Hidroxicloroquina

Eliane Brum: A covid-19 está sob o controle de Bolsonaro

A população brasileira se tornou —e grande parte se submeteu— a ser cobaia de um experimento de perversão inédito na história

Afirmar que a covid-19 está fora de controle no Brasil por incompetência de Jair Bolsonaro é um erro. É o mesmo erro de chamar o Governo de Bolsonaro de “desgoverno”. Bolsonaro governa e a disseminação da covid-19 está, em grande parte, sob o seu controle. Se o que vive o Brasil é caos, é um caos planejado. É necessário compreender a diferença para ter alguma chance de enfrentar a política de morte de Bolsonaro. Se existe alguma experiência semelhante na história, eu a desconheço. No Brasil, certamente nunca aconteceu antes. Estamos subjugados a um experimento, como cobaias humanas. A premissa da pesquisa desenvolvida no laboratório de perversão de Bolsonaro é: o que acontece quando, durante uma pandemia, uma população é deixada exposta ao vírus e a maior autoridade do país dá informações falsas, se recusa a adotar as normas sanitárias e também a tomar as medidas que poderiam reduzir a contaminação.

O resultado, em perdas de vidas humanas, conhecemos: o Brasil ultrapassará os 260.000 mortos até o final dessa semana e aumenta velozmente suas chances de se tornar em breve o país com o maior número de vítimas fatais da história da pandemia de covid-19 no século 21. Enquanto vários países do mundo terão sua população inteiramente vacinada nos próximos meses e começam a vislumbrar a possibilidade de superar a covid-19, o Brasil enfrenta uma escalada.

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Em 2020, Estados Unidos e Reino Unido se alinhavam ao lado do Brasil entre os piores desempenhos relacionados à covid-19. Hoje, com o democrata Joe Biden na presidência, os Estados Unidos dão sinais de que vão deixar essa posição em breve e o Reino Unido do direitista Boris Johnson dá exemplo na campanha de vacinação, com o número de mortes baixando dia a dia.

O Brasil se isola no horror da covid-19, como contraexemplo e pária global. Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que, enquanto a média de mortes no mundo recua em torno de 6%, no Brasil cresce 11%. Essa consequência é mais visível. Afinal, nesse crime há corpos, nesse momento em número suficiente para povoar somente com cadáveres uma cidade de porte médio. E crescendo à média atual de quase 1.300 mortos por dia.

Outro efeito é menos óbvio: o que descobrimos sobre nós, como sociedade, quando submetidos a essa violência, e o que cada um descobre sobre si quando as escolhas sanitárias, em vez de determinadas pela autoridade de saúde pública, dependem da sua própria decisão. Essa segunda parte do experimento tem se demonstrado bastante perturbadora e poderá minar os laços sociais ao longo de anos e até décadas, como aconteceu com países submetidos à perversão de Estado no passado.

Seguir alegando incompetência do governo Bolsonaro na condução da covid-19 ou é sintoma ou é má fé. Sintoma porque, para uma parte da população, pode ser demasiado assustador aceitar a realidade de que o presidente escolheu disseminar o vírus. A mente encontra um caminho de negação para que a pessoa não colapse. É um processo semelhante ao sequestrado que encontra pontos de empatia com o sequestrador para ser capaz de sobreviver ao horror de estar totalmente a mercê da vontade absoluta de um perverso.

Já má fé é compreender o que está acontecendo e, mesmo assim, seguir negando porque convém aos seus interesses, sejam eles quais forem. A pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e da Conectas Direitos Humanos provou que o governo federal executou um plano de disseminação do vírus. A análise de 3.049 normas federais mostrou que Bolsonaro e seus ministros tinham —e ainda têm— o objetivo de infectar o maior número de pessoas, o mais rapidamente possível, para a retomada total das atividades econômicas.

As provas estão lá, em documentos assinados pelo presidente e por alguns de seus ministros. O estudo comprova o que qualquer pessoa com capacidade cognitiva média pode verificar no seu cotidiano, a partir dos atos e das falas do presidente. A ação deliberada de disseminação do vírus não é apenas uma percepção, é também um fato. O que faltava era a documentação do fato, já que não basta perceber, é preciso demonstrar e documentar. E hoje está documentado e essa documentação tem se tornado base para novos pedidos de impeachment e comunicações no Tribunal Penal Internacional.

