golpismo

Fausto Matto Grosso: Golpismo e autogolpe

Se há uma permanência na história brasileira, é a do golpismo. Nossa história republicana sempre foi marcada por rupturas institucionais. A Proclamação da República Brasileira, também referida como Golpe Republicano, foi liderada em 1889 pelo Marechal Deodoro e um grupo de militares do exército brasileiro, que destituíram o então chefe de Estado, o Imperador D. Pedro II.

Em 1891 Deodoro enfrentou a oposição, fechando o Congresso e governando com o estado de sítio. Foi o primeiro autogolpe da República que nascia. Obrigado a renunciar, assumiu o vice Floriano Peixoto que deveria convocar as eleições, o que não fez. Aferrando-se ao poder, governou como ditador. Outro autogolpe.

Em 1937 Getúlio Vargas realizou um autogolpe dos mais bem-sucedidos na História brasileira, impondo o Estado Novo e governando com poderes ditatoriais por oito anos, até 1945.

Em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou, pretendia voltar nos braços do povo, como acontecera com o general Charles de Gaulle na França. O autogolpe desta vez falhou.

Assim chegamos ao golpe civil-militar de 1964, pelo qual foi destituído o presidente João Goulart, assumindo Castelo Branco. Este deveria convocar eleições em 1965, mas ampliou seu mandato até 1967. Daí se iniciou uma sequência de autogolpes dentro do próprio regime militar. Costa e Silva, já em 1968, decreta o AI-5, fechando o Congresso e implantando um dos períodos mais repressivos da ditadura.

Com a morte de Costa e Silva, deveria assumir seu vice-presidente, o civil Pedro Aleixo, mas, num novo golpe, assumiu a Junta Militar que preparou a transição para o general Garrastazu Médici. Em um embate entre a linha dura e a moderada das forças armadas, acabou assumindo o general Geisel, que fechou o Congresso.

Na sequência tivemos o general Figueiredo, que entregou o país, melancolicamente falido, para o primeiro governo civil, o de José Sarney, após a morte de Tancredo Neves eleito pelo Congresso Nacional. Com a primeira eleição democrática já sob a Constituição de 1988, assume o primeiro civil diretamente eleito, Fernando Collor de Mello, logo cassado por corrupção.

Tivemos a partir daí com Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula um período de razoável estabilidade, até o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, cassada pelo Congresso Nacional. O país, então, se dividiu gravemente, mobilizado pela narrativa do PT de que impeachment era golpe. Esse tipo de narrativa pode futuramente acabar sendo usado pelos seguidores de Bolsonaro, seus antípodas.

As palavras são perigosas, pois sempre têm contexto e visam a construir narrativas. Buscando significados, golpe de Estado consiste na derrubada ilegal de um Estado ou de uma ordem constitucional legítima. Já autogolpe é uma forma de golpe que ocorre quando o líder de um país, que chegou ao poder através de meios legais, dissolve ou torna impotente o  Congresso Nacional, anulando a Constituição e suspendendo tribunais civis. Com essa compreensão entendo que contra Dilma não houve golpe, mas destituição dentro de todos os parâmetros constitucionais.

Em 2018 surge em cena o capitão Bolsonaro, vindo de uma longa tradição parlamentar de defesa do golpe militar e até de elogios a torturadores, como o general Brilhante Ustra. Tosco, o tenente terrorista que pretendeu lançar bombas acabou sendo excluído do Exército como capitão, não tendo feito nem o curso de Estado-Maior.

Bolsonaro, entretanto, teve inegável sucesso na organização de um movimento reacionário de massas, de extrema direita, que mobiliza até agora cegas paixões. Já na campanha, seu filho Eduardo Bolsonaro assinalava confrontos institucionais, dizendo que para fechar o Supremo bastava mandar um soldado e um cabo. Não era preciso nem um jipe.

