indígenas

Terra Indígena Yanomami | Foto: Leonardo Prado/PGR

É urgente eliminar todo o garimpo ilegal da Terra Indígena Yanomami!

WWF-Brasil*

O Brasil e o mundo vêm assistindo estarrecidos à tragédia humanitária e ambiental que mais uma vez assola o povo Yanomami. Assim como aconteceu nos estertores da ditadura militar, o território está novamente tomado por garimpeiros ilegais, financiados pelo crime organizado e estimulados pelas medidas tomadas pelo governo Bolsonaro, que fragilizou a fiscalização ambiental, desestruturou o sistema de atendimento à saúde e em mais de uma ocasião recebeu garimpeiros ilegais, prometendo legalizar a atividade e retirar qualquer tipo de obstáculo para que ela pudesse se expandir livremente. Como resultado, a área destruída pelo garimpo triplicou entre finais de 2018 e de 2022.

Embora a situação calamitosa já viesse sendo amplamente denunciada pelas organizações Yanomami e suas parceiras desde pelo menos 2020, é apenas agora, com a mudança no Governo Federal, que o tamanho da tragédia pode ser conhecido pela sociedade, dado que durante o regime Bolsonaro todo tipo de obstáculo foi criado para a entrada de jornalistas e organizações humanitárias - só os garimpeiros tinham acesso livre à área.

A ocupação do território pelo crime organizado deslocou famílias inteiras, que fugiam da violência. Algumas foram aliciadas para trabalhar para os invasores. Com isso, perderam seus roçados e, por consequência, suas fontes de alimento, dependendo da ajuda de outras famílias, que mal tinham para sua subsistência. Crianças e adultos mal nutridos ficaram mais vulneráveis a doenças, várias trazidas ou espalhadas pelos garimpeiros, como a malária.

O sistema de saúde entrou em colapso, seja pelo excesso de demanda, seja pela má gestão no Distrito Sanitário Indígena - há diversas denúncias de desvios no órgão, incluindo a venda de medicamentos para garimpeiros -, seja porque vários polos de atendimento simplesmente foram tomados pelos invasores.

O genocídio engendrado é tamanho que pela primeira vez, desde que se tem registros, o número de crianças com menos de 5 anos é inferior que o das faixas etárias maiores. Durante o governo Bolsonaro, pelo menos 570 crianças com menos de 5 anos morreram de doenças para as quais há tratamento.

Por isso, o WWF Brasil vem manifestar seu apoio às medidas adotadas pelo Governo Federal para combater o garimpo ilegal no território Yanomami. Foi publicado no Diário Oficial de ontem, 31/01, o Decreto Federal 11.405/23, que autoriza a adoção de diversas medidas emergenciais para o tratamento de saúde, fornecimento de alimento e água potável - muitas fontes de água estão completamente contaminadas pelo mercúrio lançado pelos garimpos - e estrangulamento da logística que viabiliza a manutenção de mais de 20 mil pessoas dentro do território, incluindo a possibilidade de derrubar aeronaves clandestinas que entrem na terra indígena.

O WWF-Brasil também parabeniza e se solidariza com outras organizações da sociedade civil, que estiveram junto aos Yanomami nos últimos quatro anos, ajudando a denunciar e a reverter os estragos causados pelo garimpo. Denúncias no Tribunal Penal Internacional e à Organização das Nações Unidas, feitas nos últimos anos, não teriam sido possíveis sem o trabalho dessas instituições.

A tentativa de genocídio dos Yanomami é certamente o episódio mais chocante da história recente do Brasil, mas os prejuízos causados pelo garimpo ilegal espalham-se por toda a Amazônia. No Pará, por exemplo, estudo realizado pelo LEpiMol (Laboratório de Epidemiologia Molecular) da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e o WWF-Brasil, mostrou alta taxa de concentração de mercúrio (Hg) no sangue de residentes de áreas urbanas e ribeirinhas da bacia do Baixo Tapajós, no Estado do Pará. No início de 2022, um dos principais destinos turísticos da região - Alter do Chão - viu suas cristalinas águas ficarem sujas e barrentas por conta da lama despejada por garimpeiros quilômetros abaixo, no rio Tapajós.

Rio acima, o povo Munduruku também sofre com as chagas do garimpo. Estudo realizado pela Fiocruz e WWF-Brasil mostra que a contaminação por mercúrio chega a 90% dos indígenas Munduruku que vivem em aldeias à margem dos rios. Resgatar a dignidade e os meios de vida dos demais povos afetados pelo garimpo ilegal é urgente para não chegarmos ao nível de impacto visto no território Yanomami.

Estancar o garimpo ilegal é urgente e esperamos que outras medidas sejam adotadas pelas autoridades competentes, incluindo o Judiciário, para atacar as raízes do problema: o comércio legalizado de ouro com origem ilegal. Duas medidas, pelo menos, são fundamentais: obrigar que as transações sejam registradas por notas fiscais eletrônicas - como acontece quando vamos comprar um pão na padaria, mas inexplicavelmente não quando se trata da venda de ouro - e revogar o princípio da boa fé do comprador estabelecido em legislação de 2003, o qual dispensa os compradores de verificarem a origem do ouro que estão adquirindo.

O tempo está correndo e o Brasil precisa acelerar para acabar com essa tragédia!

Texto publicado originalmente no portal WWF Brasil.


Foto: Agência Brasil

Lula faz reunião sobre ações emergenciais na Terra Yanomami

Agência Brasil*

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez reunião hoje (30) para tratar de ações emergenciais para proteção e auxílio aos yanomami, povo que vive uma crise sanitária que já resultou na morte de 570 crianças por desnutrição e causas evitáveis, nos últimos quatro anos.

Entre as ações previstas estão a assistência nutricional e de saúde, com alimentos adequados aos hábitos dos indígenas, e a garantia de segurança necessária para que equipes de saúde possam atuar nas aldeias. Outra prioridade é garantir rapidamente o acesso a água potável por meio de poços artesianos ou cisternas e medir a contaminação por mercúrio dos rios e nas pessoas.

A Terra Indígena (TI) Yanomami é a maior do país em extensão territorial e sofre com a invasão de garimpeiros. A contaminação da água pelo mercúrio utilizado no garimpo e o desmatamento impacta na segurança e disponibilidade de alimento nas comunidades.

“O presidente determinou que todas essas ações sejam feitas no menor prazo, para estancar a mortandade e auxiliar as famílias yanomami”, informou a Presidência, em nota.

Para combater o garimpo ilegal e outras atividades criminosas na região, devem ser adotadas iniciativas que impeçam o transporte aéreo e fluvial que abastece os grupos criminosos.

“As ações também visam impedir o acesso de pessoas não autorizadas pelo poder público à região buscando não apenas impedir atividades ilegais, mas também a disseminação de doenças”.

