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Dez anos de cotas raciais nas universidades (Foto: Agência Brasil)

71% dos estudos sobre cotas raciais avaliam política positiva, mostra análise

Geledés*

Levantamento realizado pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas em 980 publicações sobre políticas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro aponta que 71% dessas pesquisas avaliaram positivamente as cotas raciais e 62% as cotas sociais. Os estudos analisados foram publicados entre 2006 e 2021.

Sobre as cotas raciais, 53% dos estudos avaliaram a política como “bastante positiva”, 18% como “levemente positiva” e 12% como negativas (com 16% sem identificação clara). Já em relação às cotas sociais, 43% foram “bastante positivas”, 19% “levemente positivas” e 12% negativas (25% sem identificação).

Esse é um dos achados que foram apresentados nesta quinta-feira no evento “Dez anos da Lei de Cotas: resultados e desafios”, no Museu Afro-Brasil, no Parque Ibirapuera, em São Paulo.

Na primeira parte do evento, dedicada à importância das cotas, Sueli Carneiro, fundadora da Geledes – Instituto da Mulher Negra, defendeu a Lei de Cotas especialmente em um “cenário temerário que clama pela defesa intransigente de projetos de democratização da educação” no país.

— Queremos de volta aquela democracia de baixo impacto que, apesar dos pesares, nos garantiram avanços como a Lei de cotas. Que a coragem demonstrada pela sociedade no dia de hoje nos inspire a defender estas conquistas — afirma a filósofa e escritora que é pensadora central sobre o feminismo negro.

O consórcio, que inclui especialistas da UFRJ, UnB, UFBA, UFMG, UFSC, Unicamp e Uerj, foi criada, frisam os acadêmicos, como contraponto à “ausência de propostas do governo federal para a revisão da Lei de Cotas, prevista para este ano”. O grupo tem, entre seus objetivos principais, entender as consequências de uma década com a legislação em vigor no ensino superior, saber se os beneficiários conseguem concluir suas graduações e adentrar no mercado de trabalho, analisar trabalhos acadêmicos sobre o tema e comparar o desempenho entre cotistas e não-cotistas no momento em que entram nas universidades e durante a graduação.

A Lei das Cotas completa dez anos em 2022. No entanto, houve uma fase experimental que durou de 2002 a 2007, quando a política chegou a 40 instituições de ensino superior públicas brasileiras. Depois disso, entre 2008 e 2011 o país viveu uma fase em que o Reuni, programa de expansão das universidades federais, garantia incentivos para quem implementasse as cotas. Só em 2012 foi aprovada a lei federal.

De 2001 a 2020 o número de pretos, pardos e indígenas matriculados em universidades públicas no Brasil passou de 31% para 52% do total de estudantes. E os de classe C, D e E de 19% para 52%. Os dados, amealhados pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas a partir de informações incluídas na Pnad Contínua, são de alunos de todos os cursos universitários de instituições federais, estaduais e municipais, de 18 a 34 anos, e não incluem apenas os que entraram nas faculdades através da Lei Federal de Cotas e de outras políticas afirmativas. Eles foram

— Neste período, também houve um aumento de quase 6% do número de pessoas que passaram a se identificar como pretos, pardos e indígenas no país, mas, sozinho, isso não explica tamanha mudança da cara do ensino superior brasileiro. As cotas, como apontam vários estudos produzidos desde 2012, foram fundamentais para aumentar o interesse destas pessoas pela universidade — diz o sociólogo Luiz Augusto Campos, professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-Uerj) e um dos 31 acadêmicos de sete universidades e oito grupos de pesquisa que criaram o Consórcio no fim do ano passado.

Uma das pesquisas destacadas no encontro desta quinta-feira, comandada pelas professoras de ciência política da UFMG Ana Paula Karuz e Flora de Paula Maia compara justamente o desempenho médio de cotistas e não-cotistas no Enem de ingressantes em todos os cursos da universidade (admitidos entre o primeiro semestre de 2016 e o segundo semestre de 2020) com o desempenho acadêmico no mesmo período. O resultado mostra uma desvantagem significativa dos alunos cotistas pretos, pardos e indígenas de baixa renda em relação aos não-cotistas que não se repete na média da nota semestral global de graduandos da UFMG, em que a diferença se esvai.

