Ives Gandra

Ives Gandra Martins: Temas relevantes do governo Bolsonaro

Ele objetiva desfazer, se necessário cortando à espada, o nó górdio do atraso

Tenho acompanhado as diversas tomadas de posição do presidente Jair Messias Bolsonaro e dos seus ministros e considero – na visão de um velho professor e advogado – que os temas abordados são particularmente relevantes para o futuro do nosso país.

Embora com uma certa estridência entre as manifestações de improviso e as decorrentes de estudos e pesquisas, a linha na área econômica é correta e está de acordo com os que formataram a Constituição da República de 1988, no Título VII, voltado para a economia de escala e de mercado. Pela primeira vez constaram de um texto constitucional brasileiro os princípios da livre concorrência (artigo 170, inciso IV) e do planejamento econômico estatal não obrigatório para o setor privado (artigo 174).

A própria dualidade da iniciativa econômica foi bem caracterizada, apenas se admitindo a presença do Estado na economia no tocante aos serviços públicos (artigo 175) ou à segurança nacional e a relevante interesse coletivo (artigo 173, caput). Por outro lado, no sistema tributário exigiu-se o respeito à capacidade econômica e ao não confisco (artigos 145, parágrafo 1.º, e 150, inciso IV), propugnando-se pela imposição justa.

Ora, a equipe econômica pretende a privatização de grande parte das empresas estatais – o Estado, no Brasil e no mundo, tem se revelado um mau empresário – e a redução da carga tributária, para que a sociedade cresça e a quantidade de burocratas diminua. Em outras palavras, o cipoal criado pela burocracia para se manter no poder, amarrando as melhores iniciativas, o governo Bolsonaro objetiva desfazer, se necessário, cortando à espada o nó górdio do atraso.

No campo da segurança nacional, expõe duas linhas de ação muito claras. Não está na Constituição que os índios devam ocupar terras que já não ocupavam ao tempo da promulgação da Carta, embora as tivessem ocupado no passado. A Carta Magna claramente fala em terras que “ocupam”, presente do indicativo, e não “ocuparam”, pretérito perfeito. Não é crível que a indígenas e quilombolas – seus remanescentes são, na verdade, muito poucos – se entreguem territórios equivalentes a quatro Alemanhas! A população que ocupa 15% do Brasil é inferior a 1 milhão de pessoas de variadas nacionalidades (venezuelanas, peruanas, bolivianas, paraguaias, etc.), pois é a etnia que determina seu direito.

Mais do que isso: tais áreas, ricas em minérios e biodiversidade, estão sujeitas a exploração predatória e contrabandeada. Como a Constituição declara que as terras são da União, devem-se garantir os direitos dessas comunidades, porém nas áreas que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da nossa Lei Maior.

Por outro lado, nada melhor do que o Ministério da Defesa ser entregue a especialistas na área, que são os militares.

Nos Comentários à Constituição do Brasil, que Celso Bastos e eu elaboramos, pela Saraiva, em 15 volumes e 12 mil páginas, abordamos os três temas, que hoje se encontram em rigorosa consonância com as manifestações do presidente Jair Bolsonaro. Acrescento um quarto tema, que é a preocupação com a preservação da família e da dignidade da pessoa humana, esta última como valor maior a ser exaltado, a partir da inviolabilidade do direito à vida (artigo 5.º, caput).

É interessante notar que o artigo 226 da Constituição declara que a família, constituída pela união entre homem e mulher, é a base da sociedade e o Estado tudo fará para protegê-la. Garante ao casamento religioso entre homem e mulher efeitos de casamento civil e assegura, nos parágrafos 1.º ao 5.º, direitos à união estável, sempre entre homem e mulher. Em nenhum momento falou a Constituição na união ou no casamento entre pares do mesmo sexo.

À evidência, o governo não deve promover nenhum tipo de discriminação, até porque isso é vedado pela Constituição. Apenas é necessário reconhecer que o casamento previsto na nossa Carta Magna, civil ou religioso, só cuida da união entre homem e mulher.

