Gilmar Mendes

El País: Gilmar Mendes atende Flávio Bolsonaro e reforça veto à investigação do escândalo Queiroz

Ministro acatou o argumento da defesa de que a investigação seguiu, mesmo depois de Toffoli bloquear o uso de informações obtidas pelo Coaf sem autorização judicial

Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o primogênito do clã Bolsonaro, conseguiu mais uma vitória estratégica no Supremo Tribunal Federal (STF). Em decisão da última sexta-feira, que veio à tona nesta segunda, o ministro Gilmar Mendes acatou o pedido do senador carioca e paralisou as investigações contra ele pelo chamado caso Queiroz, que corre na Justiça do Rio. Na sentença, que reforçou o veto às investigações contra o filho do presidente, Mendes reafirma que estão paralisadas as diligências relativas ao caso, que apura a movimentação milionária do ex-assessor da família Bolsonaro captada no ano passado pelo Coaf (Conselho de Controle Atividades Financeiras), e as suspeitas de lavagem de dinheiro do próprio senador.

A decisão de Mendes acata o argumento da defesa de Flávio, que afirma que os investigadores do caso, no Rio, estariam descumprindo uma decisão do presidente da Corte, Antonio Dias Toffoli, tomada em julho. Nessa decisão, Toffoli, também seguindo pedido da defesa do senador, suspendeu todos os inquéritos que usam dados sigilosos de órgãos de controle, entre eles o Coaf, sem autorização judicial. Os advogados do filho do presidente da República afirmam que o sigilo dele já havia sido quebrado antes mesmo de qualquer decisão judicial. E que mesmo com a decisão anterior de Toffoli as investigações contra ele prosseguiram.

Em sua decisão publicada nesta segunda, Mendes afirmou que os fatos "são graves". Ele paralisou o inquérito até que a decisão liminar de Toffoli seja julgada pelo pleno da Corte, em 21 de novembro. E também determinou ao Conselho Nacional do Ministério Público que apure a "responsabilidade funcional" dos membros do Ministério Público do Rio de Janeiro no compartilhamento de dados do Coaf com os promotores do caso. "Ao invés de solicitar autorização judicial para a quebra dos sigilos fiscais e bancários, o Parquet estadual requereu diretamente ao Coaf, por email, informações sigilosas, sem a devida autorização judicial, de modo a nitidamente ultrapassar as balizas objetivas determinadas na decisão [de Toffoli]", destacou ele, no despacho.

A investigação que envolve Flávio começou em dezembro passado com o objetivo de apurar movimentações financeiras de seu ex-assessor Fabrício Queiroz. O Coaf havia identificado uma movimentação suspeita de 1,2 milhão de reais na conta de Queiroz, que trabalhou até 15 de outubro de 2018 no gabinete de Flávio, que era, então, deputado estadual no Rio. Ao abrir a investigação, o Ministério Público Federal havia pedido ao Coaf um pente fino em todas as contas de funcionários e ex-trabalhadores da Assembleia com transações financeiras suspeitas, o que levou dez deputados estaduais à prisão em novembro. Documentos apontam que Flávio também recebeu em sua conta um total de 48 depósitos, todos no valor de 2.000 reais, somando 96.000 no total, que ele afirma que se referem à parcelas da venda de um imóvel.

Nos últimos dias, Flávio, que diminuiu seu protagonismo público desde o início das investigações, voltou aos holofotes, diante de críticas da própria base que elegeu seu pai. Ele se posicionou contrariamente à abertura da CPI da Lava Toga, defendida por lavajatistas, que pretendem apurar supostas irregularidades nas decisões dos ministros do Supremo.


UOL: STF teria que fechar se considerasse popularidade de Moro ao julgá-lo, diz Gilmar

Para ministro, cúpula da Operação Lava Jato violou o Estado democrático de Direito e deveria assumir seus erros e sair de cena

Thais Arbex, da Folha |Tales Faria, do UOL

BRASÍLIA - Prestes a liberar para julgamento o pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou que a corte não pode se curvar à popularidade do hoje ministro da Justiça para tomar suas decisões.

“Se um tribunal passar a considerar esse fator, ele que tem que fechar”, disse o magistrado em entrevista à Folha e ao UOL.

Gilmar Mendes foi o primeiro convidado de um programa de entrevistas de Folha e UOL que estreia neste domingo (15). O programa faz parte da inauguração de um estúdio compartilhado pelas duas Redações em Brasília.

Crítico ferrenho da Lava Jato, o ministro afirmou que as mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, mostram um “jogo de promiscuidade”.

“O conúbio entre juiz, promotor, delegado, gente de Receita Federal é conúbio espúrio. Isso não se enquadra no nosso modelo de Estado de Direito.”

Sem citar o nome de Moro nem do coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, Gilmar disse que o Brasil precisa “encerrar o ciclo dos falsos heróis” e defendeu que a cúpula da força-tarefa assuma que cometeu erros e “saia de cena”.
“Simplesmente dizer: nós erramos, fomos de fato crápulas, cometemos crimes. Queríamos combater o crime, mas cometemos erros crassos, graves, violamos o Estado de Direito.”

Popularidade de Moro
Se um tribunal passar a considerar esse fator, ele que tem que fechar, porque ele perde o seu grau de legitimidade. A população aplaude linchamento. E a nossa missão, qual é? É dizer que o linchamento é legal porque a população aplaude? A volúpia, a irracionalidade leva a desastres.

No caso do juiz, isso é mais grave porque ele tem que aplicar a lei. Do contrário, a nossa missão falece. Se é para sermos assim legitimados, entregamos, na verdade, a função ao Ibope.

O processo penal, em geral, não envolve Madre Teresa de Calcutá. Envolve pessoas que podem ter cometido crimes. Ainda assim, elas têm direitos e esses direitos precisam ser respeitados.

Moro e Deltan Dallagnol
As pessoas percebem que esse promotor não está atuando de maneira devida. Esse juiz não está atuando de maneira devida. Se nós viermos a anular ou não esses julgamentos, o juízo que está se formando é o de que não é assim que a Justiça deve funcionar. Que isso é errado, que essas pessoas estavam usando as funções para outra coisa. Isso ficou cada vez mais evidente.

Supremo sob ataque
O país entrou, de uns tempos para cá, isso não é de agora, num processo de acendrada polarização, no final do primeiro governo Dilma [Rousseff] e no início do segundo governo Dilma.