Em carta pública, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde reivindicou nessa semana a determinação de um toque de recolher para todo o território brasileiro e o fechamento de bares e praias, entre outras medidas. Os secretários afirmaram que o país vive o pior momento da pandemia e exigiram “condução nacional unificada e coerente”. Também pediram a suspensão das aulas presenciais e de eventos, incluindo atividades religiosas. “A ausência de uma condução nacional unificada e coerente dificultou a adoção e implementação de medidas qualificadas para reduzir as interações sociais”, declararam. “Entendemos que o conjunto de medidas propostas somente poderá ser executado pelos governadores e prefeitos se for estabelecido no Brasil um ‘Pacto Nacional pela Vida’ que reúna todos os poderes, a sociedade civil, representantes da indústria e do comércio, das grandes instituições religiosas e acadêmicas do País, mediante explícita autorização e determinação legislativa do Congresso Nacional”. Bolsonaro, porém, obviamente não quer. E, como a imprensa noticiou, seus subordinados, muitos deles generais de quatro estrelas, avisaram que não fará.

Bolsonaro se recusa. Porque há condução do governo e seus atos estão focados na disseminação do vírus. Esse é o equívoco de quem acredita que é necessário convencer Bolsonaro a liderar um pacto nacional pela vida. Ele já executa um pacto nacional, mas pela morte, e não estou usando uma metáfora. Ele já fez várias declarações públicas e explícitas para que o povo deixe de ser “maricas”, afinal “mortes acontecem”, “todos nós morreremos um dia” e “toca o barco”. Por isso, mesmo no pior momento da pandemia, o presidente segue fiel e dedicado à sua política, estimulando aglomerações e comércio aberto, além de atacar o uso de máscaras.

Em Porto Alegre, um de seus apoiadores, o prefeito Sebastião Melo (MDB), ecoa o chefe: “Contribua com sua família, sua cidade, sua vida, para que a gente salve a economia do município de Porto Alegre”. Percebam que estamos diante de uma completa inversão: ao longo da história, autoridades públicas das mais variadas geografias e línguas pediram sacrifícios econômicos para salvar vidas. O bolsonarismo inverteu essa lógica: exige o sacrifício da vida —dos outros, bem entendido— para salvar a economia. E assim o Brasil de Bolsonaro e do sacrifício da vida supostamente em nome da economia exibiu em 2020 o pior PIB dos últimos 24 anos. Enquanto países que fizeram lockdown já começam sua recuperação também econômica, o Brasil descarrilha.

Diante da abundância de provas sobre a política de disseminação do vírus, é preciso olhar com atenção para aqueles que seguem apoiando Bolsonaro, em público ou nos bastidores. As razões para a má fé são várias, a depender do indivíduo e do grupo. Uma parte dessa entidade que chamam “mercado” ainda aposta que Bolsonaro seja capaz de continuar fazendo as “reformas” neoliberais que deseja que sejam feitas. Uma parte do que chamam de “agronegócio” também aposta na destruição da Amazônia para aumentar o estoque do mercado de terras para especulação e ampliar a fronteira agropecuária. O mesmo vale para a mineração.

Se é fato que uma parcela já recuou por conta do impacto cada vez maior do desmatamento na recusa de produtos brasileiros na Europa, parte espera que Bolsonaro consiga avançar com mais algumas maldades antes de retirar seu apoio, seja ele à luz do dia ou nas sombras. Só então se escandalizará ao subitamente descobrir a intenção de Bolsonaro de enfraquecer a legislação ambiental e abrir as terras indígenas para exploração predatória. Em algum momento, essas cândidas criaturas do mercado vão retirar seu apoio enojadas, em entrevistas ponderadas e pontuadas por jargões econômicos na imprensa liberal. Afinal, como poderiam esses inocentes imaginar que Bolsonaro não era um estadista, justo Bolsonaro, um homem tão elegante e contido? Para alguns, finalmente, ainda há algo a ganhar com Bolsonaro e Paulo Guedes e, para isso, não importa quantos morram, desde que os enterros não sejam na sua família ou no seu seleto clube de amigos.

O mesmo vale para algumas lideranças do pentecostalismo e do neopentecostalismo evangélico, que também ainda acreditam ter bastante a ganhar, mesmo que parte da sua base de fiéis morra de covid-19. O desespero crescente lhes trará outros clientes para compensar sua má fé. Como é claríssimo, os pastores de mercado apostam em manter seu poder agora e nas próximas eleições. Com o sistema hospitalar dando sinais de colapso, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), considerou cultos religiosos “atividades essenciais”. Para agradar aos pastores, que andavam publicamente reclamando de sua atuação, as aglomerações para o benefício da igreja-empresa estão permitidas.

O fervor pela ciência demonstrado por Doria, em nome do qual consolidou-se como o principal opositor de Bolsonaro no primeiro ano de pandemia, foi substituído pelo novo mote anunciado por ele na segunda-feira: “esperança, fé e oração”. Diante da pressão dos vendilhões dos templos e sua ameaça de retirar apoio na disputa presidencial, rifa-se mais uma vez a vida. E segue aquilo que consideram prioritário: a eleição presidencial de 2022. Afinal, há de sobrar um número suficiente de eleitores vivos até lá.