Não caberia, pois, ao Supremo Tribunal Federal (STF) acrescentar ao artigo 226 da Lei Maior disposição nela não constante.

As manifestações do presidente da Suprema Corte, o eminente ministro José Antonio Dias Toffoli, parecem seguir essa linha. Os Poderes são harmônicos e independentes. Não deve haver interferência nas competências constitucionais de cada um deles por nenhum outro Poder.

Essa é a razão por que o presidente Dias Toffoli, com fantástica objetividade e precisão, definiu o que consta do artigo 2.º da Constituição, que fala em “harmonia” – há que haver diálogo entre os Poderes –, mas também em “independência” dos Poderes. Bem por isso, cabe ao Legislativo projetar o Brasil para o futuro, dotando-o das leis necessárias a tal desiderato; cabe ao Executivo governar no presente, aplicando-se e gerando a paz social e o desenvolvimento; e cabe ao Judiciário julgar o passado e, como legislador negativo, apenas não dar curso às leis inconstitucionais, mas não substituir os outros Poderes.

Como se percebe nas palavras do presidente da República, pretende-se governar de acordo com a vontade do povo brasileiro, preservando os seus valores, cumprindo a Constituição, realçando o amor à pátria, com a disciplina e o espírito cívico que Jair Bolsonaro aprendeu na Academia Militar das Agulhas Negras, onde a punição ao cadete que cola numa prova é a expulsão, visto que é inadmissível a deslealdade entre aqueles que devem servir à Nação.

É o que o Brasil espera do novo governo.

*PROFESSOR EMÉRITO DAS UNIVERSIDADES MACKENZIE, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, DO CIEE/O ESTADO DE S. PAULO, DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA E DA MAGISTRATURA DO TRF-1, É FUNDADOR E PRESIDENTE HONORÁRIO DO CENTRO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA (CEU)/INSTITUTO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS (IICS)


Ives Gandra da Silva Martins: Parlamentarismo, um sistema bem-sucedido

Com exceção dos Estados Unidos, o presidencialismo nas Américas tem sido um permanente fracasso. Todos os países que o adotaram tiveram golpes de Estado, revoluções e períodos de uma frágil democracia.

Se analisarmos, depois da 2.a Guerra Mundial os principais países sul-americanos foram agitados por rupturas institucionais e regimes de exceção. Assim, Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Venezuela, Cuba, etc., passaram por rupturas democráticas e pela implantação de regimes de força.

O Brasil, que viveu 42 anos no sistema parlamentar monárquico, desde 1889 jamais teve um período tão longo de estabilidade. De 1889 a 1930, foram 41 anos interrompidos pela ditadura Vargas (de 1930 a 1945). O período de 1946 a 1964 (18 anos) terminou com a revolução de 31 de março. A redemocratização de 1985 deu início a um período de 31 anos, com dois impeachments presidenciais e alta instabilidade. Os governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff levaram o País à crise econômica sem precedentes em sua História, com queda assustadora do PIB, 11,5 milhões de desempregados, retorno da inflação e fantástico nível de corrupção.

Decididamente, o presidencialismo não é um bom sistema, pois confunde o chefe de Estado com o chefe de governo e este, quando eleito, se sente dono do poder, transformando-o, o mais das vezes, numa ditadura a prazo certo.

Presidi entre 1962 e 1964, na cidade de São Paulo, o extinto Partido Libertador, o único partido autenticamente parlamentarista entre os 13 existentes até o Ato Institucional n.° 2. Declarava Raul Pilla, seu presidente nacional, ser o parlamentarismo o sistema de governo da “responsabilidade a prazo incerto”, pois, eleito um chefe de governo irresponsável, por voto de desconfiança é alijado do poder, sem traumas. O presidencialismo, ao contrário, considerava Pilla, é o sistema “da irresponsabilidade a prazo certo”, pois, eleito um presidente incompetente ou corrupto, só pelo traumático processo do impeachment é possível afastá-lo.

