JBS

Julianna Sofia: Temer completa dois anos no Planalto enfraquecido e impopular

Presidente subsiste no cargo desde 17 de maio de 2017, quando foi solapado pela delação da JBS

A festança motivacional da Caixa Econômica Federal para 6.000 gerentes no Mané Garrincha, na próxima semana, é quase uma metáfora da gestão de Michel Temer —o presidente, sem voto, que completa dois anos no cargo neste 12 de maio.

O estádio de R$ 1,6 bilhão simboliza o legado superfaturado e corrompido da Copa, um elefante branco hoje subutilizado pelo governo local. Envolta em operações da Polícia Federal por desvios, a Caixa enfrenta um processo de enxugamento operacional (corte de agências e de pessoal) e de busca por eficiência, ao passo que é alvo sistemático dos ataques com fins eleitoreiros da ala política do governo do emedebista. Seu presidente é indicação do PP.

Enfraquecido e impopular, Temer subsiste no cargo desde 17 de maio de 2017, quando foi solapado pela delação da JBS e passou a drenar energia diária esquivando-se de denúncias de corrupção.

Com nomes incensados em sua equipe econômica original, obteve avanços na economia, ao tirar o país da pior recessão do período recente e derrubar a inflação e a taxa básica de juros a mínimas históricas. Conquistas ainda relativas diante do desemprego elevado, do crédito caríssimo para o tomador final, do inexistente investimento público e do quadro fiscal assustador —com teto de gastos e regra de ouro a ruir.

Retrocedeu na agenda ambiental, social e de costumes. É sintomático que nos dois anos de sua administração a Funai tenha hospedado três presidentes (um deles, militar), que regra flexibilizando trabalho escravo tenha sido vista —depois revista— e que mulheres no comando de ministérios sejam fato inusual.

Sob o emedebista, Executivo e Legislativo fizeram avançar uma pauta de interesse do empresariado e de setores de viés conservador. Investida recente tenta enfraquecer o controle de agrotóxicos, que serão nomeados “produtos fitossanitários”.

Um hábito singular de Temer no Palácio do Planalto é recuar (em qualquer tema). Na metáfora da festança, a Caixa ainda pode voltar atrás.

* Julianna Sofia é secretária de Redação da sucursal em Brasília. Atuou na cobertura de temas econômicos.


Míriam Leitão: Longe da verdade

Explicações improváveis são o padrão entre os acusados de corrupção no país. Há um traço comum entre os acusados de corrupção no Brasil. Eles dão explicações inverossímeis para os seus atos. No caso do senador Aécio Neves, ele diz que a família estava pondo a venda o apartamento da mãe, que ele estima valer R$ 40 milhões, e por isso ofereceu o imóvel ao empresário Joesley Batista, pedindo um empréstimo de R$ 2 milhões, tendo em vista essa transação futura.

Na economia não funciona assim. Quando alguém quer vender um imóvel de alto valor procura empresas especializadas. A avaliação é feita por critérios técnicos dos corretores e consultores. Aí se coloca o imóvel à venda. Não faz sentido vender um apartamento desse valor de forma improvisada, falando com um amigo que sequer viu o imóvel.

Mesmo entre amigos, haveria, antes de o vendedor pedir qualquer adiantamento, um documento assinado de compromisso de compra e venda, com cláusulas que garantissem ambas as partes. Aécio diz que caiu numa armadilha montada por um criminoso confesso e que queria pegá-lo para usar como moeda de troca na negociação na delação premiada. Foi ele a procurar o criminoso confesso, a entrar na armadilha ao tentar fazer um negócio fora de qualquer padrão.

A afirmação de que nada deu em troca é comum a todos os acusados. O problema é que o empresário, no caso Joesley Batista, tinha muitos interesses nas relações com o setor público, nas leis que eventualmente tramitavam no Congresso. O pressuposto em empresários que fazem contribuições generosas aos políticos é que eles retribuam quando seus interesses estiverem em jogo.

O senador Aécio disse que cometeu um erro e não um crime. Seu adversário político, José Dirceu, a um passo de uma prisão prolongada, também disse que não cometeu crimes. Apenas erros. Em entrevista à Mônica Bergamo, Dirceu afirmou que comprou um imóvel, financiou-o e pagou a entrada. O “erro” foi aceitar que o lobista Milton Pascowitch fizesse a reforma do imóvel. Segundo ele, era também um “empréstimo não declarado", coisa que agora Dirceu se dá conta de que é indevida. “Ele reformou o imóvel e eu não paguei".

É curioso que no país do dinheiro mais caro do mundo, homens públicos, influentes e poderosos tenham aceitado empréstimos informais de lobistas e empresários, sem se dar conta, ainda hoje, o que houve de criminoso nos seus atos.

O artigo 317 do Código Penal diz que corrupção passiva é solicitar ou receber vantagens, ou aceitar oferta de vantagens. Aécio as solicitou, José Dirceu as recebeu. Mas ambos dizem que cometeram erros.

O ex-presidente Fernando Henrique disse em entrevista à Maria Cristina Fernandes, do “Valor”, que “no caso de Aécio, a citação diz respeito ao que se deu na esfera privada”. Aécio não é apenas “citado", agora ele é réu. Não existe “esfera privada” num negócio entre um senador e um empresário cheio de interesses na esfera pública. Sobre Eduardo Azeredo, o ex-presidente diz que ele “está sendo processado". Também é mais que isso. Ele já foi condenado em duas instâncias e está agora se completando o julgamento dos recursos. Fernando Henrique disse que não conhece o processo contra Azeredo. “Qual é a acusação? É dinheiro de campanha que teria sido dado". Deveria conhecer melhor, porque foi no caso Azeredo que o PSDB pegou o caminho errado, de passar a mão sobre os seus e acusar os outros. Azeredo foi acusado do mesmo crime que condenou tantos petistas no mensalão.

