Guilherme Boulos

Fernando Pessôa: Guilherme Boulos, o velho no novo

Seu frescor lembra o PT dos anos 1980, ótimas intenções, nenhum pragmatismo

O jovem candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos é articulado, se expressa com clareza e aparentemente traz frescor à cidade.Tem uma história bonita. De classe alta, cedo foi viver e conhecer a vida e as dificuldades dos paulistanos carentes. Com interesse, portanto, ouvi a sabatina do jornal O Estado de S. Paulo da semana passada.

Repercutiu muito nas redes sociais a afirmação infeliz de que o problema do déficit da previdência é que a prefeitura não faz concurso. Segundo Boulos, novos servidores públicos contribuiriam para o sistema, reduzindo o déficit. Trata-se de um despropósito: contrata-se um servidor por 100, ele contribui com 20, reduz o déficit da previdência em 20 e eleva o gasto do município em 100!

Boulos quer trocar trabalhadores terceirizados por concursados. Para ele, os terceirizados são mais caros que os concursados. A informação está errada. Há inúmeras evidências de que o salário do servidor público é superior ao do setor privado para as mesmas ocupações.

Há iniciativas cujo custo não convence. Por exemplo, alega que fará unidades habitacionais, por meio de mutirão, por R$ 41 mil cada uma. Não parece possível. Um imóvel deteriorado no centro de São Paulo não sai por menos de R$ 1.500 o m². Também parecem subestimados os R$ 4.600 por ano para uma vaga em creche. Bem como R$ 5.700 para o salário bruto de um médico concursado pela prefeitura.

Também parece subestimada a estimativa de 437 mil passagens de ônibus gratuitas, que considera ida e volta, em cada dia útil, para gestantes, mulheres com criança de colo e estudantes.Os R$ 14 bilhões que separou para o combate à pobreza parecem bem calibrados.Independentemente das estimativas de gasto, várias subestimadas, é na parte da receita que o candidato se perde.

Segundo Boulos, haverá três fontes de receita para financiar esses gastos, que são da ordem, nas suas contas, de R$ 29 bilhões em quatro anos: o caixa da prefeitura, o aumento do investimento e o aumento da eficiência na execução da dívida ativa do município.

Dinheiro em caixa não é receita. O caixa da prefeitura é receita já acontecida e é uma reserva financeira para gastos futuros. Certamente parte está comprometida com contas a pagar que cairão ao longo do tempo. E certamente toda prefeitura precisa de um caixa para fazer frente às oscilações naturais da receita e despesa que ocorrem ao longo do ciclo econômico. Boulos eleito em 2020, se reeleito for em 2024, iniciará seu segundo mandato sem nenhum recurso no caixa?

A segunda fonte de recursos será a normalização do investimento da prefeitura. Segundo o candidato, na gestão Fernando Haddad, a prefeitura investia R$ 20 bilhões por ano, e, na atual, o investimento caiu à metade. Assim a “normalização” do investimento produzirá receita adicional de R$ 10 bilhões em quatro anos.

Não ocorreu ao candidato que a queda do investimento não foi uma decisão política, mas fruto de uma queda generalizada do investimento de todo o setor público brasileiro desde a grande crise de 2014-2016. Vivemos em crise fiscal permanente. Foram a queda da receita e a elevação do gasto obrigatório (principalmente previdência) que produziram a queda do investimento, e não o inverso.

A terceira fonte de receita será o ganho de eficiência na execução da dívida ativa. A hipótese é que as administrações anteriores não quiseram arrecadar mais. Não se esforçaram.O frescor de Boulos lembra o PT dos anos 1980. Ótimas intenções, nenhum pragmatismo e visão meio conspiratória das demais administrações. É a ideia equivocada de que fazer o bem é fácil, e não se faz pois falta vontade política.​Samuel Pessôa

*Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


Zeina Latif: Responsabilidade nas promessas

Embora com tom mais moderado, Guilherme Boulos repete o nefasto e equivocado discurso populista

Os debates eleitorais têm muito a melhorar. Candidatos da oposição muitas vezes constroem a imagem de que é fácil resolver os problemas e que, se nada foi feito antes, foi por descaso ou desonestidade. A simplificação excessiva, como na campanha de Bolsonaro em 2018, atrapalha a decisão consciente e o amadurecimento do eleitor.

O discurso fácil e eloquente dá voto, pois segmentos da sociedade continuam em busca de “salvadores da pátria”. Porém, cedo ou tarde, chega a fatura, como na decepção de eleitores com o presidente.

É necessário ir além da superficialidade e afastar promessas descabidas, pois enfrentar os desafios do desenvolvimento requer maturidade política.

Os candidatos à reeleição, por sua vez, falham ao não explicitar problemas e diagnósticos, talvez por temerem críticas. Ao final, há uma cumplicidade perversa entre contendores no debate eleitoral, ao evitarem temas polêmicos.

A campanha para a eleição da Prefeitura de São Paulo não foge à regra.