O tribunal, em geral, ficou isolado. A mídia fez esse tipo de eco. O Supremo foi muito vilipendiado nesse contexto, embora o tribunal tivesse um ativo consigo. Foi o tribunal que condenou os mensaleiros, foi o tribunal que levou a cabo sem produzir diatribes processuais, sem produzir violações. Só mandou prender depois do trânsito em julgado.

Ameaças à democracia
Considerando os nossos antecedentes históricos, devemos sempre ter cuidado. Comemoramos no ano passado 30 anos de normalidade institucional, 30 anos de democracia sob a Constituição de 1988, e acho que devemos prosseguir nesse trabalho de construção e reconstrução institucional.

Temos que fortalecer a democracia. E devemos, de fato, criticar fortemente aqueles que, de alguma forma, por discurso, por prática, a ameaçam. Devemos estar atentos e, a cada sinal, especialmente partindo de pessoas com responsabilidade institucional, devemos criticar ou mesmo reprimir. Clamar pela restauração do regime militar é um crime contra a democracia, contra a segurança nacional.

Lava Jato x democracia
Quando alguma autoridade se investe de um poder incontrastável ou soberano, ela de fato ameaça a democracia. Quando se diz que não se pode contrariar a Lava Jato, que não se pode contrariar o espírito da Lava Jato —e muitos de vocês na mídia dão um eco a isso—, nós estamos dizendo que há um poder soberano. Onde? Em Curitiba.

Que poder incontrastável é esse? Aprendemos, vendo esse submundo, o que eles faziam: delações submetidas a contingência, ironizavam as pessoas, perseguiram os familiares para obter o resultado em relação ao investigado. Tudo isso que nada tem a ver com o Estado de Direito.

Vamos imaginar que essa gente estivesse no Executivo. O que eles fariam? Certamente fechariam o Congresso, fechariam o Supremo. Esse fenômeno de violação institucional não teria ocorrido de forma sistêmica não fosse o apoio da mídia. Portanto, são coautores dos malfeitos.

Mensagens da Lava Jato
Por sorte e a despeito de vir de uma fonte ilegal, houve essa revelação. E parece que os colegas hoje percebem a gravidade, que na verdade se estava gerando o ovo da serpente. Pessoas inexperientes que se deslumbraram, sem controle, porque não havia controle sequer dos órgãos correcionais. Eles começaram a delirar no sentido literal do termo.

Uso de provas ilícitas
A gente já tem precedentes, talvez tópicos aqui e acolá, [sobre] o uso da prova ilícita em benefício do réu. Quando você, por exemplo, tem uma informação que isenta alguém de responsabilidade por um homicídio, ainda que tenha sido obtido ilicitamente, deve ser de alguma forma reconhecida.

Esse é um debate que certamente vamos ter na turma, se chegarmos a esse ponto da questão, sobre o uso das informações vindas do The Intercept.

Mas aí uma curiosidade e uma observação: quem defendia o uso de prova ilícita até ontem eram os lavajatistas. Nas dez medidas [de combate à corrupção], estava lá que a prova ilícita de boa-fé deveria ser utilizada.

Augusto Aras e lista tríplice
É uma pessoa experiente. A lista [tríplice, da associação nacional dos procuradores] é uma coisa inventada. Ela não tem base jurídica e não tem nada de democrática. Na verdade aquilo é um partido de sindicatos.

Um dos grandes erros institucionais do PT foi o de assegurar que nomearia o primeiro da lista, porque isso significava que o presidente se demitia do poder de nomear e de estabelecer qualquer critério. E quem seria o primeiro da lista? O presidente da associação, o dono da associação, o dono do sindicato. É importante a mudança e que o presidente tenha escolhido de forma livre.

Evangélico no STF
Primeiro precisa saber ler a Constituição. É fundamental que tenha a reputação ilibada e notável saber jurídico. O critério religioso não faz parte do texto constitucional. As pessoas podem ter as mais diversas convicções. Poderá vir um ministro evangélico que seja um notável juiz, mas não deve ser escolhido por isso. Deve ser escolhido por saber aplicar bem a Constituição.

Moro no Supremo
Isso terá que ser considerado no seu tempo. Começamos com o Moro quase como primeiro-ministro, agora já não se sabe mais nem se ele será ministro amanhã, se continua [no governo] ou em que condições continua.

Em suma, esse processo é muito dinâmico, e a política é um pouco assim. Nós estamos vivendo tempos de vertigem, de mudanças. Precisamos esperar, mas certamente não será uma indicação muito simples. O Senado terá algo a dizer sobre qualquer nome que vier a ser colocado.

CPI da Lava Toga
É notório que uma CPI para investigar o Supremo ou um dado ministro, pela própria jurisprudência da Casa, é flagrantemente inconstitucional. Acho que os próprios signatários, os principais líderes, sabem disso.

Se essa CPI fosse instalada, produziria nenhum resultado. Certamente, o próprio Supremo mandaria trancá-la. A independência dos Poderes não permite esse tipo de investigação, está dentro das cláusulas pétreas.

Mas, se ela não fosse trancada, também não produziria resultado. É mais uma mensagem desse populismo aí.


El País: Lava Jato planejou buscar na Suíça provas contra Gilmar Mendes

Procuradores discutiram usar caso de Paulo Preto, operador do PSDB, para reunir munição contra ministro, mostram mensagens enviadas ao 'The Intercept'. Diálogos no Telegram apontam o empenho da força-tarefa pelo impeachment do magistrado

Procuradores da Operação Lava Jato em Curitiba fizeram um esforço de coleta de dados e informações sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, com o objetivo de pedir sua suspeição e até seu impeachment. Liderados por Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, procuradores e assistentes se mobilizaram para apurar decisões e acórdãos do magistrado para embasar sua ofensiva, mas foram ainda além. Planejaram acionar investigadores na Suíça para tentar reunir munição contra o ministro, ainda que buscar apurar fatos ligados a um integrante da Corte superior extrapolasse suas competências constitucionais, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem. A estratégia contra Gilmar Mendes foi discutida ao longo de meses em conversas de membros da força-tarefa pelo aplicativo Telegram enviadas ao The Intercept por uma fonte anônima e analisadas em conjunto com o EL PAÍS.

Na guerra contra o ministro do Supremo, os procuradores se mostraram particularmente animados em 19 de fevereiro deste ano. "Gente essa história do Gilmar hoje!! (...) "Justo hoje!!! (...) "Que Paulo Preto foi preso", começa Dallagnol no chat grupo Filhos do Januário 4, que reúne procuradores da força-tarefa. A conversa se desenrola e se revela a ideia de rastrear um possível elo entre o magistrado e Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, preso em Curitiba num desdobramento da Lava Jato e apontado como operador financeiro do PSDB. Uma aposta era que Gilmar Mendes, que já havia concedido dois habeas corpus em favor de Preto, aparecesse como beneficiário de contas e cartões que o operador mantinha na Suíça, um material que já estava sob escrutínio dos investigadores do país europeu.