Já no governo, não tem um mês em que o Capitão Bolsonaro, com seu governo militarizado, não comete uma provocação contra o Congresso e o Supremo e toma medidas que favorecem a hipótese de um autogolpe. Entre elas, a tentativa de controle das polícias militares, o afrouxamento do controle de armas e o incentivo de suas milícias para que cometam atos de desatino contra as instituições democráticas.

Bolsonaro se encontra hoje sob forte pressão da CPI da Covid, que pode levá-lo ao impeachment. Está sem saída. Segundo o general chinês Sun Tsu, um adversário sem saída lutará ainda mais desesperadamente. Portanto, é hora de cuidado extremo com a democracia. Uma eventual tentativa de (auto)golpe não está afastada da nossa tradição política.

*Fausto Mato Grosso é engenheiro e professor aposentado da UFMS

 

Leia também:

Câmaras municipais republicanas
Revendo o futuro
Os desafios dos prefeitos
Entre vórtices, ciclones e cavados
O jacaré e o Presidente

Fonte:

Gramsci e o Brasil

https://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=2459


Fausto Matto Grosso: Golpismo e autogolpe

Se há uma permanência na história brasileira, é a do golpismo. Nossa história republicana sempre foi marcada por rupturas institucionais. A Proclamação da República Brasileira, também referida como Golpe Republicano, foi liderada em 1889 pelo Marechal Deodoro e um grupo de militares do exército brasileiro, que destituíram o então chefe de Estado, o Imperador D. Pedro II.

Em 1891 Deodoro enfrentou a oposição, fechando o Congresso e governando com o estado de sítio. Foi o primeiro autogolpe da República que nascia. Obrigado a renunciar, assumiu o vice Floriano Peixoto que deveria convocar as eleições, o que não fez. Aferrando-se ao poder, governou como ditador. Outro autogolpe.

Em 1937 Getúlio Vargas realizou um autogolpe dos mais bem-sucedidos na História brasileira, impondo o Estado Novo e governando com poderes ditatoriais por oito anos, até 1945.

Em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou, pretendia voltar nos braços do povo, como acontecera com o general Charles de Gaulle na França. O autogolpe desta vez falhou.

Assim chegamos ao golpe civil-militar de 1964, pelo qual foi destituído o presidente João Goulart, assumindo Castelo Branco. Este deveria convocar eleições em 1965, mas ampliou seu mandato até 1967. Daí se iniciou uma sequência de autogolpes dentro do próprio regime militar. Costa e Silva, já em 1968, decreta o AI-5, fechando o Congresso e implantando um dos períodos mais repressivos da ditadura.

Com a morte de Costa e Silva, deveria assumir seu vice-presidente, o civil Pedro Aleixo, mas, num novo golpe, assumiu a Junta Militar que preparou a transição para o general Garrastazu Médici. Em um embate entre a linha dura e a moderada das forças armadas, acabou assumindo o general Geisel, que fechou o Congresso.

Na sequência tivemos o general Figueiredo, que entregou o país, melancolicamente falido, para o primeiro governo civil, o de José Sarney, após a morte de Tancredo Neves eleito pelo Congresso Nacional. Com a primeira eleição democrática já sob a Constituição de 1988, assume o primeiro civil diretamente eleito, Fernando Collor de Mello, logo cassado por corrupção.

Tivemos a partir daí com Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula um período de razoável estabilidade, até o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, cassada pelo Congresso Nacional. O país, então, se dividiu gravemente, mobilizado pela narrativa do PT de que impeachment era golpe. Esse tipo de narrativa pode futuramente acabar sendo usado pelos seguidores de Bolsonaro, seus antípodas.

As palavras são perigosas, pois sempre têm contexto e visam a construir narrativas. Buscando significados, golpe de Estado consiste na derrubada ilegal de um Estado ou de uma ordem constitucional legítima. Já autogolpe é uma forma de golpe que ocorre quando o líder de um país, que chegou ao poder através de meios legais, dissolve ou torna impotente o  Congresso Nacional, anulando a Constituição e suspendendo tribunais civis. Com essa compreensão entendo que contra Dilma não houve golpe, mas destituição dentro de todos os parâmetros constitucionais.

