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CPI da Covid quer que Bolsonaro seja banido das redes sociais

Presidente usa redes sistematicamente para espalhar mentiras. Relatório da CPI o apontou como líder de rede de fake news

DW Brasil

Pedido ocorre após presidente usar live para espalhar mentira que relaciona vacinas à aids. Donald Trump perdeu contas em redes sociais no início do ano após estimular invasão do Capitólio.

O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), quer que o presidente Jair Bolsonaro seja banido das redes sociais. O pedido deve ser incluindo no relatório final do colegiado, que vai ser votado nesta terça-feira (26/10).

A medida é apoiada pela maioria dos membros da CPI e deve incluir um pedido de medida cautelar nesse sentido a ser encaminhada ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, responsável pelo inquérito das fake news, que já investiga uma rede bolsonarista de disseminação de mentiras.

O pedido da CPI ocorre quatro dias depois de Bolsonaro usar uma live para fazer declarações que associaram falsamente as vacinas contra covid-19 ao risco de desenvolver aids. Essa foi apenas a última de dezenas de declarações mentirosas do presidente em relação aos imunizantes.

A live repleta de mentiras de Bolsonaro acabou sendo excluída pelo Facebook, Instagram e YouTube. A última plataforma tambémsuspendeu a conta do presidente por sete dias. Não é a primeira vez que o presidente tem conteúdo apagado pelas redes ao longo da pandemia. No ano passado, ele já teve publicações com conteúdo falso suprimidas pelo Twitter e Facebook.

"Bolsonaro reincide a cada dia, faz questão de cometer os mesmos crimes. Não muda. Só porque a CPI se encaminha para a reta final, ele acha que vai voltar a falar sozinho de novo nas redes sociais. Essa última declaração, sobre vacina e aids, agrava ainda mais as circunstâncias dele", disse o senador Renan Calheiros ao jornal O Estado de S. Paulo.

"Vou fazer um registro duro no relatório da CPI e estamos, adicionalmente, entrando com ação cautelar junto ao STF para bani-lo das redes", completou.

No início do ano, Twitter, Facebook e YouTube baniram Donald Trump após o ex-presidente americano estimular a invasão do Capitólio, a sede do Congresso do país, uma ação que resultou na morte de cinco pessoas. Assim como Bolsonaro, Trump usava as redes sistematicamente para espalhar mentiras e ataques.

Na semana passada, o relatório da CPI da Pandemia imputou nove crimes a Bolsonaro, inclusive o de "incitação ao crime" por espalhar sistematicamente notícias falsas e incitar o desrespeito às medidas contra a pandemia. O relatório também apontou que Bolsonaro comanda uma rede de fake news com a participação de seus filhos e blogueiros bolsonaristas.

Mentira sobre aids

No vídeo da última quinta-feira, Bolsonaro leu um texto afirmando que vacinados com as duas doses contra a covid-19 estariam desenvolvendo a "síndrome da imunodeficiência adquirida" - o nome oficial da aids - "mais rápido do que o previsto" e que tal conclusão era supostamente apoiada em "relatórios oficiais do governo do Reino Unido".

No entanto, não há estudos do governo do Reino Unido que mencionam tal risco. Entidades médicas e cientistas imediatamente desmentiram o presidente em redes sociais.

A notícia falsa citada por Bolsonaro foi publicada originalmente pelos sites Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva, este último um site antivacinas que já veiculou fake news ao longo da pandemia. Os dois sites se basearam numa página em inglês conhecida por espalhar teorias conspiratórias.

O site Aos Fatos apontou que os textos divulgados por Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva inseriram de maneira fraudulenta uma tabela que não existia em documentos oficiais das autoridades sanitárias do Reino Unido.

Bolsonaro parece ter se dado conta na live sobre o potencial de sanções das redes sociais e se limitou a ler apenas o título e recomendar aos espectadores a procurarem ler o material. "Não vou ler porque posso ter problemas com minha live."

Na segunda-feira, Bolsonaro ainda tentou justificar suas declarações com novas mentiras, afirmando que elas constavam numa matéria da revista Exame. No entanto, a matéria da revista, publicada em outubro de 2020, a que o presidente se referiu não tem nada a ver com as falas mentirosas feitas durante a live da semana passada.

Método de fake news

Não é a primeira vez que Bolsonaro menciona estudos inexistentes para embasar sua agenda negacionista. Em fevereiro, ele mencionou um "estudo de uma universidade alemã" para afirmar que o uso de máscaras são "prejudiciais a crianças". No entanto, como a DW Brasil revelou, o tal "estudo" não passava de uma mera enquete online altamente distorcida. Da mesma forma, a notícia havia sido divulgada inicialmente por ativistas negacionistas antes de chegar ao presidente.

Bolsonaro tem feito declarações contra vacinas desde o ano passado. Num dos casos mais notórios, ele comemorou publicamente uma suspensão temporária de testes sobre a eficácia da Coronavac. Ele também continua se recusando a tomar qualquer vacina contra a covid-19. É o único líder de um país do G20 que ainda não o fez.

Mesmo a estratégia de usar material falsificado e depois tentar minimizar a má repercussão citando de maneira distorcida um texto legítimo não é nova.

Em junho, Bolsonaro divulgou um documento mentiroso e fraudulento que apontava "em torno de 50% dos óbitos por covid no ano passado não foram por covid". Bolsonaro disse que o documento havia sido elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o que não era verdade.

Mais tarde, quando a falsificação foi apontada, o presidente e seus apoiadores passaram a divulgar um relatório verdadeiro porém antigo do TCU que levantava a hipótese de risco de supernotificação de casos da doença - mas era só um alerta, não significando que isso tenha ocorrido.

Repúdio

A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) foi um dos grupos que desmentiu a fala de Bolsonaro que associou vacinas à aids. Em nota, a entidade repudiou "toda e qualquer notícia falsa que circule e faça menção a esta associação inexistente". A nota foi endossada pela Associação Médica Brasileira (AMB).

No Twitter, a epidemiologista Denise Garrett, do Instituto de Vacinas Sabin (EUA), reiterou que nenhuma das vacinas para covid-19 aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) causam HIV. Ela também chamou Bolsonaro de "inescrupuloso", "mentiroso" e "criminoso".

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/cpi-quer-que-bolsonaro-seja-banido-das-redes-sociais/a-59627208


Benito Salomão: Uma âncora para a inflação

Brasil terá um longo período de baixo crescimento do PIB e elevada inflação

Benito Salomão / Correio Braziliense

O ano de 20121 caminha para o final, e as projeções mais recentes apontam para um cenário bastante pessimista. O Brasil terá um longo período com a combinação indesejada de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e elevada inflação. Muitos fatores podem explicar essa deterioração macroeconômica súbita, que se deu em um intervalo de poucos meses. A economia brasileira começou 2021 com previsões demasiadamente otimistas. A pesquisa Focus, divulgada semanalmente pelo Banco Central (BC), apontava, em janeiro, previsões medianas de crescimento elevado, inflação próxima ao centro da meta e taxa Selic em torno de 3,25% ao ano. O que aconteceu para que, poucos meses depois, o país estivesse aprisionado em um debate sobre estagflação?

É possível começar constatando que não é possível jogar a conta da deterioração macroeconômica exclusivamente nos modelos mal calibrados do começo do ano. Inúmeros erros de políticas acometeram o país ao longo de todo o ano, a começar, os erros no enfrentamento da pandemia. A sabotagem às medidas de isolamento social quando necessárias e o atraso da vacinação fizeram que os efeitos da covid-19 se ampliassem no tempo, levando às quarentenas intermitentes, que retardam a recuperação e o emprego, além do prolongamento excessivo de medidas de socorro aos vulneráveis como auxílio emergencial.PUBLICIDADE

Outros equívocos se somaram aos erros da pandemia. Como não mencionar o fato de o governo federal ter aprovado a sua Lei Orçamentária Anual (LOA) apenas em abril de 2021? O impasse que atrasou a construção da peça orçamentária se deu envolvendo a dificuldade de conciliar as emendas paroquiais do baixo clero do Congresso Nacional, obstruídas pelo teto de gastos, que está com os dias contados no Brasil.