Participaram do encontro os ministros da Casa Civil, Rui Costa; da Justiça, Flávio Dino; da Defesa, José Mucio; dos Povos Originários, Sônia Guajajara; dos Direitos Humanos, Silvio de Almeida; de Minas e Energia, Alexandre Silveira; das Relações Institucionais, Alexandre Padilha; além do comandante da Aeronáutica, Marcelo Damasceno; a presidenta da Funai, Joenia Wapichana; e o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Swedenberger Barbosa.

Embora entidades indígenas e órgãos como o Ministério Público Federal (MPF) já denunciem a falta de assistência a essas comunidades há muito tempo, agora, com a posse do presidente Lula, o governo federal está implementando medidas emergenciais para socorrer os yanomami.

A última delas, nesta segunda-feira, o Ministério da Justiça e Segurança Pública criou um grupo de trabalho que deverá apresentar propostas de ações a serem implementadas pelo governo federal a fim de combater a ação de organizações criminosas em terras indígenas, incluindo o garimpo ilegal.

Texto publicado originalmente na Agência Brasil.


Foto: Jacqueline Lisboa/WWF-Brasil

Revista online | O protagonismo indígena e o Ministério dos Povos Indígenas 

Marcos Terena*, escritor indígena, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)

O chamado protagonismo indígena não pode ser tratado como ação de um partido político, de um governo ou de uma organização indígena apenas.

Ao longo do tempo, a grande caminhada indígena para afirmar sua soberania e dignidade começou, talvez, naquele dia em que Caramuru, o português Borba Gato, chegou com um litro de aguardente e ameaçou queimar as águas dos rios, caso não lhe fosse mostrado onde encontrar as pedras preciosas.  

Não se deve desconsiderar as formas de vida, a inteligência, a economia sustentável e os mistérios espirituais indígenas e suas relações com a Mãe Terra em cada bioma.

Durante todo o processo colonizador, em que mais de mil povos ancestrais desapareceram, a aplicação da meia verdade tornou-se uma moeda corrente, inclusive para justificar a instituição do paternalismo, da dominação e da falsa ideia do enriquecimento fácil, como o arrendamento territorial. 

Veja todos os artigos da edição 50 da revista Política Democrática online

No final dos anos 1970, os chefes indígenas de vários povos e regiões passaram a conhecer os caminhos do poder de Brasília e a observar como eram e ainda são invisíveis aos olhos do poder público, do Judiciário, do Legislativo e do próprio Executivo.

É preciso recordar que as questões indígenas eram tratadas como casos de segurança nacional e, recentemente, como casos de polícia. 

No entanto, o protagonismo indígena nunca parou de avançar. Aquele protagonismo tribal ou comunitário da dignidade, da inteligência e da coragem que mostra os chefes Mario Juruna e Celestino Xavante sempre renasce e está vivo na nova geração a partir do conceito “posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”.

São sementes históricas marcantes das quais não se deve esquecer, especialmente pelos jovens indígenas que acessaram a universidade por sistemas de cotas articuladas e negociadas pelo mesmo protagonismo indígena.

No ano de 1992, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, os povos indígenas se uniram para mostrar que “caminhamos em direção ao futuro, nos rastros de nossos antepassados”. Dessa forma, o fogo sagrado do bem viver foi aceso para recordar o valor ancestral do vínculo com a Mãe Terra e os compromissos com todos.

O movimento indígena, nos últimos anos, vem criando as condições possíveis para construir uma política indigenista dentro do sistema governamental. Afinal, as regras de afirmação já estão postas na Constituição Federal ou no cenário internacional, como na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou na Declaração da ONU sobre os direitos indígenas. 

Depois, surgiram jovens indígenas que passaram a dominar a linguagem dos grandes debates internacionais após a RIO 92 e a COP 8, eventos realizados no Brasil sobre meio ambiente e diversidade biológica. Seguiram essas agendas os debates na COP 27, no Egito, e na COP 15, em Ottawa, agora sob a roupagem de mudanças climáticas e proteção à biodiversidade e conhecimentos indígenas.

A realidade brasileira indígena, devido a essa gama de articulações, de certa forma, encurralou o sistema governamental ao mostrar essas credenciais, como ocorreu no encontro com o presidente Lula e a primeira dama Janja, no Egito, apresentando a fatura por programas e compromissos factíveis com a realidade dos mais de 300 povos e 240 línguas, por exemplo. Além do Ministério dos Povos Indígenas, também houve proposta para criação de uma Universidade Intercultural e até de um centro de pesquisa e proteção à saúde indígena, com a novidade de ser coordenada pelo próprio protagonismo indígena.

O Ministério dos Povos Indígenas chegou, e Lula, em ação inédita, assinou o ato que o torna parte da história, ao nomear a primeira ministra indígena, a deputada Sonia Guajajara, eleita por São Paulo.

Veja, abaixo, galeria:

Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
Reprodução: Elisclésio Makuxi/Agência Brasil
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Reprodução: Atelier
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Foto: Daiara Tukano/Instagram
Foto: Ricardo Stuckert/Instagram | Os índios atravessaram a ponte
Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
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Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
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Mesmo com a assinatura desse ato, não podemos pensar que isso signifique a solução de todos os problemas dos mais de 500 anos de invasão e as demandas da modernidade, mas, sim, a responsabilidade do presidente do Brasil no cenário nacional e internacional de contribuir com a pavimentação desse caminho que não é indígena. Isto porque os inimigos dos indígenas existem e se organizam sob o manto da democracia parlamentar. 

Mais uma vez, os povos indígenas, com direito a quase 15% do território nacional onde está a resposta para o bem viver mundial, contribuem novamente para o resgate da afirmação da identidade cultural brasileira e, em especial, da credibilidade internacional. O país é megadiverso.  

O protagonismo indígena independente do governo. Deve estar organizado para o bom combate, como a demarcação territorial e a gestão das terras indígenas, e ter como estímulo a mensagem do chefe Sepeti Arajú: “Esta terra tem dono!”

Sobre o autor

*Marcos Terena é escritor indígena, fundador do primeiro movimento indígena, da tradição Xumono e articulador dos direitos indígenas.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Destravamento de demarcações foi uma das principais reivindicações do movimento indígena durante governo Bolsonaro - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Brasil retoma demarcações de terras indígenas após quatro anos de paralisação

Brasil de Fato*

O recém-criado Ministério dos Povos Indígenas, sob o comando de Sonia Guajajara (PSOL), pretende encaminhar para conclusão, nos primeiros meses de governo, processos demarcatórios de 13 terras indígenas nas regiões Norte, Nordeste, Centro Oeste e Sul. 

São territórios marcados por conflitos pela posse da terra e que já cumpriram todas as etapas da regularização, livres de entraves judiciais. Aguardavam apenas a homologação por parte do Executivo, até então refém da política anti-indígena do governo de Jair Bolsonaro (PL).  

Na prática, a homologação garante aos povos originários direitos plenos sobre a terra, a posse permanente e o uso exclusivo dos recursos naturais. Também viabilizam o acesso a políticas públicas e têm o potencial de pacificar disputas violentas entre indígenas e não indígenas. 