Mal se discute, por exemplo, o grave desequilíbrio da previdência municipal. Em 2019, o rombo foi de R$5,4 bilhões, o que equivaleu a 16% da arrecadação tributária. O déficit atuarial estava em quase R$163 bilhões.

Depois da desistência de Fernando Haddad e o insucesso de João Doria, a reforma da Previdência foi aprovada no fim de 2018. A pressão do funcionalismo foi enorme e houve greve no início de 2019, data escolhida a dedo para coincidir com o calendário escolar, segundo os próprios sindicalistas.

A reforma, porém, foi tímida, prevendo praticamente apenas o aumento da alíquota de contribuição dos servidores de 11% para 14% e a previdência complementar para entrantes com benefício acima do teto do INSS.

Não foi alterada a idade mínima de aposentadoria, diferentemente da reforma federal, que, diga-se de passagem, foi atacada por Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo. Agora, ele defende mais contratações para aumentar a arrecadação previdenciária do município. Argumento incompreensível.

O jovem político reproduz o discurso da velha esquerda que não acredita em restrição orçamentária e acha que tudo se resolve com mais recursos. Nada se ouve sobre melhorar a gestão nas diversas áreas. A lista de promessas de campanha é inexequível, pela falta de recursos e por contemplar medidas tecnicamente equivocadas.

Para cobrar a dívida ativa, em boa medida irrecuperável neste País de crises frequentes, Boulos promete contratar mais procuradores. Para reduzir a população de rua, propõe usar a rede hoteleira e contratar mais agentes. Para a saúde, mais médicos. E por aí vai.

Promete uma “renda cidadã” paulistana, uma política onerosa e mais adequada para a União, e defende o que chama de economia solidária – por exemplo, a compra de alimentos de pequenos produtores no cinturão verde, fora de São Paulo, para prover escolas. No entanto, em uma grande metrópole, ganhos de escala são necessários para garantir a efetividade das políticas públicas e, ao mesmo tempo, evitar despesas em demasia.

Para financiar seus programas, o candidato diz contar com a recuperação da dívida ativa e com a suposta sobra de caixa – um recurso já comprometido e exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ele confunde fluxo com estoque (fluxo de despesa permanente pago com estoque finito de recursos), erro básico, que, de quebra, fere a LRF.

Faltam bons diagnósticos sobre os problemas da cidade, as prioridades e a realidade fiscal.

O próximo prefeito terá muitas outras missões, como povoar e adensar os bairros centrais com infraestrutura urbana, o que reduziria tempo no transporte, pressionaria menos o preço da terra – tema caro ao Boulos – e ajudaria a preservar o meio ambiente, em meio ao aumento de loteamentos ilegais.

Oxigenar o debate público, como fazem alguns candidatos “nanicos”, é saudável. O crescimento de Boulos exige, porém, maior responsabilidade nas propostas. Embora com tom mais moderado, ele repete o nefasto e equivocado discurso populista.

*Consultora e doutora em economia pela USP


Celso Ming: Guilherme Boulos e a nova esquerda

Candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo parece ter-se dado conta da nova direção dos ventos, mas por enquanto é voz isolada

Já é um bom avanço entender que as esquerdas tradicionais perderam terreno nessas eleições e que seu espaço começa a ser ocupado por uma esquerda mais moderna e mais moderada, que tem como um dos seus líderes Guilherme Boulos, candidato a prefeito de São Paulo. Mas é preciso ir além. É preciso entender por que essa mudança está ocorrendo.

A esquerda que está sendo desidratada no Brasil é a que cresceu no sindicalismo tradicional, o que se baseava na defesa dos interesses do trabalhador da indústria de transformação. Batalhava por mais conquistas trabalhistas e pelo aumento dos salários dos que já desfrutavam de um contrato formal de trabalho, que ainda dava direito a outros benefícios, como plano de saúde, fundo de pensão e colônia de férias.

Essa esquerda e esse sindicalismo ajudaram a fortalecer a chamada elite do proletariado. Foram responsáveis também para que, em determinado período, ganhasse corpo certo acordo tácito pelo qual os trabalhadores da indústria de veículos obtivessem os melhores salários do mercado e a indústria pudesse repassar aumentos de custos para o preço dos seus produtos, sem ter sequer de divulgar balanços auditados.

Esse velho sindicalismo não se importa muito com o desempregado nem com a situação precária dos já aposentados e dos que logo chegariam a essa condição. Em grande número de casos, os dirigentes desses sindicatos se perpetuavam no poder e tiravam proveito próprio do bolão do imposto sindical arrecadado com contribuições compulsórias dos associados, mamata que felizmente acabou.

Esse sindicalismo está sofrendo de Alzheimer não porque a reforma trabalhista o tenha abatido – como muita gente pensa –, mas porque o momento é de enorme transformação na natureza do trabalho. A nova arrumação do sistema produtivo, a automação e o largo emprego de tecnologia de informação não estão dispensando apenas instalações, máquinas e áreas de almoxarifado; estão dispensando mão de obra.