— Fica claro que a desvantagem destes alunos (cotistas) nas etapas anteriores do ensino não influem no desempenho durante o curso superior. E não se trata de uma especificidade da UFMG. A UFBA está em processo final de pesquisa comparativa de desempenho e os resultados são semelhantes — diz Campos, que é coordenador do Observatório das Ciências Sociais (OCS) e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) da Uerj, pioneira na implantação de políticas afirmativas no ensino superior, uma década antes da implementação da Lei Federal de Cotas.

Já Ana Paula Karruz, explica que a diferença de desempenho é de apenas 5 pontos numa escala de 0 a 100, em 85 dos 86 cursos analisados.

— A mensagem é clara, uma vez que entram na universidade o desempenho é muito próximo. A lição da UFMG é que não prestamos qualquer apoio às ideias de que haveria queda acadêmica. O foco é o oposto: há um desempenho superior, se relacionado diretamente às notas do Enem — afirmou Ana Paula Karruz, da UFMG.

Um dos casos mais interessantes apresentados no encontro foi o da UFSC, instituicao publica no estado mais branco do país. Em 2005, 8.5% dos estudantes da instituição eram negros para uma população de 11,7% de negros. Com a adoção da lei de cotas em 2008 o quadro foi mudando e em 2000 os números se equipararam: 18.8%. Mais: no curso de Medicina, de 2008 a 2012 apenas 3% dos médicos formados eram negros, de 2017 a 2021 passou para 23%.

— Buscar essa igualdade entre estudantes e o números de pretos e pardos na população era o mínimo que queríamos fazer em uma universidade pública. Mas talvez foi possível conseguir este aumento neste período porque o número de beneficiados não passa de 20%, a grita é menor — afirma o professor Mauricio Tragtenberg, da UFSC.

Outra pesquisa inédita mostrou o aumento do número de estudantes pretos, pardos e indígenas em todas as universidades federais, de 2012 a 2016. Os números mostram o aumento especialmente em cursos tradicionalmente classificados como “de elite”, como Relações Internacionais, Medicina, Odontologia, Direito e Engenharia

— Os números mostram que as políticas afirmativas aplicadas não criaram guetos de exclusão — afirmou o pesquisador Adriano Senkevics, do INEP.

Senkevics também lembrou que a velocidade do avanço de entrada de estudantes de classe C, D e E (menos favorecidas) diminuiu nos últimos anos e que a pandemia deve ser um fator para a desaceleração, mas faltam dados para se confirmar esta percepção e entender essa detecção “preocupante”.

Outro estudo, qualitativo, do sociólogo Jefferson Belarmino de Freitas, do IESP-Uerj, e do cientista político João Feres Júnior, também da Uerj, concluído em maio, mostra, através de entrevistas com os graduandos, como as cotas raciais na instituição fluminense ultrapassaram os benefícios individuais e aumentaram a disseminação de valores antirracistas.

O racismo se tornou mais perceptível nas vidas de estudantes pretos e pardos, por exemplo, ao passarem a circular em espaços nos quais a presença de negros ainda é minoritária, e no próprio processo de aprendizado social que os levam a articular melhor a dimensão do problema. Os efeitos sociais e políticos da disseminação de valores antirracistas, proporcionados pelas cotas, ultrapassa, defendem os pesquisadores, os portões das universidades e chega, como revelam os depoimentos, às famílias e locais de trabalho dos beneficiados.

Amparado por pareceres de diversos juristas e da ONG Conectas Direitos Humanos, o Consórcio defende que a Lei de Cotas, não pode, de forma alguma, ser suspensa se a revisão prevista para este ano for adiada para 2023. Na avaliação de especialistas em ensino superior, a lei em vigor não prevê sua revogação após dez anos, mas sim uma reavaliação. Hoje, 109 universidades públicas adotam algum tipo de ação afirmativa, contra 79 em 2012 e apenas 6 em 2003.

— Há mais pessoas negras e pobres na universidade pública? Sim. Diferentes pesquisas mostram que houve uma grande diversificação racial e socioeconômica. Nossa avaliação é a de que o saldo é claramente positivo e que melhorias pontuais podem ser propostas e feitas a partir de dados e pesquisas – diz Campos.

*Texto originalmente publicado no Geledés.