Confira a lista de áreas a serem homologadas e os municípios:

  • Aldeia Velha em Porto Seguro (BA)
  • Kariri-Xocó em Porto Real do Colégio (AL)
  • Potiguara de Monte-Mor em Rio Tinto (PB)
  • Xukuru-Kariri em Palmeira dos Índios (AL)
  • Tremembé da Barra do Mundaú em Itapipoca (CE)
  • Morro dos Cavalos em Palhoça (SC)
  • Rio dos Índios em Vicente Dutra (RS)
  • Toldo Imbu em Abelardo Luz (SC)
  • Cacique Fontoura em São Félix do Araguaia (MT)
  • Arara do Rio Amônia em Marechal Thaumaturgo (AC)
  • Rio Gregório em Tarauacá (AC)
  • Uneiuxi em Santa Isabel do Rio Negro (AM)
  • Acapuri de Cima em Fonte Boa (AM)

Novo momento dos indígenas na política 

Para esses territórios, os próximos passos são a expulsão de invasores, além do reassentamento e indenização de não indígenas que tenham ocupado de boa fé as áreas demarcadas, como comunidades ribeirinhas e outros habitantes tradicionais dos biomas. 

Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que as homologações inauguram um novo momento da política brasileira e são fruto de um grau sem precedentes de participação dos povos indígenas na atuação do Estado. 

"Essa é um novidade histórica", avalia Marcio Santilli, fundador do Instituto Socioambiental (ISA) e ativista pelos direitos indígenas há 40 anos.

"Não é mais uma política indigenista, como no passado. Agora são lideranças indígenas legítimas, reconhecidas no âmbito do movimento indígena, que passam a exercer funções de Estado", observa Santilli. 

As medidas dão concretude à promessa de campanha feita por Lula de fazer cumprir os direitos constitucionais dos povos indígenas. E são acompanhadas de mudanças importantes na Fundação Nacional do Índio (Funai), que passou a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas e, pela primeira vez, é presidida por uma mulher indígena, Joenia Wapichana

Homologações estavam na gaveta de Bolsonaro 

A homologação das 13 terras indígenas havia sido sugerida pela equipe de transição do governo federal. A gestão Bolsonaro foi marcada pela completa paralisação da regularização de terras indígenas, conforme o então candidato havia prometido durante a campanha eleitoral de 2018. 

"O que esses 13 processos estavam fazendo na gaveta que não foram homologados? Isso demonstra um explícito desejo do ex-presidente de descumprir a Constituição. Na verdade, o presidente Lula está retomando o cumprimento dos preceitos constitucionais", aponta Santilli. 

As terras indígenas prontas para homologação abrangem, juntas, cerca de 8,4 mil km², o equivalente a mais de cinco vezes a cidade de São Paulo (SP).

Segundo o ISA, 32% das 676 terras indígenas do Brasil ainda não foram homologadas e estão em etapas anteriores do processo demarcatório. 

Novo ministério deve priorizar Guarani Kaiowá, defende indigenista 

"Cada uma das 13 terras indígenas que serão homologadas têm histórico de muita guerra e muita luta", destaca a antropóloga Barbara Arisi, da Universidade Livre de Amsterdam. 

"A Morro dos Cavalos em Florianópolis (SC), por exemplo, já era pra ter sido demarcada há muitos anos. E o estado de Santa Catarina é extremamente anti-indígena, então tem um significado muito importante", comemora a indigenista. 

O primeiro esforço demarcatório do governo Lula foi celebrado por Arisi. Mas ela aponta que regiões importantes ficaram de fora, como as terras Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, que passam por uma escalada de conflitos e mortes de indígenas.

"O Mato Grosso do Sul é uma área de conflito onde eu acho que realmente o Ministério dos Povos Indígenas vai provavelmente colocar toda a sua força para também fazer andar as demarcações e resolver a situação de extrema violência", diz. 

"Tomara que isso aconteça rápido, antes que os criminosos ambientais se organizem do lado de lá. Os trabalhos de demarcação podem demorar 10, 15, até 20 anos", ressalta.

Pronta para homologação, área do "marco temporal" ficou de fora 

Clovis Brighenti, indigenista e professor de História das Sociedades Indígenas na América Latina da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), sentiu falta da terra indígena Ibirama La-Klãnõ na lista das primeiras homologações do governo Lula.

Habitada pelos Xokleng, a área é objeto da ação do chamado marco temporal das terras indígenas, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento foi adiado pela terceira vez em junho do ano passado.

"Reconhecemos e respeitamos a decisão da comissão de transição que analisou as homologações, mas não há qualquer impedimento legal para a homologação deste território", diz Brighenti. 

"A decisão [de não homologar a terra indígena Ibirama La-Klãnõ] pode ter levado em consideração o julgamento do marco temporal. Mas teria sido importante ela ter entrado na lista das terras a serem homologadas", avalia. 

Empecilhos para continuidade das homologações 

O novo governo encontrará desafios significativos para prosseguir com a agenda de regularização de terras indígenas. Muitas delas estão travadas por ações judiciais protocoladas por não indígenas que se concederam legítimos ocupantes das terras. Há inclusive disputas protagonizadas por grades fazendeiros e empresas multinacionais.

Marcio Santilli, do Instituto Socioambiental, sugere um esforço jurídico concentrado por parte da Advocacia-Geral da União, no sentido de destravar as demarcações paralisadas pela Justiça. 

"Mas a verdade é que houve um corpo mole imenso por parte do último governo federal em todos esses níveis. Agora tudo isso pode ser agilizado. É preciso criar instrumentos para poder superar os gargalos que existem dentro dos processos demarcatórios", afirma. 

Outro empecilho a ser superado é a paralisação de estudos demarcatórios conduzidos por grupos de trabalho no âmbito da Funai. O déficit de servidores do órgão indigenista, que atingiu níveis críticos sob Bolsonaro, contribui para a morosidade desses procedimentos. E nem sempre há estudos antropológicos prévios que atestem a presença ancestral indígena. 

"As demarcações são simplesmente estabelecer os limites da terra. Tem toda uma agenda gigante, que é também de alto interesse nacional, que é a gestão desses territórios. Tem muita coisa pela frente para ser feita", projeta o fundador do ISA. 

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Lula com lideranças indígenas na COP27 | Foto: Ricardo Stuckert

A questão indígena no Brasil: desafios ao novo governo

Brasil de Fato*

A fome, de forma avassaladora, atinge as comunidades indígenas em todas as regiões do país. Em Mato Grosso do Sul, adultos deixam de comer para que crianças sobrevivam. A angústia da fome, a destruição ambiental e da dignidade humana devastam o povo e seu território. Em Roraima, garimpeiros rasgam territórios e corpos indígenas, inclusive de meninas. Casas de reza são incendiadas sistematicamente. Também em Mato Grosso do Sul, o ataque ao sagrado, sustentáculo da resistência das comunidades, tem sido a estratégia de latifundiários.