E o que dizer dos políticos, o Centrão puxando o cortejo de corruptos de bolso e de alma, mas longe de estar sozinho? Todas as violações de Bolsonaro não são suficientes para fazer andar a fila de mais de 70 pedidos de impeachment e sempre aumentando. Afinal, o que vale é garantir a impunidade dos próprios parlamentares, essa sim considerada emergencial por aqueles escolhidos para representar os interesses de uma população que hoje morre de covid-19.

Ainda que os fatos sejam conhecidos, é necessário enfileirá-los para compreender que essa é a realidade: há um presidente executando uma política de morte. Não é histrionismo, não é força de expressão, não é hipérbole. É a realidade e muito mais brasileiros morrerão por causa das ações de Bolsonaro.

Nos deixaremos matar?

Em 2021, a conjuntura do Brasil para enfrentar a política de morte de Bolsonaro é muito pior do que em 2020. E isso já se reflete no número de vítimas. Diante disso, nos deixaremos matar? Porque é basicamente essa a questão. Nesta quarta-feira, atingimos o maior número de mortos em um dia desde o início da pandemia: 1.910 pessoas, 1.910 pais, mãe, filhas, filhos, irmãos, irmãs, avôs, avós perdidos, 1.910 famílias despedaçadas. E isso num país com sistema público de saúde, centros de pesquisa respeitáveis e invejável capacidade de vacinação em massa.

O Congresso, que no primeiro ano da pandemia foi importante para estabelecer o auxílio emergencial de 600 reais e para derrubar os vetos mais monstruosos de Bolsonaro, como o de negar água potável aos indígenas, com Arthur Lira (PP) não fará nada para impedir nem as maldades nem o próprio Bolsonaro. Pelo contrário. O judiciário, com destaque para o Supremo Tribunal Federal, conseguiu barrar vários horrores desde o início da crise sanitária, mas nem de longe é suficiente para impedir a monstruosidade do que o Brasil enfrenta. Sem contar que há grande disputa ideológica dentro do judiciário.

O tal do mercado eventualmente em algum momento retirará seu apoio, caso Bolsonaro faça os setores mais poderosos do empresariado perder mais dinheiro do que ganhar, o que já está acontecendo em várias áreas. Mas não dá para contar com as elites econômicas que, se algum dia tiveram alguns expoentes genuinamente preocupados com o país, hoje claramente se lixam para a população. As elites intelectuais têm mostrado que estão pouco dispostas a fazer mais do que protestar em sua bolha como faz qualquer um nas redes sociais. É claro que há exceções em todas as áreas, mas a profunda crise do Brasil mostra que as elites brasileiras são ainda piores do que se supunha.

As periferias que reivindicam seu legítimo lugar de centro gritam: “é nós por nós”. E é. A questão, quando o “nós” é ampliado, é quem são o nós?

A complexidade do “nós” é que Bolsonaro foi eleito pela maioria dos que foram às urnas. Bolsonaro disse exatamente o que faria. E quem votou nele sabia exatamente quem ele era. E mesmo assim ele venceu, o que fala muito desse “nós”. Apesar de executar uma política de morte e converter o Brasil num pária do mundo, as pesquisas mostram que Bolsonaro ainda tem uma aprovação significativa. Caso a eleição fosse hoje, teria chance real de ser reeleito. Isso também fala do “nós”.

Talvez quem tenha melhor expressado o drama do “nós” seja o governador da Bahia, Rui Costa (PT). Ao ser entrevistado ao vivo pela TV Globo, ele chorou. Porque é difícil de entender o “nós”. E, diante do “nós”, a impotência aumenta. “É duro você receber mensagens com as pessoas perguntando: ‘E meu negócio? E a minha loja?’ O que é mais importante: 48 horas de uma loja funcionando ou vidas humanas?”, desabafou Costa. “Não gostaria de estar tomando decisões como esta. Gostaria que todas as pessoas estivessem usando máscaras. Mesmo aquelas que se consideram super-homens, se consideram jovens. Se não é por ele, pelo menos pela mãe, pelo pai, pela avó, pelo parente, pelo vizinho. Essas pessoas, sozinhas, decretaram o fim da pandemia.”

“Essas pessoas”, as quais o governador se refere, é o “nós”. É o “nós” que lotou as praias, é o “nós” que fez Carnaval, é o “nós” que faz festas, obrigando policiais a arriscarem sua vida para impedir que continuem, é o “nós” que resolveu reunir a família no Natal e os amigos no Réveillon, porque afinal de contas “ninguém aguenta mais”. É o “nós” que lota as igrejas porque sua fé, que precisa daquelas quatro paredes para existir, é mais importante do que a vida do seu irmão. É o “nós” que se acha mais esperto porque segue enchendo a cara nos bares com os parças. É o “nós” que anda sem máscara por todos os lugares. E é também o “nós” que já anunciou que tomar vacina é para otário.