Vejamos, por exemplo, o Brasil atual. Desde 2014 os sinais de fracasso do modelo econômico adotado eram evidentes, mas só houve consenso em iniciar o processo de impeachment em meados de 2016.

Arend Lijphart, professor da Universidade Yale, publicou um livro, em 1984, intitulado Democracies: Patterns of Majoritarian & Consensus Government in Twenty-one Countries. Examinou o sistema dos 21 principais países do mundo onde não houvera ruptura institucional depois de 2.a Guerra Mundial e encontrou 20 hospedando o parlamentarismo e só os Estados Unidos presidencialista.

Historicamente, os dois sistemas têm origem na Inglaterra, o parlamentar (1688/89), e nos Estados Unidos, o presidencial (1776/87). A própria influência inglesa nas 13 colônias levou os norte-americanos a adotar um sistema presidencial quase parlamentar, pois lá o Congresso tem participação decisiva nas políticas governamentais.

O grande diferencial entre parlamentarismo e presidencialismo reside na responsabilidade. No parlamentarismo, o mau desempenho é motivo de afastamento do primeiro-ministro, eleito sem prazo certo para governar. A própria separação entre chefe de Estado e chefe de governo cria um poder ultrapartidário capaz de intervir nas crises, seja para avalizar novos governos escolhidos pelo Parlamento, seja para dissolver o Parlamento quando este se mostre também irresponsável, a fim de consultar o povo se aquele Parlamento continua a merecer a confiança do eleitor.

O simples fato de o chefe de governo ter de prestar contas ao Parlamento e os parlamentares poderem voltar mais cedo para casa impõe a seus governos a responsabilidade, característica dominante no sistema parlamentarista.

Por outro lado, a separação da chefia de governo da chefia de Estado – algo que, no presidencialismo, se confunde na mesma pessoa – facilita a adoção de outros atributos próprios do sistema parlamentar, como o da burocracia profissionalizada. Este jornal publicou em 3/1/2015 que, enquanto o governo parlamentar alemão tinha 600 funcionários não concursados para tais funções, a presidente Dilma Rousseff tinha 113 mil.

Eleito um governo, este escolherá entre os servidores públicos que estão no topo da carreira os que mais se afinam com a maneira de ser do novo governo. Gozam os presidentes dos Bancos Centrais de autonomia maior, quando não de independência. Por essa razão, nas quedas de Gabinete os servidores administram o País até a escolha de um novo governo, sem a economia ser afetada.

Acrescente-se que a maioria dos países parlamentares adota o voto distrital puro ou misto, o que facilita o controle do eleitor sobre o político eleito.

Os modelos parlamentaristas são diversos, com maior ou menor atuação do chefe de Estado. Alguns até exercem funções de governo, como nos modelos francês e português, por exemplo, mas a regra é não exercê-las.

Também os partidos políticos se fortalecem no parlamentarismo, enquanto no presidencialismo se esfacelam, à luz da maior força do presidente. Quando se diz que o Brasil não pode ter o parlamentarismo porque não tem partidos políticos, respondo que o Brasil não tem partidos políticos porque não tem o parlamentarismo. Cláusula de barreira é fundamental para evitar legendas de aluguel, algo que, no Brasil, é um dos maiores males do presidencialismo.

Creio que chegou o momento de repensar o modelo político brasileiro e adotar o sistema parlamentar, que sempre deu certo no mundo, substituindo o adotado pelo Brasil, cujo fracasso é fantasticamente constante na sua História. (O Estado de S. Paulo – 14/09/2016)

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS É PROFESSOR EMÉRITO DAS UNIVERSIDADES MACKENZIE, UNIP, UNIFIEO E UNIFMU, DO CIEE/”O ESTADO DE S. PAULO”, DA ECEME, DA ESG E DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL-13 REGIÃO


Fonte: pps.org.br