Em intervenção inédita, gestão Bolsonaro faz seleção de questões do Enem

Desde a eleição, presidente busca controlar conteúdo, por meio de impressão prévia da prova, análises e até comissões externas ao Inep

Renata Cafardo e Júlia Marques / O Estado de S.Paulo

O governo Jair Bolsonaro tem usado diversas estratégias, como a impressão prévia de provas e a análise do banco de questões por comitês externos ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), para tentar controlar o conteúdo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Servidores que pediram exoneração do órgão federal falam em pressão para trocar questões e o Estadão apurou que já houve supressão de itens "sensíveis" na prova que será aplicada nos dias 21 e 28 de novembro.

Segundo relatos à reportagem, 24 questões foram retiradas após uma “leitura crítica”, sob o argumento de serem “sensíveis”. Depois, 13 delas voltaram a ser incluídas e 11 foram definitivamente vetadas.

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Para essa análise das questões, servidores do Inep tiveram de imprimir a prova previamente dentro da sala segura do órgão, em um procedimento não adotado em anos anteriores. A sala segura é um ambiente criado para manter o sigilo absoluto da montagem das provas, com detector de metais e senhas nas portas. Quem examinou uma primeira versão do Enem deste ano foi o diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep, Anderson Oliveira – que está no cargo desde maio.

As comissões de montagem da prova sugeriram outras perguntas para substituir as 24 retiradas, mas o Enem acabou descalibrado – o exame tem uma quantidade de questões consideradas fáceis, médias e difíceis. Por isso, algumas tiveram de ser reinseridas no teste. Procurado, Oliveira não quis dar entrevista.

Em 2020, segundo apurou o Estadão, um dos que entraram na sala segura para ver as questões foi o general da reserva Carlos Roberto Pinto de Souza, ex-comandante do Centro de Comunicação do Exército, que ocupava o mesmo cargo de Oliveira. Ele morreu de covid e foi substituído pelo tenente-coronel-aviador Alexandre Gomes da Silva.

Neste mês, houve 37 pedidos de exoneração de servidores do Inep, que denunciaram a pressão interna e a “fragilidade técnica” da cúpula da autarquia responsável pelas avaliações do governo. O presidente Jair Bolsonaro afirmou na segunda-feira, 15, que o Enem começa agora a “ter a cara” do governo. Acrescentou que “ninguém precisa estar preocupado com aquelas questões absurdas do passado”.

O vice-presidente Hamilton Mourão, porém, negou interferência, com a alegação de que esse era o jeito de o presidente falar. Já o ministro da Educação, Milton Ribeiro, inicialmente, afirmou que teria acesso prévio às perguntas. Depois, recuou: disse na terça-feira que “não houve interferência”.

As questões do Enem são feitas por professores contratados pelo Inep há anos. Depois, comissões técnicas do órgão montam a prova de cada uma das quatro áreas, seguindo a metodologia de Teoria de Resposta ao Item (TRI), que calibra a dificuldade do exame.

Segundo servidores, porém, o atual presidente do órgão, Danilo Dupas, deixou claro que a prova não poderia ter perguntas consideradas inadequadas pelo governo. Essa pressão era entendida por servidores como um assédio moral e fez parte das denúncias. De acordo com eles, Oliveira também era pressionado e chegou a divulgar um documento dizendo que apoiava o pedido de exoneração dos seus subordinados. Eles afirmaram ainda que o clima de pressão atual já levou a uma autocensura dos grupos que escolhem as questões. Temas como sexualidade e ditadura militar, por exemplo, deixaram de ser sugeridos.

A intenção do governo de mexer no Enem paira no Inep desde a eleição de Bolsonaro, em 2018, quando ele criticou uma questão que mencionava um dialeto de gays e travestis. A então presidente do Inep era Maria Inês Fini, que criou o exame no governo Fernando Henrique Cardoso e voltara ao órgão na gestão Michel Temer. Ela conta que sempre leu o Enem antes porque esse era o seu papel, mas no computador e em “um trabalho técnico e não fiscalizador”.

“Essa coisa de considerar questões sensíveis nunca existiu”, diz. “Hoje, quem está lendo não entende nada de avaliação.” A reportagem consultou outros ex-presidentes e todos afirmaram nunca analisar a prova previamente. Procurado sobre o assunto na terça-feira, o Inep não se manifestou.