Fronteiras do crime. No Amazonas, no Acre, em Mato Grosso do Sul, narcotraficantes invadem, sequestram, exploram corpos e territórios indígenas.

Tudo isso é apenas uma pequena amostra da herança maldita dos governos de extrema direita. Nos últimos seis anos, os povos indígenas do Brasil foram duramente impactados pelas práticas e concepções anti-indígenas de Michel Temer, mas, principalmente do governo Bolsonaro.

Ambos estruturaram, o que se pode denominar de antipolítica, a partir da qual suspenderam todas as demarcações de terras, romperam com as ações de proteção e fiscalização dos territórios demarcados, a exemplo dos povos livres, ou isolados, que são mais de 120. E a Fundação Nacional do Índio (Funai), nestes últimos anos, foi transformada numa agência de negócios espúrios. Ou seja, a partir dela, houve o incentivo e promoção às invasões de terras, tendo em vista a exploração criminosa das florestas, dos minérios e das águas.

Nesse mesmo período, a violência contra as comunidades, suas lideranças e territórios, mais que dobraram. A brutalidade e a covardia das agressões demonstram haver uma concepção, ou projeto de governo, que propaga a desumanização do outro, dos indígenas, dos quilombolas, das mulheres e homens pobres, pretas e pretos. Esses grupos de pessoas, de comunidades e povos, ao se tornarem, na visão dos governantes e seus cúmplices, objetos, coisas ou bichos, não são merecedores ou detentores de direitos, portanto, podem ser eliminados sem culpa, dó ou piedade.

A questão indígena no Brasil atual é central. O novo governo precisará, bem mais do que tratá-la com paliativos ou criar mesas de diálogos ou negociações, enfrentar as demandas como obrigações de Estado, promovendo, de imediato, a retomada das demarcações de terras, assegurando a todos os povos a sua posse e usufruto exclusivos. Deverá combater as invasões e responsabilizar aqueles que financiam essas práticas, especialmente grupos criminosos do garimpo, da exploração madeireira e do loteamento e grilagem de áreas. Também caberá ao novo governo, propor e executar medidas que combatam a prática ilegal e criminosa do arrendamento terras destinadas aos indígenas.

O novo governo terá que retomar a Funai, que nos últimos anos ficou sob o comando, controle e tutela de agentes que executaram os serviços de destruição e desconstrução dos direitos indígenas por dentro do Estado.

Precisará, o futuro governo, através do diálogo e da ampla participação dos povos indígenas – respeitando-os como sujeitos de direitos e protagonistas de suas histórias – recuperar e restabelecer uma política indigenista alicerçada nos dispositivos da Constituição Federal de 1988 – expressos nos artigos 231 e 232 – que determina a valorização das diferenças étnicas, das culturas, crenças, costumes, línguas e tradições; a demarcação e garantia de todas as terras como direito fundamental, originário, inalienável, indisponível e imprescritível.

O futuro governo, que deve se iniciar em 01 de janeiro de 2023, tem desafios enormes, mas precisará, desde logo, nos primeiros dias, apontar o caminho que deseja seguir em relação aos povos indígenas. Caso recue e protele, abrirá o flanco para a amplificação de uma violência sem controle, já que os inimigos permanecem entrincheirados, inclusive por dentro de suas bases de apoio e sustentação.

* Roberto Liebgott integra a Coordenação Regional Sul do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Glauco Faria

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Foto: Reprodução Brasil de Fato | Brasil usa agrotóxicos proibidos na União Europeia - Foto: Getty Images

Relator da ONU falará ao Senado nesta terça (22) sobre "Pacote do Veneno"

Cristiane Sampaio | Brasil de Fato

O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Tóxicos e Direitos Humanos, Marcos A. Orellana, falará ao Senado na próxima terça-feira (22) durante audiência pública sobre o "PL do Veneno". O emissário foi convidado pelos parlamentares da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), onde tramita atualmente o Projeto de Lei (PL) 1459/2022.

A proposta, que modifica o marco legal sobre pesticidas no Brasil e facilita o registro desse tipo de produto, está sob a alçada do Senado desde junho deste ano, após aprovação na Câmara dos Deputados.  

O texto tem alta impopularidade, especialmente entre segmentos do campo, ambientalistas e outros especialistas que alertam para os riscos do consumo de agrotóxicos. A proposta figura entre os destaques da agenda defendida pela bancada ruralista e é de autoria do ex-senador e ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, filiado ao PP, um dos expoentes da elite agrária nacional.

A audiência do dia 22 foi solicitada pelos senadores Paulo Rocha (PT - PA), Zenaide Maia (Pros-RN), Jean Paul Prates (PT-RN), Eliziane Gama (Cidadania-MA), Dário Berger (PSB-SC) e Acir Gurgacz (PDT-RO). O evento deve contar também com a presença de representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Agricultura (Mapa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O agendamento da sessão tem como pano de fundo o ímpeto da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que tenta fazer o PL avançar na Casa, e também as manifestações já feitas pela ONU a respeito do tema. Em junho deste ano, por exemplo, uma nota de especialistas do organismo chegou a pedir ao Senado que rejeitasse o PL 1459.

O grupo destacou, na ocasião, que a eventual aprovação seria um retrocesso ambiental no país, que já vem acumulando uma série de problemas na área de meio ambiente, especialmente nos últimos quatro anos. Entre outras pontos, a ONU afirmou, no documento, que é falsa a ideia de que a adoção de agrotóxicos seja necessária à alimentação do planeta.

O relator  

Dedicado ao tema das consequências causadas pela gestão ambientalmente correta e pelo descarte de substâncias e resíduos perigosos, Marcos A. Orellana tem atuação focada na área de direitos humanos. A expectativa é de que, ao participar da audiência, ele aponte aspectos que permeiam a utilização de agrotóxicos, como é o caso do risco que oferecem para o lençol freático, a produção de alimentos saudáveis e as comunidades que vivem no seu entorno.

O relator já se pronunciou criticamente a respeito do assunto em outros momentos. Em entrevista concedida ao Brasil de Fato em junho deste ano, ele destacou, por exemplo, que o "Pacote do Veneno" pode se tornar uma das legislações mais permissivas do mundo aos agrotóxicos, qna comparação do Brasil com os demais membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

"Não há dúvida de que foi feito sob medida para os interesses de um poderoso lobby agroindustrial, em detrimento dos direitos básicos de todos à saúde, à integridade física e ao meio ambiente saudável", afirmou Orellana.

Edição: Thalita Pires

Matéria publicada originalmente no Brasil de Fato


Nos dias 13 e 20 de novembro, participam do Enem 2022 cerca de 3,4 milhões de estudantes em todo o país - Arquivo/Agência Brasil

"Desafios para valorização de povos tradicionais" é tema da redação do Enem

Brasil de Fato

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano é ‘Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil", conforme divulgou o ministro da Educação, Victor Godoy, em seu perfil no Twitter, logo após o início da prova, neste domingo (13). 