Em 2018 surge em cena o capitão Bolsonaro, vindo de uma longa tradição parlamentar de defesa do golpe militar e até de elogios a torturadores, como o general Brilhante Ustra. Tosco, o tenente terrorista que pretendeu lançar bombas acabou sendo excluído do Exército como capitão, não tendo feito nem o curso de Estado-Maior.

Bolsonaro, entretanto, teve inegável sucesso na organização de um movimento reacionário de massas, de extrema direita, que mobiliza até agora cegas paixões. Já na campanha, seu filho Eduardo Bolsonaro assinalava confrontos institucionais, dizendo que para fechar o Supremo bastava mandar um soldado e um cabo. Não era preciso nem um jipe.

Já no governo, não tem um mês em que o Capitão Bolsonaro, com seu governo militarizado, não comete uma provocação contra o Congresso e o Supremo e toma medidas que favorecem a hipótese de um autogolpe. Entre elas, a tentativa de controle das polícias militares, o afrouxamento do controle de armas e o incentivo de suas milícias para que cometam atos de desatino contra as instituições democráticas.

Bolsonaro se encontra hoje sob forte pressão da CPI da Covid, que pode levá-lo ao impeachment. Está sem saída. Segundo o general chinês Sun Tsu, um adversário sem saída lutará ainda mais desesperadamente. Portanto, é hora de cuidado extremo com a democracia. Uma eventual tentativa de (auto)golpe não está afastada da nossa tradição política.

*Fausto Mato Grosso é engenheiro e professor aposentado da UFMS

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Bruno Boghassian: Militares mantêm escolta política e retórica golpista de Bolsonaro

Novo ministro da Defesa indica que vai seguir discurso de intimidação do presidente

Se alguém tinha dúvidas sobre as intenções de Jair Bolsonaro ao trocar o comando das Forças Armadas, basta acompanhar os pronunciamentos do novo ministro da Defesa. Em poucas semanas, o general Walter Braga Netto mostrou que pretende manter a escolta política dos militares ao governo e seguir a retórica conflituosa do presidente.

Desde o início do mandato, Bolsonaro usa as Forças Armadas como ferramenta para intimidar adversários políticos e outros Poderes. Foi assim em seu embate com governadores e em ameaças que fez ao STF. Braga Netto indicou que vai ajudar o presidente nesse delírio autoritário.

Na semana passada, com o governo acuado pela CPI da Covid, o ministro agiu como auxiliar político de Bolsonaro e repetiu a tática de desviar o foco das investigações. "O uso de recursos pelos gestores dessas instâncias, estadual e municipal, deve ser acompanhado pela população e sofrer apuração rigorosa", declarou.

Braga Netto reforçou o gesto de continência nesta terça (20), na posse do novo comando do Exército. Num recado ao Congresso e ao Judiciário, disse que "é preciso respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros".

"A sociedade, atenta a essas ações, tem a certeza de que suas Forças Armadas estão prontas a servir aos interesses nacionais", completou. O general só não quis explicar por que os militares deveriam vigiar o que ocorre no terreno da política.

Em contraste, o comandante demitido fez um discurso burocrático, quase sonolento. Edson Pujol passou longe da cartilha bolsonarista e apresentou um relatório de gestão que mencionava até a sinalização de trânsito no setor militar de Brasília.

O antecessor de Braga Netto também dava guarida ao presidente. Fernando Azevedo e Silva sobrevoou com Bolsonaro uma manifestação golpista e assinou uma mensagem ao STF em tom ameaçador, mas foi derrubado mesmo assim. O novo ministro já provou que está disposto a cumprir as missões políticas do chefe para ficar mais tempo no cargo.