O consenso político que parece cristalizado nos interesses dos poderes Executivo e Legislativo (predominantemente da Câmara dos Deputados) é de que uma regra fiscal, fruto de um intenso esforço legislativo no passado e muito importante para disciplinar o gasto público, sobretudo obrigatório, pode ser desperdiçada para o atendimento de interesses eleitorais de curtíssimo prazo dos mandatários das duas casas da praça dos três poderes.https://22022f16ea280c4c3474ad784dcf48db.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Mas não se enganem, o populismo carrega em seu DNA o gene da autodestruição. Em clássico ensaio de 1990, Rudiger Dornbusch e Sebastian Edward narram as fases do populismo na América Latina. O texto tem, em determinados trechos, aspectos de profecia. No Brasil, as consequências parecem não estarem dispostas a esperar a próxima legislatura para cobrar a fatura do voluntarismo irresponsável que ocupa Brasília. A inflação chegou aos dois dígitos e tem exercido um impacto avassalador na renda das famílias que tendem a radicalizar contra os responsáveis.

O Banco Central, embora sinalize que fará o “possível” para guiar esta inflação novamente para a meta, tem poucos instrumentos para isso em um cenário cuja política fiscal não colabora. Voltamos ao teto de gastos e aos interesses paroquiais dos populistas de Brasília. No afã de sinalizar medidas para aliviar o sofrimento da carestia provocado pela inflação, a Câmara tem elaborado propostas que fragilizam o equilíbrio fiscal, desancoram as expectativas e alimentam a própria inflação que não cede, apesar de toda contração monetária em curso patrocinada pelo BC.

Inflações elevadas e persistentes são frutos de maus fundamentos macroeconômicos e também da falta de credibilidade do governo de plantão. Desde o Plano Real, os períodos de inflação estável têm estado atrelados a alguma âncora macroeconômica. Entre 1995 e 1998, essa âncora foi o câmbio fixo e em paridade com o dólar. Após 1999 e até o desastre da nova matriz heterodoxa, em meados de 2012, os juros e as metas de inflação funcionaram como âncora. Após 2016, o regime de metas que ancorava as expectativas de inflação ganhou ajuda da política fiscal por via do teto de gastos, que deu ao país uma esperança quanto ao equilíbrio de longo prazo das contas públicas.

Executivo e Legislativo têm sabotado continuamente o teto de gastos, e o Brasil todo está colhendo as consequências da inflação cheia do IPCA, nos índices de difusão de preços e nos núcleos de inflação que têm elevado o custo de vida em todo o território nacional. Uma consequência secundária da irresponsabilidade é a política monetária, extremamente contracionista, que o BC terá que empreender para atenuar os efeitos do populismo político e fiscal sobre os preços. É preciso reancorar a macroeconomia do país.

*Mestre em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU)

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/10/4957764-artigo-uma-ancora-para-a-inflacao.html


Janio de Freitas: CPI da Covid é exemplo de atuação a Ministério Público e Judiciário

Já Rodrigo Pacheco não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados

Janio de Freitas / Folha de S. Paulo

A descrença na punição dos indiciados na CPI da Covid, pelo visto, bem próxima da unanimidade, é um julgamento de tudo o que se junta no sentido comum de "Justiça brasileira".

Também desacreditado por parte volumosa da opinião geral, o desempenho da CPI excedeu até o admitido pelos mais confiantes.

O fundo da realidade volta à tona, porém. A criminalidade constada aliados por covardia ou por patifaria.

CPI traz mais do que a comprovação de um sistema de criminalidade quadrilheira, voltado para o ganho de fortunas e mais poder político com a provocação da doença e de mortes em massa.

Nas entranhas desses crimes comprovados, está a demonstração, também, da responsabilidade precedente dos que criaram as condições institucionais e políticas para a degradação dramática do país e, nela, a tragédia criminal exposta e interrompida pela CPI.

Nada na monstruosidade levada ao poder surgiu do acaso ou não correspondeu à índole do bolsonarismo militar e civil.

Muito dessa propensão foi pressentido e trazido à memória pública com exaustão, lembrados os antecedentes pessoais e factuais.

Também por isso as surpresas com a pandemia não incluíram a conduta do poder bolsonarista, que então prosseguiu, em maior grau, a concepção patológica de país traduzida na liberação de armas, nas restrições à ciência, na voracidade destrutiva.

A CPI proporciona ainda um exemplo ao Ministério Público e ao Judiciário.

Cumpriu um propósito de extrema dificuldade, porque contrário a um poder ameaçador e desatinado, e o fez com respeito aos preceitos legais e direitos. Sem a corrupção institucional própria do lavajatismo.

É necessário não esquecer a contribuição, para o êxito incomum da CPI, de senadores como Omar Aziz, que impôs o bom senso e a determinação com sua simpática informalidade. E Randolfe Rodrigues, autor da proposta de CPI e impulsionador permanente do trabalho produtivo.

Tasso Jereissati foi importante, com o empenho para aprovação e composição promissora da comissão, além de dirimir impasses --tudo isso, apesar da cara de cloroquina do seu PSDB chamado a definir-se contra o poder bolsonarista.

O polêmico Renan Calheiros foi, como sempre, muito decidido e eficiente. Otto Alencar e Humberto Costa, médicos, foram decisivos muitas vezes. E houve vários outros, mesmo não integrantes do grupo efetivo, como Simone Tebet.

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco não deve ficar esquecido. Filia-se ao PSD com o projeto de candidatar-se à Presidência, de carona no êxito da CPI.

Contrário à investigação da criminalidade do governo e de bolsonaristas na pandemia, sumiu com o projeto aprovado para criação da CPI.

Foi preciso que o Supremo o obrigasse a cumprir as formalidades de instalação. E não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados.

A descrença em punições não precisa de explicação. Oferece mais uma desmoralização das afirmações de que "as instituições estão funcionando" no país do governo criminoso e da descrença nos tribunais superiores.

Sem solução

Inesperada, a derrota na Câmara do projeto que passaria ao Congresso atribuições dos promotores e procuradores, sem com isso atacar o essencial, evitou mais uma falsa solução.

Mudar a natureza de procuradores e promotores é impossível, um Dallagnol será sempre o que é. Logo, o necessário é o acompanhamento honesto do que se passa no Ministério Público, e mesmo no Judiciário.

Tarefa básica que os conselhos dessas instituições não fazem, funcionando sobretudo no acobertamento dos faltosos.

Eis uma norma há anos adotada pelo Conselho Nacional do Ministério Público: mesmo que determinada pelas regras penais, a demissão do faltoso só deve ocorrer se há reincidência.

Do contrário, a pena será apenas de suspensão temporária da atividade e dos vencimentos. Uma discreta indecência.

O necessário é fazer com que os conselhos sejam leais às suas finalidades.

O que o Congresso pode conseguir com a criação de um sistema de vigilância público-parlamentar. Até algo assim, os conselhos do Ministério Público e da Magistratura continuam como motivo de descrença extensiva nessas instituições.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/10/conselhos-de-ministerio-publico-e-judiciario-sao-motivo-de-descrenca-extensiva.shtml


Dorrit Harazim: Vísceras expostas

Cabe agora ao Ministério Público e à Justiça responder aos pedidos de indiciamento

Dorrit Harazim / O Globo

O simples fato de a CPI da Covid ter existido e resistido, apesar da tropa de choque bolsonarista e da contrariedade do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já foi notável. Duplamente admirável foi o empenho da maioria de seus integrantes em trabalhar como gente grande, com decência e benefício claro para a sociedade. Conseguiram dar algum compasso moral a um Brasil que, de resto, está à deriva e expuseram as vísceras de Jair Bolsonaro, cujo método de governo se assenta num amplo leque de tipificações penais.

Nada a festejar, porém. Não pode haver conforto para povo algum que tem na chefia da nação um presidente indiciado por crime contra a humanidade — no caso, contra sua própria gente. É igualmente trevoso para a história de qualquer nação ver seu presidente indiciado por mais outros oito crimes. É tudo de um horror abissal, por ser factual. E por quase ter ficado enterrado nos porões do governo, não fosse o dever cumprido pela maioria na CPI.

Cabe agora ao Ministério Público e à Justiça responder aos pedidos de indiciamento. E dar uma resposta adulta para a gargalhada com que o filho Zero Um do presidente, senador Flávio Bolsonaro, pretendeu desdenhar o documento histórico. O aspecto mais chulé da vida nacional anda esquisito — num curto espaço de tempo somos informados de que o presidente chora escondido no banheiro e de que o Marcola do PCC, líder da maior facção criminosa do país, está deprimido na prisão.