Além da redação, os estudantes respondem 90 questões sobre Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. 

Considerada uma das maiores dificuldades da prova para a maioria dos estudantes, a redação pode ser um diferencial no resultado geral. Quem zera a redação, por exemplo, não pode participar do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que possibilita a entrada em instituições públicas de ensino superior, nem do Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsa de estudos em instituições privadas de ensino superior. 

::Descaso do (des)governo Bolsonaro com a educação é o pior da história brasileira::

A redação do Enem obedece a uma estrutura básica que consiste na apresentação do tema, defesa de um ponto de vista baseada em argumentos e, por fim, uma proposta de intervenção social para o problema apresentado no desenvolvimento do texto.  

Essas e outras orientações para produzir uma boa redação estão na Cartilha do Participante. Disponibilizada pelo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a cartilha explica os critérios de correção e mostra exemplos de redações que receberam a nota máxima com o intuito de ajudar os candidatos a se prepararem para a prova. 

Cada prova de redação do Enem passa por dois corretores que atribuem uma nota entre 0 e 200 pontos para cada uma das cinco competências avaliadas:  

- Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa;  

- Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa; 

- Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista;  

- Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação; e  

- Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos. 

A nota final será a média aritmética das notas totais atribuídas pelos dois avaliadores. Caso haja diferença de mais de 100 pontos em relação à nota total da prova ou de mais de 80 pontos em relação a alguma das competências, o texto passa, de forma independente, por um terceiro corretor.  

::Chegou a hora do Enem 2022; confira as dicas para fazer a prova neste domingo (13)::

A nota final será a média aritmética das duas notas totais que mais se aproximarem. Se a discrepância persistir, a prova é avaliada por uma banca composta por três professores, que atribuirá a nota final do participante. 

Erros 

Segundo a Cartilha do Participante, a redação receberá nota 0 (zero) se apresentar uma das características abaixo: 

- Fuga total ao tema; 

- Não obediência ao tipo dissertativo-argumentativo; 

- Extensão de até́ 7 (sete) linhas manuscritas, qualquer que seja o conteúdo, ou extensão de até 10 (dez) linhas escritas no sistema Braille; 

- Cópia de texto(s) da Prova de Redação e/ou do Caderno de Questões sem que haja pelo menos 8 linhas de produção própria do participante; 

- Desenhos e outras formas propositais de anulação, em qualquer parte da folha de redação (incluindo os números das linhas na margem esquerda); 

- Números ou sinais gráficos sem função evidente em qualquer parte do texto ou da folha de redação (incluindo os números das linhas na margem esquerda); 

- Impropérios e outros termos ofensivos, ainda que façam parte do projeto de texto; 

- Assinatura, nome, iniciais, apelido, codinome ou rubrica fora do local devidamente designado para a assinatura do participante; 

- Texto predominante ou integralmente escrito em língua estrangeira; 

- Folha de redação em branco, mesmo que haja texto escrito na folha de rascunho; e  

- Texto ilegível, que impossibilite sua leitura por dois avaliadores independentes. 

Enem 2022 

Nos dias 13 e 20 de novembro, participam do Enem 2022 cerca de 3,4 milhões de estudantes em todo o país. As provas de linguagens, ciências humanas e redação estão agendadas para o primeiro dia. Já no segundo, é a vez de matemática e ciências da natureza. As edições anteriores do Enem estão disponíveis no site do Inep, para quem deseja ainda se preparar para as provas.  

O Enem oferece vagas para estudantes no ensino superior público, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu); para bolsas em instituições privadas, através do Programa Universidade para Todos (ProUni), e também é parâmetro para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). 

Edição: José Eduardo Bernardes

Matéria publicada originalmente no Brasil de Fato


Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e a Coalizão Negra por Direitos estão na COP-27 - Reprodução

Movimentos negro e indígena defendem demarcação de terras e luta contra o racismo na COP-27

Brasil de Fato

A Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-27), iniciada neste domingo (6) no Egito, vai contar com a participação de diversos militantes brasileiros. Entre eles estão delegações da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), da Coalizão Negra por Direitos e da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq). 

A COP também contará com a presença do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que aceitou os convites de governadores da Amazônia Legal e da presidência egípcia para participar do evento.

A Apib tem como pauta central a demarcação de Terras Indígenas (TIs) no país. A associação afirma que as TIs "são as áreas com maior biodiversidade e com vegetação mais preservadas, visto que são territórios protegidos e manejados pelos povos originários". 

"Se a gente fala de justiça climática, a gente não pode esquecer dos povos indígenas e da justiça social. Nós, povos indígenas, temos responsabilidade nessa proteção", afirma Wal Munduruku, umas das participantes da cúpula.

Para ela, a presença de Lula no evento é uma oportunidade. "A gente precisa fazer urgentemente com que ele [Lula] assuma esse compromisso de demarcação de terras e de não liberação de mineração em territórios indígenas", defende.

A importância da manutenção dos territórios já existentes e da demarcação de novas terras indídenas pode ser demonstrada com dados. Um cruzamento de informações realizado pela APIB em 2022, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental do Amazonas (Ipam), com dados do MapBiomas, aponta que no Brasil 29% do território ao redor das TIs está desmatado, enquanto dentro das mesmas o desmatamento é de apenas 2%. 

Dinamam Tuxá, coordenador executivo da APIB, vai participar do painel "Transição governamental e política socioambiental brasileira" no dia 9 de novembro.

Movimento negro

A comitiva da Coalizão Negra por Direitos leva à COP-27 a denúncia sobre o racismo ambiental que existe no Brasil. Entre os principais pontos da pauta do grupo estão a redução das desigualdades para que o país alcance a justiça ambiental, implantação de metas ambientais que levem em conta as ameaças à população negra, a valorização dos territórios quilombolas e a escuta das pautas do Sul Global.

Matéria publicada originalmente no Brasil de fato


Revista online | Quilombos Urbanos: Identidade, resistência e patrimônio

Wanessa Sabbath*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)

Nosso país é plural em diversidade natural, cultural, religiosa e o papel de qualquer liderança em nosso país vem com a responsabilidade de abranger e respeitar todos os povos, entre eles, os povos originários indígenas e quilombolas. Diferente do conceito civilista de propriedade privada, quilombos e aldeias são porções de terra do território nacional habitadas por uma ou mais etnias como os indígenas e quilombolas. 

Esses povos originários abrangem suas atividades produtivas para sustento próprio, como plantio de alimentos, confecção de artesanatos para além de garantir seu bem-estar, necessário à reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições que são guardados e mantidos a séculos. Além do zelo imprescindível à preservação dos recursos naturais, nossos povos têm por costume manter uma relação muito mais saudável e sustentável de contato com a natureza – bem como os patrimônios diversos construídos pelas mãos dos nossos antepassados.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

Os quilombos são exemplos de respeito e acolhimento da diversidade, local onde existiam africanos e indígenas de diferentes etnias, bem como representantes de diferentes povos de resistência comungando do mesmo espaço, onde o respeito e a preservação das histórias e costumes de cada um constitui a base das vivências.