Janio de Freitas: A pandemia não matou a doença do golpismo

Medidas duras contra governadores só podem ser intervenções. Não terá sido ocasional a presença da expressão estado de sítio antes da ameaça

ressurgimento de Lula da Silva, prestigiado até pela atenção da CNN americana, simultâneo a outros fatos de aguda influência, levam Bolsonaro ao estado de maior tensão e descontrole exibido até agora.Sua conversa com o ministro Luiz Fux e as palavras que a motivaram, centradas em referências dúbias a estado de sítio, tanto expuseram uma situação pessoal de desespero como o componente ameaçador desse desvairado por natureza. O pouco que Bolsonaro disse ao presidente do Supremo em sentido neutralizador conflita com a adversidade que cresce, rápida e envolvente, contra seu projeto.

Embora lerda como poucas, a investigação das tais "rachadinhas" de Flávio, além de outra vez autorizada, afinal vê surgir a do filho Carlos e encontra o nome Jair. O filho mais novo, ainda com os primeiros fios no rosto, inicia-se como investigado por tráfico de influência.

"Com crise econômica, o meu governo acaba" é a ideia que orienta Bolsonaro mesmo nos assuntos da pandemia. Nos quais não deu mais para manter a conduta de alienação e primarismo diante do agravamento brutal da crise pandêmica.

A reação de Bolsonaro foi a tontura do desesperado. Lula pega a bandeira da vacina, então é urgente pôr a vacina no lugar da cloroquina. Põe máscara. Tira máscara. Volta à cloroquina. Culpa os governadores. Mas o empurrado é Pazuello. Escreve carta solícita a Biden e recebe uma resposta de cobrança sobre meio ambiente. Volta à vacina. Falta vacina.

Se 300 mil mortes não importam a Bolsonaro, é esmagador o reconhecimento inevitável de que a vacina de João Doria veio a ser um pequeno salvamento e uma grande humilhação para o governo. E a economia decisiva? Inflação, necessário aumento dos juros, ameaça às exportações, fome, socorro em algum dinheirinho a 45 milhões e contra as contas governamentais.

Bolsonaro corre ao Supremo, com uma ação contra os governadores, pretendendo que sejam proibidos de impor confinamento e reduzir a atividade econômica ao essencial. Não sabe que o regime é federativo e isso o Supremo não teme confirmar.

"É estado de sítio. Se não conseguir isso [êxito no Supremo], vem medidas mais duras." Medidas duras contra governadores só podem ser intervenções. Não terá sido ocasional a presença da expressão estado de sítio antes da ameaça. Tudo no telefonema e no que foi dito depois reduz a uma ideia: golpe.Bolsonaro não se deu conta, no entanto, da variação já captada pelo Datafolha. Sua persistência contra a redução da atividade urbana não atende mais à maioria da sociedade. Sua demagogia perdeu-se nas UTIs. Apenas 30% dos pesquisados, nem um terço, recusam agora o isolamento, em favor da economia. E já 60% entendem que o confinamento é importante para repelir o vírus. O que é também repelir Bolsonaro.Volta-se ao risco maior: a pandemia não matou a doença do golpismo.

Tudo em casa

O corporativismo, conhecido nas ruas por cupinchismo, arma um lance espertinho para livrar-se de uma decisão entre duas possíveis: reconhecer que Sergio Moro levou à violação do processo eleitoral de 2018 pelo próprio Judiciário ou carregar, para sempre, o ônus de tribunal conivente com a violação, para salvar o que resta de Moro. Nessa armação, Kassio Nunes Marques faz sua verdadeira estreia no Supremo.

Os ministros Edson Fachin e Nunes Marques propõem que o plenário do Supremo examine primeiro a anulação das condenações de Lula. Se aprovada, seria cancelada a apreciação final, que deveria vir antes, sobre a imparcialidade ou parcialidade de Sergio Moro. Com essa inversão da agenda, Marques não precisaria dar o voto incômodo que protela. E Moro e suas ilegalidades, que Gilmar Mendes relatou, iriam para o beleléu. Com o necessário cinismo, a anulação das condenações seria dada como solução para o problema Moro. Complicado, mas esperteza óbvia não é esperta.