Mas são problemas reais que deixam em torvelinho 213 milhões de brasileiros. A fome de comer pelanca, o caos social, a extrema direita sem freios, os solavancos na economia, a emergência ambiental, a incerteza quanto a liberdades, a degradação geral da vida em sociedade — tudo isso entrou em marcha acelerada sob o comando errático de um só homem, Jair Bolsonaro. Que ninguém se engane — armados de fé e, se preciso, munidos de armas, seus seguidores mais extremados nunca lhe faltarão no pacto de morte contra o Estado Democrático de Direito.

Talvez o presidente e o relator da CPI da Covid, senadores Omar Aziz e Renan Calheiros, já tenham se arrependido de ter votado pela recondução de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República. Nos Estados Unidos, o então presidente Donald Trump sobreviveu a dois processos de impeachment porque os senadores do Partido Republicano cerraram fileiras. Acreditaram estar fazendo política. Na realidade, fizeram história trevosa ao deixar o caminho aberto para Trump e sua vertente nacionalista voltarem ao poder — seja na reconquista da maioria na Câmara e no Senado em 2022, seja com Trump de volta à Casa Branca em 2024.

Não se trata de alarmismo. Nesta semana, Steve Bannon, o já notório cérebro de uma internacional fascistoide que inclui o Brasil, desafiou abertamente o Poder Legislativo dos EUA. Simplesmente recusou-se a depor perante a comissão de inquérito que investiga sua atuação na invasão do Capitólio de 6 de janeiro último, quando milicianos trumpistas pretendiam impedir a certificação da vitória eleitoral de Joe Biden em 2020. Parece pouco? Para padrões da bicentenária democracia americana, não é. Ao deboche público das instituições, arrostado por Bannon, vem somar-se uma acelerada limitação do direito ao voto em vários estados decisivos do país. E esse desmonte é obra de governadores mais leais a Trump que àquilo que os Estados Unidos de melhor deram ao mundo: o voto universal e livre.

Por toda parte, pipocam candidatos a clones de Trump, que Steve Bannon vai arrebanhando e formatando em rede. Alguns ainda são meros aspirantes a um poder menor, como a figura midiática do argentino Javier Milei, candidato a uma vaga no Congresso nas eleições do próximo mês. Admirador declarado de Trump e Bolsonaro, tem fala carismática e propostas de soluções simples para problemas complexos, como manda o manual populista. Outros visam mais alto logo de cara. Na França está em curso a ascensão meteórica e inesperada do polemista Éric Zemmour, apresentador do canal conservador CNews , que parece querer disputar a corrida presidencial. Situado à extrema direita de Marine Le Pen, Zemmour também é admirador declarado de Trump, alerta contra o “declínio da França”, ataca a imigração, o islamismo e o resto da cartilha democrática.

Sem falar no governo a cada dia mais fechado da Polônia, primeiro a desdenhar de peito aberto as convenções democráticas da União Europeia. Na sexta-feira, a ainda chanceler da Alemanha, Angela Merkel, recebeu uma ovação sincera dessa mesma União Europeia. Foi recebida pelo rei Philippe da Bélgica (a sede da EU é em Bruxelas), homenageada com peças de Mozart e Beethoven em concerto de gala e saudada com frases como “a senhora foi um compasso”, “as próximas cúpulas sem Angela Merkel serão como Paris sem a Torre Eiffel”. No caso, não eram exagero — por 16 anos ela foi âncora. Sem ela, a Europa e o mundo com Trumps e Bolsonaros se tornarão ainda mais sombrios.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/visceras-expostas.html


Vinicius Torres Freire: Furo no teto já não basta para pagar Auxílio Brasil, bondades e emendas

A questão é saber qual vai ser a mumunha que vão inventar para bancar aumento ainda maior da despesa

Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo

A gambiarra para aumentar as despesas do governo federal em 2022 não deve ser suficiente para pagar a conta do pacote eleitoral previsto por Jair Bolsonaro, pelo centrão e por outros planos do Congresso. Pelo que está na emenda constitucional até agora, o aumento de gastos possível será de R$ 94,1 bilhões, somados o teto mais alto e o calote provisório, digamos, dos precatórios. A emenda ainda precisa ser votada na Câmara e no Senado. Há um acordão geral, entre quase todos os partidos e os comandos das duas casas, para aprovar o pacote.

Mas não vai dar para todo mundo.

Vai faltar ainda mais dinheiro se deputados e senadores decidirem dar alguma ajuda às pessoas que vão deixar de receber o auxílio emergencial e não vão entrar no novo Bolsa Família, o "Auxílio Brasil". Na manhã de sexta-feira (22), ouvia-se de gente do Congresso que era preciso arrumar algum auxílio para parte dos cerca de 18 milhões de pessoas que devem ficar sem nada. A conta ainda vai aumentar. Há quem diga, de resto, que o novo espaço fiscal não chega a R$ 94,1 bilhões. Pior ainda.

Assim, provavelmente não vai dar para pagar:

1) o "Auxílio Brasil", que vai custar R$ 46,7 bilhões além do que estava orçado para o Bolsa Família. É o custo de pagar R$ 400 por mês a 17 milhões de pessoas;

2) o aumento de despesa imprevista pelo Orçamento enviado pelo governo ao Congresso, aquela que vai aumentar porque a inflação vai ser maior do que estimada, o que eleva gastos com benefícios atrelados ao valor do salário mínimo, como os da Previdência. Deve ser um custo extra de quase R$ 20 bilhões, no mínimo de R$ 18 bilhões;

3) o aumento de despesas que está no forno: Vale GásBolsa Caminhoneiro, a prorrogação do desconto de impostos sobre a folha salarial de empresas (a chamada "desoneração"). Nada disso ainda foi aprovado ou mesmo planejado (caso do auxílio para caminhoneiros autônomos). Pelas contas ainda imprecisas de agora, o custo deve ser de uns R$ 14 bilhões;

Sobra então algo em torno de R$ 14 bilhões a R$ 15 bilhões. Mas a conta não acabou.

Pelo que se ouvia no Congresso até faz pouco, não é dinheiro suficiente para bancar o aumento do valor daquelas emendas parlamentares paroquiais que ora estão sob controle dos líderes do centrão, em particular de Arthur Lira (PP-AL), o presidente da Câmara, premiê informal de Bolsonaro. A conversa do centrão era arrumar pelo menos uns R$ 18 bilhões. A depender do destino que se dê a uns certos gastos do governo (como investimento em obras), dá para baixar essa conta (prejudicando, claro, investimentos maiores, que dariam lugar a gastos mais paroquiais).

O limite de gastos federais vai aumentar porque Bolsonaro e centrão combinaram de mudar a regra de reajuste dessas despesas. É uma gambiarra, uma mudança na indexação, na correção monetária, desse limite, do "teto" de gastos. Vai haver mais "espaço" para gastos também porque parte da dívida já orçada com precatórios não será paga, uma moratória que vai ressuscitar os esqueletos fiscais (dívidas mais ou menos escondidas na contabilidade, que se acumulam e acabam por assombrar algum governo).

A questão aqui é saber qual vai ser a mumunha que vão inventar para pagar aumento ainda maior da despesa, além daquilo que seria permitido pela gambiarra. Inventar maneira nova de reajustar o valor do "teto" vai ser difícil. Inventar uma despesa extra-teto aumentado causará escândalo adicional.

Convém lembrar que, se o Congresso inventar um novo jeitinho, por meio de emenda constitucional, Bolsonaro não poderá vetar a nova despesa (mesmo que quisesse).

As próximas semanas ainda serão animadas.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/10/furo-no-teto-ja-nao-basta-para-pagar-auxilio-bondades-e-aluguel-do-centrao.shtml


Elio Gaspari: Os frentistas abandonaram o Posto Ipiranga

Quase todos saíram, por terem percebido que estavam perdendo tempo, ou queimando biografias

Elio Gaspari / O Globo

Num governo que já explodiu a meta da inflação, o ministro Paulo Guedes adoçou sua adesão ao estouro do teto de gastos falando difícil, com uma azeitona em inglês:

“Estamos buscando a formatação final dos R$ 400, fazendo a sincronização dos ajustes das despesas obrigatórias, dos salários e do teto ou pedindo um waiver.” Na gíria do carteado, a tradução dessa palavra é “estia”. O jogador que tem menos habilidade pede uma estia ao outro.

Quanto à sincronização, Guedes conseguiu a demissão sincronizada de quatro colaboradores. Desde a posse do Posto Ipiranga, 19 frentistas já pediram o boné. Quase todos, por terem percebido que estavam perdendo tempo, ou queimando biografias. Na Prevent Senior, diriam que elas caminhavam para uma “alta celestial”.

