulheres líderes, corajosas e fortes, deram seus testemunhos sobre as violações dos direitos humanos a que estavam sendo constantemente submetidas, devido às obras para sediar os Jogos. Famílias foram despejadas e removidas sem consulta ou acesso à informação. Foram deixadas sem voz para denunciar os problemas de sua comunidade, que costumava ser uma área tranquila e segura, cercada de natureza. Para algumas dessas famílias foram prometidas novas casas, e as chaves deveriam ter sido entregues na semana passada. Durante anos de construção para receber os Jogos, havia relatos frequentes de cortes de água e luz bem como de violência perpetrada pelas forças de segurança. A moradora Heloisa Helena, conhecida como Luizinha de Nanã, disse que por mais de dois anos teve o acesso restrito a sua casa e centro religioso. A casa mais tarde foi demolida.

Como afirmamos em outra ocasião, esses mesmos moradores já haviam denunciado que a prefeitura do Rio teria negociado com empresas privadas a construção de prédios a classe média no bairro onde vivem, causando com isso a remoção de ao menos mil famílias pobres. Segundo os moradores, as obras planejadas excluíam os pobres do que a prefeitura e empresas privadas têm chamado de “progresso”.

Além disso, muitas famílias perderam suas casas para a especulação imobiliária ou para reformas e construções classificadas pelo governo local como necessárias ao desenvolvimento da cidade e recebimento dos Jogos. Os atingidos pelas "remoções desnecessárias e injustas" nunca foram adequadamente consultados, tampouco participaram de tomadas de decisão, como afirmam Raquel Rolnik, ex-Relatora da ONU por Moradia Digna,RioonWatch e Lena Azevedo e Luiz Baltar em seu estudo sobre as remoções no Rio. Sem dúvida, os atingidos não estarão no público assistindo os Jogos; as construções transformaram suas vidas para sempre, não apenas no período das Olimpíadas. Acrescente-se a este legado sombrio, os trabalhadores que morreram durante as obras de construção para as Olimpíadas e para a Copa do Mundo.

Aqueles que têm resistido bravamente em protestos nas ruas em oposição aos abusos relacionados aos Jogos têm muitas vezes sofrido com violência policial e das forças de segurança. Infelizmente isso provavelmente ocorrerá novamente com grupos e também membros do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadasque estão organizando mais uma vez importantes debates e protestos, dias antes dos Jogos começarem, para mostrar o quanto tais jogos excluíram pessoas e direitos. Neste contexto cabe lembrar que a lei de antiterrorismo, recentemente aprovada, já tem sido usada infelizmente para deter manifestantes e continuará a colocar em riscos direitos humanos muito tempo depois de terem terminado as Olimpíadas.

A promessa de proteger o meio ambiente durante a preparação para os Jogos também não foi cumprida. Muitas árvores foram derrubadas, piorando a já comprometida qualidade do ar, afetando diretamente as comunidades do entorno. Exemplos tristes e perturbadores do descaso com o meio ambiente sãoa Baía de Guanabara contaminada e rios poluídos, os quais o governo havia prometido limpar. E chama a atenção a construção controversa de um campo de golfe em área de proteção ambiental, o que revela planejamento e políticas equivocadas, para dizer o mínimo.

Os Jogos receberam altos investimentos públicos mas que prioritariamente favorecem interesses privados. Para muitos brasileiros, isto maculou o que poderia ter sido um momento de orgulho para o país. É lamentável que uma vez mais a oportunidade de deixar um legado duradouro e positivo tenha sido totalmente perdida. Recentemente até o prefeito do Rio assumiu ser esta uma oportunidade perdida, embora pouco tenha feito para impedir que isso acontecesse. Ainda está por saber se haverá algum legado positivo decorrente dos dois grandes eventos esportivos que o Brasil sediou a Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos 2016. No momento, identificamos algumas instalações esportivas novinhas em folha e algumas melhorias de transporte, resta saber porém se esses novos estádios e outras construções terão de utilidade pública após os eventos.

Tanto o governo como as empresas deveriam ter feito muito mais e tragédias não teriam ocorrido. Más condições de trabalho e mortes teriam sido evitadas se os direitos humanos e os princípios e as boas leis trabalhistas que o país tem tivessem sido respeitados. O mesmo pode ser dito sobre as remoções e outras violações já mencionadas. Infelizmente, porém, parece que os Jogos Olímpicos Rio 2016 serão lembrados como os "Jogos da exclusão".


Por: JÚLIA MELLO NEIVA, pesquisadora sênior e representante para o Brasil, Portugal e países Africanos de língua portuguesa no Centro de Informação sobre Empresas e Direitos Humanos.

Fonte: brasil.elpais.com


Luiz Ruffato*: Estamos preparados para enfrentar as ameaças à segurança promovidas pelo terrorismo internacional?

A pouco menos de 15 dias para o início dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro uma pergunta permanece sem resposta convincente: estamos preparados para enfrentar as ameaças à segurança promovidas pelo terrorismo internacional? Os recentes atentados contra alvos civis reivindicados pelo autointitulado Estado Islâmico, sejam cometidos por militantes armados, carros-bomba, homens-bomba ou “lobos solitários”, mostram a ousadia e a crueldade desses que, embora falem em nome de Deus, agem sob a égide da intolerância e do obscurantismo.