"É um direito humano e universal a vida, a liberdade e a segurança pessoal sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”. Esses e outros artigos estão, na íntegra, publicados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro de 1948.

É por isso que, como brasileiros, diversos, plurais, nos cabe esse papel de refletir. É por isso também que devemos fazer esse resgate diário sobre o que é o nosso país e quem somos.

Confira, a baixo, galeria de imagens:

Região quilombola no municpio de Presidente kennedy em Espírito Santo | Foto: Leonardo Mercon/Shutterstock
Vacinação Quilombolas | Foto: Igor Santos/Secom
Casa Amarela Quilombo Afroguarany antiga Mansão Florentina
Fotos da rua da consolação na época do café
Casa Amarela Quilombo Afroguarany antiga Mansão Florentina (1)
Quilombo em 1920
Região quilombola no município de Presidente kennedy em Espírito Santo
Tia Eliza
Vacinação Quilombolas
Quilombo do Frechal
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Casa Amarela Quilombo Afroguarany antiga Mansão Florentina
Fotos da rua da consolação na época do café
Casa Amarela Quilombo Afroguarany antiga Mansão Florentina (1)
Quilombo em 1920
Região quilombola no município de Presidente kennedy em Espírito Santo
Tia Eliza
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O Brasil é um imenso Quilombo! 

O quilombo é o epicentro do fenômeno da quilombagem, que foi organizado e dirigido pelos próprios africanos escravizados durante o escravismo brasileiro em todo o seu território. Um verdadeiro movimento de mudança social provocado, que desgastou significativamente o sistema escravista, social, econômico e militar, contribuindo para a crise do escravismo, que mais tarde foi substituído pelo trabalho “livre”. Os quilombos foram muito mais do que esconderijos de povos de resistência: foram, com certeza absoluta, a maior forma de protesto, luta e resistência contra o sistema escravista e um espaço onde os pretos puderam desenvolver seus costumes e reafirmar sua identidade. Estes espaços de resistência não ocorreram apenas nas áreas rurais, existem muitos relatos da existência também em áreas urbanas. Esses locais ou eram cômodos e casas coletivas no centro da cidade ou núcleos semi-rurais. Vale ressaltar que importantes núcleos negros nasceram desse tipo de configuração.

No final do século XIX, quando muitas mudanças ocorriam no Brasil, como a “abolição” formal da escravatura, e a adesão ao regime político republicano, a cidade de São Paulo se consolidava com a mudança de ricos fazendeiros da lavoura de café. Os cafeicultores foram morar nas regiões da Avenida Paulista, Campos Elíseos e Higienópolis, trazendo consigo pretos escravizados e trabalhadores domésticos “livres”, que foram residir próximo aos seus senhores e patrões em residências coletivas conhecidas como Quilombos Urbanos ou Irmandades Negras, na área central da cidade.

Sobre a autora

*Wanessa Sabbath é cantora, compositora, atriz e fundadora da @casaamarelaquilombo, ocupação cultural que visa abrir espaço à cultura afro-brasileira integrando as periferias ao centro da cidade utilizando a arte como transformador social.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Sônia Guajajara é uma das integrantes da bancada do cocar, que pretende fazer frente à bancada ruralista no Congresso a partir de 2023 | Foto: reprodução/Brasil de Fato

Sônia Guajajara: São Paulo elege sua primeira deputada indígena

Brasil de fato*

São Paulo elegeu, neste domingo (2), a primeira deputada federal indígena. Sônia Guajajara (PSOL) foi eleita para o cargo com 156.695, junto a outros 69 novos parlamentares que irão representar o estado paulista na Câmara dos Deputados.  

No Congresso, Guajajara irá somar o coro de parlamentares da esquerda em defesa do meio ambiente e de comunidades indígenas.

No Twitter, a parlamentar eleita comemorou. "São Paulo, nós conseguimos! A primeira mulher indígena eleita como deputada federal por SP vai aldear o Congresso Nacional. Muito, muito obrigada pela confiança! Vamos aldear mentes e corações, e construir um novo Brasil. Seguimos juntes!"

Compromisso de campanha

O material utilizado durante a campanha reforça que a sua grande pauta é “trazer as vozes dos povos originários e historicamente oprimidos e silenciados ao centro do debate político brasileiro: Indígenas, população negra, caiçaras e quilombolas”. 

“Suas principais bandeiras são a defesa da Amazônia e da Mata Atlântica, a defesa dos direitos das minorias, o respeito à diversidade e à pluralidade e a reconstrução da democracia no Brasil, que foi tão enfraquecida nos últimos quatro anos.” 

Durante a campanha, em carta escrita à população brasileira, Guajajara mirou o agronegócio como uma das facetas da destruição de florestas, com a regularização das invasões de terras públicas e indígenas. “Não podemos aceitar o garimpo com derramamento de mercúrio e outros contaminantes nos rios, com a destruição da floresta, matando os peixes, matando os Yanomami, matando os Munduruku, com a exploração dos trabalhadores e trabalhadoras. O ouro, o diamante, o alumínio, e outros minérios não podem carregar o sangue indígena”, afirma.  

https://www.youtube.com/embed/IVjeQH_JrOg

Nascida em 1974 na Terra Indígena de Araribóia, no Maranhão, Sônia dedicou a vida para combater a invisibilidade dos povos indígenas. Em cerca de duas décadas de atuação na luta pelos direitos das populações originárias, atuou em diferentes organizações e movimentos, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), da qual é coordenadora executiva. 

Além de atuar no país, Sônia Guajajara tem voz no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Ativista há mais de vinte anos, a indígena representa os povos tradicionais nas Conferências Mundiais do Clima (COP) desde 2009, onde já apresentou diversas denúncias de violações aos direitos desses grupos. 

Aos 15 anos, ela deixou a região pela primeira vez para estudar em Minas Gerais, convidada pela Funai. Hoje, é formada em letras e em enfermagem, pós-graduada em educação especial e mestra em Cultura e Sociedade.  

Em 2001, participou do primeiro evento nacional indígena, a pós-conferência da Marcha Indígena, para discutir o Estatuto dos Povos Indígenas em Luziânia, no estado de Goiás. Em 2012, coordenou a organização do Acampamento Terra Livre na Cúpula dos Povos. No ano seguinte estava à frente da Semana dos Povos Indígenas e de ocupações no plenário da Câmara e no Palácio do Planalto. 

Foi premiada diversas vezes, em 2019 recebeu da Organização Movimento Humanos Direitos o Prêmio João Canuto pelos Direitos Humanos da Amazônia e da Liberdade. No mesmo ano, foi agraciada com o prêmio Packard concedido pela Comissão Mundial de áreas protegidas da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN). 

Guajajara entrou para a história da política brasileira em 2018, quando foi candidata a vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos (PSOL). Foi a primeira indígena a concorrer ao cargo.  

