Itamaraty

Demétrio Magnoli: O que querem os ‘antiglobalistas’

“(...) admiramos os EUA, aqueles que hasteiam sua bandeira e cultuam seus heróis. (...) Por isso admiramos a nova Itália, por isso admiramos a Hungria e a Polônia, admiramos aqueles que se afirmam e não aqueles que se negam.” No seu discurso de posse no Itamaraty, o ministro Ernesto Araújo aderiu ao pacto informal dos governos que se exibem como “antiglobalistas”. À primeira vista, é só um discurso constrangedor — e vazio. Afinal, a guerra comercial EUA/China, a imigração, a crise dos refugiados e a integração europeia são dilemas com fraca incidência sobre o Brasil. Um exame mais acurado revela, porém, a existência de uma agenda comum.

Os “antiglobalistas” usam as palavras para iludir. Falam de Deus, da nação, da soberania e da família, como se essa torrente de referências imprecisas delineasse um rumo político discernível. Destemidos, desafiam o ridículo para denunciar uma conspiração contra os povos articulada por elites liberais “globalistas” junto com as forças do “marxismo cultural”, que é identificado à China de Xi Jinping. Nada disso, evidentemente, tem relevância prática. Vale a pena, contudo, prestar atenção nas suas sentenças condenatórias sobre a “ordem global”.

Araújo convoca os diplomatas a “lembrar-se da pátria”, não “da ordem liberal internacional”, uma “piscina sem água”. Convida-os a abandonar “a escola do globalismo”, que teria feito do Brasil “um país inferior”. Arregimenta-os para uma missão de afirmação nacional, na senda iluminada pelos governos nacional-populistas dignos da sua admiração. As indagações cruciais, que ele nunca faz, são “que ordem global é essa?”, “qual é a sua origem?”, “para que ela existe?”.

A ordem do pós-guerra surgiu de duas fontes paralelas. De um lado, a ruína da ordem estatal anterior, devastada pela fogueira do nazifascismo. De outro, o avanço do sistema soviético sobre o leste da Europa. Do Plano Marshall em diante, ergueu-se uma nova ordem alicerçada na aliança transatlântica entre EUA e Europa Ocidental, que se estruturou em torno de instituições multilaterais de segurança (ONU) e de coordenação econômica (FMI, Banco Mundial). O “globalismo”, no termo pejorativo cunhado pelos neonacionalistas, preveniu a restauração do fascismo e derrotou o totalitarismo comunista.

A fogueira do nazifascismo consumiu a ordem europeia das pátrias orgulhosas de suas soberanias absolutas, de suas raízes inventadas pela imaginação romântica, de seus cultuados heróis nacionais. O discurso de Araújo é uma ode nostálgica (e mal escrita) a um mundo que desapareceu há 80 anos. Mas, sobretudo, é uma conclamação à revolta contra o sistema político resguardado pela ordem construída no pós-guerra.

A paisagem contra a qual Araújo se insurge nasceu de um duplo “não”: a Hitler e a Stalin. A chamada “ordem liberal” é uma tela formada por camadas de pintura superpostas, produzidas tanto pelo liberalismo progressista como pela social-democracia. Nela, estão inscritas as regras da economia de mercado, mas também os valores das liberdades públicas e dos direitos sociais. De Trump a Bolsonaro, passando pelo húngaro Orbán e pelo italiano Salvini, o atual movimento neonacionalista é uma reação sombria ao patrimônio de liberdades e direitos legado pelo pós-guerra.

Trump sonha financiar seu muro na fronteira do México circundando o Congresso por meio de uma declaração de “emergência nacional”. Os governos polonês e húngaro tentam subordinar os tribunais constitucionais à vontade do Executivo. Os quatro governantes admirados por Araújo admiram o russo Putin e o turco Erdogan, que suprimiram as liberdades e calaram as oposições. Os “antiglobalistas” não se conformam com a democracia.

O discurso de posse de Araújo expõe oficialmente, pela primeira vez, um programa que permanecia mais ou menos oculto. Esqueça as teorias conspiratórias sobre a “elite globalista”. O chefe do Itamaraty não está traçando um rumo de política externa. Está dizendo para Bolsonaro avançar contra os direitos constitucionais dos brasileiros.


Folha de S. Paulo: Imagem externa do Brasil mudou para pior no novo governo, diz Benjamin Moser

Para autor americano, chefe do Itamaraty tem discurso de 'ufanista magoado' e usa termos de teor antissemita

Em carta aberta ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, autor norte-americano comenta repercussão internacional das ideias enunciadas pelo novo chanceler em artigo recente.

Prezado ministro,
Há pouco mais de dois anos, o ministério que o senhor hoje encabeça me outorgou o Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural. Foi um reconhecimento do meu trabalho e trouxe consigo uma obrigação de continuar trabalhando em prol do Brasil —de ser algo como um amigo oficial do Brasil. E é nesta capacidade que lhe escrevo.

Recentemente, o senhor publicou uma matéria no meu idioma, o inglês, e no meu país, os Estados Unidos (“Bolsonaro was not elected to take Brazil as he found it”, ou “Bolsonaro não foi eleito para deixar o Brasil como o encontrou”, na Bloomberg, em 7/1). Se respondo em português, é por dois motivos.

Primeiro, porque sua matéria ilustra muito bem que saber a gramática ou o vocabulário de outra língua não implica compreender suas sutilezas: como soa. Se tivesse maior noção do meu idioma, seria de esperar que não houvesse publicado uma coisa que —digo francamente— expõe o Brasil ao ridículo.

E essa é a segunda razão pela qual lhe respondo em português. Apesar de não ser de nacionalidade brasileira, o Brasil não me é de maneira nenhuma alheio. Desagrada-me profundamente vê-lo alvo de risadas internacionais. Gostaria, pois, que esta conversa ficasse entre nós —em português.

Em inglês, a sua vinculação da política externa com Ludwig Wittgenstein soa bizarra. Suspeito que não seja sua intenção —que é, se estou lendo bem, de deslumbrar o leitor com frases como “desconstrução pós-moderna avant la lettre do sujeito humano e negação da realidade do pensamento”.

Sabe aquele estudante de pós-graduação que encurrala a menina na festa falando de Derrida ou Baudrillard?

Pois é.

Aliás, em inglês, proclamar “não gosto de Wittgenstein” soa pretensioso, arrogante. Sabe aquele homem que, diante de um Picasso, diz que sua filha de quatro anos poderia ter feito melhor?

Pois é.
Mas, além do tom, qual é mesmo seu problema com Wittgenstein? Vejo que não é sequer uma frase inteira, mas uma parte de uma frase: “O mundo tal como o encontramos.”

O senhor lê isso como um pedido —uma ordem, até— de aceitar tudo no mundo tal como é, de não tentar mudar nada, de se comportar como se não tivesse vontade própria. Se acompanho a sua lógica, é assim que o Brasil tem se comportado durante todos os governos, de esquerda como de direita, que precederam o atual.