Ocorre, no entanto, que a ação à espera do voto de Nunes Marques é sobre a conduta de Sergio Moro como juiz, se cumpriu ou transgrediu as normas a que estava obrigado e agiu com ética judicial (a pessoal teve julgamento público). Disso a decisão de Fachin não trata, mas a moralidade judicial não pode dispensar.


Janio de Freitas: Estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado por generais tem a ver com intenções definidas

Intenções inconfessas que enlaçam as atitudes do presidente têm corrido sem dificuldade

A incógnita mais expressiva, dentre as muitas atuais, é simples como formulação e inalcançável na resposta. Dado que estão explicitados os indícios de golpismo e a incompetência espetaculosa dos militares no governo, o que fará o Exército na possível transformação da pandemia em tragédia de massa, um país sufocado pela peste, carente de tudo menos de morte?

A marca de um ano exato do primeiro caso de Covid-19 no Brasil encontrou os estados em desespero com o recorde de casos e a ausência de leitos, vacinas, pessoal e outros recursos. Uma antevisão das previsões e alertas que as vozes mais competentes estão fazendo, inclusive a Organização Mundial da Saúde, caso persista o incentivo de Bolsonaro e do seu governo à calamidade.

O já célebre depoimento do general Eduardo Villas Bôas sobre a ameaça que fez ao Supremo, em nome do Exército, é claro na desmistificação da conversão desses militares ao Estado constitucional de Direito e à democracia.

Ressalva a fazer-se é a ausência até de mera informação aos comandos da Marinha e da FAB sobre a ameaça, como dito pelo entrevistado. Risco de discordância, é claro. E isso, não sendo certeza, pode ser indício de promissora evolução na Marinha e na FAB, oficialidades muito mais dotadas de preparo geral, para civilizar-se, do que no Exército.

Já é bem difundida a impressão, ou a convicção, de que todo o estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado pelos generais tem a ver com intenções definidas. Há bastante coerência nos atos amalucados, que são bem aceitos pelos generais também por uma comunhão não declarada nem gratuita.

A propaganda do falso tratamento com cloroquina cedo se mostrou como objetivo. Não só para desacreditar as recomendações científicas. Também para ações de governo que custaram milhões ao dinheiro público —e aí estava o Exército a fabricar quantidades montanhosas da droga enganadora.

O próprio Ministério da Saúde, o mais militarizado setor civil da administração pública, foi posto como indutor da droga ineficaz. Bolsonaro continua condenando as máscaras e estimulando aglomerações. E, sobre tudo o mais, a sabotagem a vacinas excedeu a incompetência. É muito mais e muito pior.

Por trás disso houve e há algo. Esse desatino não resistiria, para chegar à dimensão que alcançou, sem um propósito a sustentá-lo.

Não faz sentido o envolvimento, sem motivações especiais, de um governante em propaganda de remédio e em combate ao conhecimento científico provado e comprovado. Com esse meio de disseminar a morte, porém, combina-se um outro de fim idêntico.

No seu primeiro ato pela difusão da posse de arma, Bolsonaro alegou direito da cidadania de se defender. Sucessivos agravamentos dessa facilitação à criminalidade chegaram, agora, ao desmentido definitivo do propósito apresentado por Bolsonaro: novos decretos permitem até 15 armas para o cidadão comum, 30 armas para quem se apresente como caçador, 60 armas para quem se registre como atirador, munição a granel. Arsenais sem relação alguma com defesa pessoal. Mas não sem objetivo de quem os libera e dos militares, em especial do Exército, que dão o apoio.

As intenções inconfessas que enlaçam as atitudes de Bolsonaro, em temas como a pandemia e o armamento de civis, têm corrido sem dificuldade. Mas alguma coisa mudou nas últimas semanas. O Supremo mudou. Por quanto tempo e se para ser supremo sem temor e sem prazo, no momento, importa menos. Aproveite-se enquanto dure, que a necessidade do país é extrema.

Quando quatro ministros do STF decidiram trabalhar nas férias de dezembro e janeiro, a boa novidade foi noticiada como precaução contra propensões do recém-eleito presidente Luiz Fux. Revelou-se muito mais do que isso.