Guedes parece ter subestimado a saída do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, em julho do ano passado. Mesmo antes da posse, Mansueto mostrou ao czar que uma parte de suas promessas era fantasia. O economista havia passado com brilho pelo Massachusetts Institute of Technology e conhecia as mumunhas de Brasília. Ao ir embora, mostrou que entendia muito de política.

A última debandada da ekipekonômika mostrou que Guedes não entendeu onde se meteu. Nenhum deles foi-se embora porque Guedes sofreu derrotas políticas, mas porque tendo-as sofrido, meteu-se numa aventura injetando cloroquina na sofrida economia nacional. Guedes encantou-se ao ver que as portas se abrem sozinhas para deixar o excelentíssimo senhor ministro passar, e por essa porta 19 se foram.

‘Oito Dias de Maio’, um grande livro

Saiu nos Estados Unidos um grande livro. É “Eight Days in May: The Final Collapse of the Third Reich”, do historiador alemão Volker Ullrich, conhecido pela sua biografia de Adolf Hitler. Ele conta com maestria os dias que foram do suicídio do Fuhrer (30 de abril de 1945) à rendição do alto comando alemão em Reims (7 de maio).

A sabedoria convencional sugere que entre um fato e outro pouco de relevante aconteceu, além do inexorável triunfo das Tropas Aliadas. Com um olhar alemão, Ullrich mostra um painel de dramas, ruínas e ambições. Nele, sobressai a figura do almirante Karl Dönitz, um nazistão a quem Hitler passou o governo do Reich. Seu comportamento, com o pelotão de militares e civis que o rodeava, é uma aula sobre a psicologia do poder, mesmo quando ele só existe na forma de delírio patológico.

O almirante tinha uma ideia: continuar a guerra na frente do Leste, sem combinar com os russos que já estavam em Berlim. No dia 5 de maio, ele compôs ministério e entregou ao economista Otto Ohlendorf a tarefa de planejar a reconstrução do país. (Como oficial da tropa da SS, ele se envolveu na morte de 90 mil pessoas na frente russa).

Nesse dia, a fotógrafa americana Lee Miller posava com o torso nu na banheira do apartamento de Hitler em Munique, e um general alemão chegava ao QG dos Aliados levando a proposta de paz em separado. Não foi recebido pelo comandante americano Dwight Eisenhower: rendição incondicional ou nada. Quando ele relatou a Dönitz o resultado da gestão, o almirante indignou-se e considerou a posição de Eisenhower “inaceitável”. Pouco depois entendeu que inaceitável era sua ideia e, às 2h41m da madrugada do dia 7, os alemães assinaram a capitulação.

No dia 9, os russos já tinham identificado os restos de Hitler a partir de sua arcada dentária. Dönitz, contudo, ainda não sabia se deveria renunciar. Seu chanceler argumentava que a rendição fora das tropas, não do governo. O almirante concordou e foi ao rádio: “Nós não temos do que nos envergonhar. Nesses seis anos, o que o Exército conseguiu combatendo e a população, resistindo, foi um fato inédito na História do mundo, um heroísmo sem precedentes.”

No dia 23, seu governo foi extinto, e ele foi preso. Passou dez anos na cadeia e morreu em 1980. Nunca disse uma palavra contra Hitler nem a favor dos judeus. Os dois comandantes do Exército alemão foram enforcados em 1946, e seu ministro da Fazenda foi executado na Alemanha em 1951 pelo que havia feito na Rússia.

Boa ideia

Aos poucos, a Petrobras está retomando o fornecimento de combustível de aviões e helicópteros.

Não há razão para que existam intermediários para abastecer com combustível da Petrobras voos de bases da empresa para plataformas da própria companhia.

Posto Ipiranga

De uma víbora:

“O Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro virou uma daquelas casas pelas quais, segundo o escritor Guimarães Rosa, homens sérios entravam, mas por elas não passavam.”

Mailson disse tudo

O ex-ministro Mailson da Nóbrega disse tudo:

“Parece um grande manicômio.”

A privataria avança no parque

A Urbia, empresa que se tornou concessionária do Parque do Ibirapuera, privatizado pela fúria liberal do então prefeito e hoje governador João Doria, decidiu abrir uma interessante discussão. Quer arrecadar uma tarifa a empresas e treinadores que cobram pela prática de atividades esportivas no seu espaço.

Essa tarifa renderia de R$ 100 mil a R$ 200 mil mensais à empresa. Querem cobrar de 3% a 5% do que pagam os alunos; até as árvores sabem que essa conta vai para o bolso dos alunos.

Há empresas que se apropriam de pequenos espaços para suas atividades. Nesses casos, a ideia faz sentido. A girafa aparecerá quando se quiser cobrar a um treinador que acompanha clientes numa corrida ou numa sessão de ginástica sem demarcar espaço.

Se o doutor João Doria sair candidato pelo PSDB poderá explicar o alcance de suas privatizações durante a campanha.

Bolsonaro no Congresso

Um leitor de folhas de chá acredita que se Jair Bolsonaro perceber que não terá chances de vitória na eleição presidencial procurará abrigo numa disputa para o Senado, ou mesmo para a Câmara.

Se isso acontecer, o recuo do capitão nada terá a ver com apreço pelo Legislativo. Será uma busca de imunidade.

Príncipe William

Faz tempo que não se ouve uma coisa inteligente vinda da Casa de Windsor. A rainha Elizabeth não fala. Seu falecido marido foi um campeão de impropriedades, e seu filho Charles falava com plantas.

O sinal de vida veio do príncipe William, que criticou os milionários que torram fortunas para ir ao espaço enquanto as coisas na Terra vão mal.

As aventuras espaciais de Elon Musk e Jeff Bezos, bem como o quadro de Banksy parcialmente triturado que foi arrematado num leilão por US$ 25,4 milhões serão marcos das maluquices de uma época.

No século passado, o fotógrafo Philippe Halsman ganhou notoriedade com a “jumpology”, algo como “pulologia”. As celebridades eram fotografadas enquanto pulavam. Até o Duque e a Duquesa de Windsor participaram dessa palhaçada, rendendo uma bela imagem.

Anos depois, a televisão italiana criou o programa de bobagens “Mondo Cane”. Num de seus episódios, um artista tocava uma peça de Beethoven dando tapas na cara de suas vítimas.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/os-frentistas-abandonaram-posto-ipiranga-25249228


Eliane Catanhede: Quanto mais golpeia a economia, mais Bolsonaro abre a trilha da terceira via

Quanto mais troca a responsabilidade fiscal pelo Centrão, o presidente afugenta o setor produtivo, bancos, agronegócio, grandes executivos e economistas

Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo

Ao incinerar os princípios básicos da macroeconomia em favor dos interesses rasteiros da micropolítica, o presidente Jair Bolsonaro não percebe que faz mais o jogo do Centrão do que dele próprio e que trabalha contra a sua reeleição. Furar o teto de gastos não vai salvá-lo, vai afundá-lo de vez.

De um lado, Bolsonaro não entrega reformas, privatizações e neoliberalismo. De outro, atua contra a meta de inflação, os juros baixos, a responsabilidade fiscal e social. Não constrói nada e destrói o que já existe; não respeita nem demite Paulo Guedes, uma alma penada.

Na economia, o governo não tem ministro, plano de voo e o que mostrar, sem passado, presente e futuro. Na política, está nas mãos de quem desdenha da economia, do social e do próprio destino de Bolsonaro, fazendo da fraqueza dele a sua força. O principal efeito pode ser justamente eleitoral.

Quanto mais troca a responsabilidade fiscal pelo Centrão, mais Bolsonaro afugenta o setor produtivo, bancos, agronegócio, grandes executivos e economistas. E mais abre caminho para uma terceira via. O senador Rodrigo Pacheco e o ex-juiz Sérgio Moro vão se filiar, um ao PSD, na próxima quarta, o outro ao Podemos, em 10 de novembro.

Pacheco e PSD têm muito a ganhar e nada a perder. Ele, que faz 45 anos em 3/11, tem duas plataformas: a presidência do Senado, onde marca posição pró-democracia e criou uma barreira às audácias da Câmara e de Bolsonaro, e Minas, onde a debacle do PSDB e do PT fez emergir o PSD – mesma sigla (não partido...) de Juscelino Kubitschek, símbolo de político.