Todos os dias a gente se depara com informações de que grandes empresas estão promovendo planos de demissão voluntária e fechamento irreversível de fábricas, como aconteceu com a Ford em São Bernardo do Campo. E isso vale, também, para a área de serviços, mais de 70% do PIB. Basta conferir o que está acontecendo nos bancos, no comércio varejista e até mesmo na construção civil, setores conhecidos até recentemente como grandes empregadores de pessoal.

Não se farão mais greves e grandes concentrações como se viam nos anos 1970 e 1980 no Estádio da Vila Euclides, em São Caetano e em Osasco, movimentos que desembocaram na criação do PT.

Hoje as coisas estão mudadas. As greves se tornaram ocasião para que o patrão eventualmente atrasado no processo de modernização de sua empresa tome consciência de que precisa intensificar a automação, o emprego de aplicativos, a escalada para o estágio da indústria 4.0 e para participação nas cadeias globais de produção e distribuição. A pandemia, por sua vez, mostrou-lhe como pode cortar os custos de seus escritórios, por meio do trabalho em home office. Portanto, o empresário está sendo empurrado para operar com menos funcionários.

A principal mudança na natureza do trabalho é a perda de importância relativa do emprego celetista e aumento da importância das atividades por conta própria (autônomas). Para o bem e para o mal, ficou mais difícil distinguir trabalho informal de trabalho autônomo, situação que começa a se tornar cada vez mais normal.

A esquerda convencional já vinha enfrentando rápido processo de esclerose. Na política, passou a disputar o poder, não como meio para defender mais adequadamente o interesse público, mas para disputar o poder pelo poder. O candidato do PT em São Paulo, Jilmar Tatto, não foi escolhido porque tinha a melhor plataforma em benefício do trabalhador paulistano, mas porque dominou a máquina do partido, por meio da qual arrancou sua indicação, que ninguém reverteu, mesmo depois que se viu que sua candidatura não tinha densidade eleitoral.

Boulos parece ter-se dado conta da nova direção dos ventos. Mas, por enquanto, é apenas voz isolada, acolhido em partido fraco. Corre o risco de ser engolido pela burocracia e pelo mesmismo, contra o qual diz lutar. Ou, pior, de ser engolfado pelo radicalismo. Mas já mostrou que as esquerdas têm novo caminho a percorrer.


#ProgramaDiferente: do empresário que "invadiu" Las Vegas ao líder sem-teto que ocupa São Paulo, sem perder o olhar da Sustentabilidade

O #ProgramaDiferente desta semana é cheio de contrastes: entrevista tanto o empresário bem sucedido que "invadiu" Las Vegas até o líder do movimento de moradia que faz das ocupações a sua arma política, além de ouvir a seringueira do Acre que se tornou referência mundial da Sustentabilidade. Assista.

O fato é que a diferença gritante entre Ciro Batelli, Guilherme Boulos e Marina Silva mostra o tamanho da riqueza e da diversidade do Brasil, com todas as suas desigualdades, diferentes sonhos e realidades.

Do defensor dos cassinos e vice-presidente do Caesars Palace ao líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, passando pela mulher alfabetizada aos 16 anos que se tornou sumidade internacional, a distância é abissal.

Mas a História do Brasil é feita de contrastes e a política é o espaço legítimo e democrático para a mediação de conflitos, a garantia de direitos e a busca de justiça social.

Por isso o programa reúne estes três exemplos de lideranças brasileiras bem sucedidas, cada uma com origens e trajetórias bem distintas, mas todas elas com atuação dentro das regras do Estado de Direito, respeitando os princípios da República e da Democracia.

A entrevista com Ciro Batelli mostra o ponto de vista empresarial de um homem vivido, com uma perspectiva global do capitalismo e a experiência de quem fez sucesso nos Estados Unidos, voltado principalmente para a área do entretenimento e do turismo.

A matéria sobre o lançamento do livro de Guilherme Boulos, do MTST, apresenta, por outro lado, uma nova liderança que surge à esquerda, num momento em que o PT está em crise e, com o insucesso do governo Dilma, reacende no Brasil uma resistência conservadora e reacionária de direita que estava adormecida há muito tempo.

Para fechar o programa da semana, Marina Silva, certamente a maior liderança política surgida nos últimos anos fora da polarização entre PT e PSDB, fala sobre os desafios do desenvolvimento sustentável, os retrocessos da agenda ambiental e as demandas das grandes cidades.

Assista também a íntegra das entrevistas exclusivas com Ciro Batelli, Guilherme Boulos, Marina Silva e, ainda, aíntegra da palestra da ex-senadora sobre Sustentabilidade.

O #ProgramaDiferente é exibido na TVAberta de São Paulo todos os domingos, às 21h30.

Na internet, está disponível na TVFAP.net e em programadiferente.com na íntegra.