“Vai que tem um para o Gilmar…hehehe”, diz o procurador Roberson Pozzobon no grupo, em referência aos cartões do investigado ligado aos tucanos. A possibilidade de apurar dados a respeito de um ministro do Supremo sem querer é tratada com ironia. “vc estara investigando ministro do supremo, robinho.. nao pode”, responde o procurador Athayde Ribeiro da Costa. “Ahhhaha”, escreve Pozzobon. “Não que estejamos procurando”, ironiza ele. “Mas vaaaai que”. Dallagnol então reforça, na sequência, que o pedido à Suíça deveria ter um enfoque mais específico: “hummm acho que vale falar com os suíços sobre estratégia e eventualmente aditar pra pedir esse cartão em específico e outros vinculados à mesma conta”, escreve. “Talvez vejam lá como algo separado da conta e por isso não veio" (...) "Afinal diz respeito a OUTRA pessoa”. A força-tarefa de Curitiba tem dito que não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes e repetiu à reportagem que o "material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade".

Nas mensagens, que o EL PAÍS optou por deixar com a grafia original, tudo começa porque Dallagnol comenta saber de "um boato" vindo da força-tarefa  de São Paulo (FT-SP) de que parte do dinheiro mantido por Paulo Preto em contas no exterior pertenceria a Mendes. "Mas esse boato existe mesmo?", pergunta o procurador Costa. "Pessoal da FT-SP disse que essa info chegou a eles", responde Julio Noronha, em referência aos colegas paulistas.Procurada, a assessoria de imprensa do FT-SP afirmou que “jamais recebeu qualquer informação sobre suposto envolvimento de Gilmar Mendes com as contas no exterior de Paulo Vieira de Souza”. E também que “se recebesse uma informação a respeito de ministro do STF, essa informação seria encaminhada à PGR [Procuradoria Geral da República]". E que “jamais passaria pela primeira instância para depois ir para a PGR”.

O artigo 102 da Constituição determina que os ministros do Supremo só podem ser investigados com autorização de seus pares, a não ser que apareçam em uma investigação já em curso, a chamada investigação cruzada. Caso seja este o caso, a competência é necessariamente da PGR. Para o procurador da República Celso Três, que atuou no início do caso Banestado, um marco contra a lavagem de dinheiro, e trabalhou diretamente com o ex-juiz Sergio Moro, os procuradores não cogitam nos diálogos apenas um atalho para chegar a Mendes. "É uma violação grave do devido processo legal", afirma em entrevista ao EL PAÍS. Ele avalia que, nas conversas, os procuradores de Curitiba demonstraram intenção de desviar a finalidade da investigação, porque tinham autoridade para escrutinar o operador do PSDB, mas planejaram aprofundar essa colaboração com o intuito de atingir o ministro do Supremo. “Não estou defendendo Gilmar, mas está muito claro que estavam em seu encalço”.

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A reportagem questionou à força-tarefa de Curitiba se os procuradores pediram informações aos investigadores na Suíça sobre possíveis ligações de Mendes e Paulo Preto. E, caso tenham encontrado elementos, se foram enviados à PGR. Por meio da assessoria de imprensa, os procuradores afirmaram que "não surgiu nas investigações nenhum indício de que cartões da conta de Paulo Vieira de Souza tenham sido emitidos em favor de qualquer autoridade sujeita a foro por prerrogativa de função". "Qualquer ilação nesse sentido, por parte de quem for, seria mera especulação", ressaltou a nota. "Em todos os casos em que há a identificação de pagamentos de vantagens indevidas e lavagem de ativos no exterior, o Ministério Público busca fazer o rastreamento do destino de todos os ativos ilícitos, para identificar os destinatários desconhecidos", ressalta. Eles insistem que sempre que surgem indícios do envolvimento em crimes de pessoas com foro privilegiado, a força-tarefa encaminha as informações à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal.

"Cuidado porque o STF é corporativista"

Celso Três diz que os procuradores poderiam até enviar à PGR material contra Gilmar, desde que estas provas tenham sido encontradas acidentalmente em alguma investigação. "Isso pressupõe fundamentalmente que a prova caia no teu colo", afirmou. "Não existe encontro fortuito de prova quando você busca alguma coisa", acrescentou. Outro especialista, que concordou em analisar as mensagens sob anonimato, acrescenta que, no caso de toparem com alguma prova relacionada com detentores de foro privilegiado, como Mendes, a investigação é suspensa e precisa ser remetida para a PGR. “Isso é bem comum em casos de políticos que foram encontrados em investigações da Lava Jato”, explica o jurista, que frisa não conhecer casos de ministros do Supremo que tenham sido denunciados a partir de investigações cruzadas.

Ciente do terreno minado que a força-tarefa entra ao mirar Mendes, Dallagnol tenta se precaver: “E nós não podemos dar a entender que investigamos GM”, diz em certo momento, em referência a Gilmar Mendes. Mas, na sequência, afirma: “Caso se confirme essa unha e carne, será um escândalo”, diz sobre a relação próxima entre o ministro e o operador. E sugere: “Vale ver ligações de PP pra telefones do STF”, ressalta, referindo-se a Paulo Preto. Mais uma vez, Dallagnol recebe um alerta de um colega. “Mas cuidado pq o stf é corporativista, se transparecer que vcs estão indo atrás eles se fecham p se proteger”, diz Paulo Galvão. Dias depois, a força-tarefa descobriria que o ex-senador tucano Aloysio Nunes ligou para o gabinete de Mendes no dia da prisão de Paulo Preto.

A tese levantada nas conversas por alguns procuradores para ligar Mendes a Paulo Preto, especialmente por Dallagnol, passa justamente pelo tucano Aloysio. Nas conversas, os procuradores lembram que Paulo Preto era subordinado do tucano durante o Governo FHC, quando o ex-senador foi ministro-chefe da Secretaria-geral da Presidência, entre 1999 e 2001. E que Gilmar Mendes trabalhava “do ladinho” —segundo as palavras de Roberson Pozzobon— de ambos. A triangulação se fecharia porque, naquele período, Mendes foi subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil (entre 1996 a 2000) e advogado-geral da União (de 2000 a 2002). Em 21 de fevereiro deste ano, no mesmo chat, Pozzobon diz: “Acho que tem uma chance grande de ALOYSIO ter colocado GILMAR no STF”. O procurador Paulo Roberto Galvão pondera. “Mas calma que isso não quer dizer muita coisa rs”. Dallagnol, então, discute uma estratégia para direcionar a pauta e fazer a história aparecer na imprensa. "Tem q botar no papel. Mostrar suspeição. Pegar quem trabalhava nessa época no mesmo local. Imprensa é o ideal", ressalta ele.