Seja ao fim candidato a presidente, vice ou nada, Pacheco lucra com a visibilidade e tem seu mandato no Senado garantido por mais quatro anos. E o PSD de Gilberto Kassab ganha tempo e moeda de troca, enquanto conversa com Lula e espera o quadro eleitoral decantar.

Quanto a Moro, ele perdeu parte do que tinha – na direita e no centro – e não ganhou o que não tinha – a esquerda. O X da questão é o Estado da filiação. Se for ao Podemos do Paraná, a candidatura à Presidência seria a única opção, porque Álvaro Dias é o dono da única vaga do partido ao Senado. Já se for ao de São Paulo, Moro estará de olho no Senado.

Na raia da terceira via, há duas certezas, o veterano Ciro Gomes (PDT) e um nome do PSDB a ser lançado em novembro, além de várias incógnitas, como o neófito Datena, do União Brasil. O mais relevante é que há clamor e trilhas abertas. Bolsonaro ajuda muito, a golpes de incompetência política, econômica, social e administrativa. Lula prefere concorrer com ele, mas não vai ser tão fácil.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,quanto-mais-golpeia-a-economia-mais-bolsonaro-abre-a-trilha-da-terceira-via,70003878055


Míriam Leitão: Mentiras fiscais desviam o foco

Os mais otimistas estão prevendo que o PIB brasileiro suba 1%

Míriam Leitão / O Globo

O governo terminou a semana com o presidente Bolsonaro acusado de nove crimes, e o Ministério da Economia com um desfalque de parte da equipe. Os dois eventos estão ligados. Bolsonaro, acuado pela CPI e pela perda de popularidade, anunciou elevação do benefício social, ainda inexistente, mas para isso foi preciso atropelar as regras fiscais. A reação foi a saída de quatro secretários da equipe econômica. Depois disso, o presidente visitou o Ministério da Economia, disse que o ministro tem sua confiança, e Paulo Guedes ficou no cargo.

A confusão feita pelo governo nos últimos dias vai impactar o país por muitos anos. Os juros vão subir mais para compensar a incerteza da política fiscal. O país crescerá pouco no ano que vem e os economistas já falam em estagflação. Enquanto isso o mundo estará crescendo forte.

– O mundo vai crescer 4,9% em 2022, será uma das maiores distâncias entre o Brasil e o mundo em quatro décadas — diz o economista-chefe de um dos maiores bancos do país.

Os mais otimistas estão prevendo que o PIB brasileiro suba 1%. Mas muitos economistas de bancos e consultorias estão reduzindo para números próximos de zero.

Fazer o orçamento será um exercício de adivinhação depois da mudança feita essa semana. O teto de gastos será corrigido pelo índice de janeiro a dezembro, em vez de ser pela inflação de doze meses até junho. Ou seja, o orçamento será enviado ao Congresso sem que se saiba a inflação do ano e, portanto, sem o valor do teto de gastos. Será votado também sem a definição do valor do teto. Só em janeiro do ano em que o Orçamento estará sendo executado é que se saberá qual foi a inflação de janeiro e dezembro.

–O espaço do teto era corrigido pelo IPCA de 12 meses acumulado até junho. Por que? Porque o orçamento precisa ser enviado em 31 de agosto ao Congresso com a previsão de despesas dentro do teto. A Secretaria de Orçamento precisa desses números e de tempo para preparar. Fizeram isso por conveniência, porque agora há um ganho — explicou uma fonte que já preparou as contas para o orçamento.

Outra consequência dos eventos dessa semana, e que se estenderá para os próximos anos, é a mudança nos precatórios. São dívidas que tramitaram na Justiça. Não são meteoros, ao contrário do que disse Guedes. A solução poderia ter sido outra, que não a de dar um calote em parte dos credores.

—É falacioso o argumento de que não há como pagar os precatórios. O governo não soube gerenciar o problema. Uma das maiores dívidas era com o Fundef, que poderia ter tido uma boa negociação. Havia um erro da AGU de R$ 30 bilhões e o governo foi alertado sobre isso bem antes. Bastava negociar com os estados. Nada foi feito porque os “beneficiários” seriam governos da oposição — explicou um ex-integrante do governo.

Por onde se olhe há gambiarras e casuísmos. O governo deixará de pagar dívidas que poderia ter negociado e vai criar uma dívida paralela, para ser paga em 10 anos, e que pode virar uma bola de neve. A mudança do prazo do índice que corrige o teto de gastos é uma manobra oportunista. Até meses atrás, o governo comemorava o descasamento dos índices porque haveria uma folga fiscal. E é isso que Paulo Guedes disse que havia “R$ 30 bi a R$ 40 bi que eram nossos e sumiram”. Se a inflação caísse fortemente no segundo semestre, o teto seria corrigido pela inflação de 12 meses até junho e, então, as despesas subiriam menos porque o INPC seria menor. Só que a realidade não respeitou as previsões e a inflação subiu nesse segundo semestre comendo a “folga fiscal”. Será mudada a periodicidade do índice que corrige o teto porque agora dá vantagem ao governo. Mas isso vai criar um problema permanente na formulação do orçamento.

E tudo isso foi feito para ajudar os pobres? Não. Tudo isso é feito para parecer que está ajudando os pobres, mas para garantir na prática que continuam altas as emendas parlamentares inventadas no governo Bolsonaro, e conhecidas com o nome de RP9. E, desta forma, o governo possa continuar comprando apoio no Congresso.

Foi uma semana de mentiras, desrespeito às leis fiscais e muita demagogia para tentar desviar a atenção do fato de que o presidente Jair Bolsonaro foi acusado de cometer nove crimes, entre eles o crime contra a humanidade.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/mentiras-fiscais-desviam-o-foco.html


Merval Pereira: Não aprenderam, nem esqueceram

Outro ponto a se destacar no livro de Edmar Bacha é a negociação parlamentar para se chegar ao Plano Real

Merval Pereira / O Globo

Diante da crise que a cada dia se aprofunda no país, favorecida pela irresponsabilidade fiscal do presidente Bolsonaro e pela submissão das convicções do ministro da Economia Paulo Guedes às ambições políticas, tem importância didática relembrar as disputas da equipe que implantou o Plano Real com as forças políticas e econômicas que sustentavam a hiperinflação brasileira àquela altura.

É o que faz o economista Edmar Bacha, membro da Academia Brasileira de Letras, em seu recém lançado livro “No País dos Contrastes”, do selo História Real. Como dizia outro economista de renome, Roberto Campos, “o Brasil nunca perde a oportunidade de perder uma boa oportunidade”, frase citada por Bacha ao relembrar o Programa de Estabilização enviado ao Congresso no final de 1993 quando Fernando Henrique era ministro da Fazenda, que propunha uma série de reformas na revisão constitucional que estava prevista para cinco anos depois da promulgação da Constituição de 1988.

Constavam lá temas que ainda hoje estão inconclusos, como o “federalismo fiscal”, o “realismo orçamentário”, a “reforma tributária”, a “reforma administrativa”, eliminação dos monopólios estatais e reservas de mercado, reforma previdenciária. Houve avanços, como o fim do monopólio da Petrobras ou o início da reforma da Previdência, ainda hoje inconclusa. Mas perdemos quase 30 anos sem dar solução definitiva a questões que já eram conhecidas, e ainda hoje esbarram em interesses corporativos ou fisiológicos.

Outro ponto a se destacar no livro de Edmar Bacha é a negociação parlamentar para se chegar ao Plano Real. Apelidado de “senador”, pelo tempo que dedicava a conversas com parlamentares no próprio Congresso, Bacha revela detalhes de enfrentamentos delicados resolvidos com recuos e avanços, sem que tenham sido necessárias trocas de favores não republicanos, como assistimos já há algum tempo, com o Centrão envolvido em mensalões, petrolões e outros escândalos.  

Ele relembra algumas frases que ouviu durante essas negociações que revelam muito bem o pensamento médio do parlamentar brasileiro. Desde “você é PHD e coisa e tal, mas não ache que pode nos enganar. Aqui, o mais bobo foi eleito” a “na barganha política, o relógio zera todo dia. Nada dê hoje para obter algo em troca somente no dia seguinte”.

Outro membro da equipe do Plano Real, o economista Winston Fritsch, que foi Secretário de Política Econômica, escreveu um belo artigo recentemente no Globo (“A única via”) em que analisa  as causas da perda de governabilidade do presidencialismo de coalizão, e o que chama de “irrelevância da fulanização da discussão da sucessão”.