José Dirceu é um ser político e a entrevista mostra sua visão estratégica. Não deve ser tomada pelo valor de face, apenas como peça da construção do discurso político. Sua tese é de que o PT estava implantando o “estado de bem-estar social no Brasil” e que as prisões, inclusive a do ex-presidente Lula, são fruto da reação a esse “legado”, como ocorreu com o ex-presidente Getúlio Vargas. Joga essa resposta para a militância. Não tem qualquer base real. O estado do bemestar social vem sendo montado no Brasil há muito tempo, a contribuição do PT foi o Bolsa Família, um bom programa, que foi mantido. O PT pouco fez para melhorar outras bases do estado de bem-estar social, como o SUS, por exemplo.

Os acusados de corrupção no Brasil ou dão respostas que contrariam os fatos ou explicações inverossímeis.


Luiz Carlos Azedo: O conjunto da obra

Para sair do abismo que cavou com as próprias mãos, Lula quer ser absolvido pelos eleitores. Acredita que o veredicto das urnas se sobreporia às sentenças judiciais

O ex-presidente Luiz Inácio da Silva foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, por causa de um sonho de consumo familiar: o tríplex de Guarujá. Pode ser que ainda sofra nova condenação por desejo da mesma ordem, no caso do sítio de Atibaia, que ainda está em curso na 13ª Vara Federal de Curitiba, cujo titular é o juiz federal Sérgio Moro. Suas ambições pequeno-burguesas acabaram desaguando em processos de natureza criminal. Para evitar a prisão, que considera injusta, Lula resolveu politizar seu julgamento e manter a qualquer custo uma candidatura natimorta à Presidência. A rigor, não poderá concorrer por causa da Lei da Ficha Limpa.

Lula não se imagina na mesma situação do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que pôs uma meteórica carreira política a perder em razão de sonhos de consumo e hoje está preso em Curitiba, para onde foi transferido com mãos algemadas e pés acorrentados. A rigor, porém, os meios utilizados para viabilizar os respectivos projetos de poder foram iguais, com vasos comunicantes no cartel das empreiteiras que desviaram recursos da Petrobras, da construção de estádios de futebol e de obras de infraestrutura para financiar projetos de poder e de enriquecimento pessoal. Zero diferença em relação a adversários que também se beneficiaram do desvio de recursos públicos para chegar e se manter no poder.

Lula sofreu uma derrota judicial acachapante em Porto Alegre, mas manteve a estratégia de confronto com o Judiciário, que desperta dois tipos de solidariedade da elite política. A mais sincera é dos que estão sendo processados pela Operação Lava-Jato e temem, como Lula, o chamado efeito Orloff do exemplo de Cabral: “eu sou você amanhã”. A mais falsa é a dos demais pré-candidatos a presidente da República que defendem o direito de Lula ser candidato, “mesmo que esteja preso”, por que estão de olho nos votos dos eleitores órfãos do petista. É bem típico da política. O principal objetivo de Lula é criar tal comoção no eleitorado que o livre da prisão.

Legado

Para sair do abismo que cavou com as próprias mãos, Lula quer ser absolvido pelos eleitores. Acredita que o veredicto das urnas se sobreporia às sentenças judiciais. Mesmo que Lula seja impedido de disputar as eleições com base na lei da Ficha Limpa, haveria o julgamento do seu legado político no processo eleitoral. Um “dedazo” na convenção petista indicaria seu substituto na sucessão presidencial, que faria apologia de suas realizações no governo de 2002 a 2010. A ex-presidente Dilma Rousseff, coitada, será jogada às feras da oposição. E responsabilizada pelo fracasso da chamada “nova matriz econômica”, como se Lula não tivesse nada a ver com isso.

Dilma ficaria com o ônus do desemprego, da inflação e da recessão na qual o país mergulhou, o legado de Lula seria a geração de emprego e renda numa economia que chegou a crescer 7% em 2010, ano em que deixou o poder, e a gratidão dos 52 milhões de pessoas beneficiadas pelo programa Bolsa Família. Vem daí a sua força eleitoral resiliente. Essa estratégia é vulnerável por causa da crise ética. A gênese da Lava-Jato foi o “mensalão”. No governo de Lula e sob seu comando político, montou-se o maior esquema de corrupção de que se tem conhecimento no Ocidente. O sistema de poder que se alicerçava no capitalismo de Estado e nos mecanismos de financiamento político desnudados pela Operação Lava-Jato também faz parte do chamado “conjunto da obra”.

Pode tirar o burrinho da sombra o político enrolado na Operação Lava-Jato. A condenação de Lula é a demonstração de que ninguém está acima da lei, pelo menos se estiver sem mandato. Houve uma mudança de postura do Ministério Público Federal sob comando de Raquel Dodge, a nova procuradora-geral, com o fim do vazamento das investigações, que continuam. Houve um “alto lá” nas delações premiadas, com o caso da JBS, mas outras delações de vulto estão para acontecer. A Polícia Federal emite sinais trocados sob nova direção, como aconteceu na transferência de Sérgio Cabral, na qual o agente japonês deu lugar a policiais ninjas das operações especiais. Mas os escândalos continuarão sendo investigados, inclusive no exterior, por onde Lula passou. O sinal veio ontem mesmo, com a apreensão do passaporte vermelho do ex-presidente da República, que estava com viagem marcada para a Etiópia, país que não tem tratado de extradição com o Brasil, por causa do caso da compra dos aviões de caças suecos pela Aeronáutica.


Míriam Leitão: Erros de análise  

A semana passada terminou com sinais ainda mais contraditórios do que o normal nesta conjuntura brasileira. A bolsa só não bateu seu recorde histórico por causa do Irma, mas tem subido com os nossos furacões. As análises equivocadas no mercado financeiro são de que o autogrampo de Joesley enfraquece a PGR e que isso fortalece o presidente Temer, o que pode levar à aprovação de reformas.

A economia só vai se fortalecer de forma sustentada quando o país tiver um quadro político estável decorrente do sucesso no combate à corrupção. E um governante tão dependente, para permanecer no poder, dos lobbies e grupos de interesse não fará reformas consistentes. Ainda andamos sobre os escombros produzidos por essa luta intensa na qual o Ministério Público e o Judiciário estão no papel central, além da Polícia Federal.