O “nós” é um nó

Nessa altura, alguém pode dizer que esse nós não é “nós”, mas “eles”, o outro lado. Ouso dizer que, se a realidade fosse tão simples como “nós” e “eles”, Bolsonaro já teria sido submetido ao impeachment e já estaria sendo investigado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade. O “nós” é um nó. E vamos precisar desatá-lo para enfrentar a política de morte de Bolsonaro.

A parte mais perversa da execução do projeto de Bolsonaro é justamente revelar o bolsonarismo mesmo de quem odeia Bolsonaro. Essa é a parte mais demoníaca do experimento do qual somos todos cobaias. Sim, a orientação do presidente é matar e morrer: não use máscaras, aglomere-se, abra seu negócio, vá trabalhar, mande as crianças para a escola, use medicamentos sem eficácia, se tomar vacina pode virar jacaré. Diante do conjunto de orientações para disseminar o vírus, o que resta é cada um tomar decisões individuais que, poderia se esperar, contemplassem em primeiro lugar o bem-estar do outro, mais desprotegido, e o bem-estar coletivo, o do conjunto da comunidade.

Quando na segunda-feira o governador Rui Costa chorou, ao vivo, na TV, diante de milhões de telespectadores, é por sua incompreensão e impotência diante de gente que o ataca por ter que fechar seu negócio por 48 horas para que vidas possam ser salvas. Dois dias. Dois. No Reino Unido as lojas, as academias, os salões de beleza, os cinemas, os bares e restaurantes etc estão fechados desde novembro e não é permitido ver outra pessoa que não more na mesma casa nem mesmo no parque. Os britânicos, como grande parte dos europeus, passaram o Natal, o Réveillon e os feriados sob essas normas. Uso o exemplo do Reino Unido porque Boris Johnson, o primeiro-ministro, não é um “esquerdopata”, mas um dos expoentes da safra de populistas de direita do mundo. E mesmo assim. Os britânicos podem reclamar, mas dentro de suas casas, porque essas são as regras e quem determina as regras numa pandemia são as autoridades sanitárias. Ponto final.

Bolsonaro também determina as regras sanitárias na pandemia. Mas, como já foi amplamente demonstrado, escolheu a disseminação do vírus. E então, para salvar a própria vida e não colocar a do outro em risco, cada um precisa estabelecer suas próprias regras sanitárias. É nessa volta do parafuso que o “nós” se complica. O “nós” então precisa responder a perguntas bem difíceis. Nós todos precisamos. O que o cotidiano está mostrando é que, eventualmente e às vezes até com frequência, “nós” também somos “eles”.

Lidamos muito mal com limites. Não há problema nenhum em ter limites quando não se perde nada ou quando se perde pouco. Mas, quando precisa perder algo que realmente custa, aí complica.Não apenas custo financeiro, mas o custo de um projeto, o custo de um plano, o custo de um sonho, o custo de aguentar a angústia entre quatro paredes, o custo da solidão, o custo de não passar na frente da fila mesmo que as regras permitam mas a ética não. Enfim, se cada um olhar para dentro com honestidade, e não precisa contar para ninguém, sabe muito bem o que realmente lhe custa e prefere não deixar de fazer.

A justificativa do “nós” para quebrar regras da Organização Mundial da Saúde é sempre legítima porque supostamente é em nome de um bem maior. Nosso cérebro encontra as mais elevadas justificativas para recusar limites que nos obrigam a perder muito. E, quando confrontados, achamos que é o outro que não entende a conjuntura ou que está numa posição mais protegida para tomar decisões. O “nós”, quando pode, raramente se pergunta se deve. O “nós” sempre tem melhores justificativas do que o “eles” para fazer o que quer e o que acha importante. E que muitas vezes é mesmo muito importante. Mas, atenção, estamos numa pandemia que já matou quase 260 mil pessoas no Brasil e mais de 2,5 milhões no mundo. O aumento da contaminação significa não apenas mortes, mas novas mutações do vírus que podem ser imunes às vacinas existentes e comprometer as medidas globais de enfrentamento do vírus colocando toda a humanidade em risco.

Quando se toma uma decisão numa pandemia nunca é apenas sobre a nossa própria vida. Só quem quer disseminar a morte, como Bolsonaro, diz que cada um tem o direito de fazer o que quer porque se trata apenas de si. Quando o presidente declara que não tomará vacina porque essa decisão supostamente só diria respeito a ele, Bolsonaro faz esse anúncio exatamente porque tem certeza do contrário. Ele sabe que essa declaração vai muito além da sua própria vida. Qualquer decisão numa pandemia vai impactar muito além da vida de qualquer um. Se é um presidente, autoridade pública máxima, torna-se uma orientação à população.