Comissão para avaliar Banco Nacional de Itens do Enem

No primeiro ano do governo Bolsonaro, uma comissão foi criada para avaliar a pertinência do Banco Nacional de Itens do Enem com a “realidade social” do Brasil. O ministro da Educação à época, Abraham Weintraub, afirmou que as questões não viriam carregadas “com tintas ideológicas”. Essa comissão chegou a desaconselhar, em 2019, o uso de 66 questões por promover “polêmica desnecessária” e “leitura direcionada da história” ou ferir “sentimento religioso”.

Neste ano, houve nova tentativa de criar comissão para avaliar as questões. O Inep preparava uma portaria para formar um grupo permanente que deveria barrar “questões subjetivas”. A ideia era que se abstivesse de “itens com vieses político-partidários e ideológicos”. O caso foi levado ao Ministério Público Federal, que recomendou, em setembro, que o Inep desistisse dessa comissão. Em resposta, o órgão afirmou que a recomendação foi atendida.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,gestao-bolsonaro-ja-cortou-questoes-do-proximo-enem,70003900649


Estudo explora conceito e aponta caminhos para desenvolvimento de escolas ativas no Brasil

PNUD lança publicação, realizada em parceria com o INEP, em painel hoje no Rio de Janeiro.

O que são escolas ativas? Quantas delas existem no Brasil? O que fazer, quais programas implementar, para que as escolas brasileiras sejam mais ativas? Como melhorar os instrumentos de coleta de dados para entender e monitorar com qualidade o que acontece em termos de atividade física e esportiva nas escolas do país? Qual é, afinal, a relação entre desenvolvimento humano e escolas ativas?

Essas são algumas das questões que deram origem à pesquisa cujos primeiros resultados o PNUD lança, na manhã desta quinta-feira 11, como parte da conferência internacional “O Poder do Esporte para o Desenvolvimento: construindo um futuro melhor para as crianças”, organizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Embaixada do Reino Unido e o Centro Internacional para a Segurança no Esporte, na British House, no Rio de Janeiro (RJ).

O Caderno de Desenvolvimento Humano sobre Escolas Ativas no Brasil, resultado de parceria entre o PNUD e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), vinculado ao Ministério da Educação (MEC), e desenvolvido por professores da USP, oferece elementos para a construção de uma visão sobre escolas ativas e aponta rumos possíveis de mudança. O documento sintetiza, de maneira didática, com emprego de gráficos, tabelas, figuras e outros recursos, os resultados da pesquisa realizada junto a escolas brasileiras para verificar condições materiais e imateriais favoráveis à prática de atividades físicas e esportivas.

O lançamento acontece durante o painel “Iniciativas de Esporte para o Desenvolvimento”, que tem a participação do coordenador residente do Sistema ONU e representante do PNUD no Brasil, Niky Fabiancic; do representante do UNICEF no Brasil, Gary Stahl; do conselheiro especial do Secretário-Geral da ONU sobre o Esporte para o Desenvolvimento e a Paz, Wilfried Lemke; da embaixadora Vera Cintia Alvarez, da Cooperação Esportiva no Ministério das Relações Exteriores do Brasil; do presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Andrew Parson; e do diretor executivo da iniciativa Save the Dream, do Centro Internacional para a Segurança no Esporte (International Centre for Sport Security).

O caderno revela, entre outros dados, que o Sudeste brasileiro é a região com o maior percentual de escolas com professor de educação física (82%), enquanto o Norte tem o menor (29%). O estudo também aponta que as escolas particulares são as que têm mais elevado percentual de professores de educação física (74%), enquanto as públicas têm 51%.

A diferença, em termos de percentual de professores de educação física nas instituições de ensino pesquisadas, é ainda mais discrepante quando comparadas as escolas rurais (31%) e as urbanas (71%).

A pesquisa contemplou os níveis fundamental (infantil e fundamentais 1 e 2) e médio. Após rigorosa triagem, baseada em dados da Prova Brasil 2013 e Censo Escolar 2013, ambos do MEC, os pesquisadores realizaram entrevistas telefônicas com quase 600 escolas de todo o país.

Para o representante do PNUD no Brasil, Niky Fabiancic, entrevistado no painel, “a escola é um ambiente central na vida das crianças e adolescentes. Para além dos benefícios na saúde, as atividades físicas e esportivas também trazem inúmeros benefícios em termos de desempenho escolar e habilidades sociais. Cada vez mais é impossível negar: nas escolas onde o movimento físico é privilegiado todos ganham, no presente e no futuro.”


Fonte: PNUD