De Ricardo Lewandowski vieram, e continuam vindo, decisões que enfrentam desvios na política antivacinas do governo, o mesmo quanto às mais recentes revelações de ordinarices judiciais, políticas e policiais na Lava Jato, e outras de mesmo peso.

Alexandre de Moraes encarou, e não tem cedido nem milímetros, as ameaças ao Supremo, as patifarias nas redes, os indícios que recaem na Presidência da República.

Rosa Weber deu ao governo cinco dias, expirados ontem, para justificar o pacote das armas. Edson Fachin tomou a defesa verbal do Estado de Direito. E vai o Supremo por aí, ou parte dele, mudado, posto de pé e cabeça erguida.

Os negociantes do Congresso continuam negociando. O poder econômico, idem. Se a defesa da democracia não vier do Supremo, talvez só tenhamos resposta para a incógnita de Bolsonaro sob a forma de fato consumado. E a pandemia, como se agrava aqui, facilita.


Celso Rocha de Barros: Golpismo de Trump animou Bolsonaro

Os dois deveriam ser presos por tentativa de golpe de Estado

invasão do Congresso americano por extremistas de direita inspirou uma nova onda de entusiasmo golpista entre os bolsonaristas, que nunca deixaram de ser inimigos da liberdade por terem se vendido ao centrão.

Jair Bolsonaro foi o único chefe de Estado do mundo que apoiou a invasão liderada por milícias racistas, neonazistas e/ou adeptas da teoria da conspiração QAnon. Bolsonaro foi o único chefe de Estado do mundo que apoiou uma manifestação de gente vestindo a camiseta “Camp Auschwitz”. Enquanto a invasão acontecia, Bolsonaro disse que houve fraude na eleição americana (é mentira) e declarou que “se nós não tivermos o voto impresso em 2022, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”.

As instituições deles são mais fortes do que as nossas. Alguns dias antes da tentativa de golpe, os últimos dez secretários de Defesa americanos (tanto republicanos quanto democratas) assinaram um artigo dizendo que “Os militares americanos não têm nenhum papel na determinação do resultado das eleições americanas”. Nenhum foi ao Twitter reclamar do julgamento do Lula, nenhum virou assessor de Toffoli durante a campanha eleitoral. E sem apoio de militar ou policial, cachorrinho de Olavo não se cria.

Ainda não sabemos se a invasão do Congresso americano foi o início de um novo movimento golpista ou o fim do último. A invasão provou que a democracia americana esteve sob ameaça durante o governo Trump e certamente estaria sob grave ameaça se Trump tivesse sido reeleito. Mas ainda não sabemos se o extremismo reacionário sobreviverá bem sem bons resultados eleitorais.

Por um lado, o extremismo racista de Trump ajudou a energizar a base eleitoral democrata e a fez comparecer em massa para eleger os dois novos senadores do estado da Geórgia. Não foram quaisquer dois senadores. Foram os dois que faltavam para que os democratas ganhassem a maioria no Senado. Muita gente no Partido Republicano vai perder a tolerância contra os extremistas de Trump agora que eles começaram a custar votos.

Por outro lado, o momento trumpista deixou um legado de degeneração moral no Partido Republicano. A invasão do Capitólio seria um episódio isolado de violência, facilmente rechaçável por, digamos, a torcida organizada do Volta Redonda, se não tivesse tido apoio de republicanos poderosos antes e depois da ofensiva.

O próprio presidente da República incentivou a radicalização para tentar fraudar a eleição. E, o que é ainda mais incrível, depois da invasão, 139 deputados e 8 senadores republicanos votaram a favor de moções que contestavam a vitória de Biden, sabendo que mentiam. Não há diferença importante entre Trump e os invasores, ou entre esses 147 e os invasores. O que faz de 6 de janeiro uma tentativa de golpe não foi a invasão do Capitólio, foi o fortíssimo encorajamento institucional que os fascistas tiveram.