Para quem conhece a obra de Wittgenstein —assim como para quem tem noções da história diplomática brasileira—, isso pode soar inexato. Mas o senhor pretende romper um padrão que tem impedido o surgimento da verdadeira grandeza do Brasil. O país, segundo o senhor, antes disse: “Eu não acho nada. Eu não tenho ideias. Assim como o sujeito desconstruído de Wittgenstein, eu não tenho um ‘eu’.”

Eu não caracterizaria o trabalho de gerações de diplomatas brasileiros assim. Imagino que, em português, possa soar desdenhoso. Mas estamos falando de como soa em inglês, e, se muito ficou incerto na sua matéria, uma coisa ficou clara: sua vontade de mudar a imagem do Brasil no mundo.

De fato, em poucos meses, essa imagem já mudou bastante. Temo que não seja na direção que o senhor pretende. Pois, em todos os meus anos de brasiliófilo, nunca vi tantas matérias ruins sobre o Brasil surgirem na imprensa europeia e americana. Isso deve ser motivo de preocupação para um chanceler. Porque o Brasil, apesar de seus problemas, sempre desfrutou de um nome positivo no mundo.

O racismo, a homofobia e a saudade da ditadura da nova administração têm sido fartamente comentados na imprensa mundial. Em inglês, o tom dessa cobertura tem sido extremamente negativo. Um chanceler deve poder responder num inglês sereno e compreensível e explicar as razões que levam o novo governo a adotar tal e tal medida.

Quando se dirige a um público internacional, uma coisa a evitar a todo preço é o emprego de termos —“globalistas,” “marxistas,” “anticosmopolitas,” “valores cristãos”— que, em inglês, têm fortes conotações antissemitas.

São extraídos do léxico de conspiração global judaica, e, dada a história deste léxico, pessoas civilizadas, tanto de direita como de esquerda, aprenderam a evitá-lo.

Quando se fala inglês, é preferível, em geral, evitar falar de conspirações. Dá a impressão de ter passado a noite em claro na internet decifrando os segredos das pirâmides. Talvez seja por isso que suas descrições sobre o aquecimento global como trama marxista tenham sido tão amplamente ridicularizadas na imprensa mundial.

Quem, em língua inglesa, quer ser levado a sério evita tais caracterizações. E não é mesmo este o maior desejo do senhor, o de ser levado a sério? É a única coisa que fica clara debaixo da linguagem um tanto acalorada.

A novidade que o senhor anuncia não é outra coisa senão a mais antiga emoção do conservador brasileiro: o ufanismo magoado.

Este é o sentimento de quem quer uma nação que esteja à altura da imagem —muitas vezes exagerada— que tem de si próprio.

Se o senhor imagina que o Brasil não é suficientemente respeitado, seria bom nos brindar com pelo menos um exemplo; na minha experiência, vasta, do Brasil no âmbito internacional, confesso que nunca percebi a falta de respeito.

Mas, mesmo que ela existisse, seria bom lembrar que, em qualquer país, o respeito não se exige. Com paciência e trabalho, se ganha.

Ninguém sabe melhor do que eu os lados positivos que tem o Brasil. Mas, sabemos, brasileiros e estrangeiros, que o Brasil também tem uma cara feia. E é essa cara que seu tom me traz à mente. É o tom daquele patrão que grita “faça que tô mandando!” para a empregada. Asseguro-lhe que não fica mais elegante em tradução inglesa.

Infelizmente, não é apenas uma questão de tom. Desde o primeiro dia, este governo deu a impressão de querer abusar das pessoas mais vulneráveis da sociedade. Todos os jornais do mundo têm noticiado os ataques aos índios e à população LGBT, além da redução do salário mínimo para os trabalhadores mais pobres.

É possível que haja explicações razoáveis para tais medidas, mas confesso que até agora não as vi. De novo, seria mais eficaz explicá-las com calma do que andar pelo mundo proclamando que os brasileiros não são mais “robôs pós-modernos” e que não suportarão mais “a opressão wittgensteiniana da morte-do-sujeito.”

Porque, ironicamente, é seu medo de ver as pessoas zombarem do Brasil que fará... as pessoas zombarem do Brasil. Deve ter visto a ministra Damares gritando que “menino veste azul e menina veste rosa!” e notado como isso repercutiu pelo mundo. As suas declarações também não ajudam a que as pessoas levem o Brasil a sério.

Se há um ponto em que estamos em total acordo é que também não gosto de ver o Brasil ridicularizado. Por isso, lhe encorajo a lembrar em nome de quem está falando. E de escolher com mais tato, em português como em inglês, as suas palavras.

O senhor se descreve, no seu Instagram, como “ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro”. Não é.

É ministro das Relações Exteriores do Brasil.

Seria bom que se comportasse com a dignidade que tal posição exige.

E se, no futuro, tiver uma dúvida de inglês, pode sempre entrar em contato comigo.

Cordialmente,
Benjamin Moser
Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural, 2016

*Benjamin Moser, escritor norte-americano, é autor da biografia ‘Clarice’ (Companhia das Letras) e de ‘Susan Sontag: Sua Vida e Obra’, que sai no final do ano também pela Companhia das Letras.


Fernando Gabeira: Salvação e salvadores

Política externa do PT foi desvio voluntarista. Ao delírio da esquerda, não se pode responder com o delírio da direita

Outro dia, li uma nota levemente crítica ao ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores. Ele escrevera um artigo afirmando que Deus estava na diplomacia, na política, em todos os lugares.

Embora não seja propriamente um teólogo, considero bastante previsível a crença na onipresença divina. Algumas religiões estendem o dom da ubiquidade a todos os espíritos. Para dizer a verdade, alguns deuses, como o hindu Shiva, têm poderes muito mais ecléticos: dança, destrói, faz um carnaval.

Não temos o dom divino da onipresença porque somos humanos e não toleraríamos a presença na vastidão. No meu caso, dispensaria Bruxelas sob chuva e as noites de Codó, no Maranhão.

O que me intriga no pensamento do ministro Araújo é sua crença na salvação do Ocidente, liderado por Donald Trump. Essa história de salvação, creio que surgiu, pela primeira vez, com Zoroastro, perpassou o cristianismo, reaparece na religião laica que é o marxismo e sobrevive em alguns setores da ecologia que acreditam poder salvar o planeta.

Se a salvação para mim é um conceito duvidoso, o que diria do salvador? De que podemos ser salvos por alguém como Trump, que diz às crianças que Papai Noel não existe e contrata advogados para silenciar mulheres com quem transou?

Se pelo menos Trump usasse o que se diz sempre — errar é humano, a carne é fraca, atire a primeira pedra —, os valores ocidentais estariam em melhores mãos. O problema central é a relação com os Estados Unidos. Ela precisa de equilíbrio, e há quem trabalhe nesse tema desde o século passado.

Afonso Arinos, em 1952, quando ainda esboçava suas ideias sobre uma política externa independente, defendeu o Acordo Militar Brasil-EUA. O governo Vargas queria isso, mas não teve coragem de dar as caras. Resultado, Arinos apanhou sozinho da esquerda.

Acontece que no acordo havia um só tópico que não interessava ao Brasil. Arinos ofereceu uma fórmula diplomática para contornar a dificuldade. Apanhou da direita.