Mais uma vez, o procurador Paulo Galvão tenta puxar o freio de mão do entusiasmo do coordenador da força-tarefa. “Mas não é novidade que Gilmar veio do psdb e de dentro do governo fhc!!! Cuidado com isso”. Mas Dallagnol insiste: “agora é diferente" (...) "Não é uma crença ou partido em comum" (...) "É trabalhar lado a lado, unha e carme”. Pozzobon também pondera e diz que é preciso ter informações mais fundamentadas antes de passá-las para a imprensa. “Mas acho que temos que confirmar minimamente isso antes de passar pra alguém investigar mais a fundo, Delta”.

O procurador Dallagnol afirma que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não entrará em confronto com Gilmar Mendes. Eles fazem referência a Eunício Oliveira, então presidente do Senado, que poderia abrir o processo de impeachment.
O procurador Dallagnol afirma que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não entrará em confronto com Gilmar Mendes. Eles fazem referência a Eunício Oliveira, então presidente do Senado, que poderia abrir o processo de impeachment.

Na semana passada, a Folha de S. Paulo e o Intercept revelaram que Dallagnol também tentou buscar informações a respeito de Antonio Dias Toffoli. Nas mensagens, aparece o interesse do procurador no eventual envolvimento de Toffoli,  Gilmar Mendes e suas respectivas mulheres com empresas envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras. Os ministros do Supremo prontamente reagiram à notícia. Gilmar Mendes afirmou que a Lava Jato é uma “organização criminosa para investigar pessoas”. Outro ministro do STF, Marco Aurélio, disse ser “inconcebível que um procurador da República de primeira instância busque investigar atividade desenvolvida por um ministro do Supremo”.

"Sonho que Toffoli e GM acabem fora do STF"

Apesar da animosidade da força-tarefa contra Gilmar Mendes, nem sempre o magistrado, um dos mais criticados da Corte, esteve contra a Lava Jato, segundo pensavam os procuradores. Em março de 2016, por exemplo, Gilmar se mostrou um aliado tático da operação, quando suspendeu a nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil, deixando assim o ex-presidente sem foro privilegiado. Pelo menos desde 2017, no entanto, Dallagnol aparece nas mensagens atribuindo ao magistrado o objetivo de “desmontar as investigações de corrupção”, por estar, segundo o procurador, ligado a parte delas.

Chat entre os procuradores Antonio Carlos Welter e Deltan Dallagnol.
Chat entre os procuradores Antonio Carlos Welter e Deltan Dallagnol.

As mensagens analisadas pelo EL PAÍS e o The Intercept, parte do pacote de arquivos que o site começou a revelar em 9 de junho, apontam para uma busca sistemática de Dallagnol por maneiras de afastar o ministro do Supremo das ações da Lava Jato, mas não apenas ele. "Sonho que Toffoli e GM acabem fora do STF rsrsrs", comenta. O procurador chega a mobilizar assistentes para produzir um documento com "o propósito de mostrar eventuais incongruências [de Mendes] com os casos da Lava Jato". E, ao longo de anos, insiste nas possibilidades de pedir a suspeição do ministro e encampar um processo de impeachment. Os colegas, entretanto, ponderam sobre a ideia de partir para a via do impedimento político e a iniciativa acaba não saindo do papel.

Em 5 de maio de 2017, por exemplo, o coordenador da força-tarefa falou aos pares de pleitear o impedimento de Gilmar Mendes caso o ministro concedesse habeas corpus a Antonio Palocci, condenado na Lava Jato. "Caros estive pensando e se perdermos o HC do Palocci creio que temos que representar/pedir o impeachment do GM". O habeas corpus (HC), ele sustentava, seria a gota d’água que faltava para pedir o afastamento do ministro. Para embasar o pedido, elencou declarações públicas do ministro contra a força-tarefa, “incoerência de votos”, “favorecimentos”, e até seus antigos confrontos com o ex-ministro da Corte Joaquim Barbosa — "só para dar força moral”.

“Calma, Deltan”, diz a procuradora Laura Tessler. Ela afirma, então, que soube que o jurista Modesto Carvalhosa entraria com um pedido de impeachment contra o ministro. “Eu não acho que nós devemos fazer pedido de impeachment. outros fazerem é bom”, completou o procurador Paulo Roberto Galvão. Carvalhosa protocolaria o pedido de impedimento neste ano de 2019, o terceiro contra o ministro, que se soma a ao menos a outros nove pedidos de impedimento de membros da corte que esperam encaminhamento do presidente do Senado, o único capaz de iniciar os processos.

Nesta conversa, Dallagnol pede ao assessor Fabio para levantar as decisões de Gilmar Mendes no STF.
Nesta conversa, Dallagnol pede ao assessor Fabio para levantar as decisões de Gilmar Mendes no STF.

Na lista de Dallagnol também entrou o caso envolvendo os empresários do setor de transportes Lélis Teixeira e Jacob Barata Filho, acusados de pagar propina a políticos. Conhecido como o Rei do Ônibus, Barata Filho é pai da afilhada de casamento de Gilmar e sua mulher, Guiomar Mendes. O caso também envolve um advogado de Gilmar que faz a defesa também de Barata Filho. Gilmar Mendes mandou soltar os empresários por três vezes seguidas ao longo de 2017.

Naquele ano, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a pleitear a suspeição do ministro no caso, mas o pedido foi arquivado pela presidenta do Supremo, ministra Cármen Lúcia, em setembro de 2018. Na época, Cármen Lúcia afirmou ter consultado Raquel Dodge, atual procuradora-geral da República, antes de tomar a decisão. No xadrez da Lava Jato, Dodge é a rainha do outro lado do tabuleiro dos procuradores. Nas conversas, eles afirmam que ela é muito próxima de Gilmar e que só não o confronta porque “sonha” com uma cadeira no Supremo assim que seu mandato na PGR terminar, em cerca de um mês, afirma Dallagnol em mensagem em junho de 2018.

Em março de 2019, a força-tarefa insistiria de novo em mais um pedido de suspeição de Gilmar Mendes, desta vez no caso Paulo Preto, alegando relações do magistrado com Aloysio Nunes. Dallagnol articularia com as forças-tarefas da Lava Jato de Curitiba, do Rio de Janeiro e de São Paulo para dar força ao pedido, que seria arquivado novamente.

