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Andrea Jubé: 'Deus poupou-me do sentimento do medo'

Centro já descartou Huck e Moro como presidenciáveis

Vamos tratar aqui de três presidentes: pela ordem, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, e Jair Bolsonaro. Este passou recibo, com firma reconhecida, de que sentiu a mão fria do “impeachment” roçar-lhe as costas na semana passada, quando o colegiado pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) desferiu-lhe duas bordoadas: confirmou a ordem de instalação da CPI da pandemia, e o restabelecimento dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A CPI da pandemia, se não tem o impedimento do presidente como alvo, provocará enxaquecas palacianas. Lula, por sua vez, desponta hoje como a principal ameaça à reeleição de Bolsonaro. Mas, remarque-se que a política muda como as nuvens - ou como o humor presidencial.

Bolsonaro está mal humorado, e deixou o azedume transparecer na “live” de quinta-feira, quando o STF sacramentou a investigação contra seu governo, e a elegibilidade de Lula. “Só Deus me tira da cadeira presidencial, e me tira, obviamente, tirando a minha vida", vociferou.

Em recado velado, porém, audível, ao Congresso, ao STF e à oposição, acrescentou, com ênfase, que salvo a prerrogativa divina, “o que nós estamos vendo acontecer no Brasil não vai se concretizar, mas não vai mesmo. Não vai mesmo, tá ok?” Nesse trecho cifrado, Bolsonaro aludiu à ameaça de “impeachment”.

O temor do impedimento ronda o Planalto há meses, e vai e volta em ondas, como o mar. Ou como a pandemia, para ser exata. A primeira onda deu-se em junho do ano passado, quando Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi preso, o que acendeu a luz amarela no Palácio. O episódio teve o condão de suspender a sucessão de atos antidemocráticos pelo fechamento do Congresso e do STF, que Bolsonaro, e sua militância, estimulavam.

A segunda onda se consumou há algumas semanas, quando o Centrão redobrou a pressão pela saída do chanceler Ernesto Araújo, em paralelo ao recrudescimento da pandemia. Para não passar recibo, Bolsonaro improvisou uma ampla reforma, aproveitando-se para se livrar do incômodo ministro da Defesa Fernando Azevedo e dos três comandantes das Forças Armadas, que, pela sua percepção, não o respeitavam como comandante-em-chefe, conforme prescreve a Constituição Federal.

Nessa ampla reforma o medo do “impeachment” ganhou nome e sobrenome: Flávia Arruda, a elegante e discreta ministra da Secretaria de Governo, cuja nomeação selou a aliança de Bolsonaro com o Centrão raiz: o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira, e o PL de Valdemar Costa Neto.

Quando os generais Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto decidiram finalmente ceder e entregar a articulação política para o Centrão, uma semana antes do domingo de Páscoa, o primeiro nome lembrado foi o do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), que tinha o padrinho mais forte do mercado: o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Mas toda a força de Flávio empalidece diante da caneta de Arthur Lira (PP-AL), que despacha os requerimentos de “impeachment”. Por isso, os dois generais concluíram que o novo ministro tinha de ser egresso da Câmara, e abençoado por Lira. Ontem Flávia admitiu em uma “live” promovida pela XP Investimentos, que recebeu o convite de Bolsonaro para assumir o cargo, mas tratou do assunto com Lira, e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Com Flávia Arruda, Bolsonaro reforçou a blindagem contra o “impeachment” com uma segunda camada. A primeira camada é o vice-presidente, Hamilton Mourão. Num cenário de instabilidade quase permanente, nenhum deputado ou senador calejado de crises quer apear um ex-deputado do poder para passar a caneta para um general. “Ele não inspira confiança”, reconheceu um cacique do Centrão em conversa com a coluna.

Um cacique do Centrão é categórico ao rechaçar qualquer risco de “impeachment”, a começar porque falta o elementar: povo na rua. “Impeachment” depende de dois motivos: o político e o jurídico. A pandemia complica o elemento “povo na rua”, mas isso não basta para revisar a fórmula basilar dos impedimentos presidenciais: motivo político, primeiro; depois, o jurídico. “O motivo jurídico se arruma, no [Fernando] Collor foi o Fiat Elba, com a Dilma [Rousseff], foram as pedaladas, mas tem que ter o ingrediente da sociedade cobrando”, explica o líder do centro.