Mesmo nos primórdios do que mais tarde seria uma política externa independente, a proximidade com os Estados Unidos representava um fato decisivo. Mas também era bastante claro que a proximidade não significava uma adesão acrítica a todas as propostas americanas.

No momento, esta questão vai aparecer com muita delicadeza, entre outras, nas relações com a China. Trump espera apoio na sua guerra comercial. Mas tem negociado intensamente com Xi Jiping.

Não está muito claro o papel que teremos nesse triângulo. Por enquanto, estamos ainda em discussões teológicas, ave-maria em tupi, José de Alencar e arroubos nacionalistas.

Tudo isso, para mim, anima um pouco o morno universo político brasileiro. Mas existem algumas contradições. Um forte tom nacionalista quando se trata de organismo multilateral. Uma duvidosa escolha do salvador, quando se trata das ameaças ao Ocidente.

Não imagino que o olhar severo do ministro Araújo esteja voltado contra os jogadores de I Ching ou leitores do Tao. Ele se preocupa com o marxismo chinês, com os grupos islâmicos, com a desaparição de traços culturais do país num mundo globalizado.

Mas é um exagero supor que nossa política externa seja uma medíocre omissão baseada em interesses comerciais. O desejo de defender a paz e solução negociada para os conflitos é um dado da cultura brasileira.

No século passado, o Peru inaugurou uma avenida com o nome de Afrânio Mello Franco, pai de Afonso Arinos. Os peruanos acham que o velho contribuiu para evitar uma guerra com a Colômbia.

Se isso não basta, lancemos um olhar para o próprio governo Bolsonaro. Dois dos seus ministros são generais destacados na manutenção da paz no mundo: Augusto Heleno, no Haiti; Carlos Alberto dos Santos Cruz, no Congo.

O Brasil não é uma invenção intelectual. A política externa do PT foi um desvio voluntarista. Ao delírio da esquerda, não se pode responder com o delírio da direita.

Política externa é fruto de um consenso nacional. Não adianta forçar a barra. Sofremos com isso, e o preço político que os vencedores do momento pagarão é bem maior que os equívocos domésticos, num país em que nem todos os meninos se vestem de azul, nem todas as meninas de rosa.


Luiz Antonio Simas: Um medalhão em Saramandaia

Versos, citações em latim, adjetivos em profusão, citações históricas: a teoria do medalhão, de Machado de Assis, estava toda ali no discurso de posse de Ernesto Araújo. Lembranças também dos professores Aristóbulo Camargo e Astromar Junqueira, de Dias Gomes

O escritor carioca Machado de Assis publicou o conto Teoria do Medalhão em 1881, no jornal Gazeta de Notícias . A trama é simples: Janjão está completando 21 anos, a maioridade naquela época. Logo depois do jantar de comemoração do aniversário, o jovem é chamado pelo pai para uma daquelas conversas definitivas sobre o futuro.

Em resumo, o pai aconselha o filho a ser o que ele mesmo não conseguira: um medalhão. O que seria isso? Basicamente, o medalhão é “grande e ilustre, ou pelo menos notável”. Para chegar ao auge entre os 45 e os 50 anos, período em que o medalhão geralmente desabrocha, Janjão deveria se preparar desde cedo, aparelhando o espírito para evitar o perigo das ideias próprias.

Dentre diversas dicas para que o status de medalhão seja alcançado, o pai de Janjão ressalta a importância da linguagem. Cito: “podes empregar umas quantas figuras expressivas, a hidra de Lerna, por exemplo, a cabeça de Medusa, o tonel das Danaides, as asas de Ícaro, e outras, que românticos, clássicos e realistas empregam sem desar, quando precisam delas. Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento. Caveant consules é um excelente fecho de artigo político; o mesmo direi do Si vis pacem para bellum ”.

Por fim o pai sugere que o medalhão não chegue a nenhuma conclusão que já não tenha sido chegada por outros, mas faça isso de forma aparentemente original, e evite os riscos da ironia, coisa de “céticos e desabusados”.

A nova onda da internacionalização de Machado de Assis
Ao escrever o conto Machado satirizava uma turma da sociedade aristocrática e bacharelesca que misturava, nas mesmas proporções, mediocridade e pedantismo. Os medalhões difundiam ideias rasteiras recheadas de citações, tentavam impressionar os populares com demonstrações de conhecimento das coisas do povo e, ao mesmo tempo, comover os eruditos com axiomas clássicos, enfiando três ou quatro máximas em outras línguas para arrematar.

A Teoria do Medalhão me veio à memória quando escutei o discurso de posse do novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo. A linguagem do medalhão estava toda ali: citação em grego de versículo do Evangelho de São João, citação da banda Legião Urbana em música com versos de Camões, citação em latim do brasão da Ordem de Rio Branco, referências a Tarcísio Meira, Raul Seixas e José de Alencar, menção a uma série de ficção científica e, para arrematar, a Ave Maria em Tupi, de acordo com a tradução do padre José de Anchieta. No meio do sarapatel, ataques ao globalismo, exortações ao caráter libertador de Bolsonaro e saudações aos governos conservadores de direita da Europa.

Confesso que, até me recordar da Teoria do Medalhão, comecei a considerar o arrazoado do ministro similar aos discursos que dois personagens de Dias Gomes faziam nas novelas Saramandaia e Roque Santeiro : os professores Aristóbulo Camargo e Astromar Junqueira. Versos, citações em latim, adjetivos em profusão, citações históricas eram comuns aos homens das letras, sempre vestidos de preto, criados por Dias. Registre-se que Aristóbulo e Astromar, nos intervalos entre um discurso e outro, viravam lobisomens.

Outro detalhe chama atenção no discurso do chanceler. Em alguma medida, ele parece ir em direção oposta à comunicação do governo. Enquanto o presidente e outros assessores buscam construir imagens populares de pessoas comuns, com sucesso, o chanceler aparece com fumos de erudição, saca do colete dezenas de autores, arremata tudo isso com sentenças bíblicas em línguas clássicas e, dando uma de Policarpo Quaresma, enfia no meio um tupi-guarani suspeito.

O discurso do chanceler, digno de um medalhão bem sucedido, sugere duas possibilidades: uma delas é a da confirmação da atemporalidade da obra de Machado de Assis. O Bruxo do Cosme Velho, ao diagnosticar a sua época, permanece atual. O que escreveu em 1881 continua irretocável em 2019; coisa que só faz afirmar o preto do Morro do Livramento como um gigante das letras. A outra possibilidade é a de que o chanceler de 2019 seja um exemplo bem acabado de brasileiro de 1881.

A minha impressão é a de que elas não se excluem: o escritor do século XIX continua vivendo no século XXI. O chanceler do século XXI continua vivendo no século XIX.

*Luiz Antonio Simas é historiador, autor de 15 livros, ganhador de dois prêmios Jabuti – entre eles o de Livro do Ano de Não Ficção de 2016, com Nei Lopes


Dawisson Belém Lopes: Deus e o diabo na terra da política externa

Chanceler promete diplomacia que reflita religiosidade popular, mas será que brasileiros são contra o secularismo?