Ainda por meio de nota enviada à reportagem, os procuradores afirmaram que "dentre os deveres do membro do Ministério Público, está o de 'adotar as providências cabíveis em face de irregularidades de que tiver conhecimento, em especial quando relacionadas a casos em que atuam". "A  eventual pesquisa das decisões de um julgador para analisar qual a eventual medida a adotar seria perfeitamente regular", ressaltaram. "Dentre as medidas que podem ser analisadas e estudadas pelo Ministério Público em face de decisões que cogite inadequadas de um julgador está a análise de jurisprudência para apresentar recursos, a representação à respectiva corregedoria ou ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) ou ainda a representação pela suspeição ou pela apuração de infração político-administrativa (seguindo o rito de impeachment). Nesse contexto, contudo, como é público, os procuradores jamais realizaram representação pelo impeachment do ministro Gilmar Mendes, embora tenham apresentado pedido de reconhecimento de suspeição", destacou a nota.

Noves fora as iniciativas consideradas fora da alçada de Curitiba na avaliação de especialistas, Dallagnol não está só em sua frustração contra algumas decisões do Supremo, e de Gilmar Mendes em particular. Grupo de estudiosos da corte tem apontado a proliferação de medidas individuais dos magistrados e a falta de coerência na jurisprudência do STF com um fator instabilidade política. Um dos problemas é que, excetuada a saída via do impeachment, "no sistema judicial, o Supremo é o ponto cego", pondera o jurista que analisou as mensagens dos procuradores sob anonimato. "Um ministro do Supremo não está sujeito ao Conselho Nacional de Justiça, não tem corregedoria e um ministro, inclusive, não pode corrigir o outro”, explica.

Para Gilmar Mendes, no entanto, o problema da falta de correição e do corporativismo estão do outro lado. “O próprio CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] funciona muito mal. A corregedoria do Ministério Público praticamente não funciona. Estamos a falar de uma questão que, em termos republicanos, é muito séria. Quem vigia o guarda neste caso? Os malfeitos cometidos por procuradores são investigados por quem? Essa é uma questão que precisa ser respondida”, disse o ministro nesta segunda-feira, no registro do site especializado Jota. O CNMP tem ao menos um procedimento aberto contra Dallagnol, o que apura se ele e um colega cometeram falha disciplinar ao serem flagrados, em mensagens reveladas pelo The Intercept e pela Folha, planejando obter lucro ou benesses com a realização de palestras pagas por empresas e entidades interessadas em se associar à imagem da Lava Jato.

Nesta conversa, os procuradores planejam pedir à Suíça investigações que possam ligar Gilmar Mendes a Paulo Preto.
Nesta conversa, os procuradores planejam pedir à Suíça investigações que possam ligar Gilmar Mendes a Paulo Preto.

Bernardo Mello Franco: Dobradinha suprema

Ofensiva contra a Lava-Jato é o lance mais ousado da dupla Toffoli-Gilmar. Um abriu inquérito; o outro chamou procuradores de ‘gentalha’

O ministro Dias Toffoli iniciou os trabalhos da quinta-feira com um pronunciamento fora do script. Em tom grave, anunciou a abertura de inquérito sigiloso para apurar “denunciações caluniosas” contra o Supremo Tribunal Federal. Alegou a existência de ameaças “à honorabilidade e à segurança” da Corte.

Na sequência, o ministro Gilmar Mendes disparou seu ataque mais radical à Lava-Jato. Chamou os investigadores de “desqualificados”, “cretinos”, “covardes”, “despreparados” e “gentalha”. “Assim se instalam as milícias. O esquadrão da morte é fruto disso”, sentenciou.

Ao fim da sessão, soube-se que o inquérito de Toffoli investigará procuradores de Curitiba e auditores da Receita. O presidente do Supremo dispensou o sorteio eletrônico e delegou o caso ao ministro Alexandre de Moraes. Em outro lance incomum, a Procuradoria-Geral da República não foi consultada ou convidada a participar das apurações.

A ofensiva é o movimento mais ousado da dobradinha Toffoli-Gilmar. Os dois ensaiavam uma ação conjunta desde fevereiro, quando se descobriram na mira do Fisco. Um relatório ligou Gilmar, sua mulher e a mulher de Toffoli a suspeitas de irregularidades financeiras.

Até aqui, a dupla conseguiu ganhar no grito. O ministro da Economia, Paulo Guedes, aceitou a pressão e transformou investigadores em investigados. O secretário da Receita, Marcos Cintra, prometeu “ações punitivas”. Chegou a chamar subordinados de“meliantes”.

O entrosamento entre Toffoli e Gilmar ficou conhecido nas sessões da Segunda Turma. No entanto, a sintonia não se limita aos julgamentos de políticos acusados de corrupção. Em ao menos dois episódios, o ministro mais antigo saiu em socorro do mais novo.

Em 2015, Gilmar livrou José Ticiano Dias Toffoli, ex-prefeito de Marília e irmão de quem o nome indica, de uma ação de inelegibilidade. No ano seguinte, ofereceu um escudo quando o colega foi citado na delação da OAS. Disse que era preciso “colocar freios” nos procuradores, a quem acusou de embarcar em “delírios totalitários”. “Calcem as sandálias da humildade”, prosseguiu. Se o ministro já tiver encontrado um par do seu número, ninguém ficou sabendo.

Há seis meses, a dobradinha ganhou poder inédito com a chegada de Toffoli à presidência do Supremo. Ele já retribuiu o apoio do colega ao comandar a reação contra a Receita. O maior risco para a dupla é exagerar na dose. Em vez de parar os ataques, a nova ofensiva atiçou a militância bolsonarista. Sua nova cruzada é para convencer o Senado a abrir um processo de impeachment contra Gilmar.

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De um ministro que ficou vencido na quinta-feira, quando a Corte despachou para a Justiça Eleitoral processos contra políticos acusados de caixa dois e corrupção:

“Se depois disso a gente ainda derrubar a prisão em segunda instância, vão depredar o prédio do Supremo. E eu sou capaz de sair para jogar pedra também”.