Nessa quadra, cresce a corrida pela terceira via capaz de quebrar a iminente polarização entre Lula e Bolsonaro. A novidade é que embora ainda figure nas pesquisas, o nome do apresentador Luciano Huck foi alijado das conversas de bastidores no Centrão. Com Lula no jogo, a convicção unânime é de Huck refugou. Por ora, o ex-juiz Sergio Moro também não é levado a sério como presidenciável, apesar da boa performance nas pesquisas.

Sem Huck e Moro, o nome que mais empolga no momento é o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, do DEM. Na pesquisa Ipespe realizada no Estado de São Paulo, encomendada pelo Valor, Mandetta alcançou 6% no cenário com o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, disputando, sem João Doria.

Entretanto, o DEM também já colocou no radar de presidenciáveis o nome do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que larga com alguma vantagem em relação ao correligionário: ocupa cargo de visibilidade nacional, e é mineiro, representante do segundo maior colégio eleitoral, berço de presidentes da República, desde a política café-com-leite, até Tancredo neves e Itamar Franco.

Para citar os mineiros, faz falta a Bolsonaro um conselheiro político do quilate de Tancredo Neves, que serviu a Juscelino Kubitschek. Tancredo ajudou o poeta Frederico Schmidt a redigir para JK um pronunciamento que se tornou famoso ao repelir uma rebelião militar. A frase mais forte proclamava: “Deus poupou-me do sentimento do medo”.


Eliane Catanhede: Proliferam não só nomes, mas frentes para um projeto pela democracia, pela vida

Em debate, Ciro, Doria, Haddad, Leite e Huck focam na convergência contra os retrocessos do presidente Jair Bolsonaro, tratado por adjetivos ácidos, puxados pelo já trivial ‘genocida’

O principal recado do debate entre Ciro Gomes, João Doria, Fernando Haddad, Eduardo Leite e Luciano Huck, sábado à noite, foi a civilidade, até gentileza entre eles, ao longo de quase três horas. Deixando as divergências de lado, eles focaram na convergência contra os retrocessos do presidente Jair Bolsonaro, tratado por adjetivos ácidos, puxados pelo já trivial “genocida”.

Há inúmeras frentes para virar a página Bolsonaro e tocar a reconstrução do País, uma espécie de transição à la Itamar Franco pós-Collor. Assim como naquela época, o PT não participa de um projeto de união nacional, mas Haddad compôs bem a mesa, com conhecimento e sobriedade.

Ciro Gomes, ex-candidato três vezes à Presidência, ex-ministro e ex-governador do Ceará, é o que mais impressiona, com seu malabarismo verbal para juntar temas diferentes, amontoar números e produzir uma imagem de experiência e competência. Foi, também, responsável pela maior lista de “atributos” do presidente.

Doria foi Doria, a começar do vídeo e do áudio impecáveis, tudo milimetricamente programado. O governador de São Paulo explorou o fato de ter liderado a guerra pelas vacinas contra a covid no País e deixou o carimbo mais contundente contra Bolsonaro: “mito das mortes”.

Haddad, ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro da Educação e ex-adversário de Bolsonaro no segundo turno de 2018, foi menos candidato, mais militante, preocupado em defender os feitos dos governos do PT, enquanto batia duro no “autoritarismo” de Bolsonaro.

Eduardo Leite, o jovem tucano que saiu de uma prefeitura do interior para o governo do Rio Grande do Sul sem passar pelo Legislativo, mediu palavras e fugiu da eloquência e da agressividade dos demais contra o presidente e o governo. Foi bastante crítico, mas num tom abaixo.

Essas impressões são, de certa forma, consensuais, mas quem mais dividiu opiniões foi Huck, celebridade sem passagem pelo setor público. Para uns, incapaz de enfrentar o debate no campo da economia e das políticas públicas. Para outros, foi o que focou nos dois temas do futuro: era digital e desigualdade social. “Mais jovem, mais atualizado”, resumiu uma importante jornalista. Se isso define um bom candidato, é outra história.