Há algo de farsesco, ainda que bastante engenhoso, no modo como a política externa do governo Bolsonaro vem buscando legitimar-se publicamente. O principal impulso ao processo é dado pelo chanceler Ernesto Araújo, homem de fortes convicções morais, admirador dos nacionalismos românticos e da herança ocidental. Trata-se, ademais, de um fiel devoto de Donald Trump.

Araújo vem se aproximando, nas manifestações feitas em seu blog pessoal e nas peças que publica na imprensa, do apelo popular de Jair Bolsonaro à religiosidade do povo brasileiro. A fórmula da nova política externa, segundo o chanceler, terá de alinhar-se a essas circunstâncias.

Se a gente brasileira é religiosa, logo a política externa, praticada por um presidente com mandato democrático, também deverá sê-lo. O Brasil, entende Bolsonaro, necessita pautar-se nas suas relações internas e internacionais por valores judaico-cristãos, pois é isso que o povo reivindica na atualidade.

Do raciocínio deriva o receituário da política externa bolsonarista: o país precisa rejeitar o “globalismo” e o “marxismo cultural”, tendências emanadas de foros diplomáticos e editoriais internacionais, desprovidas do empuxo popular e, alegadamente, corruptoras da soberania nacional e do patriotismo. Eis o bilhete para a “libertação do Itamaraty” – na expressão carregada de Araújo.

Para tanto, devem-se recusar peremptoriamente as resoluções das entidades multilaterais e juntar-se à liga dos regimes fortes e cultores das tradições ocidentais. Estados Unidos, Itália, Polônia e Hungria, nações cristãs, credenciam-se como parceiras preferenciais. Israel, o Estado judaico, candidata-se a aliado incondicional.

Percebe-se, todavia, que a equivalência “voz do povo, voz de Deus”, proposta pelos bolsonaristas como o verdadeiro elo perdido da autoridade, resulta logicamente falaciosa. Se é bem verdade que a sociedade brasileira preza a dimensão religiosa, não se extrai daí que os cidadãos sejamos refratários ao secularismo como princípio organizador da vida política.

Mero estereótipo
De resto, a experiência religiosa dos brasileiros, como já amplamente difundido pelos antropólogos, é de um tipo sincrético, não acomodando no cotidiano os rigores da ortodoxia. Somos o país dos milhões de cristãos “não praticantes”, das infusões e dos intercâmbios entre as variadas denominações de fé.

Ao substituir as máximas mundanas do realismo político por princípios idealistas e metafísicos, Araújo e colaboradores recriam o ciclo de produção da política externa brasileira. Tira-se o povo da conversa, reduzindo-o a mero estereótipo de uma expressão religiosa. Habilmente, o chanceler e seu grupo promovem jogos filosóficos e de linguagem cujo saldo é a elitização decisória em política externa.

Explica-se: quando o mote da política externa democrática era anteriormente evocado, imaginava-se uma tensão constitutiva entre os aristocráticos homens de Estado e a plebe. A democratização poderia até avançar, lenta e dialeticamente, por meio de choques de interesses. Por um truque retórico, contudo, essa tensão dissipou-se no discurso corrente, dado que os novos mandatários imaginam falar pelo e para o povo, interpretando de maneira peculiar os sentidos da sua fé.

Os diplomatas profissionais, integrantes da comunidade cosmopolita global, tradicionalmente autorizados a pronunciar-se sobre as relações exteriores do Brasil, dão lugar a teocratas e nativistas. Dentro desse esquema de coisas, saber técnico, trajetória institucional e acúmulo acadêmico não se tornam, necessariamente, alavancas de poder. Afinidade ideológica e proximidade com a chefia do Poder Executivo, sim.

Existe, ainda, um inesperado problema empírico com a narrativa diplomática em construção: segundo levantamento do instituto Datafolha, divulgado em 27 de dezembro último, 66% dos brasileiros não querem ver o país associado aos Estados Unidos nos assuntos estrangeiros. É um rechaço popular emitido em alto e bom som aos caminhos vislumbrados pelo novo governo federal.

* Professor de política internacional da UFMG, é o autor de “Política Externa e Democracia no Brasil: Ensaio de Interpretação Histórica” (Ed. Unesp, 2013) e “Política Externa na Nova República: Os Primeiros 30 Anos” (Ed. UFMG, 2017).


Miguel Reale Júnior: Contra o pacto e contra os brasileiros

Isolamento do País no concerto internacional deixa os brasileiros no exterior desassistidos

A migração tem se tornado problema em todos os continentes, com significativas populações se deslocando para habitar outras terras, trazendo problemas sociais, mas, ao mesmo tempo, contribuindo para o desenvolvimento dos locais de destino. Hoje, mais de 250 milhões de pessoas estão em outros países como imigrantes regulares ou irregulares, essa é uma questão a ser enfrentada pelo conjunto das nações, como reconhecem os 160 signatários do Pacto Global da Migração, firmado dia 10 de dezembro em Marrakesh, no 70.º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos da ONU.

O Brasil e a América Latina tiveram intensa participação na elaboração do Pacto Global da Migração, fruto do trabalho de anos, como explicou Alicia Bárcena, diretora da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). As cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas ajudaram a compreender as causas e o tamanho das migrações, bem como a característica das pessoas: seus idiomas, habilidades, necessidades de saúde, nutrição e educação.

Assim, foi possível perceber, como se assinala no pacto, a importância da união, do espírito de cooperação, no qual todos ganham, ao se criar uma estrutura juridicamente não vinculativa, fruto do reconhecimento de que nenhum Estado pode abordar a migração por conta própria, dada a natureza intrinsecamente transnacional desse fenômeno.

Conforme António Guterres, secretário-geral da ONU, o Pacto Global de Migração, além de não ser juridicamente vinculativo, tem a natureza de uma cooperação internacional, enraizada num processo intergovernamental de negociação de boa-fé. Dessa maneira, há proteção da soberania de cada nação, preservando-se o direito soberano dos Estados de determinar sua política nacional de migração e a prerrogativa de, dentro de sua jurisdição, distinguir entre o status de migração regular e irregular, levando em consideração diferentes realidades, políticas, prioridades nacionais para entrada, residência e trabalho.

O pacto global, todavia, acentua dever-se respeito ao Estado de Direito, ao devido processo legal e à garantia de acesso à Justiça como elementos fundamentais para impedir discriminações e permitir a concessão de serviços básicos e a viabilidade de inclusão e coesão social. A inclusão começa pela possibilidade de obtenção de prova de identidade legal e documentação adequada, para em seguida poder haver um recrutamento justo e ético de modo a salvaguardar condições de trabalho decente, não similar ao trabalho escravo.

Dois segmentos merecem especial atenção no Pacto Global de Migração: as crianças e as mulheres. Quanto às mulheres, recomenda-se que suas necessidades específicas sejam devidamente compreendidas e abordadas e seja fortalecida a igualdade de gênero. Com relação às crianças, acentua o pacto ser prioritário o atendimento de suas exigências primárias, mormente de meninos e meninas desacompanhados e separados da família.