O Globo: Receita Federal vai investigar auditores que investigam Gilmar

Ao saber de devassa feita por auditores fiscais, ministro do STF pediu providências ao presidente da Corte; Toffoli enviou ofícios à Fazenda e à procuradora-geral da República para adoção de ‘providências cabíveis’

Gilmar tem foro privilegiado e só pode ser investigado pelo próprio Supremo

Bela Megale, Daniel Gullino e Carolina Brígido, de O Globo

O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, determinou que a Corregedoria do órgão apure em que circunstância auditores da instituição instauraram investigação sobre o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi ratificada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Ontem, a revista “Veja” revelou que a Receita trabalha para identificar “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” por parte de Gilmar e de Guiomar Mendes, mulher do magistrado.

Um relatório de maio de 2018 apontou uma variação patrimonial de R$ 696.396 do ministro em 2015, considerada sem explicação. O documento afirma que Guiomar “possui indícios de lavagem de dinheiro”. Em 2016, o casal movimentou R$ 17,3 milhões.

O documento diz ainda que o “tráfico de influência normalmente se dá pelo julgamento de ações advocatícias de escritórios ligados ao contribuinte e seus parentes, onde o próprio magistrado ou um de seus pares facilita o julgamento”.

Ao tomar conhecimento da notícia, Gilmar Mendes pediu providências ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Toffoli, por sua vez, enviou ofícios a Cintra, Guedes, e à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitando a “devida apuração e adoção das providências cabíveis”.

“O secretário Especial da Receita Federal, Marcos Cintra, tomou conhecimento dos fatos narrados pelo ministro Gilmar Mendes e que foram objeto de comunicação enviada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, recebida nesta data. O secretário determinou, imediatamente, que a Corregedoria da Receita Federal inicie a devida apuração dos mesmos”, diz a nota do Ministério da Economia divulgada ontem.

“A decisão, tomada pelo secretário especial da Receita Federal, foi ratificada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao tomar conhecimento do Ofício nº 021/ 2019-GP, também encaminhado pelo Presidente do STF e que trata dos mesmos fatos”, concluiu o o texto.

No ofício enviado a Toffolli, Gilmar aponta “abuso de poder” por parte dos fiscais da Receita. “Causa enorme estranhamento e merece ponto de repúdio o abuso de poder por agentes públicos para fins escusos, concretizado por meio de uma estratégia deliberada de ataque reputacional a alvos pré-determinados”.

O ministro do Supremo também pediu a “adoção de providências urgentes" para “apurar a responsabilidade por eventual ilícito” e destacou que “nenhum fato concreto é apresentado” nos documentos publicados pela revista.

Gilmar destaca ainda que iniciativa como essa investigação não é “inovadora”. “Referida casuística, aliás, não é inovadora, nem contra a minha pessoa e nem contra membros do Poder Judiciário, em especial em momentos em que a defesa de direitos individuais e de garantias constitucionais desagrada determinados setores ou agentes”, afirmou. Como ministro do STF, Gilmar tem direito ao foro privilegiado e só pode ser investigado criminalmente pela própria Corte.

Em nota, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) afirmou que “nada há de ilegal ou anormal na existência de investigação na vida fiscal do Ministro Gilmar Mendes” e destacou que as autoridades tributárias devem ter um rigor maior em relação às chamadas pessoas politicamente expostas, grupo que incluiu ministro do STF, porque há “maior risco de se envolverem em casos de corrupção”.

“O que deve ser ressaltado é que não há qualquer justificativa, moral ou legal, portanto, para qualquer nível de indignação do referido ministro do STF ou de qualquer outra autoridade pública quanto à existência da investigação de sua vida fiscal”, diz o texto da Unafisco.

A associação ressaltou que os auditores fiscais têm o dever de manter o sigilo das investigações, e que “eventual quebra de sigilo deve ser rigorosamente apurada e punida”. A nota afirma, no entanto, que a apuração sobre uma eventual quebra de sigilo não pode “causar qualquer prejuízo à continuidade das investigações”.