É muito difícil lutar contra o governo federal, que tem a máquina do Estado na mão e a capacidade de amplificar suas orientações a toda a população. É imensamente mais difícil lutar contra um presidente da República em meio a uma crise sanitária. Em vez de seguirmos normas federais que protegem a todos os brasileiros e especialmente os mais vulneráveis, normas determinadas pelo Estado, fomos submetidos a ter que tomar nossas próprias decisões sanitárias e, ao mesmo tempo, sermos atropelados pelas dos outros.

Há quem não esteja nem aí, claro que há. Mas há muitos que querem tomar as melhores decisões e realmente acreditam que tomam, mas não são sanitaristas, não foram formados para ser, não têm obrigação de ser. É também a esse experimento que Bolsonaro submeteu os brasileiros. Essa experiência está deixando marcas em cada um e está corroendo ainda mais relações que já estavam difíceis. Está corroendo uma sociedade já bastante dividida, cujos laços estão cada vez mais esgarçados.

Ao deslocar a responsabilidade para o indivíduo, Bolsonaro está perversamente nos tornando cúmplices de seu projeto de morte. Quando ele invoca o direito individual de não usar máscara e de não tomar vacina, ele está maliciosamente dizendo também o seguinte: se é cada um que decide e faz o que quer e você está reclamando de mim, por que você não decide se proteger e proteger os outros? Simples assim, ele poderia dizer. Ou “talquei?” É diabólico, porque ele faz isso parecer trivial, como se fosse possível numa pandemia que as decisões sanitárias dependam da escolha individual.

E se decidirmos lutar contra quem nos mata?

A história nos conta que, na ditadura civil-militar (1964-1985), apenas uma minoria se insurgiu contra o regime de exceção. A maioria dos brasileiros preferiu fingir não ouvir os gritos dos torturados, centenas deles até a morte, ou dos mais de 8.000 indígenas assassinados junto com a floresta amazônica. Ainda assim, tudo indica que foi uma reação mais forte e expressiva do que essa que testemunhamos e protagonizamos como sociedade agora, diante de um projeto de extermínio.

O processo da retomada da democracia, com todas as suas falhas, a maior delas a impunidade dos assassinos de Estado, foi capaz de criar a avançada Constituição de 1988. É a chamada “constituição cidadã”, que ainda sustenta o que resta de democracia hoje, apesar de todos os ataques do bolsonarismo. O que essa sociedade fraca, corrompida, individualista e pouco disposta a se olhar no espelho será capaz de criar se não for capaz de se insurgir contra mortes que seriam evitáveis?

Se dermos por perdido, se nos dermos por perdidos, se dermos por impossível, se nos dermos por vencidos, aí já está dado. Completaremos o caminho rumo ao matadouro. Obedientes à política de morte de Bolsonaro, porque gritar nas redes e no whatsapp não é desobedecer a absolutamente nada. É pouco mais do que dissipar energia se autoiludindo que é ação. Para sermos nós, independentemente de quantos nós exista dentro desses nós, precisamos nos unir num objetivo comum: interromper a política de morte de Bolsonaro.

Em 2020, escrevi nesse mesmo espaço: como um povo acostumado a morrer (ou acostumado a normalizar a morte dos outros) será capaz de barrar seu próprio genocídio? Essa pergunta é hoje, quase 260 mil mortos depois, muito mais crucial do que antes. Nossa única chance é fazer o que não sabemos, ser melhores do que somos, e obrigar o Congresso a cumprir a Constituição e fazer o impeachment. E, lá fora, pressionar os organismos internacionais a responsabilizar Bolsonaro por seus crimes.

A cada dia cada um precisa se somar a todos os outros para esse projeto comum. E, talvez, ainda possamos nos descobrir capazes de nos tornarmos “nós”, o que significa ser capaz de fazer comunidade. A primeira pergunta da manhã deve ser: o que faremos hoje para impedir Bolsonaro de seguir nos matando? E a última pergunta deve ser: o que fizemos hoje para impedir Bolsonaro de seguir nos matando?

O que mais falta acontecer, ver e provar para compreender que estamos submetidos a um projeto de extermínio? Primeiro vimos pessoas morrerem em agonia por falta de oxigênio nos hospitais. Depois assistimos às cenas de pessoas intubadas que, por escassez de sedativos, tiveram que ser amarradas em macas para não arrancarem tudo por dor e desespero. O que mais falta? Qual é o próximo horror? De qual imagem necessitamos para entender o que Bolsonaro está fazendo? Precisamos compreender por que estamos nos deixando matar, subvertendo o instinto primal de defender a vida, que mesmo o organismo mais primário possui. Mas precisamos entender enquanto agimos, porque não há tempo. A alternativa é seguir assistindo Bolsonaro executar sua política de morte até não podermos mais assistir porque também estaremos mortos.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum


O Estado de S. Paulo: Grupo da OMS publica 'forte recomendação' contra uso de hidroxicloroquina na prevenção à covid-19

Painel de especialistas divulga posição nesta segunda como parte de nova diretriz que analisa eficácia de medicamentos. Estudos não mostraram efeitos sobre morte ou internações e apontam riscos de efeitos adversos

Marco Antônio Carvalho, O Estado de S.Paulo

Um painel de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou nesta segunda-feira, 1º, uma recomendação contrária ao uso da hidroxicloroquina como método de prevenção para a covid-19. Eles dizem que os estudos não mostraram efeitos significativos sobre mortes ou internações e apontaram riscos de efeitos adversos provocados pela substância. O presidente Jair Bolsonaro defendeu o uso do remédio ao longo da pandemia, embora várias pesquisas tenham mostrado que ele não tem eficácia contra o vírus. 