Em vez da prisão e do envio forçado para o país de origem, propõem-se medidas para facilitar o regresso e a readmissão seguros e dignos.

Mas para buscar promover a migração regular e controlada o pacto sugere prevenir, combater e erradicar, com cooperação, o tráfico de pessoas no contexto internacional, além de gerenciar as fronteiras de forma integrada com os países vizinhos. Em suma, deve haver uma política de governo, pois importa em integrar diversos setores da administração, em linhas vertical e horizontal.

Dois aspectos merecem destaque com referência ao Brasil: primeiramente, a absoluta convergência do texto do Pacto Global de Migração com o teor da nossa legislação, a recente Lei n.º 13.445/17, e a relevante circunstância de sermos hoje tanto um país de imigração como de emigração.

Com efeito, há atualmente cerca de 2 milhões de estrangeiros no Brasil como imigrantes, definidos como pessoa nacional de outro país que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil, aqui estando de forma regular ou irregular. Sucede, todavia, conforme números do Ministério das Relações Exteriores, que há número maior de brasileiros instalados no exterior, ou seja, emigrantes brasileiros estabelecidos temporária ou definitivamente no exterior. Há cerca de 3 milhões de brasileiros nessa condição.

Assim, é de grande interesse para nossos compatriotas, residentes de forma regular ou irregular no estrangeiro, que o Brasil seja signatário do pacto, para os brasileiros receberem, lá fora, os benefícios concedidos pela nossa lei aos imigrantes.

A recente lei, a ser respeitada, consagra, por exemplo, os seguintes princípios em favor dos imigrantes: promoção de entrada regular e de regularização documental, acolhida humanitária, garantia do direito à reunião familiar, inclusão social e laboral para o migrante e seus familiares.

Tais princípios estão em consonância com o proposto pelo Pacto Global de Migração, que, no entanto, tão logo assinado pelo nosso então ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, foi, precipitadamente, anunciado pelo então chanceler indicado do novo governo, pelo Twitter, como a ser denunciado pelo Brasil: “O governo Bolsonaro se desassociará do Pacto Global de Migração por ser um instrumento inadequado para lidar com o problema, pois a imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país”.

Importante conclusão do pacto foi no sentido de a questão só poder ser enfrentada em conjunto pelas nações, em cooperação, com boa-fé, sendo esse instrumento não vinculativo e respeitador da soberania dos países. O novel chanceler, curiosamente, diz exatamente o inverso, isolando nosso país no concerto internacional e deixando, no exterior, os brasileiros desassistidos, enquanto nossa lei, aqui, protege os estrangeiros.

*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça


Demétrio Magnoli: O Deus deles e o de todos

Nenhuma autoridade menciona Deus em vão, mas para iludir, enganar, trapacear

“Não usarás o nome de Deus em vão” (Êxodo 20:7). Bolsonaro mencionou Deus abundantemente nos seus dois discursos de posse —e sempre em vão.

O Deus que autoriza ou sacraliza escolhas políticas nasce quando o poder se apropria da fé, para separar os filhos de Deus segundo a fidelidade a uma autoridade terrena.

Na Roma imperial, a fé exprimiu a aspiração ancestral de igualdade política. O cristianismo difundiu-se entre o povo pois a proclamação de que “somos todos filhos de Deus” erguia uma muralha lógica contra a discriminação.

Constantino curvou-se a ela e, para conservar o Império, instituiu a tolerância religiosa (313). Daí, seguiu-se o Concílio de Nicea (325), a conversão do imperador em seu leito de morte (337) e o Edito de Tessalônica (380), de Teodósio, que elevou o cristianismo à condição de religião de Estado. No fim do percurso, completou-se a inversão: o poder terreno adquiria o direito de discriminar invocando
o nome de Deus.

A ideia original dos “filhos de Deus” é inclusiva. São “filhos de Deus” todos os seres humanos, mesmo os infiéis ou pecadores. O rebanho abrange os que cultuam deuses pagãos e os que clamam contra a autoridade.

Nesse sentido, a fé cristã mantém coerência com o princípio iluminista da igualdade política. “Nós não tratamos de Deus” —a advertência de Alastair Campbell, assessor de Tony Blair, evitou que o primeiro-ministro britânico concluísse seu discurso à nação, no início das hostilidades no Iraque (2003), com a frase “Deus nos abençoe”.

O veredicto sobre a principal decisão de Blair, de seguir George W. Bush na campanha militar, não caberia a Deus, mas exclusivamente aos cidadãos.

“Agora, nós tratamos de Deus”, escreveu o ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, num artigo para a revista The New Criterion, referindo-se ao Brasil do governo Bolsonaro.

A frase quase protocolar ensaiada por Blair seria uma súplica e a desejada bênção divina, uma mera hipótese. O Deus de Blair não dirige os eventos humanos, ainda que possa eventualmente aprovar, a posteriori, certas escolhas políticas.

Já o “Deus de Trump” invocado por Araújo move meticulosamente os pauzinhos da política. No caso brasileiro, segundo o artigo, Deus concatenou as ações de Bolsonaro, Olavo de Carvalho e da Lava Jato com a finalidade de restaurar uma pátria que se tinha perdido. Esse Deus pervertido, um despachante de interesses terrenos, é o que o governo de turno quer que seja.

No discurso político, há um Deus para cada gosto. O Deus da Igreja Católica medieval mandava queimar bruxas e dirigia exércitos de cruzados.

O dos partidos religiosos israelenses exige a continuidade da ocupação de territórios conquistados. O das teocracias islâmicas impõe códigos restritivos de costumes que rebaixam as mulheres a uma cidadania de segunda classe. Aí, em todos esses casos, a palavra divina emana das autoridades políticas e o nome de Deus serve para matar, conquistar, oprimir.

Araújo fala sem parar na “tradição judaico-cristã” que seria a nossa, sem se dar conta de que essa é uma tradição diversa, heterogênea e, sobretudo, aberta à mudança. Dela, faz parte a laicidade estatal —isto é, o “não tratamos de Deus” de Campbell.

No seu pronunciamento de posse no Itamaraty, perante diplomatas frios de vergonha (e também de um cordão de puxa-sacos, como foi Araújo até ontem), ele denunciou um “ódio contra Deus” que estaria inscrito na “agenda global” e alinhou o Brasil aos governos populistas dos EUA, da Itália, da Hungria e da Polônia.

O Deus dele é um ídolo: Steve Bannon, o arauto da alt-right americana que tenta construir uma “Internacional dos nacionalistas”.

Campbell tinha razão. Nenhuma autoridade menciona Deus em vão. O nome é usado para iludir, enganar, trapacear. Para evitar que suas políticas sejam submetidas ao escrutínio da razão.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Matias Spektor: Ernesto Araújo enfrenta primeiro teste em Lima

Resultado da jornada do novo chanceler terá três impactos fundamentais

Está marcada para amanhã a estreia do chanceler Ernesto Araújo, quando ele participa da reunião do Grupo de Lima, o clube de países interessados em coordenar uma resposta à ditadura venezuelana.