No final, o professor Hussein Kalout, que dividia comigo a mediação no encerramento da Brazil Conference, organizada por estudantes brasileiros de Harvard e MIT, lançou um desafio: Bolsonaro fez algo de bom? O primeiro a cair na armadilha foi Ciro: a menor taxa de juros em 30 anos. Leite citou a reforma da Previdência. Huck, o auxílio emergencial.

Na verdade, a reforma veio do governo Temer e o auxílio emergencial foi obra do Congresso. Haddad foi no ponto: todo governo democrático tem qualidades e defeitos, mas os “autoritários” não têm qualidades. E Doria concluiu: o grande feito de Bolsonaro foi transformar o Brasil em pária internacional. Só ele conseguiria isso.

Foram abordados: pandemia, fome, economia, política externa, ambiente, educação, ciência e tecnologia, mas também autoritarismo e investidas sobre polícias estaduais. Ao citar o motim da PM do Ceará, quando seu irmão, senador Cid Gomes, levou dois tiros, Ciro Gomes disse que a intenção de Bolsonaro é “formar uma milícia militar para resistir, de forma armada, à derrota eleitoral”. O temor é generalizado.

Exceto Haddad, os outros já tinham assinado um manifesto pela democracia e novos nomes nessa linha continuam surgindo: Tasso Jereissati, Temer, Luiza Trajano, Luiz Henrique Mandetta... Quem tem tantos nomes é porque não tem nenhum, mas o fundamental é que proliferam frentes para construir um projeto de união nacional pela democracia, pela gestão, pela vida. É assim que tudo começa...


Bruno Boghossian: Aliados estimulam Huck a conversar com Ciro e Marina

Articuladores querem reduzir marca da direita e formar candidatura de terceira via

O grupo que procura uma candidatura de terceira via para 2022 deu um passo largo à direita no almoço entre Luciano Huck e Sergio Moro. A repercussão do encontro pegou mal entre alguns articuladores desse plano. Agora, eles afirmam que é preciso fazer um movimento para o outro lado da régua política.

O protagonismo dado ao apresentador estabeleceu o DNA inicial do projeto. Embora não tivesse uma identidade ideológica nítida e defendesse uma agenda de redução da desigualdade, Huck vestiu o figurino da direita quando se associou a Aécio Neves e se cercou de conselheiros com uma visão liberal da economia.

Uma candidatura com essa cara seria, a princípio, uma jogada para atrair o que se convencionou chamar de bolsonaristas arrependidos –eleitores escolarizados e de centros urbanos que se afastaram do presidente nas sucessivas crises do governo.

Moro se somaria ao consórcio sob a bandeira da Lava Jato, que ainda atrai uma parcela desse nicho. Assim que o encontro entre Huck e o ex-juiz se tornou público, porém, ficou claro que a aliança não teria amplitude para ganhar uma eleição.

Operadores do grupo reconhecem que uma chapa com a marca da direita afastaria eleitores de esquerda e teria pouco sucesso em desidratar Jair Bolsonaro. Por outro lado, se a coalizão tiver a cor da esquerda, pode empurrar bolsonaristas arrependidos de volta para o presidente.

Articuladores acreditam, ainda assim, que o plano passa pela adesão de nomes à esquerda. Com isso, eles pretendem atrair parte do eleitorado do PT e chegar ao segundo turno contra Bolsonaro. Nesse cenário, Moro não teria destaque na campanha nacional –poderia disputar o Senado pelo Paraná. O tucano João Doria também ficaria sem espaço.

Ninguém conhece o ponto de equilíbrio, mas aliados dizem que Huck deve procurar nomes como Marina Silva e Ciro Gomes em breve. A tarefa não deve ser fácil: o ex-governador do Ceará já afirmou que a ideia de lançar o apresentador ao Planalto era uma “irresponsabilidade”.


Marco Aurélio Nogueira: Huck, Alckmin e a política

Com o artigo de Huck e o acordo que põe Alckmin na presidência do PSDB, a política poderá entrar em outra etapa

 O Estado de S. Paulo - 27 Novembro 2017 | 18h57

Dia movimentado na política nacional.