Foi Boulos, aliás, quem escreveu o perfil de Guajajara na revista estadunidense Time, que a elegeu uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Convidado pela revista para apresentar a colega de partido, Boulos destacou o fato de ela ter saído de casa aos 10 anos para trabalhar e, contrariando as estatísticas, ter chegado ao ensino superior. Ela é professora e auxiliar de enfermagem. 

"Sônia é uma inspiração, não só para mim, mas para milhões de brasileiros que sonham com um país que quita suas dívidas com o passado e finalmente acolhe o futuro", destacou Boulos. 

*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato


Durante terceiro ano de Bolsonaro, 176 indígenas foram assassinados no Brasil

Gabriela Moncau*, Brasil de Fato

A realidade que notícias esparsas ou a vivência local já demonstravam é agora, mais uma vez, comprovada em números. Os ataques aos povos originários no Brasil estão numa crescente. Apenas durante o terceiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), 176 indígenas foram assassinados no país. O número é praticamente igual ao de 2020, quando 182 indígenas perderam a vida de forma violenta.

Lançado nesta quarta-feira (17), o relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), registra 355 casos de violência contra indígenas ao longo de 2021. É o maior índice desde 2013, quando o método de contagem foi alterado.  

Em 2020 foram 304 casos – que, além de mortes, somam ameaças, lesões, racismo, violência sexual e tentativa de assassinato.  De um ano para o outro, portanto, houve um aumento de 51 episódios deste tipo. "É um grau de violência que a gente ainda não tinha visto dessa maneira", resume Lucia Helena Rangel, assessora antropológica do Cimi. 

Seguindo o mesmo padrão desde que Bolsonaro assumiu a presidência, os estados que registraram o maior número de assassinatos de indígenas foram Amazonas (38), Mato Grosso do Sul (35) e Roraima (32). 

Responsabilidade do Estado 

"O contexto geral de ataques aos territórios, lideranças e comunidades indígenas está relacionado a uma série de medidas, por parte do poder Executivo, que favoreceram a exploração e a apropriação privada de terras indígenas", avalia o relatório do Cimi.  

Se a paralisação da demarcação de terras indígenas (TI) foi uma diretriz inalterada ao longo de todo o governo Bolsonaro, ao longo dos anos as consequências desta política indigenista oficial representaram, de acordo com o relatório, "o agravamento de um cenário que já era violento e estarrecedor".

Pelo sexto ano seguido, o Cimi registrou um aumento das "invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio" em TIs. Em 2020 foram registradas 263 invasões aos territórios dos povos originários, enquanto em 2021 foram 305, um crescimento de 16%. 

"Vemos máquinas enormes, grupos armados, tiroteios e assassinatos por trás do garimpo de extração de ouro e de alguns minérios como a cassiterita, praticados de forma violenta. Essas invasões têm aumentado sistematicamente, sobretudo na região amazônica. Mas também em outras regiões onde há minério", relata Rangel. 

Cenário premeditado 

A situação não é fruto apenas de omissão estatal, mas da intencionalidade dos poderes Executivo e Legislativo. Entre as ações do Estado que ativamente prejudicam os povos indígenas, o relatório destaca a Instrução Normativa 09, publicada pela Funai em 2020, que autorizou a certificação de propriedades privadas que estão dentro de terras indígenas não homologadas.  

Em 2021, a Instrução Normativa Conjunta da Funai e do Ibama foi além: permitiu a exploração econômica de terras indígenas por organizações de "composição mista" entre indígenas e não indígenas. 

Além disso, está em tramitação o conjunto de Projetos de Lei (PL) apelidado pelo movimento indígena como Pacote do Fim do Mundo. Fazem parte dele, por exemplo, o PL 490/2007, que inviabiliza novas demarcações e o PL 191/2020, que prevê a exploração de mineradoras em TIs.  


Em um ano, invasões e explorações ilegais de terras indígenas aumentaram 16% no Brasil / Marina Oliveira / CIMI

"Esse conjunto de ações deu aos invasores confiança para avançar em suas ações ilegais em terras indígenas. Garimpos desenvolveram ampla infraestrutura, invasores ampliaram o desmatamento de áreas de floresta para a abertura de pastos e o plantio de monoculturas, e caçadores, pescadores e madeireiros intensificaram suas incursões aos territórios", descreve o documento. 

A luta contra a aprovação deste pacote e também do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) está no centro das reivindicações indígenas nos últimos anos, tendo impulsionado massivas mobilizações nacionais, como as que levaram, em 2021 e 2022, cerca de sete mil indígenas para Brasília.  

A (não) demarcação 

Conforme levantamento do Cimi, 62% das 1.393 terras indígenas no país estão com pendências para a sua regularização. Entre estas, que somam 871, são 598 as que, apesar de reivindicadas por povos indígenas, não apresentam qualquer providência do Estado para começar o processo de demarcação.  

Entre os conflitos por terra, o relatório salienta também a recorrência de terras indígenas onde há a sobreposição de Cadastros Ambientais Rurais (CAR). Ou seja, certificações de propriedades privadas em cima de territórios tradicionais. "Em alguns casos, como nas TIs Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, e Barra Velha, na Bahia", ilustra o documento, "houve a tentativa de venda de 'lotes' de terra por meio de redes sociais".

O mapeamento das formas de violência a que estão submetidos os povos indígenas no Brasil destaca, ainda, a queima de casas de reza - espaços primordiais para a espiritualidade, a resistência e a manutenção das tradições de diversas comunidades indígenas.  

Em 2021, foram registrados quatro casos contra os povos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul e um contra o povo Guarani Mbya no Rio Grande do Sul. A despeito da destruição, por meio de arrecadações voluntárias e mutirões comunitários, as casas de reza têm sido reerguidas.

Povos isolados 

A situação dos povos em isolamento voluntário também está se agravando. Esse isolamento é garantido por portarias federais mas, em alguns casos, elas sequer vêm sendo renovadas. A TI Jacareúba-Katawixi, no Amazonas, é uma das áreas que está sem proteção. A portaria que garante o isolamento expirou em dezembro de 2021. Em outros casos, as portarias foram renovadas, mas apenas pelo período de seis meses.

"As invasões atingiram pelo menos 28 TIs onde há presença de povos indígenas isolados, colocando a própria existência desses grupos em risco", alerta o Cimi.  

O relatório, disponível no site do Conselho, também traz artigos que, entre outros temas, abordam o encarceramento de indígenas no país; a execução orçamentária da política indigenista de Bolsonaro; e mecanismos de reparação e não repetição de violações contra essa população. 

*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato. Título editado


O escritor e ambientalista Ailton Krenak foi eleito como membro da Academia Mineira de Letras nesta terça-feira (14/6) (foto: Neto Gonçalves / Divulgação)

Ailton Krenak é eleito para a Academia Mineira de Letras

Daniel Barbosa*

Com 36 votos do total de 39 votantes, o escritor Ailton Krenak, autor do best-seller "Ideias para adiar o fim do mundo", foi eleito como o novo ocupante da cadeira de número 24 da Academia Mineira de Letras (AML), vaga desde o falecimento do escritor e jornalista Eduardo Almeida Reis. A eleição ocorreu na tarde desta terça-feira (14/6) na sede da AML, em Belo Horizonte.