Para ele, a solução passa por um pacto de governabilidade entre, citando o ex-ministro da Fazenda Rubem Ricupero, "o centro socialmente progressista e a esquerda democraticamente renovada". Winston Fritsch admite, porém, que esse pacto é de difícil consumação “pois o que diluiu os partidos tradicionais no mundo pós-moderno foi exatamente a perda da representatividade política dos agentes tradicionais que definiam o espectro político real entre centro-direita democrática e esquerda, e a consequente volta da direita, num mundo ainda crescentemente desigual mesmo nos países ricos”.

O pacto que exemplifica a vitória da política é o de  Moncloa, na volta da Espanha à democracia depois da ditadura de Franco, mas Fritsch ressalta que ele se baseava num “mundo de sindicatos e patrões dos anos 70”. Um Pacto de Moncloa 2.0 teria que ser inventado, mas ele acha que fazer uma versão “à brasileira” é mais fácil, pois “a agenda da governabilidade aqui é infinitamente mais simples do que o original. Moncloa tinha 700 páginas. O nosso caberia em uma”. Winston Fritsch acha que a emergência climática e outras ameaças de externalidades globais reais e urgentes, como pandemias, “impossíveis de serem tratadas sem cooperação multilateral, acabarão com o surto de nacionalismo que é a força de que se alimenta a direita pós-moderna, uma forma de tribalismo político revivido com a ajuda das novas redes de comunicação”.

Infelizmente, como os Bourbons, nossos políticos “não aprenderam nada, nem esqueceram nada”.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/nao-aprenderam-nem-esqueceram.html


A direita, o centro e a esquerda no “dia do fico” de Paulo Guedes

A sexta-feira, 22 de outubro, promete ficar conhecida, na crônica política, como o “dia do fico” do ministro Paulo Guedes

Paulo Fábio Dantas Neto / Blog Democracia e Novo Reformismo

A primeira das interpretações possíveis - aquela que mais diretamente aciona a intuição e os sentidos de quem assistiu à bizarra entrevista coletiva de ontem à tarde – é a de um canastrão ébrio, delirante, inconsciente do seu script. O ex-posto de conveniência de um chefe mais aventureiro do que ele, que de há muito não se abastece com ele e sequer passa por perto dele, posa, tal qual um apóstolo de religião extinta ou um poeta de língua morta, de guardião de um teto de gastos imaginário enquanto se desnuda ensopado pelo aguaceiro político e fiscal que lhe tirou o prumo, a equipe e o que lhe restava de dignidade. Patético agonizar de um paciente terminal, ao qual não faltou uma cena que lembra outra. Em maio de 2020, o então ministro da Saúde, Nelson Teich, também em coletiva, ouviu perplexo, da boca de um repórter, a notícia de uma declaração de Bolsonaro que desmoralizava o que ele, ministro, acabara de afirmar.  Foi constrangedor comparar sua cara de traído, derradeiro sabedor da situação em que se metera, com o riso zombeteiro do general Pazuello, seu futuro sucessor, divertindo-se com a saia justa do condenado. Pois foi do mesmo sarcasmo o sorriso de Bolsonaro quando Guedes errou, ontem, o nome do novo auxiliar que anunciava na cena do “fico”. Sem noção do próprio papel e do lugar subordinado que ocupa, o ministro jactava frases baluartistas sobre um país inexistente e supunha um “acordo” seu com o presidente, a quem não obedece, mas com quem negocia. 

Passado o impacto da impressão que acionou a intuição da agonia pública e indigna de Paulo Guedes, apareceu lugar para um raciocínio mais ajustado à imagem do dia do fico. Dela decorre uma segunda linha de interpretação do episódio e do processo em que ele se insere, a qual, pelo que se pode notar, faz, até aqui, mais fortuna na cobertura da imprensa. Para o bem de poucos e felicidade particular dos que não tem noção do povo e da nação - vítimas reais da pobreza e doença adensadas pela perversidade de um desgoverno - o presidente fez um afago no ministro que é o seu elo com o mundo da economia. Pressionado pelo desastre das bolsas e do câmbio, de um lado e pelo apetite patrimonialista de sua base congressual, de outro, Bolsonaro pisou no freio com os políticos para prestigiar seu ministro, o qual, em retribuição, reviu a suposta inclinação a pedir demissão. Supõe-se que o mercado raciocina que ruim com Guedes, pior sem ele. Nada que signifique perigo do centrão perder a condição objetiva de aliado preferencial do Presidente, na hora do “vamos ver”. É adiamento de um desfecho, o que por si só mostra a simultânea fragilidade da situação política do governo e do próprio Bolsonaro, premidos por um caos econômico, uma crise social e uma alta rejeição popular. Que dizer do futuro de um governo para o qual o ébrio da banca ainda é uma âncora?

O contraste entre as duas interpretações é pouco relevante, se comparado à situação de desgaste que nenhuma delas consegue ocultar. As reações de Bolsonaro e Guedes à adversidade que os põe na defensiva são, igualmente, de terceirizar responsabilidades. Bolsonaro sempre apontou o dedo para o isolamento social provocado pelos governadores e pelo Judiciário; Guedes lembra que inflação é assunto do BC, que precisa “correr atrás”. Anestesiado por angústias de curto prazo, Guedes forja um discurso por um “ajuste fiscal mais brando, com abraço social mais longo”. Ao BC cabe aumentar juros para conter a inflação que afeta o povo. Inflexão ao social útil à satisfação da banca.  A situação permite uma terceira interpretação, segundo a qual Paulo Guedes e políticos do centrão lutam por restos, em meio a escombros, sendo Bolsonaro menos árbitro e mais refém dessa disputa.


Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coletiva do ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcos Corrêa/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Paulo Guedes durante cerimônia do Novo FUNDEB. Foto: Isac Nóbrega/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Paulo Guedes e Bolsonaro durante o Latin America Investment Conference. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coletiva do ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcos Corrêa/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Paulo Guedes durante cerimônia do Novo FUNDEB. Foto: Isac Nóbrega/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Paulo Guedes e Bolsonaro durante o Latin America Investment Conference. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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A esse respeito, a coluna de Andrea Jubé (“Não tem bala de prata para a economia - Valor Econômico, 22.10.21) traz abordagem original do atual contexto pré-eleitoral cuja fonte é o economista e consultor político Mauricio Moura, fundador do Instituto Ideia Big Data. A controvérsia que ele abre com as previsões predominantes em análises de cenários para 2022 instiga a reflexão. Para Moura, o grau de dificuldades de Bolsonaro para obter a reeleição justifica que ele, apesar de ocupar, hoje, o segundo lugar nas pesquisas, seja considerado como “terceira via”, sendo Lula e um candidato, ainda oculto, da centro-direita, as vias mais prováveis de estarem presentes no segundo turno. Considera que o prazo de um ano é apertado para se recuperar uma economia que, no momento, produz problemas sociais (desemprego, inflação, pobreza, fome, fechamento de pequenos negócios) em níveis de gravidade comparáveis aos de 1988. A menção àquela conjuntura nos lembra de que na eleição de 89 o legado econômico-social do governo Sarney teve rejeição quase unânime, entre duas dezenas de candidatos presidenciais.

Ao lado disso - e em conexão lógica com isso – Moura salienta os índices de ruim e péssimo quase consolidados na marca de 55% e um dado, talvez o mais importante para o contexto, que aqui se discute, de disputa política em torno do auxílio social, encarado como uma espécie de tábua de salvação do governo. A má notícia para Bolsonaro seria que apenas dez por cento dos eleitores que consideram o governo regular (grupo no qual repousa, em tese, algum potencial de crescimento para ele) estão nas classes D e E. Se essa informação é precisa, fica uma certa impressão de que ela não justifica tanto barulho na atual queda de braço entre Guedes e o centrão. Fica no ar, como complemento dessa terceira interpretação, a sensação de que o conflito público foi aquecido para que dessa vez não haja dúvidas sobre o pai da criança do auxílio Brasil. Turbina-se uma crise “entre a política e a economia” (disjunção funcional ao apoliticismo reinante) para não haver divisão de louros entre Executivo e Legislativo, esse comparecendo – ao contrário do ocorrido com o auxílio emergencial de 2020 – apenas com o carimbo formal. Sendo tema de acirrada controvérsia, o auxílio adquire também valor simbólico de opinião pública, podendo afetar o comportamento eleitoral de bem mais gente do que seus beneficiários diretos. Não à toa sobraram farpas de Guedes ao Senado de Rodrigo Pacheco, cujo vagar na votação de alterações no IR teria obrigado o governo a conceber o mix alternativo que soma à PEC dos precatórios o auxílio Brasil a vulneráveis e, de quebra, a caminhoneiros. Pode-se negar tudo a Bolsonaro menos o reconhecimento do seu faro apurado para rivais.