O aparato mobilizado pelo Governo para proteger os 10,5 mil atletas de 206 países e os cerca de 300 mil turistas aguardados consta de 85 mil profissionais, sendo 47 mil pertencentes às polícias federal, civil e militar, e 38 mil às Forças Armadas. Foram gastos até agora, neste que é o maior esquema de segurança da história do Brasil, um total de 1,5 bilhão de reais. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) elevou para o nível 4 o risco de atentado durante os Jogos, numa escala de 1 a 5, sendo 5 a certeza de que um ato terrorista está em curso.

Logo após os atentados em Paris, em novembro do ano passado, Maxime Hauchard, um francês que adotou o nome de Abou Abdallah al-Faransi, membro do alto escalão do Estado Islâmico, postou um texto no Twitter dizendo: “Brasil, vocês são nosso próximo alvo”. Em maio, foi lançado o Nashir Português, uma plataforma de comunicação e propaganda em português na internet, visando o proselitismo da causa jihadista para recrutamento de simpatizantes brasileiros. Seu principal aliciador nas redes sociais usa o nome de Ismail Abdul Jabbar Al-Brazili, conhecido como “O Brasileiro”.

Nesta semana, um grupo extremista brasileiro autodenominado Ansar al-Khilafah Brazil declarou lealdade ao Estado Islâmico e criou um canal no Telegram, serviço de mensagens semelhante ao WhatsApp. Segundo Rita Katz, do SITE (Search for International Terrorist Entities) Intelligence Group, organização que monitora atividades terroristas na internet, esta é a primeira vez que uma entidade sul-americana anuncia aliança com o Estado Islâmico e submissão ao líder do grupo fundamentalista, Abu Bakr al-Baghdadi.

Agentes da Divisão Antiterrorismo da Polícia Federal já monitoram 42 suspeitos de ligação com o terrorismo islâmico em território nacional. Um deles, o libanês Ibrahim Chaiboun Darwiche, dono de um restaurante em Chapecó (SC), indiciado por três crimes – incitação à violência, preconceito religioso e desrespeito à lei de segurança nacional –, é monitorado 24 horas por dia, com uso de tornozeleira eletrônica. Darwiche produziu um vídeo defendendo os ataques do Estado Islâmico ao jornal francês Charlie Hebdo, e, entre janeiro e abril de 2013, ficou 87 dias numa região da Síria controlada pelo Estado Islâmico, segundo a Polícia Federal.

Agentes da Divisão Antiterrorismo da PF já monitoram 42 suspeitos de ligação com o terrorismo islâmico em território nacional

Na semana passada, o Governo brasileiro extraditou o franco-argelino Adlène Hicheur, que há dois anos dava aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hicheur foi detido em 2009 e permaneceu preso na França por quase três anos por suspeita de envolvimento com a rede terrorista Al Qaeda. Físico respeitado na comunidade científica internacional, ele trabalhou nos laboratórios do CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), sediada em Genebra, na Suíça. Na época, o serviço secreto francês decifrou mensagens criptografadas em seu computador, nas quais Hicheur conversava amistosamente com Mustapha Debchi, membro da Al Qaeda no Magreb Islâmico, sobre uma possível associação em empreendimentos terroristas.

Em maio, o chefe da Direção de Inteligência Militar da França, general Christophe Gomart, anunciara, em depoimento na comissão parlamentar de luta contra o terrorismo, que o Estado Islâmico havia planejado ataques contra a delegação francesa durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ele revelou ainda que um brasileiro estaria por trás da ação, sem indicar, no entanto, quem seria ele. Já a nossa Polícia Federal afirma que negou a entrada no Brasil de pelo menos quatro suspeitos de envolvimento com terrorismo que tentavam se credenciar para as Olimpíadas.

Marginalizados, filhos da humilhação e da ignorância, os jihadistas, que representam uma corrente minoritária dentro do islamismo, cultuam valores tribais e primitivos – machismo, xenofobia, homofobia – e têm como bandeira o ódio e a violência. Sua principal forma de propaganda é o espetáculo da intimidação da população civil. Desconhecendo regras, os militantes fundamentalistas julgam que toda forma de luta contra os valores ocidentais (judaico-cristãos, mas também muçulmanos) é válida e para isso transformam qualquer coisa em arma – sejam aviões comerciais, como os que derrubaram as Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, matando quase três mil pessoas, seja um caminhão como o que tirou a vida de 84 pessoas na França ou até mesmo um machado como o usado em um ataque dentro de um trem na Alemanha, na segunda-feira.

Entre os dias 5 de agosto, quando ocorrerá a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, até o dia 21, data de encerramento, respiraremos com ansiedade, torcendo para que as ameaças de atentados não passem de bravatas e que o Brasil se mantenha longe da insânia terrorista dita religiosa.


Luiz Ruffato é escritor e jornalista.

Fonte: El País