Era para ser uma semana política enforcada, com o feriado da independência na quinta-feira, mas foi mais uma de revelações sobre o tamanho do fosso em que nos encontramos. Um apartamento com R$ 51 milhões com as digitais do ex-ministro de Lula e Temer, Geddel Vieira Lima, o notório Geddel; a divulgação de conversa sórdida do empresário Joesley Batista; o depoimento de Antonio Palocci contra os ex-presidentes Lula e Dilma foram alguns dos espantos da semana. Como começou-se a revisão do acordo do JBS, após a divulgação dessa conversa entre Joesley e seu executivo Ricardo Saud, algumas análises sustentaram que Temer, acusado com base nas delações dos dois, estaria mais forte.

Não há o que fortaleça o presidente Temer e seu grupo político, nem mesmo um suposto enfraquecimento da Procuradoria-Geral da República. A PGR errou, como disse aqui neste espaço desde o início do acordo com o JBS, ao aceitar a imposição dos delatores pela imunidade penal. Quando Joesley disse na gravação o “nóis não vai ser preso”, era a explicitação do que já se sabia, mas veio no meio de outras revelações que abriram para o Ministério Público a possibilidade de fazer a cirurgia necessária: rever os benefícios e manter as provas que ele entregou. Isso não atinge o instituto da delação porque, por mais injusto que tenha sido o acordo costurado por Rodrigo Janot com Joesley e Wesley Batista, ele seria mantido. Quem rompeu as cláusulas foi Joesley.

Saíram certos bons indicadores e de novo o equívoco visitou as análises com a tese de que está ocorrendo um descolamento entre política e economia. Ainda há um longo caminho antes que se possa comemorar a recuperação do PIB perdido nos últimos dois anos e meio. Há melhoras pontuais e isso é um respiro saudável, mas o Brasil perdeu 10% do PIB per capita na pior queda que já tivemos. Nos últimos dias, o IBGE divulgou que o segundo trimestre teve alta de 0,2%, a produção industrial começou o segundo semestre com crescimento de 0,8%, a inflação caiu ainda mais do que se esperava, com a deflação de alimentos, e os juros foram cortados para 8,25%. Os sinais são de que a inflação ficará muito baixa em setembro, apesar das altas sequenciais da gasolina, e os juros vão a 7,5% e podem, no fim do ciclo, chegar à casa dos seis. Fez bem o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, ao ignorar as sugestões feitas por diversos economistas de que divulgasse logo que assumiu uma alteração da meta para mais. Hoje, o problema é o risco de a inflação ficar abaixo do piso. Os sinais bons, contudo, não garantem a recuperação do PIB perdido, nem a redução do déficit fiscal do governo.

O depoimento de Palocci atinge diretamente a viabilidade da candidatura de Lula para 2018 e talvez leve o partido a pensar no plano B a ser construído em torno de Fernando Haddad. Mas a troca de nomes significará um ajuste nas ideias do PT? Pelo visto, não. Os outros partidos vivem também seus dilemas. A incerteza em relação ao ano que vem permanece e com isso um horizonte de aprovação das reformas fica mais imprevisível.

Tudo isso faz com que a recuperação econômica esteja ocorrendo em terreno minado. As comemorações do mercado financeiro e as apostas de que as reformas tornam-se mais viáveis são derivadas de erros de análise.

 


Merval Pereira: O fim próximo 

O pedido de prisão preventiva de Joesley Batista, de seu assessor Ricardo Saud e do ex-procurador Marcello Miller é o desfecho natural de uma aventura de empresários que se aproveitaram do sistema capitalista selvagem e corrupto que estava instalado no país, à medida que os governos petistas, secundados pelo PMDB, institucionalizaram a propina como instrumento de decisões governamentais.

Embora seja reconhecido que o PT não inventou a corrupção na política brasileira, ele se aproveitou dela para montar um projeto de governo que fosse eterno enquanto durasse, e que durasse o máximo que fosse possível alcançar. O Estado brasileiro estava entregue a grupos corporativos e a empresas, como a J&F e a Odebrecht, que estivessem dispostas a jogar o jogo da maneira estabelecida pelos novos donos do poder.

A prisão em flagrante teve sua interpretação ampliada em diversos casos durante a Operação Lava-Jato, ora em final de temporada, já previsto, aliás, pelo próprio procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e pelo juiz Sergio Moro. Foi assim que o ex-ministro Geddel Vieira Lima foi parar na Papuda novamente, depois de descoberto seu bunker milionário. A simples existência desse dinheiro escondido é uma demonstração de que ele continuava delinquindo.

No caso dos irmãos Batista, rescindidos os benefícios do acordo de colaboração premiada pela quebra de confiança promovida por Joesley, que confessou em uma autogravação que não contaria toda a verdade para o Ministério Público, o processo contra o grupo volta à vida nos autos. A prisão preventiva torna-se possível pelo risco que oferecem na destruição de provas e na atividade de conspiração contra as instituições, revelada no tal autogrampo.

O tempo do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin é naturalmente diferente do do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que corre para reparar o erro cometido ao dar imunidade total a delatores que, se vê agora, não mereciam tanta confiança.

Antes de ressaltar eventuais trapalhadas da PGR, a denúncia de Janot mostra que ele foi apanhado de surpresa pelos indícios de que fora enganado em sua boa-fé, e sua atitude deve ter o apoio da sociedade, que reclamava da complacência abusiva com que os delatores foram tratados.

Janot repetia que faria tudo novamente, diante das provas de crimes em curso que a gravação da conversa de Joesley Batista com o presidente Michel Temer proporcionou ao Ministério Público, mas, frente às evidências de que fora ludibriado, não teve dúvidas em recuar e pedir a rescisão do contrato de colaboração firmado com os executivos da JBS.