Mas a realidade desafia as fabulações. Uma espécie de tempestade perfeita aguarda Bolsonaro na esquina, pois há a incompetência gerencial do governo e a propensão do presidente a se dirigir primordialmente ao seu grupo de eleitores mais fiel. Cético quanto à sustentabilidade de fases “moderadas” de Bolsonaro, o mesmo Maurício Moura o vê repetindo o erro que desgraçou Trump. Por outro lado, diz que se Bolsonaro conseguir se manter à frente de todas as candidaturas do centro e assim chegar ao segundo turno contra o PT (o que se pode dar também, caso o centro não se apresente razoavelmente unificado), ganharia competitividade no segundo turno, porque o antipetismo voltará a aflorar, fazendo Bolsonaro ser, outra vez, beneficiado pelo voto plebiscitário.

Ler essa última reflexão de Moura, trazida por Jubé, fez-me experimentar um temor que se achava aplacado, há meses, em relação ao risco de reeleição de Bolsonaro. Se hoje, ele pode ser “terceira via” porque tende a não chegar ao segundo turno, a condição para isso se confirmar é haver política inteligente na oposição de centro (para deslocá-lo do segundo turno) e na oposição de esquerda, para, em caso de fracasso do centro, adotar um discurso mais amplo para contemplá-lo e assim evitar a polarização extremada que pode devolver Bolsonaro ao páreo. Esse é um perigo que o país e a democracia não podem correr, por desagregação do centro, ou pela estreiteza da esquerda, ou pelas duas coisas.

Nesse sentido preocupam certos fios desencapados que se mostram em projetos de candidaturas excessivamente autárquicos e personalistas e, também, na gana de espetáculo que ameaça a credibilidade e a consequência dos resultados da CPI do Senado. Se um senso de centro político moderador não tirar de tempo esses fios, um festival de tiros no pé pode dar a Bolsonaro saídas que hoje não tem. Algumas das imprudências podem ter como alvo justamente inviabilizar a agregação de uma oposição de centro. Isso interessa objetivamente a Lula, que tem parceiros no centro e na direita para ajudá-lo a ominar o centro, por se imaginar imbatível num segundo turno contra Bolsonaro. Convém pensar em como agirá o eleitor conservador comum (majoritário no eleitorado) diante da perspectiva do PT retornar ao governo. Dependendo do tom da campanha lulista, mesmo decepcionado com o ‘mito”, esse eleitor pode olhar para o Bolsonaro de carne e osso que emergir, por exemplo, do auxílio Brasil e usar, na urna, o metro usado em 2018. Claro que o PT não pode se anular ou se imolar por causa disso. Mas na sua busca legítima de chegar ao segundo turno não precisa confundir tanto os inimigos.

Nenhum cuidado é demasiado quando se trata de bloquear o caminho ao reagrupamento do bloco reacionário que elegeu Bolsonaro em 2018. O ex-deputado Rodrigo Maia, por exemplo, atualmente secretário do governo de São Paulo, está certo ao dizer que o adversário do centro, a ser deslocado do segundo turno, deve ser Bolsonaro e não Lula. Nada a opor a essa tese geral.  Mas o discurso se contradiz e por isso é pouco veraz ao bater continência ao governador paulista. Parece que o adversário real de Maia é a centro-direita, onde granjeou desafetos. Eixo que terá boa chance eleitoral se unificado, o que será mais difícil se Doria vencer as prévias do PSDB. Maia quer aliança preferencial com o PDT, subestimando, talvez, a relevância do campo do qual ele próprio provém. Como se Doria pudesse existir fora da direita, indo do centro à esquerda, o que não é real. 

É um discurso que, além de agradável a Doria, pode ser útil, ou neutro, para se eleger deputado no Rio, mas pouco agregador para a eleição presidencial. É cada dia mais claro que, para ser competitiva e deslocar, de fato, Bolsonaro do segundo turno, uma aliança teria que ser do centro (PSDB, MDB, PV, Cidadania) com o PSD e o União Brasil. Seria bom o PDT estar nela também, mas todos sabem que esse partido só fará aliança se na cabeça estiver Ciro Gomes, candidato carente de prestígio entre partidos da direita, embora (ou até porque) corteje seus eleitores. Se houvesse a hipótese de o PDT puxar o tapete de Ciro para celebrar uma aliança sem a cabeça da chapa seria para apoiar Lula e não alguém do centro ou centro-direita, muito menos Doria.

Claro que tudo isso pode mudar em um ano, mas a possibilidade que hoje parece ainda haver de uma agregação ao centro que desminta a previsão de um segundo turno sangrento entre bolsonarismo e lulismo é outra: está em Eduardo Leite adotar postura menos evasiva, ser menos artificial e genérico no discurso, conseguir ganhar as prévias do PSDB e ser, quem sabe, um vice politicamente representativo numa chapa encabeçada por alguém do campo liberal- conservador, como Rodrigo Pacheco, por exemplo.

Não se trata aqui de gostar ou não dessa composição (particularmente vejo, entre os dois, pouca diversidade de atitude e estilo), mas de ver que é a opção que parece sobrar, a uma terceira via, para ter alguma cara de frente política. Ainda que com a ressalva de que sobre a estratégia de Gilberto Kassab em filiar Pacheco ao PSD e lançá-lo candidato paira a suspeita de que é jogo combinado com Lula para o segundo turno. Aliás, boataria mais afoita tenta tirar a bucha do balão antes que ele se acenda e suba, espalhando até a ideia de que Pacheco poderia ser vice numa chapa com o petista. A ordem natural das coisas é outra, pois Pacheco parece querer embicar sua nave no exato momento em que o “fico” de Paulo Guedes sinaliza o prolongamento de uma batalha intensa pelos recursos materiais envolvidos no fundo público que o governo gerencia (ou ao menos deveria). Dessa batalha chapa-branca fatalmente perdedores serão expelidos e o presidente do Senado tem perfil sereno, tolerante e acolhedor, propício a virar imã e não a ser imantado. A ver.

Como nada isso está combinado com os eleitores, Pacheco, se vier a ter em torno de si um arco de alianças amplo, poderia virar agente, em vez de novo solvente da terceira via. Embora tenha longa estrada a percorrer em busca de relevância eleitoral para o seu nome, ele tem cancha, poder de articulação e meios institucionais, caso performances de prima-donas, às vezes histriônicas, do trio que comanda a CPI da pandemia não prejudiquem a credibilidade do Senado como possível pista de decolagem de uma candidatura moderada.

Diante de óbices, até aqui não superados, para que Luiz Mandetta convença deputados do União Brasil (principalmente os egressos do ex- PSL) a admitirem lançar um candidato presidencial sério, aceitando assim repartir a farta cota do partido no fundo partidário, Pacheco, pelo PSD, parece ser opção mais à mão para o tal projeto de terceira via, ainda que carregada de incerteza sobre os passos subsequentes que poderão ser dados por ele, em diferentes direções. Isso deve ser ressalvado, não porque lhe falte discurso ou compromisso democráticos para eventualmente ser uma opção também voltada ao centro. Mas porque interlocuções que ele mantém, a partir da presidência do Senado, emprestam contorno mais enigmático ao desenho do arco político que pode reunir. Entre ser vice de Lula e candidato de uma direita governista dissidente, tudo, a princípio, é possível.

Nesse sentido, Mandetta seria caminho menos oblíquo e mais próximo ao perfil desejado por quem busca agregar um centro democrático com mais cara de oposição. Suas chances de vingar como opção agregadora dependem, no entanto, do processo adquirir andamento mais incisivo e ousado, no sentido de formulação de uma plataforma social democrática, porque, embora provenha da centro-direita, tem pendor a um discurso social, ainda inconcluso, mas perceptível nos movimentos de caráter unitário que ele tem feito até aqui.  

Afora Pacheco ou Mandetta, opções aparentemente mais agregadoras, há um arquipélago de jogos solteiros, como os de Ciro Gomes, João Doria e Datena, para não falar do de Sergio Moro, esses dois últimos outsiders estranhos a qualquer centro. Em jogos mais personalistas é que mora, no caso do centro, o risco acenado na análise de Maurício Moura.