A nova recomendação é de autoria do Grupo de Desenvolvimento de Diretrizes (GDG, na sigla em inglês) da OMS. Os especialistas dizem que a “forte recomendação” é baseada em evidências de alta certeza obtidas em seis estudos randomizados e controlados com 6 mil participantes.

“A evidência de alta certeza mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo em mortes e admissões em hospitais, enquanto evidência de certeza moderada mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo sobre infecções confirmadas em laboratório e provavelmente aumenta o risco de efeitos adversos”, declarou a OMS em nota à imprensa.

O grupo, diz a organização, considera que a droga não tem mais prioridade para pesquisa e que os recursos devem ser usados para avaliar outras drogas mais promissoras na prevenção contra o vírus. “Essa diretriz se aplica a todos que não têm covid-19, independentemente da exposição a uma pessoa com a infecção”, reforçou.

A recomendação desta segunda é a primeira versão de uma diretriz voltada a medicamentos capazes de prevenir a doença. O objetivo da OMS é promover orientação confiável sobre a gestão da covid e ajudar médicos a tomarem melhores decisões para seus pacientes. A diretriz poderá ser atualizada diante de evidências. Novas recomendações serão acrescentadas no momento em que estudos de relevância se tornarem disponíveis.

A cloroquina e a hidroxicloroquina integram orientação oficial emitida pelo Ministério da Saúde no ano passado, com recomendação voltada a casos leves, moderados e graves. Neste ano, um aplicativo da pasta chegou a sugerir os remédios até a bebês, e foi retirado do ar. O Estadão mostrou que as prefeituras que receberam a doação do ministério agora querem devolver os medicamentos sem eficácia.

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O Estado de S. Paulo: CNS recomenda suspensão do uso da cloroquina em casos leves

Entidade diz que ‘momento excepcional’ da pandemia do novo coronavírus ‘não pode significar que a população deva ser exposta a condições de maior vulnerabilidade’

Conselho Nacional de Saúde (CNS) publicou uma recomendação na sexta-feira, 22, em que pede a suspensão imediata das orientações do Ministério da Saúde para o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de casos leves do novo coronavírus. “Até o momento, não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação de terapia farmacológica específica”, justifica o documento.

Segundo a recomendação, o “momento excepcional” da pandemia da covid-19 “não pode significar que a racionalidade deva ser abandonada nem que a população deva ser exposta a condições de maior vulnerabilidade”. Ela é assinada pelo presidente do conselho, Fernando Zasso Pigatto.

documento também recomenda que não seja recomendada “qualquer medicamento” para prevenção da covid-19, “pela ausência de confirmações de uso seguro aos usuários”, e que o ministério “desempenhe seu papel na defesa da ciência e a redução da dependência de equipamentos e insumos, construindo uma ampla e robusta produção nacional”. 

Além disso, pede que o Ministério Público Federal (MPF) “tome as devidas providências” para que as orientações para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da covid-19 sejam suspensas.

Na quarta-feira, 20, o Ministério da Saúde publicou um novo protocolo, que libera os dois medicamentos no tratamentos de todos os pacientes com sinais da doença. Para o conselho, contudo, a mudança “não se baseia em evidências científicas” e faz referências a estudos “criticados pela comunidade científica”.

A recomendação do CNS ainda diz que o ministério descumpriu a legislação do Sistema Único de Saúde (SUS) por indicar os medicamento para um uso que não está registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, tampouco, teve análise e elaboração de diretrizes terapêuticas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).

O conselho ainda chama a mudança de protocolo de uma “decisão política tomada por não especialistas em saúde”. Ele também cita artigos publicados em revistas científicas internacionais que apontam efeitos dos medicamentos no tratamento de pacientes do coronavírus, especialmente em relação a problemas cardíacos, além de diretrizes médicas publicadas por entidades brasileiras, como a Associação de Medicina Intensiva e a Sociedade Brasileira de Infectologia, dentre outras.

“Considerando que a necessidade de avaliação dos pacientes através de anamnese, exame físico e exames complementares nos equipamentos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), trará um grande impacto à atenção primária e de média complexidade, ao qual o sistema não está adaptado para regular neste presente momento”, aponta ainda o texto.