O Supremo Tribunal Federal (STF) está agora com a bola do jogo, e terá três decisões importantes a tomar. A suspeição do procurador-geral da República para processar o presidente, pedida pela defesa de Temer, está na pauta da próxima quarta-feira, e quase certamente não será aceita pelo plenário.

Mais adiante, terá que decidir se suspende a segunda denúncia contra o presidente Temer até que seja definida a questão das provas contra ele. O ministro Fachin já pediu pauta para esta decisão, que pretende dividir com seus companheiros. Se decidir a favor da defesa do presidente, não quer dizer que o procurador Janot não possa oferecer a denúncia, significa apenas que ela não deverá ser encaminhada à Câmara.

Por último, o Supremo deverá decidir pela validade ou não da gravação feita no Jaburu como prova contra o presidente.

Se existe uma dúvida com relação a isso, pois o pedido de prisão do ex-procurador Marcello Miller significa que a PGR está convencida de que ele ajudou a JBS a fazer a delação premiada, parece haver maioria a favor da manutenção das demais provas, inclusive do depoimento de Joesley que repete e esclarece trechos do diálogo mantido com o presidente Temer.

Como se vê, o Supremo Tribunal Federal (STF) está mais uma vez protagonizando o cenário político. Sem falar no fato de que os pedidos de processos contra as cúpulas partidárias do PT, PMDB e PP englobam os principais políticos do país, além dos demais processos contra senadores e deputados de distintos partidos.

A Lava-Jato parece deslocar-se de Curitiba para Brasília, inclusive nos desdobramentos das denúncias contra o ex-presidente Lula. Será nos tribunais superiores que sua sorte será jogada.

 


Merval Pereira: Realismo mágico 

As próximas cenas do drama político brasileiro em curso terão o Supremo Tribunal Federal como protagonista, seja na definição de punições rigorosas aos irmãos Batista e seus delatores, um bando de caipiras metidos a espertos que tentaram desfazer do sistema jurídico brasileiro, seja na decisão sobre o prosseguimento de processos contra o presidente Michel Temer baseados nas delações da JBS.

A defesa do presidente já entrou com um pedido, mesmo antes que a segunda denúncia se materialize, para que ela não seja aceita enquanto não houver uma definição sobre a validade como prova do primeiro áudio. Tudo indica que há uma tendência majoritária no STF a favor da manutenção das provas, o que não quer dizer que uma eventual segunda denúncia venha a ser aceita pelo Congresso.

Já era muito difícil que isso acontecesse mesmo sem esse novo áudio que reproduz “uma conversa de bêbados”, na definição do próprio Joesley. A Operação Lava-Jato, por sinal, está servindo, entre outras coisas, para revelar as entranhas de nossas elites dirigentes em linguagem crua e vulgar.

Já tínhamos ouvido diálogos inacreditáveis envolvendo Lula e seus petistas prediletos, com o mesmo tipo de machismo presente na “conversa de bêbados”. Ouvimos também trocas de palavrões e impropérios em conversas entre políticos, entre políticos e empresários, com uma falta de educação apartidária comum a todos.

E vimos, estarrecidos, como os personagens desse dramalhão que mais parece saído das páginas de realismo mágico de Gabriel García Márquez podem chorar de um falso arrependimento, podem se rebaixar diante de um juiz,podem mentir para se safar, podem omitir informações para proteger seus protetores e a si mesmos. Nada mais devastador do que as malas e caixas com dinheiro vivo encontradas no apartamento de Geddel Vieira Lima, o mesmo que dias antes chorara feito criança para sair da cadeia.

Nada mais patético do que ouvir aquela “conversa de bêbados” e saber que ela se dá entre o proprietário e executivos de uma das maiores empresas brasileiras, fundada em valores como os revelados, guiada por espertezas como as bravateadas entre o ruído de gelo nos copos.

O sucesso desse tipo de empresário é fruto direto do capitalismo selvagem à custa da proteção estatal que vigora há muitos anos no país, aprofundada, e por isso mesmo desmoralizada, nos governos petistas.

O depoimento do extodo-poderoso Antonio Palocci, desnudando conversas de bastidores entre Lula e empresários como Emílio Odebrecht (que também já dera mostra de uma insensibilidade notável em depoimento anterior), em que a sorte do país estava sendo jogada, é exemplar do momento decisivo em que o delinquente escolhe entre contar tudo ou mofar na cadeia.

Um militante político como José Dirceu, ou João Vaccari num plano hierárquico inferior, jamais abrirá o jogo. Vaccari, provavelmente por equívocos ideológicos próprios; Dirceu, na doce ilusão de manter para a posteridade uma lenda em torno de sua atuação, a única esperança que lhe resta de não passar para a História como um relés ladrão, de sonhos e de pecúnia.

Palocci, um ex-trotkista tomado pela ganância que o tirou duas vezes de governos e encerrou a possibilidade de vir a ser presidente da República, foi bastante sincero em seu depoimento. Estava ali para se aproveitar dos benefícios que a lei outorga aos colaboradores.

Uma passagem digna de registro é quando ele se desculpa com Moro por não chamar propina de propina. Ele diz que está acostumado a esconder na linguagem essas ações transgressoras e resolve chamar as coisas pelos nomes. “Lula recebia propina da Odebrecht”, falou a certa altura, escandindo as palavras como se as vomitasse.

Se, como tudo indica, o império petista ruir, estará a salvo com sua delação premiada. Se porventura Lula voltar ao poder, o que a cada dia está mais difícil, bastará que Palocci confirme o que os petistas mais renitentes estão alegando. Que sofreu tortura psicológica na prisão e inventou tudo para se livrar das garras de Moro.

Como sua história coincide com dezenas de outras e é corroborada por fatos e provas abundantes, é mais provável que um político arguto como Palocci já tenha notado que a brincadeira chegou ao fim.

 


Fernando Gabeira: Os medalhistas brasileiros  

A competência dos bandidos do Brasil é ouro em qualquer olimpíada da corrupção

Aqui onde estou, no interior do Amapá, as coisas me parecem confusas. Creio que parecem confusas em toda parte. Mas é sempre difícil de alcançá-las quando as conexões são pobres.