Rosângela Bittar: Meu doutorado contra o seu

O STF atual dá vez a midiáticos e demagogos
Não é por Lula, Deus ou o Diabo, muito menos em defesa do princípio da prisão após fixação da pena em segunda instância. O Supremo Tribunal Federal está como está não porque pressionado pelas ruas, ou porque resiste a ser vanguarda como querem alguns de seus membros na aplicação das leis (o que isso significa, ministro? Não aplicá-las? Minha parte prefiro em Justiça). Ou, pior, para atender aos reclamos das manifestações populares, no Supremo definidas como o desejo social. Qual das manifestações? A que quer um sim ou a que quer um não? Pelo sim, pelo não, o Supremo pode ficar hoje na coluna do meio.
Pressões sobre o Supremo podem ser feitas e devem ser. Podem ser toleradas e devem ser. Mas seu papel primordial é interpretar a Constituição e, com isso, fazer Justiça.
Não há demérito nessa sua atribuição e ela não deveria estar submetida às ideias, também de alguns de seus membros, que se o Legislativo não legisla, cabe ao Supremo "avançar", inclusive nas atribuições de outro poder, e legislar. Principalmente depois que ganhou a ADPF (ação de descumprimento de preceito fundamental), o Supremo vai fazendo uma nova Constituição.
O resto é campanha para surfar na popularidade que levará os ministros interessados nesse modelo, após cumprir o rito sequencial de presidir o TSE mais à frente e o STF, mais à frente ainda, a alguma candidatura de representação do povo, desta vez correta do ponto de vista do poder em disputa.
Isso tem rendido popularidade, sobretudo, para um ou dois integrantes da Corte que exploram a ideia, em parte verdadeira, que o sistema partidário é intrinsecamente corrupto, um bordão que pega e alimenta boa mídia virtual para seus autores.
Está em jogo a usurpação de poder, aproveitando um momento de extrema fragilidade dos demais. E há os males da composição, da competência, da compostura.
Mesmo juridicamente fraco, o Supremo precisa saber se comportar e não, tal qual pomba-gira sob luzes de holofotes, como se viu em sessão recente, submeter os interessados nos julgamentos a um ataque de personalidade inflada pelo ego.
O STF não pode mandar às favas a Constituição. Se a Justiça não tem credibilidade como tal, onde se vai procurar equilíbrio, discernimento e, ao fim, a própria Justiça?
Neste momento, ainda por cima, a Corte está liderada por personalidades demagógicas, o que só incapacita o colegiado a resistir à baixa política. Lideranças estas que vêm expondo um tribunal em processo célere de enfraquecimento, culminado na sessão anterior à Páscoa que remeteu a tensão política extrema ao dia de hoje. Não quis, ou não conseguiu, assumir seu papel: mais fácil do que a confusão que armou, obrigando ministros a brandir passagens de check-in já feito, poderia, simplesmente, manter a votação na ausência dos viajantes, ou não ter marcado a sessão para aquele dia, ou não ter colocado nenhum assunto à frente da agenda para não atrapalhar o horário do assunto principal. Ou, simplesmente, suspender a sessão porque nunca iniciou nenhuma discussão à noitinha.
A condução do colegiado já foi execrada por dar um voto de minerva que favoreceu um indigitado que, pego na corrupção, caiu no desgosto popular; depois recuperou-se por um voto considerado racional sobre a redação do Enem; novamente na berlinda pelo voto na questão do ensino religioso e agora novamente condenada por permitir que o colegiado chegasse ao ponto de fervura política de hoje. Isso é Supremo?
No plenário, infla-se um bicho-papão criado nas ruas na esteira da disputa política, em seguida torna-se proeminente o autoeleito caçador, que dá o passo seguinte na formação de um pelotão de combate, arregimentando tropa. Porque quer ser referência e, justiça seja feita, no Supremo, com raríssimas duas exceções, nem quem está armado até os dentes, com razão ou sem, tem coragem para ficar sozinho.
A composição do atual Supremo talvez seja uma das chaves para se compreender o que se passa e abandonar de vez as esperanças no resgate de seu papel principal.
O atual é composto por professores e, sobretudo, por advogados se digladiando diante de um júri imaginário em torno de nada, até que retome a leitura enfadonha de seu empolado voto. Até um decano age como promotor e é preciso ter compaixão da sua sina atual, a de exegeta dos votos, tão díspares e cheios de firulas que precisam ser compatibilizados para que a presidência possa proferir o veredito.
Tenta-se esconder o conflito de egos sob um suposto conflito acadêmico entre quem se formou na escola alemã e quem preferiu ficar no sistema anglo-saxão. Mais um ato de desprezo à inteligência do público pagante que, nessa configuração, então, fica à mercê da sorte ou do azar de ter seu processo, para uma decisão monocrática, distribuído a quem tem princípios mais ou menos garantistas, ou respeitam mais ou menos a Constituição e a jurisprudência.
Meu doutorado contra seu doutorado.
Em todas as épocas e composições o Supremo enfrentou dificuldades. Mas eram catedráticos, políticos veteranos e experientes, embaixadores, presidentes da Câmara e do Senado, presidentes de tribunais de Justiça dos principais Estados, e até advogados que passaram pela política. Numas fases, Gallotti, Trigueiro, Bilac Pinto, Baleeiro, Alckmin. Noutras, Célio Borja, Dias Correa, Brossard, Kelly, Lins e Silva, Nunes Leal, Hermes Lima, Vilas Boas, Gonçalves de Oliveira.
Pessoas que emprestavam sua biografia ao Supremo e não lá foram para fazer biografia.
Falta referência e promove sessões de insultos, não de conhecimento jurídico.
Há quem localize o início da degradação no funcionamento da TV Justiça, que expôs em tempo real o performer, o fraco, o esforçado, o advogado de defesa, o promotor, e amplificou a disputa de vaidades. Antes brigavam, afirma-se, mas já saiam do plenário abraçados. Hoje, não, o exibicionismo na TV não permite recuos. Bobagem, está aí, provando o contrário, recente sessão do TRF-4, que mostrou ser possível julgar com transmissão ao vivo sem criar um show de horrores para o qual não quisemos comprar ingresso e expondo apenas conhecimento, comedimento, respeito. Culpar o sofá sempre foi e ainda é piada.

Míriam Leitão: As dúvidas da Justiça

O ministro Gilmar Mendes disse que pedófilos e traficantes já poderiam ser presos mesmo antes da decisão, de 2016, de prisão após condenação em segunda instância, porque se admitia “a prisão provisória sempre que justificada”. Contesta o que disse o juiz Moro sobre o risco de possível mudança no STF. Sendo assim, se houver mudança no Supremo será benefício endereçado aos condenados por corrupção?
Essa é a dúvida que fica. Se os outros criminosos continuarão podendo ser presos, após a condenação em segunda instância, então por que esta discussão agora?
O ministro avisou que discorda do que o juiz Sérgio Moro disse ao Roda Viva e que reproduzi na coluna de ontem. Moro contou que em menos de dois anos a 13ª Vara Federal executou ordem de prisão de 114 condenados em segunda instância. Número bastante expressivo se for considerado que se refere apenas a uma única vara. São condenados pelos mais variados crimes: 12 são da Lava-Jato e de casos como tráfico de drogas, peculato e pedofilia. Gilmar argumenta que o entendimento do STF de 2009, que estabelecia o cumprimento da pena só após a última instância, já autorizava a prisão nesses casos.
— A propósito, pedófilos, traficantes e outros ficavam presos pela jurisprudência de 2009, pois ali se admitia a prisão provisória sempre que fosse justificada, sempre que presentes os pressupostos da prisão provisória — disse o ministro.
O ministro registrou dois casos em que houve isso. Um deles, um condenado a 44 anos por tráfico de drogas, pena que foi reduzida para 38 anos.
— A prisão está devidamente justificada pois o paciente é o responsável pelo transporte da droga e pela liderança de membros de organização criminosa — disse o ministro Gilmar.
O outro, também condenado por tráfico de drogas, apanhado com quase uma tonelada de maconha e cuja pena foi de 11 anos em regime inicial fechado. Gilmar disse que manteve a prisão porque havia risco de “reiteração delitiva”.
Esses casos mostram na verdade o acerto da decisão de prisão após a condenação em segunda instância, e não o contrário. Porque terão que ser analisados caso a caso os que poderão cumprir pena. E os políticos certamente terão a vantagem da tramitação prolongada dos processos.
Aliás, esta foi uma semana dos benefícios para alguns. Ganharam no STF os deputados Jorge Picciani, Paulo Maluf, o senador Romero Jucá e o ex-senador Doméstenes Torres. Cassado pelo plenário do Senado em 2012, e sem direitos políticos até 2027, Demóstenes recebeu do ministro Dias Toffoli uma liminar que permitirá que ele se candidate.
O ex-senador foi acusado de receber vantagens indevidas do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Em 2016, a Segunda Turma do STF considerou ilegais as escutas da Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo, porque elas não foram autorizadas previamente pela corte e teriam que ser porque Demóstenes tinha foro privilegiado. Como as provas foram anuladas, o ministro Toffoli devolveu a Demóstenes o direito de se candidatar já nas eleições deste ano. O advogado do ex-senador, Pedro Paulo Medeiros, explicou que, se as gravações foram consideradas ilegais, é como se elas nem tivessem existido.
Ontem, Toffoli também mandou para a prisão domiciliar o ex-deputado Paulo Maluf, que se queixou de dores nas costas na prisão. Maluf trocará o presídio da Papuda pela sua luxuosa residência nos Jardins, em São Paulo. Quem também ganhou prisão domiciliar foi o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, que também alegou motivos de saúde. Segundo a defesa, ele tem câncer de próstata e não recebe os cuidados devidos na prisão. Toffoli concordou e foi seguido por Ricardo Lewandowski. A divergência ficou com o ministro Edson Fachin, voto vencido.
Romero Jucá conseguiu escapar de uma das muitas denúncias que pesam contra ele. Por unanimidade, a Segunda Turma rejeitou a acusação de ter recebido propina do empresário Jorge Gerdau. Segundo a procuradoria, ele teria favorecido o grupo com alterações em MPs que tramitavam no Congresso.
Aumentam os temores de que esteja se formando uma verdadeira operação de desmonte de tudo o que o Brasil construiu nos últimos anos na luta contra o crime dos poderosos.