Se Obama tentasse o que Trump tentou, dormiria em Guantánamo no mesmo dia. Se Lula chamasse o golpe como Bolsonaro chamou, o Exército o enforcaria na Praça dos Três Poderes. Tanto Trump quanto Bolsonaro precisam ser presos por tentativa de golpe de Estado. As Forças Armadas brasileiras precisam denunciar o golpismo de Jair Bolsonaro. Isso, sim, seriam instituições funcionando.

*Celso Rocha de Barros, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Bruno Boghossian: Golpismo de Trump mostra que instituições fortes nem sempre conseguem salvar a democracia

Autoridades americanas vão bloquear rebelião, mas brasileiros podem não ter a mesma sorte em 2022

A principal autoridade eleitoral de um estado-chave da corrida presidencial americana se opôs à pressão de Donald Trump para adulterar a votação. Dez ex-secretários de Defesa assinaram uma carta em que rejeitavam o envolvimento de militares em qualquer tentativa de ruptura estimulada pelo presidente.

A maioria dos congressistas americanos se recusou a participar da manobra golpista para reverter a derrota de Trump nas urnas. O vice-presidente Mike Pence rebateu os apelos para descumprir a Constituição e avisou que não impediria a certificação do resultado eleitoral.

Com tantas demonstrações de vigor, os adeptos do mantra “as instituições estão funcionando” devem ter acordado tranquilos nesta quarta-feira (6). Trump, no entanto, mostrou que não é tão difícil corroer as estruturas democráticas que deveriam servir de obstáculo para as aventuras de líderes autoritários.

Com poucas palavras, o presidente americano despachou grupos extremistas para invadir o Congresso e impedir a confirmação da vitória de Joe Biden. O republicano repetiu a lorota de que a eleição havia sido roubada e pediu aos radicais que marchassem até o Capitólio.

Como se viu nas cenas que se desenrolaram durante a tarde, as tais instituições nem sempre são capazes de impedir a destruição da democracia. Os golpistas, afinal, agem exatamente em oposição a elas. Governantes populistas trabalham sistematicamente para deslegitimá-las e abrir caminho para que os limites impostos sejam ignorados.

Já é tarde para conter os danos que o levante de Trump provocará na democracia americana, com grupos radicais fortalecidos e estragos no processo eleitoral. Ainda assim, as instituições serão acionadas e conseguirão bloquear a rebelião.

Os brasileiros podem não ter a mesma sorte. Jair Bolsonaro prepara terreno para repetir o plano de seu ídolo americano em 2022. A diferença é que, por aqui, as instituições são mais vulneráveis. Não será possível esperar para pisar no freio.


Bruno Boghossian: Golpismo pré-datado vira moda entre presidentes populistas

Trump e Bolsonaro dinamitam credibilidade de eleições para tentar preservar poder

Há 203 dias, Jair Bolsonaro afirmou guardar provas de fraude na eleição de 2018. O presidente disse que tinha em suas mãos evidências de que deveria ter vencido a disputa no primeiro turno e anunciou que apresentaria esse material “brevemente”. É claro que nada apareceu, mas ele conseguiu o que queria.

Bolsonaro trabalha, no longo prazo, para dinamitar a credibilidade do sistema de votação no país. A ideia é cultivar dúvidas entre seus apoiadores, reforçar a imagem de um ambiente político manipulado e preparar terreno para contestar derrotas que sofre dentro das regras do jogo.

Ele deu uma pista desse caminho ainda na campanha presidencial. A dias do primeiro turno, Bolsonaro levantou suspeitas de fraude sem comprovação e disse que não aceitaria um resultado diferente de sua vitória nas urnas. “Isso é um ponto de vista fechado”, declarou.

Esse golpismo pré-datado se tornou marca de certos políticos populistas. Na corrida presidencial de 2016, Donald Trump falava de uma “fraude eleitoral em larga escala” para favorecer sua rival, Hillary Clinton. O republicano venceu a disputa. A semente, porém, estava plantada.