Rodrigo Janot deverá apresentar uma segunda denúncia contra Michel Temer. Teremos de ouvir tudo de novo, cada um com seu voto. Espero que seja menos dramático e que o mercado não leve tão a sério um enredo previsível. Afinal, a economia segue adiante.

Não conheço a delação de Lúcio Funaro. Sei apenas que é o réu mais violento no nível verbal: ameaça literalmente comer o fígado de adversários. Funaro já enrolou a Justiça uma vez. Deve ser uma pessoa cheia de truques, como parecem ser os irmãos Batista.

Janot afirmou que, enquanto houver bambu, vai lançar suas flechas. É uma afirmação quantitativa. Sabemos que a última flecha tem de ser mais certeira e eficaz. Isso se levarmos a sério a analogia com os índios. Não tenho conhecimentos antropológicos para afirmar, apenas suponho que os índios não gostem de errar a última flecha, porque depois dela ou o bicho pega ou o adversário ataca.

A delação da JBS é um dos pontos mais vulneráveis da Lava Jato, embora nada tenha que ver com o trabalho em Curitiba. Foi na esteira do acordo com Joesley que os adversários da operação bateram pesado.

Mesmo quem se coloca abertamente a favor do desmonte do grande esquema de corrupção no Brasil custa a entender não só a liberdade de Joesley Batista, mas também o fato de os procuradores não terem mandado periciar o gravador antes de desfechar o processo.

No front da Lava Jato no Rio de Janeiro avançou, finalmente, o tema denunciado pelo Le Monde há alguns meses: a escolha do Rio para a sede da Olimpíada foi comprada. E reaparece um personagem chamado Rei Arthur. Tive de falar dele em 2010. Suas empresas faturavam bilhões durante o governo Sérgio Cabral. Ele mandava nas escolhas do governo para contratar serviços. Daí o apelido Rei Arthur.

O que aconteceu com os Batista pode ser uma lição. Rei Arthur andou pelo Rio e escapou para Miami, onde vive. Ele certamente vai usar ao máximo sua presença nos EUA para dificultar a prisão. Quando preso, Rei Arthur já deverá saber com antecedência o que falar e o que esconder - a velha tática de oferecer os anéis para salvar os dedos.

A quadrilha montada por Sérgio Cabral, com inúmeras ramificações, tinha alcance internacional, comprou uma Olimpíada. Seu combate se deu com a ajuda decisiva de investigadores franceses.

Os donos da JBS mostraram, também, alto nível de audácia, na medida em que tinham a chave do BNDES, projetavam um crescimento internacional, enquanto no País compravam quase 2 mil políticos. Era inverossímil esta história de que decidiram colaborar porque tiveram uma espécie de epifania e descobriram que trilhavam o caminho do crime.

É importante que a Lava Jato não aceite os anéis para salvar os dedos, não por uma vocação repressiva. Os adversários são fortes. A história da repressão aos tráfico de drogas na Colômbia está cheia de cooptação dos investigadores pelo crime. Os próprios repressores transformavam-se em chefes de segurança dos esquemas do tráfico. Não eram simplesmente subornados, mas contratados pelo seu conhecimento técnico.

No campo político, no Brasil, não houve nenhuma reforma. O máximo possível é acabar com coligações proporcionais e criar a cláusula de barreira. Os passos dados não neutralizam a tendência em não votar em quem tenha mandato. E isso não é garantia nem de uma modesta renovação. Muitas pessoas novas entraram no Congresso e, ao cabo de algum tempo, estavam falando a velha linguagem. É o que acontece quando as regras do jogo não mudam.

Aqui, no interior do Amapá, observei algo comum em outros pontos do Brasil. Em quem confiar?, perguntam uns aos outros ao verem a sucessão de escândalos. A ideia de que a lei vale para todos foi fortalecida com a prisão de alguns poderosos. Não pode haver brechas nela, caso contrário, o desânimo será ainda maior.

Janot precisa avaliar o impacto da delação premiada de Joesley Batista. Afinal, valeu a pena? Quantas informações importantes ele deu? Até que ponto as investigações seriam incapazes de chegar a elas sem prêmio a Joesley?

Possivelmente, a última flecha de Janot ele vai arrancar de seu próprio corpo. Nada de excepcional numa longa batalha.

Pode ser que avance para compreender que errou ao não periciar as gravações, mas encontrar nelas o caminho da reparação.

O quadro geral é mais inquietante quando a desconfiança transborda o universo da política e se expande pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

As mais recentes pesquisas já apontam nessa direção. Certamente, foram influenciadas pela atuação de Gilmar Mendes, mas não se esgotam nele.

A iniciativa de Cármen Lúcia de pedir uma rápida e esclarecedora investigação sobre referência ao STF nas gravações de Joesley vai numa boa direção. No entanto, ela deve saber que a crise na dimensão da Justiça é corrosiva.

Quanto a Geddel Vieira Lima, ele foi solto e voltou para Salvador. As pessoas estão, agora, estupefatas com a descoberta de milhões de reais num apartamento que ele usava. O Estado não tinha dinheiro para a tornozeleira eletrônica de Geddel. Geddel tinha dinheiro para comprar todas as tornozeleiras eletrônicas do Brasil. Por isso é que vale a pena considerar que estamos diante de quadrilhas extremamente capazes e ousadas, não só prontas para assaltar, mas também dispostas a dar uma volta na repressão.

Tantos inocentes, tantos arrependidos, tantos falsos colaboradores - a competência dos bandidos brasileiros é medalha de ouro em qualquer Olimpíada em que tenha a corrupção como modalidade.

Não será fácil vencê-los, embora a Lava Jato tenha alcançado um nível superior e seja o melhor instrumento que encontramos para isso em toda a nossa história.

* Fernando Gabeira é jornalista

 


Murillo de Aragão: O inacreditável mora aqui  

O realismo fantástico se incorporou à rotina do país. Gabriel García Márquez e o seu Cem anos de solidão são fichinha perto do que acontece por aqui. Macondo, a cidade fictícia do romance onde aconteciam coisas estranhas, não é nada perto do que acontece em Brasília e na política nacional.