O CNS é uma instância colegiada do Sistema Único de Saúde (SUS), que tem o objetivo de fiscalizar, acompanhar e monitorar as políticas públicas de saúde. Ele tem 48 conselheiros, que são representantes dos segmentos de usuários, trabalhadores, gestores do SUS e prestadores de serviços em saúde, além de representantes de movimentos sociais, instituições governamentais e não governamentais, entidades de profissionais de saúde, comunidade científica, entidades de prestadores de serviço e entidades empresariais da área da saúde. 


El País: Hidroxicloroquina vira "muleta" para Bolsonaro e Trump

Medicamento, pesquisado em todo o mundo para tratar Covid-19 e defendido pela Casa Branca, se tornou munição de grupos bolsonaristas contrários ao isolamento social. Mandetta aponta riscos de efeitos colaterais

Cientistas do mundo inteiro correm contra o relógio em busca da cura e de uma vacina para o novo coronavírus. Por enquanto, nada de definitivo no front, a não ser tratamentos experimentais, alguns deles considerados promissores, mas ainda sem estudos em escala suficiente para serem considerados uma recomendação geral. Um deles é uso de cloroquina ou hidroxicloroquina, drogas para o combate da malária, artrite e lupus, em pacientes com Covid-19. No Brasil —e nos EUA— o tema não é apenas científico: virou pólvora para o embate político e arma na “guerra cultural” do países polarizados. Tanto Jair Bolsonaro como Donald Trump resolveram se transformar em defensores de primeira linha das substâncias, mesmo que a parte técnica dos Governos que comandam não endossem as recomendações com a mesma ênfase. A maior preocupação do especialistas, lá como aqui, é que a divulgação precoce do tema leve à automedicação ou ao uso indiscriminado antes que todos os riscos estejam mapeados.

No caso do Brasil, o presidente Jair Bolsonaro, que é estritamente contrário às medidas de isolamento social contra a disseminação do vírus, tem insistido no tema e já dá como certo o sucesso no uso da droga para tratar a doença. Em pronunciamento em rede nacional nesta quarta-feira, o presidente afirmou que realizou um acordo com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, para que o Brasil continue recebendo matéria-prima para a produção da hidroxicloroquina. “De modo a a podermos tratar pacientes da Covid-19, bem como malária, lúpus e artrite”, afirmou. Do outro lado do debate, há um grupo de cientistas e médicos, incluindo o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que pedem cautela e tentam acelerar as pesquisas para chegar a uma conclusão mais segura sobre o uso dessas drogas nesta pandemia.

Mandetta vem afirmando que é necessário mais tempo de pesquisa sobre o medicamento, embora já tenha liberado a substância para tratamentos de pacientes em estado avançado e médio da doença. Via de regra, médicos no Brasil estão autorizados a prescrever a cloroquina e a hidroxicloroquina para pessoas com coronavírus contanto que haja consentimento formal do paciente. Nesta quarta, o ministro novamente ponderou que a substância pode trazer efeitos colaterais ainda desconhecidos, especialmente em idosos e naqueles que não realizaram teste para a Covid-19 e podem estar com outras doenças. “Será que vai proteger ou será que eles [idosos] podem ter arritmia cardíaca, precisar de CTI [Centro de Terapia Intensiva] e ter enfarte agudo do miocárdio?”, questionou. O ministro informou ter pedido ao Conselho Federal de Medicina que se posicione sobre a eficácia ou não da substância até 20 de abril.

No Brasil, há dois estudos em curso sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina, medicamentos análogos, indicados para o tratamento de malária, reumatismos e lúpus, dentre outras doenças. Um deles é o da Coalização Covid Brasil, coordenado pelo Hospital Albert Einstein, Sírio Libanês HCor e BRICNet, rede que realiza estudos na área de medicina intensiva. O outro é coordenado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e, embora ainda não tenha sido concluído, resultados preliminares apontam que a taxa de morte de quem usou a cloroquina no tratamento é a mesma daqueles que não usaram. Ambos os estudos estão sendo acompanhados pelo Ministério da Saúde e fazem parte de um conjunto de 9 pesquisas em curso sobre tratamentos para a doença.

Algumas publicações internacionais já apontam, no entanto, que a droga poderia ser capaz de atuar contra o coronavírus, impedindo sua replicação no organismo, de acordo com documento da Anvisa. O mesmo documento pondera, entretanto, que a margem entre a dose terapêutica e a dose tóxica da droga é estreita. Por isso, estudos conclusivos ainda são necessários. “Não sabemos se há um grupo de maior risco [às adversidades do medicamento], por exemplo”, afirma Antônio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e professor titular da Escola Paulista de Medicina. “Mas eu nunca vi nenhum efeito colateral. Prescrevo há 40 anos esse remédio e nunca registrei nenhuma adversidade”. Mas Denizar Vianna, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde, do Ministério da Saúde, ressaltou durante entrevista coletiva que o principal efeito colateral de ambas as drogas é a possibilidade de causar arritmia cardíaca. “O coração é uma bomba que depende da ativação de um sistema elétrico próprio. Esse medicamento pode produzir um prolongamento de uma dessas fases elétricas do coração e propiciar um ambiente favorável a uma arritmia que pode ser potencialmente fatal”, afirmou nesta semana.