Trata-se de encontro importante porque Nicolás Maduro está prestes a assumir um novo mandato presidencial e, pela primeira vez em muito tempo, devido à crise econômica galopante, dissidentes e opositores conseguem oferecer uma perspectiva de mudança.

Em Lima todos os holofotes estarão sobre o chanceler brasileiro. Bolsonaro alimentou a expectativa de que o Brasil jogará seu peso contra o chavismo, e a pergunta que todos farão é se Araújo consegue liderar a costura de um consenso regional ou se ele tropeçará nos obstáculos que, há tempos, inviabilizam um front comum.

Ao pousar em Lima, o ministro terá somente apoio líquido e certo da Colômbia. O México lhe fará oposição. Argentina, Chile e Peru terão alguma simpatia, mas precisarão ser convencidos.
O resultado da jornada terá três impactos fundamentais.

O primeiro é sobre a Venezuela. Se houver consenso em Lima, os opositores do regime em Caracas e no exílio farão novos movimentos. Se a região ficar dividida, tudo fica como está.

O segundo impacto é sobre Bolsonaro. O presidente terá sua primeira vitória diplomática se o grupo publicar uma declaração com medidas duras, tais como a negação de vistos a representantes do regime venezuelano, a imposição de sanções, uma denúncia ao Tribunal Penal Internacional ou uma crítica à China e à Rússia, as duas potências que ainda ajudam a manter o chavismo no poder.

Ao contrário, Bolsonaro terá amargado um fracasso se a declaração de Lima for murcha, com decisões inócuas, tais como uma mera retirada de embaixadores de Caracas ou um palavreado vazio sobre o não-reconhecimento da legitimidade de Maduro.

O terceiro impacto da reunião de Lima será sobre a posição do próprioErnesto Araújo no governo. Devido às escolhas que fez para alcançar o cargo, ele ainda tem muito chão pela frente antes de consolidar seu nome na Esplanada dos Ministérios.

Enquanto sua força for derivada do deputado Eduardo Bolsonaro, sua permanência no cargo estará sempre por um fio. Para sobreviver no lugar que ocupa, reassegurar quem duvida dele e isolar opositores, ele precisa selar o apoio inconteste do presidente.

Uma vitória em Lima faria isso. Não só devido à Venezuela, cujo desfecho é incerto. Mais pelo efeito de entregar uma região unida contra o chavismo: a garantia de que Bolsonaro encontrará portas abertas por toda a Washington, muito além da Casa Branca.

* Matias Spektor é professor de relações internacionais na FGV.


G1: Não mergulhemos nessa piscina sem água que é a ordem global', diz novo chanceler

Ernesto Araújo assumiu como novo ministro das Relações Exteriores em lugar de Aloysio Nunes em cerimônia no Itamaraty. 'O Itamaraty existe para o Brasil e não para ordem global', afirmou

Por Gustavo Garcia, do G1 — Brasília

O novo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, atacou o "globalismo" ao assumir o cargo nesta quarta-feira (2). "Não mergulhemos nessa piscina sem água que é a ordem global", afirmou emn discurso o novo chanceler. Segundo ele, o Itamaraty "existe para o Brasil e não para a ordem global".

Araújo discursou por cerca de 30 minutos em cerimônia de transmissão do cargo na sede do ministério. Ele sucede Aloysio Nunes, que ocupou o posto no governo Michel Temer. Entre os presentes à cerimônia, estavam o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), alguns ministros, chefes de missões diplomáticas, embaixadores, servidores e o senador e ex-presidente da República Fernando Collor, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.

“Não mergulhemos nesta piscina sem água que é a ordem global. O Itamaraty existe para o Brasil, não existe para a ordem global”, afirmou o chanceler.

Ele disse também que o Brasil não pedirá permissão à ordem global.

'Não estamos aqui para trabalhar pela ordem global, estamos aqui pelo Brasil', diz Araújo

“Por muito tempo, o Brasil dizia o que achava que devia dizer. Era um país que falava para agradar aos administradores da ordem global. Queríamos ser bom aluno na escola do globalismo e achávamos que isso era tudo. Éramos um país inferior. Mas o Brasil volta a dizer o que sente e a sentir o que é”, acrescentou.

Araújo já manifestava a crítica ao globalismo antes mesmo de ser escolhido ministro. Em um blog pessoal, escreveu: “Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”. Segundo o texto, “é um sistema anti-humano e anticristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo”.

“Algumas pessoas dirão que o Brasil não é isso tudo. Dirão que o Brasil não tem capacidade de influir nos destinos do mundo, de defender os valores maiores da humanidade, que devemos apenas exportar produtos e atrair investimentos, pois afinal somos apenas um país quieto e pacífico, mas não temos poder para nada [...]. Mas o Brasil responderá: ‘Eu sei quem eu sou’”, disse.

“Somos um país universalista, é certo, e, a partir desse universalismo, iremos construir algo bom e produtivo com cada parceiro. Mas universalismo não significa não ter opiniões, não significa que devemos agradar a todos. Queremos ser escutados, mas não por repetir alguns dogmas insignificantes e algumas frases assépticas. Queremos ser escutados por ter algo a dizer”, completou.

Escolhido por Jair Bolsonaro para comandar o ministério, ele disse que o novo presidente "libertará" o Brasil por meio da "verdade". "O presidente Jair Bolsonaro chegou até aqui porque diz o que sente, porque diz a verdade", declarou.

Diplomata, Araújo iniciou a carreira no Itamaraty em 1991 e, no ano passado, chegou ao posto de embaixador. Ele já atuou nas embaixadas do Brasil em Washington (Estados Unidos) e em Ottawa (Canadá).

Segundo Araújo, a política externa do Brasil "vem se atrofiando com medo de ser criticada". "Não tenham medo de ser criticados", afirmou.

No discurso – com trechos em grego e tupi, e citações a Renato Russo e Raul Seixas – Araújo também disse que o Itamaraty terá, a partir de agora, “um perfil mais engajado” na promoção do agronegócio, do comércio, dos investimentos e da tecnologia.

“O Itamaraty havia se distanciado do setor produtivo nacional. Mas agora estaremos juntos com o setor produtivo nacional como nunca estivemos”, afirmou.

Em outro momento, Araújo teceu críticas ao Ministério das Relações Exteriores. “Nós nos apegamos muito à nossa autoimagem e fizemos dela uma espécie de mito. Nós nos olhamos no espelho, dizendo que somos o máximo, dizendo que os governos não nos entendem, mas que o Itamaraty está acima dos governos. Nós nos tornamos diplomatas que fazem coisas que só são importantes para outros diplomatas. E isso precisa acabar”, afirmou.

No discurso, Ernesto Araújo citou Israel, disse que admira o país porque nunca deixou de ser uma nação, mesmo quando não tinha solo.

Disse também que admira os Estados Unidos, que cultuam os seus heróis, e os países latino-americanos que “se libertaram dos regimes do Foro de São Paulo”.

Nesta quarta-feira (2), um trecho de uma medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro abriu brecha, na avaliação de técnicos do Ministério das Relações Exteriores, para que não diplomatas possam ocupar cargos de chefia na pasta.