Começou com o artigo em que Luciano Huck deixa claro que não será candidato a Presidente, embora pretenda manter uma agenda cívica e política. Muita gente criticou, em nome do que seria uma falsidade do apresentador, areia usada para encobrir alguns maus passos que ele teria dado ao longo de sua trajetória recente. As suas seriam palavras lançadas ao vento, prontas para serem consumidas por quem quer que seja. As redes sociais foram invadidas por vozes indignadas, algumas intolerantes e outras simplesmente contrárias ao que poderia estar associado ao projeto Huck.

No artigo em questão, ele deixou algumas pontas soltas e manteve um certo suspense sobre os rumos que tomará. Houve mesmo quem viu no texto uma manobra “sebastianista”, na linha “se é para o bem de todos e interesse geral da Nação, digo ao povo que volto”. Parte do jogo. O texto, muito bem redigido, contém também uma mensagem interessante, especialmente por estar sendo emitida por uma celebridade como Huck. É que o artigo faz a devida valorização da política e da atividade política, podendo assim auxiliar a que se reduza o preconceito que parte da sociedade tem em relação a isso. Ajuda muito, portanto, mostrando que há muitos espaços a serem explorados para que se criem verdadeiras pontes democráticas na sociedade, que interliguem “velhos” e “novos”, política tradicional e momentos cívicos.

Fico imaginando o efeito que teria a seguinte passagem do artigo caso fosse levada para o “Caldeirão do Huck”, e repetida ao vivo e a cores: “não há nada mais importante do que tomarmos consciência da importância da política e de que precisamos nos mover concretamente na direção da atuação incisiva, para que não sejamos mais vítimas passivas e manobráveis de gente desonesta, sem caráter, despreparada e incapaz de entender o conceito básico da interdependência ou de pensar no coletivo. A hora é de trabalhar por soluções coletivas inteligentes e inovadoras para o país, e não de focar o próprio umbigo ou de alimentar polêmicas pueris e gritas sem sentido”.

Depois do artigo, abre-se um outro momento, mais rico e promissor, na política brasileira. Claro, sempre a se ver. Embora a candidatura de Huck não esteja mais posta na mesa, o futuro a Deus pertence e o “centro democrático” ainda não encorpou. Os mares que atazanavam o pobre Ulysses usado por Huck como imagem continuam a atazanar nós outros seres viventes.

O mesmo deve ser dito do anúncio do acordo que praticamente celebrou a ida do governador Geraldo Alckmin para a presidência do PSDB. O partido vivia em um estado de turbulência interna jamais visto em sua história. Os tucanos sempre se bicaram uns aos outros, especialmente seus caciques. Perderam muitas oportunidades por causa disso. Na fase atual, corriam o risco de perder até mesmo o protagonismo político e a força eleitoral em 2018. As luzes amarelas piscaram forte e devem ter ajudado a que um acordo fosse alcançado. Se o armistício for levado a sério, todos ganharão com ele. Até os que não são tucanos, pois a democracia ganha quando os partidos principais se revigoram. É de se esperar que algo assim ocorra no PSDB.

Com o equacionamento da questão da presidência e a suspensão dos atritos internos mais visíveis, o PSDB poderá se dedicar a dois outros movimentos igualmente estratégicos. Um, será o de formular uma plataforma consistente em termos doutrinários, anexando a ela uma agenda nacional com sensibilidade social, que pelo menos honre a tradição socialdemocrática que o partido carrega no nome. Tal passo poderá começar a ser dado já na Convenção Nacional marcada para o início de dezembro. Seria uma espécie de cartão de visitas de Alckmin.

O segundo movimento é ainda mais importante. Vai para fora, para além das fronteiras tucanas. Seria o de se projetar como artífice de uma articulação democrática que traga a marca da renovação política e também esteja impregnada de sensibilidade social. Afinal, nada está decidido nesse campo e muita poeira ainda nele terá lugar.

Se o PSDB se dedicar a caminhar nessa direção, poderemos estar ingressando em outra etapa, na qual todos os cálculos terão de ser refeitos.

Olhos atentos, portanto, para o que farão os tucanos a partir de agora.