Por fim, vale prestar atenção ao que se passa (ou deixa de passar) no território da esquerda. Estranha a quietude que, por vezes, emana dessas paragens. Há certa acomodação à coadjuvância mesmo diante de temas que lhe são caros, como a pauta social. Parece que, resolvido o quem e, uma vez estando esse quem confortavelmente aclamado em pesquisas, transcorre hiato inercial antes que se defina “o que” e “o como” fazer as coisas e de comunicá-los ao país. O discurso de Lula é reiterativo, abaixo do seu potencial de mobilização política e de intervenção em cada cena. Peço licença à memória de Moraes Moreira para dizer que nesse tique, nesse taque, nesse toque, nesse (pouco) pique Lula leva de roldão o PT e, assim, candidato e partido ficam, perigosamente, reféns de uma fala de configuração plebiscitária, quase maniqueísta, quando ecos da trajetória do ator – especialmente os de 2002 - permitem esperar algo mais animado e complexo.

O tom meio nostálgico contamina e congela as falas dos partidos da oposição de esquerda, não só a do PT. Até Boulos recuou da ousadia positiva da sua campanha municipal e voltou a repetir jargões de esquerda negativa. O PSB, é verdade, captou e integrou alguns pontos fora dessa curva conservadora, como Freixo, Flávio Dino, Tábata Amaral e outros, que tensionam o arco de uma promessa renovadora.  Mas o tom geral, mesmo entre quadros mais afeitos ao diálogo político e nele educados, é o que se vê na fala do deputado Molon, um desses quadros e atual líder da oposição na Câmara. Colocado diante do desafio concreto de dizer o que a oposição quer aprovar no caso do auxílio Brasil e suas conexões com a PEC dos precatórios, as mudanças no Imposto de Renda e por aí vai, perde-se na retórica. Sabe que “não vai por aí”, mas não consegue indicar por onde se deve ir. Num momento em que não se pode usar meias palavras para dizer que se deve votar, sim, o auxílio aos mais vulneráveis, isso é dito, ou de passagem, ou num repicar de cifras descomprometido com a exequibilidade. Falta admitir, com todas as letras, o limite fiscal, assumir medidas heterodoxas imediatas como exigências da emergência social, acenando com atitudes de contenção a médio e longo prazos. E resistir à tentação do udenismo de esquerda, que aponta emendas parlamentares e negociação política em geral como vilãs, sem dizer o que e como seria o uso “republicano” do inevitável furo no teto de gastos.

Esses e outros limites fazem a atitude da esquerda ser menos positiva na apresentação de proposições, atendo-se à torcida para que seu porta-voz chegue às urnas com a aprovação popular que atualmente tem. Dessa torcida faz parte torcer pelo fracasso prévio de uma terceira via, cujo papel, caso se construa, será tirar Bolsonaro do páreo, ainda no primeiro turno. Poderia ser objetivo nacional, se o diálogo entre forças democráticas fosse maior.

*Cientista político e professor da UFBa

Fonte: Blog Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/paulo-fabio-dantas-neto-direita-o.html


Na última década, 64% dos generais foram nomeados para cargos políticos

Segundo levantamento do GLOBO, maioria das nomeações ocorreu sobre a presidência de Bolsonaro

Bernardo Mello e Jan Niklas / O Globo

RIO — O Alto Comando do Exército, que configura o topo da hierarquia militar, também vem representando — especialmente no governo Bolsonaro — um estágio que antecede a obtenção de cargos políticos. Levantamento do GLOBO com os promovidos ao Alto Comando na última década mostra que, de 33 generais hoje na reserva, 21 — isto é, 64% ou aproximadamente dois em cada três — foram nomeados para funções de confiança, cuja remuneração se acumula à aposentadoria militar. A maioria das nomeações ocorreu sob a presidência de Jair Bolsonaro, e depois de esses generais esgotarem seu ciclo de promoções no Exército.

Veja ainda: Líderes evangélicos ampliam pressão para destravar indicação de Mendonça ao STF

Na prática, as nomeações configuram uma espécie de “porta giratória”, permitindo o retorno a cargos públicos para oficiais compulsoriamente retirados do serviço ativo, por esgotarem o prazo de permanência no Alto Comando. Dos 21 generais, 17 receberam seu primeiro cargo fora da estrutura militar depois de terem ido à reserva. Entre as exceções nomeadas quando ainda eram da ativa, dois são ministros de Bolsonaro: Walter Braga Netto (Defesa) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência). Metade dos egressos do Alto Comando em cargos de confiança foi nomeada a partir de 2019. Especialistas avaliam que houve uma “exacerbação” da presença no governo de militares do topo da hierarquia.

Politização

O Alto Comando é formado pelos 17 generais de quatro estrelas da ativa, que podem ficar até quatro anos nesse estágio hierárquico. Por ser o último degrau do Exército, é obrigatória a passagem à reserva após esse prazo. No levantamento, O GLOBO desconsiderou cargos inseridos na estrutura das Forças Armadas, como os de chefe do Estado-Maior e de ministro do Superior Tribunal Militar (STM), bem como em estatais, fundações e autarquias com finalidade militar, casos da Imbel e da Fundação Habitacional do Exército. Também não foram contabilizados cargos eletivos, como o do vice-presidente Hamilton Mourão.

— Em que pese a qualificação dos generais, a exacerbação de cargos ocupados por eles não é boa nem para a corporação, nem para a sociedade. Ela traz antagonismos políticos para uma instituição, o Exército, que deveria ser funcional — avalia Eurico Figueiredo, ex-diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), que desenvolveu pesquisas em cooperação com a Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Eceme).

Entre os generais que passaram pelo Alto Comando, quatro já figuraram no primeiro escalão do governo federal, e quatro ocuparam a presidência ou cargos de direção em estatais. Um exemplo de ambos os casos é o general Joaquim Silva e Luna, promovido à quarta estrela em 2011, e que passou à reserva em 2014. Silva e Luna foi ministro da Defesa por oito meses, no governo Temer, nomeado no início do governo Bolsonaro para a direção-geral de Itaipu e, em abril deste ano, assumiu a presidência da Petrobras.PUBLICIDADE

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Em abril, uma portaria do Ministério da Economia permitiu que militares inativos que também ocupem cargo comissionado ou eletivo ultrapassem o teto remuneratório da administração federal, de R$ 39 mil.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/na-ultima-decada-64-dos-generais-do-alto-comando-do-exercito-foram-nomeados-para-cargos-politicos-25249287


Cristina Serra: Uma CPI para a história

O relatório da comissão vai estarrecer historiadores e as gerações futuras

Cristina Serra / Folha de S. Paulo

As descobertas da CPI da Covid no Senado trazem fortes elementos a indicar a duração do bolsonarismo entre nós. Que outro presidente foi acusado de crimes contra a humanidade no exercício do cargo, sem estar em guerra com outros países ou em guerra civil, e, ainda assim, permaneceu no poder e com base social de apoio significativa, como mostram as pesquisas?

A gargalhada de Flávio Bolsonaro ao tomar conhecimento do relatório também é um lembrete sinistro de que o bolsonarismo terá muitos herdeiros, mesmo que Bolsonaro não se reeleja, fique sem mandato, seja processado e preso. Infelizmente, essa corrente política veio para ficar. Por quanto tempo? Difícil saber, mas é certo que não vai se desintegrar como poeira cósmica, porque se ampara em traços fundadores da sociedade brasileira: violência, desapreço à vida, banalização da morte.

O documento nos confronta com o horror que seres humanos são capazes de produzir. E isso é o mais perturbador. O mal em grande escala foi produzido por seres humanos, não por monstros. São pessoas de índole monstruosa, mas são pessoas, de carne e osso, como eu e você.

Que bom seria se o mal fosse produzido apenas por monstros do cinema. Mas, repito, o mal em quantidade industrial foi perpetrado por pessoas. O presidente do país, ministros, autoridades, políticos, servidores públicos, sabujos e capachos em geral, empresários, médicos"¦ Além de terem contribuído para a mortandade, zombam dela.

Zombaram no começo da "gripezinha", zombaram da asfixia em massa, zombaram de um suicídio, zombarão sempre, porque é da sua natureza fazer e propagar o mal.

O relatório da CPI vai estarrecer historiadores e as gerações futuras. Eles irão se perguntar: como o Brasil elegeu Bolsonaro? A pergunta mais difícil e incômoda de responder, porém, será: como os brasileiros o mantiveram no poder mesmo depois de tudo o que fez e/ou deixou de fazer? Carregaremos esse horror para o resto das nossas vidas.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/10/uma-cpi-para-a-historia.shtml