O Brasil deveria ganhar o Nobel de Literatura por transformar ficção em realidade. Nada supera nossa capacidade de transformar fantasia em pesadelo. Alguns fatos que vieram à tona nos últimos dias comprovam nossa condição inusitada: as novas gravações do empresário Joesley Batista, da JBS, e o achado de milhões em um apartamento de Salvador.

Começo pelo segundo fato. Encontraram mais de 51 milhões de reais acondicionados em malas e caixas em um apartamento da capital baiana. O imóvel seria de um amigo de Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro da Secretaria de Governo de Michel Temer e hoje sob prisão domiciliar. Em tempo, o amigo já disse na Polícia Federal que o apartamento estava emprestado para Geddel.

Quem guardaria tanto dinheiro em um apartamento vazio? Como se consegue recolher milhões em dinheiro vivo e transitar pelo país? O que justificaria alguém ganhar 51 milhões e esconder em um apartamento? Que logística foi empregada para tirar o dinheiro dos bancos e fazê-lo chegar ao apartamento?

Ora, quando achávamos que a corridinha com a mala dos 500 mil reais era um escândalo, superamos tudo e a todos com a maior apreensão de dinheiro vivo da história do Brasil!!! As malas – supostamente – de Geddel humilham as malas do Mensalão.

Poucas horas antes, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, veio a público expor outro fato inacreditável. A entrega equivocada à Procuradoria, pela defesa da JBS, da gravação de um diálogo impensável entre Joesley Batista e seu executivo Ricardo Saud sobre o conturbado e polêmico acordo de leniência assinado com os donos da empresa. O que já foi revelado é espantosamente sério. E tragicamente hilário quando se ver o volume de besteiras e grosseiras ditas pela dupla.

Caso se aplique a teoria do domínio do fato ao episódio, na versão do ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa, Janot estaria em sérios apuros por conta da participação de seu ex-braço-direito, Marcelo Miller, no episódio. No mínimo, é tudo muito estranho.

Como um acordo de leniência de tamanha relevância é conduzido de forma tão descuidada e desastrada? Por que, nos diálogos gravados, Joesley diz que a Odebrecht moeu o Legislativo e que ele entregaria à PGR o Judiciário e o Executivo, para, na sequência, defender-se candidamente dizendo que não era bem isso que ele queria dizer?

A trama exposta nos diálogos desmoraliza o acordo de leniência, enfraquece Janot, atinge a reputação do Judiciário e revela que houve um brutal açodamento, um grave descuido e muita imperícia na condução da questão. Tudo ao mesmo tempo aqui e agora.

Também é inacreditável a entrega do material sem a conferência de seu conteúdo. Como as gravações foram entregues? Considerando o grau de maldade dos atores envolvidos, teria sido de propósito? O episódio também comprova que não existe segredo de justiça e que as provas vão sendo sucessivamente vazadas sem que se descubra quem anda vazando.

Ao tempo dos dois episódios mencionados, descobriu-se também que o Brasil teria subornado membros do Comitê Olímpico Internacional em esquema que envolve o ex-governador Sérgio Cabral para que o Rio de Janeiro fosse a sede das Olimpíadas. Cabral... que já é acusado de receber mais de 260 milhões de reais em propinas do pessoal dos transportes públicos do Rio!!!

As revelações de que dois próceres do PMDB – Cabral e Geddel – podem ter amealhado milhões em esquemas de corrupção causa nojo e indignação naqueles que lutaram pela redemocratização do país sob as cores do velho MDB. E que foram perseguidos e prejudicados na luta pela democracia. Que fim triste.

Na mesma leva de acontecimentos dos últimos dias, também sobrou para o PT, supostamente o partido da moral e dos bons costumes políticos: os ex-presidentes da República Lula e Dilma Rousseff foram denunciados no Superior Tribunal Federal, com fartura de provas, sob a acusação de liderarem uma organização criminosa. Para piorar, Antonio Palloci afirmou ao juiz Sergio Moro que Lula participou dos esquemas de corrupção da Petrobras!

A corrupção no Brasil é democrática: vai da direita à esquerda sem maiores constrangimentos e atinge políticos de grande, médio e pequeno porte.

Tempos atrás, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso disse que o sistema político brasileiro era indutor da criminalidade. Estava certo. Mas não é apenas isso. O poder do Estado e sua opacidade permitem que muitos daqueles que dirigem os negócios públicos possam se apoderar da máquina pública para fazer negócios de interesse pessoal, subverter as corridas eleitorais e perpetuar esquemas de poder e de corrupção. Tudo sob as barbas de uma elite omissa, interesseira, ideologicamente doente e incompetente.

Em tempo: a palavra Macondo, nome da cidade fictícia de Gabriel García Márquez, vem do dialeto africano Kituba e quer dizer “bananas”. Se somos mais do que Macondo, seremos mesmo uma República das Bananas e com uma elite de bananas? Cartas para a redação.

* Murillo de Aragão é cientista político


Folha de S. Paulo: Supremo sofre agressão inédita, diz ministra Cármen Lúcia

A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Cármen Lúcia, informou na noite desta terça-feira (5) que pediu à Polícia Federal e à PGR (Procuradoria-Geral da República) uma investigação imediata para apurar as declarações feitas pelos executivos da JBS Joesley Batista e Ricardo Saud em conversa gravada acidentalmente.

"Agride-se, de maneira inédita na história do país, a dignidade institucional deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes", diz Cármen Lúcia.
A ministra diz que os investigadores devem informar datas de início e fim para o trabalho.

Ela informou que exige "investigação imediata, com definição de datas para início e conclusão dos trabalhos a serem apresentados, com absoluta clareza, a este Supremo Tribunal Federal e à sociedade brasileira, a fim de que não fique qualquer sombra de dúvida sobre a dignidade deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes."