Luiz Carlos Azedo: A Odisseia

Com a saída de cena de Huck, a deriva do chamado centro democrático aumentou. E assim será, porque Temer e Alckmin têm projetos distintos. Ao menos por enquanto

Luciano Huck anunciou ontem que não será candidato a presidente da República, seu artigo de anticandidato na Folha de S. Paulo, porém, poderia ser um manifesto de candidato antipolítico. Bastaria mudar o final. Mas reflete o que andou dizendo a diversos interlocutores sobre as dúvidas quanto a ser ou não ser candidato. Huck resistiu ao que chamou de canto das sereias, comparando-se a Ulysses na Odisseia. No caso, as sereias eram os amigos do empresário, principalmente o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, não os políticos que lhe ofereceram legenda para disputar o Palácio do Planalto, principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), legenda com a qual o apresentador da TV Globo mais simpatizava. Estes estavam na deles.

O administrador e conferencista Bruno Scartozzoni, especialista em construção de narrativas e mitologia comparada, foi quem apresentou a interpretação mais diferenciada da “carta” de Huck. Segundo ele, o texto faz parte do roteiro tradicional da “saga do herói”. Representaria, no caso, a “recusa inicial” diante do chamado, temendo não estar “pronto” ou ser “comum demais” para a árdua tarefa. O passo narrativo seguinte, porém, seria a aceitação da missão após a mesma se tornar “impossível de ser recusada”.

Explica Bruno: “Décadas atrás, um cara chamado Joseph Campbell estudou mitologias de diversas sociedades, algumas que nunca se encontraram ou nunca souberam da existência umas das outras, e descobriu algo impressionante. Todas as histórias mitológicas (ou religiosas, dependendo do ponto de vista) já contadas pelo homem seguem o mesmo padrão ou a mesma estrutura narrativa. Ainda que os elementos mudem, a sequência de fatos é extremamente parecida em todas as sociedades. E para essa sequência ele deu no nome de Monomito ou Jornada do Herói.

E continua: “O primeiro passo da Jornada do Herói é justamente alguém comum, que só quer continuar vivendo sua vida, na sua zona de conforto, receber um chamado para uma aventura espetacular. Inicialmente esse alguém rejeita o chamado, mas, por uma série de razões, em um futuro próximo, ele não terá escolha. É como se o universo puxasse ele pelo braço e falasse ‘és tu mesmo, vem!’”.

Ulysses (Odisseu para os gregos) foi um grande herói da Guerra de Troia, um de seus mais famosos ardis foi a construção de um cavalo de madeira que permitiu a entrada dos exércitos gregos na cidade. Após a derrota dos troianos, ele iniciou uma viagem de volta que durou 10 anos. Penélope, sua mulher, o esperou com fidelidade obstinada, apesar da demora e dos assédios dos amigos. Essa viagem mereceu a criação por Homero do poema épico Odisseia, no qual são narradas as aventuras e desventuras de Ulysses. Sua fidelidade à Ítaca era recíproca e tem tudo a ver também com a situação de Huck, cuja mulher, a também apresentadora Angélica, liderou a resistência da família à candidatura.

Centro à deriva

O suspense em torno da candidatura de Huck, em três semanas de noticiário, porém, transformou o apresentador num grande ator da política nacional, não a dos políticos propriamente ditos, mas a da sociedade desconectada dos partidos políticos tradicionais, que deseja um candidato de perfil moderno e liberal nas eleições de 2018. Huck ocupou um espaço vazio deixado por outros outsiders, como o juiz Sérgio Moro e o prefeito de São Paulo, João Doria, o que é o objeto de desejo de muitos políticos, como Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) e Cristovam Buarque (PPS), que já pleitearam a liderança de “terceira via” em outras eleições.

Ouro aspecto a considerar: a forte presença de Huck no noticiário fragilizou ainda mais o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), cuja candidatura está confinada ao eleitorado paulista, em meio ao racha do seu partido em razão da participação no governo Temer. E serviu para animar o círculo próximo do presidente Michel Temer a articular sua candidatura à reeleição, no pressuposto de que os bons indicadores previstos para a economia em 2018 e o peso do governo federal poderiam ser suficientes para reverter sua impopularidade. Com a saída de cena de Huck, a deriva do chamado centro democrático aumentou. E assim será, porque Temer e Alckmin têm projetos distintos. Ao menos por enquanto.