Tendo como patrona Barbara Eliodora, a cadeira 24 foi fundada por João Lúcio. Por ela também passaram Cláudio Brandão, Henrique de Resende, Sylvio Miraglia, além do já citado Eduardo Almeida Reis.

O jornalista Rogério Faria Tavares, presidente da AML, destacou que a chegada de Ailton Krenak à AML é um momento histórico, inédito no país: "A arrebatadora eleição de Ailton Krenak para a Academia se abre a uma inegável dimensão simbólica. Ela é uma reverência justa e devida à potente e fascinante cultura dos povos indígenas, uma das matrizes formadoras da nacionalidade".

Ele considera que a presença de Ailton Krenak na cena cultural brasileira é luminosa e inspiradora. "Seus livros conquistaram a todos pelo vigor de sua mensagem e pela beleza de suas palavras, sendo, hoje, traduzidos para mais de 13 países. São textos que nos alertam sobre como a humanidade está lidando com o meio ambiente e com o seu próprio futuro. Sua visão de mundo é poderosa, abrangente, inclusiva. Ler com atenção o que Ailton Krenak escreve é fundamental para compreender alguns dos dramas mais agudos que vivemos hoje", disse, em nota à imprensa.

ETNIA KRENAK

Ailton Alves Lacerda Krenak é um pensador, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro da etnia Krenak, cuja população chegava a 5 mil pessoas no início do século 20 – esse número foi reduzido a 600 na década de 1920 e a 130 indivíduos em 1989. Na época, Ailton alertou que “se continuar nesse passo, nós vamos entrar no ano 2000 com umas três pessoas”. Felizmente isso não aconteceu. Contando com esforços do próprio Ailton, os Krenak fecharam o século com uma população de 150 pessoas.

Nascido em 1953, no município de Itabirinha, no estado de Minas Gerais, na região do Médio Rio Doce, ele se mudou com a família, quando tinha 17 anos, para o estado do Paraná, onde se alfabetizou e se tornou produtor gráfico e jornalista.

Na década de 1980, passou a dedicar-se exclusivamente ao movimento indígena. Em 1985, fundou a organização não governamental Núcleo de Cultura Indígena, com o intuito de promover a cultura dos povos originários. À época da Assembleia Nacional Constituinte, uma emenda popular assegurou a participação do grupo no processo de elaboração da nova Carta Magna, momento em que Ailton assumiu ativo papel na defesa dos direitos de seu povo.

POVOS DA FLORESTA

Em 1988, participou da fundação da União dos Povos Indígenas, organização que visa representar os interesses indígenas no cenário nacional. No ano seguinte, integrou a Aliança dos Povos da Floresta, movimento que visava o estabelecimento de reservas naturais na Amazônia - onde fosse possível a subsistência econômica através da extração do látex da seringueira, bem como da coleta de outros produtos da floresta.

De volta a Minas Gerais, para viver próximo de seu povo, passou a realizar, na Serra do Cipó, por meio de sua ONG, o Festival de Dança e Cultura Indígena, cuja primeira edição remonta a 1998. O evento criado pelo Núcleo de Cultura Indígena se dedica a promover o intercâmbio entre as diferentes etnias indígenas e delas com os não índios.

Em 2000, foi o narrador principal do documentário “Índios no Brasil”, produzido pela TV Escola. Dividida em dez partes, a produção aborda a identidade, as línguas, os costumes, as tradições, a colonização e o contato com o branco, a briga pela terra, a integração com a natureza e os direitos conquistados pelos indígenas até fins do século 20. Entre 2003 e 2010, Ailton Krenak foi assessor especial do Governo de Minas Gerais para assuntos indígenas, durante as gestões de Aécio Neves e António Anastasia.

No ano de 2014, ele foi um dos palestrantes do seminário internacional “Os mil nomes de Gaia”, ocorrido no Rio de Janeiro sob organização de Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo do Museu Nacional, e Deborah Danowski, filósofa da PUC-Rio.

MOBILIZAÇÃO INDÍGENA

Em abril de 2015, durante a Mobilização Nacional Indígena, convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foi lançado um livro da coleção “Encontros”, da Azougue Editorial, que reúne diversas entrevistas concedidas por Ailton Krenak entre 1984 e 2013. Os textos foram organizados pelo editor Sérgio Cohn e contam com apresentação de Viveiros de Castro.

No dia 18 de fevereiro de 2016, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) concedeu a Ailton o título de Professor Doutor Honoris Causa, um reconhecimento pela sua importância na luta pelos direitos dos povos indígenas e pelas causas ambientais no país. Atualmente, ele leciona, nesta mesma universidade, as disciplinas Cultura e História dos Povos Indígenas e Artes e Ofícios dos Saberes Tradicionais, ambos em cursos de especialização.

Em 2018, Ailton foi um dos protagonistas de uma série na Netflix chamada “Guerras do Brasil”, que relata com detalhes a formação da nação ao longo de séculos de conflito armado, começando com os primeiros conquistadores até a violência na atualidade. Em 2020, conquistou o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano concedido pela União Brasileira dos Escritores (UBE).

DISTINÇÃO DA UNB

Em maio deste ano, ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília (UnB). A entrega aconteceu no dia 12, no auditório do Conselho Universitário (Consuni), que fica no campus Darcy Ribeiro. A data foi definida em memória do lançamento oficial da Aliança dos Povos da Floresta. Ele é o primeiro indígena a receber o título pela universidade.

O reconhecimento, um dos mais importantes da instituição, é condido a personalidades que tenham se destacado pelo saber ou pela atuação em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras ou do melhor entendimento dos povos. A recomendação da homenagem ao líder indígena foi feita pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam) da universidade e havia sido aprovada pelo Consuni em dezembro do ano passado, por aclamação.

“Eu acabei me constituindo como um sujeito coletivo, com experiência profunda de pertencimento a esta terra, a este território, desta parte do planeta a que nós nos apegamos de maneira tão determinada, que nós enfrentamos qualquer desafio para honrar essa Mãe Terra”, disse, emocionado, no discurso após receber a honraria, atribuindo este reconhecimento não à sua pessoa, mas a comunidade da qual faz parte.

Ailton Krenak é um dos mais proeminentes intelectuais brasileiros da atualidade e uma liderança histórica do movimento nacional indígena, com vários livros publicados, entre eles “A vida não é útil”, “O amanhã não está à venda”, “Tembetá” e “O sistema e o antissistema: três ensaios, três mundos no mesmo mundo” (escrito em colaboração com outros autores), além do já citado “Ideias para adiar o fim do mundo”. Atualmente ele vive na Reserva Indígena Krenak, no município de Resplendor (MG). 

*Texto publicado originalmente em Estado de Minas Cultura