Para a ministra, "impõe-se, pois, com transparência absoluta, urgência, prioridade e presteza à apuração clara, profunda e definitiva das alegações, em respeito ao direito dos cidadãos brasileiros a um Judiciário honrado", afirmou.

Nos grampos entregues pela J&F na semana passada, aparece um áudio em que Joesley Batista e Ricardo Saud, executivo da empresa, falam sobre um diálogo com o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que teria sido gravado.

Na conversa entre os dois delatores, Saud cita ainda pelo menos três ministros do STF: Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

O nome "Marco Aurélio" aparece na conversa, mas não é uma referência ao ministro do STF Marco Aurélio Mello e sim, a Marco Aurélio de Carvalho, advogado e sócio do ex-ministro da Justiça em um escritório.

JBS
Em nota, a JBS pediu desculpas pelas declarações dos delatores e disse que as afirmações não eram verdadeiras.

"A todos que tomaram conhecimento da nossa conversa, por meio de áudio por nós entregue à PGR, em cumprimento ao nosso acordo de colaboração, esclarecemos que as referências feitas por nós ao Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República e aos Excelentíssimos Senhores e Senhoras Ministros do Supremo Tribunal Federal não guardam nenhuma conexão com a verdade. Não temos conhecimento de nenhum ato ilícito cometido por nenhuma dessas autoridades", diz o texto.

"O que nós falamos não é verdade, pedimos as mais sinceras desculpas por este ato desrespeitoso e vergonhoso e reiteramos o nosso mais profundo respeito aos Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal, ao Procurador-Geral da República e a todos os membros do Ministério Público."

 


Míriam Leitão: Conversa sórdida revelou quem é o empresário que se sente acima da lei

Nojo. É o que se sente ao ouvir o empresário Joesley Batista discorrer na intimidade e em conversa regada a bebida sobre o Brasil, o MP e o STF, e até sobre a própria advogada. É uma conversa sórdida. Mas, para além da repulsa, há ainda o fato de que ele se sente inatingível. Joesley é o delator a quem foi dada a imunidade penal. Ele se sente inimputável e por isso garante que não será preso e salvará a empresa.

O que vazou é uma conversa desqualificada sobre ministros e ministras do Supremo, comentários machistas até sobre a própria advogada que os defende. O que existe de mais sólido envolve o procurador Marcelo Miller. O resto é o lixo de um homem sem limites e sem parâmetros que fala com deboche até sobre pessoas de sua intimidade.

É o momento mais delicado da Lava-Jato porque a tentativa dos adversários do combate à corrupção será a de aproveitar a situação, desmoralizar o processo de investigação e de delação premiada. A situação toda é tão irregular que os áudios já estavam circulando, e o ministro Edson Fachin ainda não os havia recebido. O protocolo do STF abriu às 11h30m, depois os áudios foram oficialmente encaminhados ao STF.

Mas, na verdade, essa é a grande chance de a PGR se livrar do peso de ter concedido o inaceitável aos irmãos Joesley e Wesley e aos executivos da JBS. A certeza da impunidade que Joesley e Ricardo Saud demonstram não convive bem com os pilares da democracia. A concessão de tão grande benefício foi o momento mais fraco do procurador-geral. Ele poderia ter aproveitado o medo que os empresários e executivos tinham da chegada dos “capa preta”, como Joesley diz, e obter todas as informações que teve oferecendo em troca uma punição branda porém aceitável.

Ficou claro durante todo o processo da Lava-Jato que a delação premiada tem a vantagem de trazer as informações que revelaram o que o Brasil sabe hoje sobre o poder político e as empresas. Agora ficou claro também que ela tem mecanismos contra os erros eventualmente cometidos. As cláusulas do acordo cobriam a possibilidade que acabou se confirmando, de que Joesley tinha escondido parte das informações. Mas qual parte? A parte que se volta contra o próprio Janot. Ele trabalhou três anos ao lado de pessoa que acabou virando um agente duplo. Marcelo Miller colaborava com os delatores estando ainda no Ministério Público e ninguém percebeu.

O mercado financeiro, que tem uma forma muito torta de pensar, comemorou pela manhã. A bolsa subiu e o dólar caiu porque os investidores concluíram que tudo isso mantém o presidente Michel Temer no cargo e, portanto, o cronograma das reformas. Na verdade, ninguém se fortalece com situação tão confusa, esse emaranhado institucional. À noite, o Ibovespa devolveu os ganhos e fechou estável. Ontem foi um dia particularmente horroroso. Malas de dinheiro encontradas na Bahia, operação internacional para apurar se houve corrupção na escolha do Rio como sede das Olimpíadas, os áudios dessa conversa repulsiva e denúncia contra o PT, incluindo, pela primeira vez, a ex-presidente Dilma. O Brasil nas edições online era o retrato de um país devastado.

O procurador-geral tem o poder de decidir o destino dessa delação. Ele abriu o procedimento para reavaliar o acordo de colaboração. Pode anular, rescindir ou apenas rever os termos do acordo retirando benefícios concedidos. Depois que tomar a decisão, ela será levada ao ministro relator.

O ministro decidiu ontem que não caberia atender ao pedido do procurador-geral de manter em sigilo as fitas que levaram ao procedimento de reabertura do acordo. Pode ter tomado a decisão apenas pela constatação de que não adiantava decretar o sigilo de algo que já estava na rua. Mas Fachin foi além e argumentou em favor da publicidade do processo, informando que ele deve ter precedência até sobre o direito da intimidade. Portanto, o episódio confirma a tendência de adotar o sigilo apenas em raros casos, porque deve prevalecer o interesse público.

O curioso desse lance inesperado é que ele revela que Joesley passara a grampear tanto que chegou até a se gravar inadvertidamente. E mais, entregou o material à PGR sem sequer ouvir as fitas. Seu afã era de arrebanhar provas e indícios contra seus interlocutores para ser aquele que dá o último tiro e um dia poder dizer à mulher: “querida, sabe aqueles nossos amigos...”