Luiz Carlos Azedo: Huck, Temer e Alckmin

A polarização ainda não chegou ao centro; ou seja, há um enorme espaço a ser ocupado, o que alimenta a ideia de um candidato antipolítico

Para a reconstrução do centro democrático como alternativa de poder, apareceu uma espécie de teoria do pó de pirlimpimpim: bastaria um candidato que simbolize a antipolítica, com bom trânsito entre os nossos intelectuais e técnicos iluministas e conhecido no povão para que isso acontecesse num passe de mágica. O apresentador Luciano Huck, por exemplo, preenche muito bem esses requisitos. Vem de uma família de professores universitários, é carinhoso com seu público e tem as ideias liberais que caracterizam a maioria das nossas celebridades quanto aos costumes, o sucesso individual e o glamour social, alavancados pelo empreendedorismo bem-sucedido e pelo alto e bom gosto no padrão de consumo.

Huck é o sujeito que qualquer um que acredita no próprio taco e na ascensão social via “sociedade do espetáculo” gostaria de ser. Seu ingresso na política é um avanço: reflete uma força que vem se manifestando na sociedade de maneira multifacetada: a do nosso “americanismo”, que está em toda parte. No estilo de vida que levamos, nos nossos padrões de consumo urbano e rural, no “neotaylorfordismo” que a “internet das coisas” começa a engendrar, na música, nos movimentos negro e de gênero, mas que ainda não havia chegado com força à nossa política.

Nela emergiu por onde menos se esperava: a alta burocracia do chamado “poder instalado”, via Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público e Justiça Federal. O abre-alas do nosso “americanismo” é a Operação Lava-Jato, que protagoniza uma limpeza ética nas relações promíscuas do Estado com os interesses privados patrocinada pelos políticos e grandes empresários. Mas esbarra nas muralhas de nossa fortaleza ibérica: o Congresso Nacional, com seu patrimonialismo, seu fisiologismo e seu clientelismo atávicos. Desde as jornadas de junho de 2013, nas quais os jovens de todos os matizes protestaram contra as obras e desperdícios da Copa do Mundo (como se viu, um grande butim para os políticos se financiarem nas eleições de 2014), o “americanismo” rondava a política com um discurso antipolítico e moralizador.

Não foi à toa que jovens investidores do mercado financeiro e da inovação tecnológica emergiram como líderes dos protestos organizados pelas redes sociais na campanha do impeachment de Dilma Rousseff, formando movimentos e grupos organizados em rede que agora buscam canais de expressão na grande política institucional. Como não foram capazes de se unificar e formar um grande partido renovador da política brasileira, seja porque não fosse esse o projeto original, seja porque a reforma política foi feita para impedir que isso ocorresse, estão diante da pergunta clássica: o que fazer em 2018? Em todos esses movimentos — Vem Pra Rua, Renova, Agora, etc. —, há jovens empresários que viveram nos Estados Unidos e observaram de perto as campanhas do ex-presidente democrata Barack Obama e do republicano Donald Trump, que alavancaram suas campanhas nas chamadas “novas mídias”, embora com objetivos, estratégias e momentos diferentes. Ambos flanquearam seus respectivos partidos para impor suas candidaturas de fora para dentro.

Bloqueio
Muita água ainda vai rolar até as eleições, porém o roteiro da candidatura de Luciano Huck é mais ou menos esse. A eleição parece polarizada pela dicotomia direita-esquerda, alimentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC), que exploram o medo recíproco dos eleitores mais à esquerda e mais à direita. Entretanto, a polarização ainda não chegou ao centro; ou seja, há um enorme espaço a ser ocupado, o que alimenta a ideia de um candidato antipolítico. Bastaria encontrar um partido com o mínimo de estrutura nacional, algum tempo de televisão e disposição de servir à causa de um projeto transformista liberal pós-moderno. Será?

Depende. Os grandes partidos brasileiros ainda não morreram. Pode ser que se enfraqueçam muito nas eleições, mas resistem. O PMDB, por exemplo, domou a Lava-Jato e controla o governo federal. Enquanto o presidente Michel Temer não desistir de sua enrustida candidatura à reeleição, essa máquina poderosa inviabiliza qualquer candidatura que unifique as forças que apoiaram o impeachment. Não deixa, por exemplo, que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, consiga articular a coalizão dessas forças em nível nacional. A candidatura unificadora do centro democrático é apenas uma narrativa. Não surgirá de articulações iluministas, mas do resultado do primeiro turno, que não terá um candidato único do centro democrático.