Segundo técnicos ouvidos pelo colunista do G1 Matheus Leitão, com a MP, a pasta terá a possibilidade de nomear pessoas de fora da carreira para cargos como os de subsecretário, diretores de departamento, chefes de divisão e cargos de assessoria mais altos dentro do ministério.

Pelo Twitter, Araújo negou flexibilização das regras e afirmou que as hipóteses de nomeação para cargos em comissão e funções de chefia do MRE "são rigorosamente idênticas àquelas anteriormente vigentes".

Na cerimônia desta quarta, ele voltou a tocar no assunto.

“Não precisamos e não vamos abrir os cargos do Itamaraty para pessoas de fora da carreira [...]. O presidente Bolsonaro confia na capacidade desta Casa, dessa carreira [...]. Nós simplesmente tomamos uma medida de flexibilizar a ocupação de cargos do Itamaraty por funcionários da carreira”, declarou.

Em 2018, já indicado por Bolsonaro, Araújo afirmou, em uma rede social, que o Brasil sairá do pacto da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre migração.

“O governo Bolsonaro se desassociará do pacto global de migração, um instrumento inadequado para lidar com o problema. A imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país”, disse em dezembro de 2018.

“O pacto é bom, é positivo e eu espero a reflexão do próximo presidente, de sua equipe, que possa afastar algumas alegações que, no meu entender, não se sustentam como, por exemplo, a alegação de que o pacto se sobrepõe à soberania nacional”, afirmou à época.

Crítico do PT e de governos de esquerda, Araújo já demonstrou alinhamento ao presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump. Para o novo chanceler, o presidente norte-americano “desafia a maneira usual de pensar”. “Aceitamos esse desafio”, afirmou.


El País: “Deus uniu ideias de Olavo de Carvalho ao patriotismo do presidente”, diz chanceler de Bolsonaro

Ernesto Araújo publica texto na edição de janeiro da publicação conservadora dos EUA ‘The New Criterion’. "Meus detratores me chamaram de louco por acreditar em Deus e por acreditar que Deus atua na história, mas eu não me importo"

Avesso a entrevistas, o futuro chanceler do Brasil, Ernesto Araújo, assina um artigo na revista norte-americana The New Criterion no qual diz que a "Divina Providência (em maiúsculas) uniu as ideias de Olavo de Carvalho à determinação e ao patriotismo do presidente eleito, Jair Bolsonaro". O texto, de três páginas, consta na edição de janeiro da publicação de tendência conservadora. Trata-se de uma pouco usual manifestação de Araújo, diplomata que foi indicado ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro por recomendação do filósofo Olavo de Carvalho, maior ícone intelectual da nova direita brasileira.

A nomeação de Araújo, um diplomata considerado por muitos inexperiente demais para o posto e defensor de uma guinada radical em alinhamento às ideias defendidas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, gerou fortes reações dentro do Itamaraty — uma das pastas com maior tradição na Esplanada e que sempre cultuou posições de moderação na área de política externa. O futuro chanceler aproveitou o espaço no The New Criterion para defender-se, redobrando sua aposta em posições polêmicas. "Meus detratores me chamaram de louco por acreditar em Deus e por acreditar que Deus atua na história — mas eu não me importo. Deus está de volta e a nação está de volta. Uma nação com Deus; Deus através da nação. No Brasil (ao menos), o nacionalismo se transformou no veículo da fé, a fé se tornou o catalisador do nacionalismo, e ambos acenderam uma empolgante onda de liberdade e de novas possibilidades".

Defesa da ditadura
Araújo faz uma reinterpretação do processo político vivido pelo Brasil desde o fim da ditadura militar que vigorou entre 1964 e 1985 — "erroneamente chamada de regime militar", anota o diplomata — e afirma que a vitória de Bolsonaro nas urnas faz parte de "uma onda de mudança que está limpando o Brasil". Para Araújo, desde a redemocratização se instaurou no Brasil um sistema corrupto "que sufocou a economia", no qual três partidos (MDB, PSDB e PT) agiam de forma coordenada.

"Um sistema tão estabelecido nunca reformaria a si mesmo. Apenas encontraria novas máscaras para estender seu poder [...] Uma mudança de verdade apenas poderia vir de fora, dos domínios intelectuais e espirituais", escreve Araújo, para em seguida arremeter: "Então o que quebrou esse sistema? Olavo de Carvalho, a Operação Lava Jato e Jair Bolsonaro."

Ernesto Araújo define Carvalho como "a única pessoa no Brasil, durante muitos anos, a usar a palavra comunismo para descrever a estratégia do PT". Além do mais, segundo o novo chanceler o filósofo "talvez tenha sido a primeira pessoa no mundo a ver o globalismo como um resultado da globalização, a entender seus propósitos horríveis e a começar a pensar sobre como derrubá-lo".

"Graças ao boom da Internet, e especialmente à revolução das mídias sociais, de repente as ideias de Olavo de Carvalho começaram a penetrar todo o País, alcançando a milhares de pessoas que até então tinham se alimentado apenas dos mantras oficiais", escreve Araújo. "Essas ideias romperam todas as barreiras e convergiram com as posições corajosas do único político brasileiro verdadeiramente nacionalista dos últimos cem anos, Jair Bolsonaro, dando-lhe um apoio de base sem precedentes."

Stuenkel aposta que, nos bastidores, os chineses convencerão à futura gestão brasileira a agir de forma pragmática. Já um diplomata brasileiro, que preferiu não de identificar, avalia que há diferenças internas da equipe bolsonarista que vão se refletir na política externa: de um lado, há o receituário liberal do Paulo Guedes, que será o superministro de economia, e, de outro, a postura mais soberanista que o próprio Bolsonaro costumava defender. "As relações com a China darão a senha para compreendermos qual dessas visões prevalecerá", diz o funcionário


Míriam Leitão: ‘Nova’ diplomacia é velha e ruim

Depois de nomeado ministro, Ernesto Araújo poderia ter encontrado o equilíbrio para exercer o cargo. Mas continua sem nexo e histriônico

O futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, continua se esforçando muito para produzir mais desatinos do que os governos petistas naquela pasta. E tem conseguido. O principal erro da diplomacia é quando ela se dispõe a representar uma parcela do país, desprezando ou ofendendo o resto. Agora ele diz que representará o agronegócio, porque o PT o fez com o MST. Talvez fosse bom ele entender que a Casa de Rio Branco deve espelhar o país e não um grupo, por mais importante que seja para a economia.

Durante os dois anos e meio do governo Temer, tentou-se corrigir as inclinações indevidas e a paralisia decisória do período anterior. Houve desde a mudança em relação ao governo chavista até a redução de pendências burocráticas. Só o atual chanceler, Aloísio Nunes Ferreira, aprovou quase mil remoções que estavam pendentes. O custo da política externa do PT pode ser quantificada pelos calotes no BNDES que o Tesouro terá de cobrir. Aconteceram também os vexames, como instalar o então presidente Lula numa tenda para ter aulas de geopolítica de Muamar Kadafi ou a imposição aos diplomatas de leitura obrigatória de textos de esquerda. A grande virtude no governo Temer foi a busca da normalidade.