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

 


Merval Pereira: Um país no precipício

Não há nos áudios divulgados da conversa entre Joesley Batista e seus advogados nenhuma acusação contra ministros do Supremo Tribunal Federal, somente tentativas de aproximação próprias do que chamam pejorativamente de lobistas, algumas delas de tão baixo nível que revelam a verdadeira face desse empresário, que não passa de um bandido sem escrúpulos, disposto a qualquer coisa para obter vantagens para si e seu grupo.

Esse cidadão deveria estar preso e ter os benefícios obtidos com a delação anulados necessariamente, quanto mais não for para preservar o instituto da colaboração premiada que esse indivíduo manipulou em favorecimento próprio. É estranho que o Procurador-Geral Rodrigo Janot tenha colocado no mesmo patamar as acusações feitas a ministros do STF e à Procuradoria, pois somente contra seu ex-colaborador, Marcelo Miller, há fatos seriíssimos que indicam que ele ajudou os irmãos Batista a montarem suas delações quando ainda estava trabalhando como assessor de Janot.

Ao contrário de absolver o presidente Michel Temer, essa constatação só piora a situação do presidente, pois, além do diálogo que manteve com Joesley naquela fatídica noite no porão do Palácio Jaburu continuar existindo na vida real, embora possa vir a ser apagado dos autos do processo, é inevitável constatar que a intimidade com figura tão baixa, a ponto de ouvir relatos de crimes de obstrução de Justiça e estimulá-los, só o iguala moralmente a seu interlocutor.

Por obra do destino, no mesmo dia em que se tomou conhecimento da reviravolta no caso da delação da JBS, a Polícia Federal descobriu malas e caixas cheias de dinheiro, mais de R$ 40 milhões, que pertenceriam ao ex-ministro Geddel Vieira Lima, que não por acaso era o elo entre Joesley e Temer. Outro assessor, Rodrigo Rocha Loures, assumiu seu lugar por indicação verbal do próprio presidente, o que indica que aquela mala cheia de dinheiro que ele pateticamente carregava com corridinhas pelas ruas de São Paulo seria o começo de uma série de outras, como as encontradas no apartamento de Salvador.

Comenta-se que também o ex-governador Sérgio Cabral tinha um apartamento apenas para guardar dinheiro vivo, e o que parecia uma lenda urbana pode acabar se revelando mais um hábito desse bando de ladrões que tomaram conta do país nos últimos anos.

O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, transformou em denúncia o quadrilhão, acusando o ex-presidente Lula de ser o chefe de uma quadrilha que reunia a ex-presidente Dilma, o ex-ministro Antonio Palocci e todos os demais comparsas na devastação do país, resultante na pior crise econômica e social por que já passamos em nossa história.

Essa acusação chega com anos de atraso, pois já no surgimento do mensalão em 2005, e posteriormente no seu julgamento em 2011, estava evidente que o chefe da quadrilha não era o ex-ministro José Dirceu, que, coadjuvante importante do golpe, assumiu a culpa por missão de ofício de sua parte, e por impossibilidade política naquele momento de nomear o verdadeiro responsável pela miséria político-partidária em que se transformou o presidencialismo de cooptação.

O ex-presidente Lula se vangloriava de que ninguém sabia levantar a estima do brasileiro como ele, e entre seus feitos estava trazer para o país, irresponsavelmente, a realização da Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas. Pois agora se sabe que também essas glórias efêmeras foram conseguidas através de corrupção de delegados internacionais e de obras superfaturadas, tanto as viárias quanto os estádios, que se transformaram em elefantes brancos, inúteis no caos em que se encontra a infraestrutura do país.

A corrupção para atingir objetivos populistas irresponsáveis saiu do conluio da União com os governos do Estado e do Município do Rio de Janeiro, ambos do esquema político do PMDB, cujas entranhas vêm sendo reveladas. As imagens das malas de dinheiro entregues a políticos desprezados pelos que os compravam – Joesley diz em um desses novos áudios que o senador Aécio Neves, a quem também deu malas de dinheiro a pretexto de um alegado empréstimo pessoal, é um bandidão – são chocantes para o cidadão comum e nos colocam como país no mais baixo nível na escala internacional de nações dominadas por governantes populistas.

 


Novos áudios da JBS são parte de 'guerra psicológica', diz Gilmar

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, disse nesta terça-feira (5), em Paris, que as possíveis "referências indevidas" a membros da Corte nos novos áudios gravado pelo empresário Joesley Batista e pelo lobista Ricardo Saud, citadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fazem parte de uma "guerra psicológica".

"Temos que esperar. Isso tem que ser revelado. Essa guerra psicológica não adianta nada. O importante é que se esclareça e que se tire isso tudo a limpo", afirmou o magistrado, na saída de um encontro com autoridades francesas em Paris, onde está em visita oficial.

Em relação à possibilidade de as investigações da Lava Jato sofrerem algum tipo de revés por causa dos novos áudios, o ministro disse que é preciso "aguardar" o conteúdo da gravação e lembrou que a Polícia Federal já tinha feito "observações muito críticas em relação à pressa com que a Procuradoria conduziu todo o episódio".

"Eu tenho a impressão que todos sabiam que era uma delação extremamente problemática desde o começo, Agora, está se vendo o preço que se cobra por isso", disse Mendes.

O magistrado disse não se surpreender com a citação do nome do ex-procurador Marcelo Miller, que foi braço-direito de Janot na Procuradoria-Geral da República, no novo áudio.
Em entrevista ao blog do jornalista Josias de Souza, do UOL, Mendes já tinha citado Miller como um dos procuradores que "no primeiro embate com uma massa de dinheiro () ficaram no chão",

"Não me surpreende, porque desde o começo surgiu [o nome de Miller] e não foi devidamente levado em conta, investigado", afirmou Mendes. "A Procuradoria não quis dar sequência, mas de fato esse é um dado que deve ser levado em conta."

Para o magistrado, se houve algum tipo de irregularidade no acordo de delação assinado pelos executivos da JBS, "outras também se cometeram" e a culpa disso seria "a pressa e a falta de cuidado da Procuradoria nesse tipo de matéria".