 

 


Jose Roberto de Toledo: Huck, Lula e o dono do pudim

Não deixa de ser astuto: incapaz de prender quem organiza o crime, promove quem já está preso a chefe da organização. De quebra, desestimula o preso a delatar porque “o cabeça” não pode ser premiado. Não é original, mas funciona. Policiais fazem com narcotraficantes; governos, com terroristas. Se já prendeu o chefe, para que continuar investigando? Esquece-se a rede e projeta-se um PowerPoint com setas apontadas para um nome só.

Quem merece comemorar a notícia, com uma dose extra de pudim, é o resto da turma, que continuará desfrutando a iguaria. Só reclamou quem não é mais convidado para sentar à mesa da confraria. “Engraçado… Nunca soube que Geddel era o Chefe. Para mim, o chefe dele era ouTro (sic)”, tuitou um ex-confrade, após a Procuradoria da República inflar Geddel Vieira Lima.

Renan Calheiros tuíta com conhecimento de causa. Por 25 anos, fez parte da Turma do Pudim, o conselho informal que administrava interesses do PMDB junto a governos – de Itamar a Dilma, de FHC a Lula. Era mesa sem cabeceira, onde todos dividiriam a conta, se ela não fosse paga por você. Hoje, os integrantes da turma que não foram para a cadeia estão no Planalto ou no Senado. E, tudo indica, lá deverão continuar.

Mas e as ordens de pagamento para “Fodão” encontradas pela Lava Jato nas planilhas da Odebrecht? E os R$ 500 mil do deputado carregador de malas? E o porto de Santos? O Congresso cuida dos seus, com as bênçãos do ex-Supremo.

Assim, o mercado financeiro não para de exibir sua exuberância irracional. Com a experiência dos millennials, seus jovens operadores se aconselham sobre política com o MBL e concluem que a única preocupação à vista é com o que pode acontecer em 2018. Cacifaram Doria como o antiLula e relutam em liquidar suas perdas mesmo quando confrontados com as pesquisas.

Os que não nasceram ontem já pularam da canoa. Uns sonham com Luciano Huck, outros começam a achar que Bolsonaro não é tão ruim como pintam. Esse será o próximo confronto nas redes.

Enquanto o prefeito paulistano era questionado na imprensa, sua base virtual era corroída por ataques ferozes dos seguidores de Bolsonaro nas mídias sociais. A guerra em duas frentes liquefez a capacidade de Doria aumentar o buzz em torno de seu nome na internet. Seus vídeos perderam compartilhamentos, os likes rarearam. A “Globo no Facebook” que lhe prometeram não vingou.

A próxima batalha dos “bolsominions” será contra quem vier a ocupar o vazio deixado por Doria. Para não entrar na mira, Huck não se assumirá presidenciável antes de abril. Nem precisa. O apresentador já entra todo sábado na casa dos mais pobres e, segundo as pesquisas, é muito bem recebido. Recall não lhe falta; eleitores, sim.

Para transformar seu reconhecimento em intenção de voto, Huck precisará ser levado a sério como candidato a presidente. A credibilidade de que necessita não virá do partido que ele escolher como meio de transporte. PPS ou DEM são hospedeiros para ele continuar com direito a aparecer na TV após abril.

Faz sentido, portanto, Huck se filiar a um dos tantos movimentos de renovação política, como fez com o “Agora!”. Cercar-se de jovens com PhD dedicados à causa pública é tão bom para sua imagem quanto é, potencialmente, para o movimento pegar carona na popularidade do apresentador. Se a tabelinha der resultado, Huck ajudará a eleger alguns novos parceiros para o Congresso.

É um bom plano. Falta combinar com Lula. Como disputam o mesmo eleitor, enquanto o petista for candidato ele tamponará Huck. Se Lula ainda for presidenciável em abril, Huck terá que dar um salto mortal carpado no escuro para entrar na disputa.