Apesar da ausência de conclusões, o Governo já vem movendo suas peças para aumentar a produção do medicamento, evitar a automedicação e garantir seu abastecimento. No dia 20 de março, a cloroquina e a hidroxicloroquina passaram a necessitar de receita médica em duas vias para serem compradas nas farmácias. A medida valerá especialmente para que os pacientes que já fazem uso da droga não fiquem desassistidos caso haja uma procura em massa nas farmácias. Paralelamente, os laboratórios químicos das Forças Armadas anunciaram que estão ampliando a produção da cloroquina podendo chegar à fabricação de 500.000 compridos por semana. E o Ministério da Saúde já anunciou a distribuição do remédio para os Estados. De acordo com o secretário da Saúde de São Paulo, José Henrique Germann, o Estado recebeu 200.000 comprimidos que já foram distribuídos aos hospitais.

Médicos ligados a opositores no alvo

Apesar do empenho mundial em busca de conclusões científicas sobre a medicação, Bolsonaro segue usando como munição política a possibilidade de haver um tratamento para a doença. “Há 40 dias venho falando do uso da hidroxicloroquina no tratamento do COVID-19. Sempre busquei tratar da vida das pessoas em primeiro lugar, mas também se [sic] preocupando em preservar empregos. Fiz, ao longo desse tempo, contato com dezenas médicos e chefes de Estados de outros países”, escreveu o presidente, nesta quarta-feira, em sua conta no Twitter. “Cada vez mais o uso da cloroquina se apresenta como algo eficaz. Dois renomados médicos no Brasil se recusaram a divulgar o que os curou da COVID-19. Seriam questões políticas, já que um pertence a equipe do Governador de SP?”, disse, em referência à gestão de seu oponente político, João Doria (PSDB).

Os dardos lançados pelo presidente tinham dois alvos bem claros. Trata-se de duas das maiores sumidades médicas do país, Roberto Kalil Filho, cardiologista do Hospital Sírio Libanês, e o infectologista David Uip, coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo. Ambos recém-curados do coronavírus. Kalil Filho recebeu alta nesta quarta-feira depois de passar 10 dias internado. No mesmo dia, ele afirmou à rádio Jovem Pan que usou a hidroxicloroquina, depois que um dos médicos que o tratava propôs seu uso. Ele ponderou, no entanto, que a droga foi apenas uma das que ele usou para se tratar, juntamente com outras, e que, não pretende, com isso, influenciar o tratamento de ninguém.

A declaração de Kalil alavancou ainda mais as provocações contra David Uip, que já vinha sendo pressionado a dizer se havia feito uso do medicamento. Retornando ao trabalho nesta semana após 15 dias afastado, e sabendo que era sobre ele a publicação de Bolsonaro no Twitter, Uip se defendeu. “Presidente, respeite o meu direito de não revelar o meu tratamento”, afirmou, durante entrevista coletiva nesta quarta-feira em São Paulo. “Não há nenhuma importância no que eu tomei ou deixei de tomar. “O que é importante é que eu não me automediquei. O resto é absolutamente pessoal”.

Uip, que chegou a ser tratado por Kalil antes que o cardiologista adoecesse, afirmou que não revelaria seu tratamento, um direito que tem, como paciente. Nas redes sociais chegaram até mesmo a publicar uma suposta receita médica de cloroquina emitida pela clínica de Uip a um paciente. O médico confirmou a veracidade do documento à Rádio Gaúcha, afirmando que a receita teria sido vazada por alguém do seu consultório. Na coletiva, no entanto, ele afirmou que tomará “as providências legais e adequadas a essa invasão da minha privacidade”.

Seja como for, o assunto movimenta torcidas virtuais contra e a favor de Bolsonaro, ou do medicamento, e isso, por si só, não é um efeito colateral desprezível no modus operandi bolsonarista. Nos EUA, analistas políticos argumentam que Trump cumpre seu roteiro de sempre: se agarrar em uma visão “otimista” e “antissistema”, dessa vez em relação à pandemia. No caso de as drogas comprovadamente se mostrarem efetivas, o presidente dos EUA poderá dizer que se antecipou aos especialistas “do sistema”. Caso não dê certo, o ocupante da Casa Branca tem experiência em apenas mudar o foco da conversa e ignorar a campanha anterior. Não seria a primeira vez que Bolsonaro seguiria seu script.