Trump governou como vítima das instituições democráticas. Agora, atrás de Joe Biden nas pesquisas, ele estendeu o tapetão: questionou a lisura do processo eleitoral e disse que, se as urnas não derem a ele um novo mandato, levará o resultado à Suprema Corte —onde os juízes conservadores são maioria.

Sem provas concretas de fraude em quantidade suficiente para mudar o resultado da eleição, Trump faz uma ameaça explícita de golpe de Estado. Ninguém deve ficar surpreso se Bolsonaro seguir o mesmo caminho em 2022, depois de alguns anos de experiência no ramo.

No tapetão populista, a vontade popular não conta, e nem mesmo é preciso haver fraude de verdade. Basta fragilizar o principal instrumento da democracia para agitar eleitores e milícias dispostas a apoiar uma manobra fora da lei. A democracia, afinal, é um mero detalhe.


A TVFAP.net acompanha o "Ato em defesa da Democracia" convocado pelo PT e pelo PCdoB em São Paulo contra o "golpismo" da oposição

O PT anuncia um "Ato em Defesa da Democracia"... Mas defender de quem, cara-pálida? Foi mesmo um programa de índio, que começou com duas horas de atraso até conseguir lotar o auditório de uma universidade no centro de São Paulo e reunir meia dúzia de figuras um pouquinho mais expressivas contra o suposto "golpismo" da oposição ao governo Dilma.

A TVFAP.net acompanhou o ato ocorrido na terça-feira, 14 de julho, no campus da Uninove na Rua Vergueiro, e entrevistou lideranças do PT e do PCdoB. Assista.

Enquanto os partidos governistas se esforçavam para buscar argumentos "em defesa da democracia", o PPSdivulgava uma nota reiterando justamente a necessidade de união das oposições para resolver a crise dentro de marcos constitucionais.

O documento do PPS afirma que o país caminha para a ingovernabilidade. O texto conclama a sociedade a dar apoio à Polícia Federal, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, "para fortalecimento do Estado Democrático de Direito".

O PPS declara ainda o apoio às manifestações de rua convocadas democraticamente para 16 de agosto, que representam a luta da maioria da população por um "novo e decisivo momento" para o país.

No ato do PT compareceram o presidente nacional Rui Falcão, o presidente estadual Emídio de Souza e o municipal Paulo Fiorilo, além dos secretários municipais de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, de Serviços,Simão Pedro, e de Relações Governamentais, Alexandre Padilha. Porém, o prefeito Fernando Haddad não apareceu.

Marcaram presença ainda figuras do PCdoB, como a vice-prefeita Nádia Campeão, o presidente do partido em São Paulo, Jamil Murad, e o subprefeito da Sé, Alcides Amazonas, além de representantes de centrais sindicais, movimentos de moradia e muitos assessores parlamentares.

O presidente da Câmara de São Paulo, Antonio Donato, compareceu, assim como o também vereador Paulo Fiorilo, mas ambos foram exceção entre os parlamentares petistas. O restante da bancada de vereadores paulistanos primou pela ausência, assim como a quase totalidade de deputados estaduais e federais do Partido dos Trabalhadores.


O cientista político Luiz Werneck Vianna é otimista sobre as instituições brasileiras

Para ele, reclamar de golpismo é um recurso velho, que faz lembrar a era Vargas

A presidente Dilma Rousseff foi convocada pelo Tribunal de Contas da União  a explicar as pedaladas fiscais do Orçamento de 2014 e é investigada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela denúncia de que sua campanha pela reeleição recebeu doações irregulares. Uma condenação pode abrir caminho para a cassação do mandato e do vice-presidente, Michel Temer. Os próximos na linha de sucessão da República, os presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e do Senado Federal, Renan Calheiros, também são alvos de investigações e podem vir a ser denunciados. A remota possibilidade de uma perda total na cúpula do Executivo e do Legislativo não preocupa o cientista social Luiz Werneck Vianna. Ao contrário. A independência para conduzir investigações que põem em risco os mandatários do país, afirma Werneck, mostra a força das instituições do país.

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