Agora volta-se o pêndulo para o sentido oposto, com igual equívoco. Como se parecem. A diferença é que o embaixador Celso Amorim, apesar dos erros que cometeu, era um diplomata com carreira consolidada. O embaixador Ernesto Araújo é o equivalente a um general de divisão chamado a comandar o Exército.

Uma das decisões acertadas no período Temer foi a iniciativa de suspender a Venezuela do Mercosul, com base na cláusula democrática. O governo Maduro não é democrático, portanto, não cumpre o pré-requisito. Qualquer histrionismo em relação a ele só vai municiá-lo. O mais sábio com relação ao governo da Venezuela é não dar a Nicolás Maduro o que ele quer: um “inimigo” externo. Quando Maduro faz ameaças de armar as milícias, é bom ignorar. Algumas pessoas sabem disso no novo governo brasileiro, mas entre elas não está o nosso esbravejante chanceler com seus tuítes voadores.

Araújo soltou várias notas definindo o que ele chama de “nova política externa”. Disse que o Brasil vai exportar soja, frango, carne e açúcar, mas “também esperança e liberdade”. Segundo o novo chanceler, “a velha política e a velha mídia” querem “usar o agro como pretexto para reduzir o Brasil a um país insignificante”. A palavra “ridícula” é a mais apropriada para definir essas e outras manifestações do futuro ministro.

Os textos que ele assinava em seu blog sempre foram rasos. Mas naquele tempo ele era apenas uma pessoa se esforçando para ganhar espaço no futuro governo. Depois que atingiu o objetivo almejado, ser nomeado ministro, Ernesto Araújo poderia ter encontrado a centralidade necessária para o exercício eficiente do cargo. Contudo, permanece histriônico e sem nexo.

Sua mistura inusitada de despropósito político, fundamentalismo religioso, palavras intempestivas podem provocar um estrago grande nas relações do Brasil com o mundo. O clima de revolta entre diplomatas se espalha. Não por discordarem do futuro governo. Há pessoas com convicções políticas diferentes entre si e a mesma preocupação porque sabem que o futuro ministro tem ferido um a um os princípios de uma boa diplomacia.

A sua “nova” política externa será, na verdade, a diplomacia errada. Na economia, os governos do PT criaram a “nova matriz econômica”. Não era nova, estava equivocada e levou o país à recessão. Proclamar a adoração ao governo Trump vincula o país a uma administração, que é passageira, em vez de ser ao país, que é permanente. Além disso, representa um retrocesso de meio século na política externa, ao tempo do alinhamento automático.

As várias espetadas em diversos parceiros comerciais, cometidas por ele e por outros do futuro governo, têm o mesmo componente. São gratuitas. O Brasil nada ganha com isso e pode perder. Os perdedores são os mesmos que Ernesto Araújo alega que defenderá porque são, segundo ele, “a essência da brasilidade”, os empresários do agronegócio. Sendo o Brasil um dos mais eficientes produtores de alimentos do mundo, a militância fervorosa e maniqueísta do novo chanceler pode fechar portas que hoje estão abertas.


Eliane Cantanhêde: Sem reinventar a roda

Nunes Ferreira: política externa até pode mudar, mas ‘não vai acabar o mundo’

“O Brasil é um transatlântico navegando em mares internacionais turbulentos e precisa ser conduzido com prudência, numa rota que a gente conhece e a diplomacia brasileira sempre seguiu, com a Constituição, as leis, o bom senso e a altivez.”

Assim, o atual chanceler, Aloysio Nunes Ferreira, resume o que se espera da política externa do governo Jair Bolsonaro nesses tempos de Donald Trump nos EUA, Vladimir Putin na Rússia, Brexit no Reino Unido, mas o Brasil forte e em boas condições de atrair investimentos.

Segundo ele, que termina seu mandato no Senado e não disputou a eleição, “a mudança no Brasil é muito forte, muito importante, até mais do que as alternâncias anteriores, porque é até uma mudança cultural”. Logo, diz, “é natural que haja ajustes na política externa, como em qualquer área, porque a política é um ato do tempo”.

Ele, porém, ressalva que “o Itamaraty é uma escola, a nossa diplomacia é altamente qualificada e isso, certamente, será levado em conta pelo novo chanceler Ernesto Araújo”. Trata-se de uma clara defesa dos diplomatas e uma resposta à acusação do núcleo duro bolsonarista de que o Itamaraty está “infestado de petistas” ligados a Celso Amorim, chanceler de Lula.

Para Nunes Ferreira, política e ideologia nem sempre se confundem, os diplomatas têm carreira de Estado e, como os militares, trabalham com todos os governos, de esquerda, direita ou centro. O Barão do Rio Branco, ex-chanceler e ícone da política externa brasileira, era ideologicamente monarquista, mas atuou politicamente para consolidar a República.

Citou ainda os grandes diplomatas da época do general Ernesto Geisel e do chanceler Azeredo da Silveira, que eram ironizados como “os barbudinhos do Itamaraty”, mas “fizeram uma excepcional inflexão na política externa, com base no pragmatismo responsável que perdura até hoje”.

Diplomatas estão por trás das reportagens condescendentes com Lula e Dilma e críticas a Bolsonaro? “Isso é uma grande bobagem”, responde. “O PT é o único partido que construiu e cultiva conexões externas com partidos, jornais, organizações e universidades.” Por isso, não pelo Itamaraty ou por diplomatas, prevaleceu no exterior uma visão equivocada do impeachment de Dilma e da prisão de Lula.

O único líder que tentou furar esse bloqueio foi Fernando Henrique Cardoso, já como ex-presidente, mas sem sucesso. Além dele, o DEM, ainda quando PFL, começou a construir conexões com partidos liberais, especialmente da Europa, mas essa tentativa também não se consolidou.

O chanceler releva a mania de Bolsonaro e Araújo de seguirem Trump em tudo e prega bom senso. “Nós já nos livramos de um antiamericanismo ginasiano de certas esquerdas”, diz, destacando que a guinada na política externa começou com Michel Temer, que mudou o tom e a ação em relação à Venezuela e avançou em convergências, acordos e cooperação com os EUA, como na Base de Alcântara.

Para Nunes Ferreira, o futuro governo pode mudar muita coisa, mas tenderá a recuar em outras frentes, porque não é razoável sair do Acordo de Paris e do Pacto Global de Imigração, virar as costas para a ONU, a OMC e o Mercosul e confrontar o mundo árabe com a embaixada em Jerusalém, tudo ao mesmo tempo.

De toda forma, ele tem uma certeza: “O mundo não vai acabar. O Brasil vai continuar sendo a grande segurança alimentar, o grande exportador de minérios, um País amigável. E vai continuar na América Latina, não vai mudar nem de hemisfério nem de continente”.

Traduzindo: Bolsonaro pode quase tudo, Araújo pode muito, mas ninguém vai virar o País de pernas para o ar, nem reinventar a roda.

Bom Natal!