Luiz Carlos Azedo: Supremo vexame

O caso Lula está gerando muita tensão no STF, cuja sessão de ontem foi suspensa por causa de um bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso

Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia marcou para hoje o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de fortes pressões de seus pares para colocar a matéria em votação. Estão em jogo não apenas a iminente prisão de Lula, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), mas também a jurisprudência da Corte que determina a execução imediata da pena para condenados em segunda instância de toda ordem, do político corrupto ao estuprador. Como o julgamento do embargo de declaração da condenação da defesa de Lula pelos desembargadores federais de Porto Alegre foi marcado para segunda-feira, a ministra Cármem Lúcia decidiu pautar o habeas corpus.

O caso Lula está gerando muita tensão na Corte, cuja sessão de ontem foi suspensa por causa de um bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Os dois ministros já andavam se estranhando. Gilmar Mendes criticava decisões intempestivas do Supremo, sobretudo a proibição de doações eleitorais de empresas, quando fez referência à decisão da Primeira Turma de 2016 que revogou a prisão preventiva de cinco médicos e funcionários de uma clínica de aborto. O voto de Barroso orientou a decisão. Gilmar aproveitou para insinuar que o colega havia manobrado para pôr em votação a questão do aborto: “Ah, agora, eu vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto, de preferência na turma com três ministros. E aí a gente faz um 2 a 1”, disse o ministro.

Barroso levou o comentário para o lado pessoal. Reagiu duramente: “Me deixa de fora desse seu mal sentimento, você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado. É um absurdo vossa excelência vir aqui fazer um comício cheio de ofensas, grosserias. Vossa excelência não consegue articular um argumento, fica procurando, já ofendeu a presidente, já ofendeu o ministro Fux, agora chegou a mim. A vida para vossa excelência é ofender as pessoas, não tem nenhuma ideia, nenhuma, nenhuma, só ofende as pessoas”, disse.

Diante do confronto, Cármen Lúcia suspendeu a sessão. Mesmo assim, Gilmar retrucou: “Presidente, eu estou com a palavra e continuo, presidente. Continuo com a palavra, presidente, eu continuo com a palavra. Presidente, eu vou recomendar ao ministro Barroso que feche seu escritório, feche seu escritório de advocacia”. A sessão acabou aí. Foi o maior vexame. Gilmar e Barroso estão em polos opostos na questão do habeas corpus de Lula. O primeiro era a favor da execução da pena após condenação em segunda instância, mas mudou de entendimento. Com isso, a possibilidade de a jurisprudência ser alterada no julgamento de hoje parece predominante, uma questão a conferir logo mais.

Sob pressão
O Supremo está sob forte pressão dos políticos enrolados na Lava-Jato, não somente Lula. Os demais envolvidos não querem que o petista seja preso, temem que isso ocorra com eles também. Há mais de 400 políticos com foro privilegiado denunciados no Supremo, aguardando julgamento. Os políticos que estão sem mandato, porém, estão sendo julgados e condenados, alguns já estão cumprindo pena na cadeia. Com a proximidade das eleições, o risco de não serem reeleitos assombra os políticos e acirra as contradições no Supremo. Gera também uma cadeia de solidariedade em relação ao ex-presidente Lula.

O presidente Michel Temer também pressiona os ministros diretamente envolvidos nos processos nos quais está sendo investigado, principalmente o relator da Lava-Jato, Edson Fachin, de quem cobra acesso às investigações. Suas pressões se dão por meio dos advogados, nos termos do devido processo legal, mas também ocorrem nas articulações de bastidores do tribunal. A discussão de ontem começou por causa da atual legislação de financiamento de campanha, uma vitória inequívoca de Barroso no Supremo. Voto vencido no caso, Gilmar criticou duramente o fim das contribuições de empresas para candidatos com o argumento de que a nova legislação terá efeito contrário e estimula o uso de caixa dois.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-supremo-vexame/


Eliane Cantanhêde: Lula: golpe de mestre?

A inclusão de Pertence na defesa de Lula tem poder simbólico e risco aritmético

O ex-presidente Lula deu um golpe de mestre para tentar escapar da prisão depois de o TRF-4, de Porto Alegre, julgar os embargos de declaração contra sua condenação a 12 anos e 1 mês: a contratação do advogado José Paulo Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo.

Pertence é grande amigo de Lula e um dos ícones do Supremo, sempre citado e reverenciado nos votos de ministros dos mais diferentes estilos e correntes. Seu reforço na defesa de Lula não tem apenas esse significado, ou esse peso simbólico, mas pode ter resultados práticos.

Analistas da cena jurídica e política veem na inclusão de Pertence na defesa de Lula (pro bono ou não) uma possibilidade também de um novo equilíbrio de votos no STF quanto à questão mais sensível: a prisão já após segunda instância, ou seja, sem o processo passar pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), chegar ao Supremo e ser considerado “transitado em julgado”.

O que chamou a atenção é que houve dois movimentos simultâneos: enquanto a defesa anunciava o reforço de Pertence, as redes sociais espalhavam que ele é primo da presidente do Supremo, Cármen Lúcia, mineira como ele. Isso foi encarado como uma tentativa de acuar a ministra, que votou sempre a favor do cumprimento da pena após a segunda instância e poderia se considerar impedida para julgar um caso do “primo” Pertence.

A isso se soma uma outra questão: a chefe de gabinete do ministro Luiz Fux é casada com um filho de Pertence, o que poderia gerar o mesmo efeito: o de levar o ministro a se considerar impedido para julgar a questão. Como Cármen Lúcia, Fux também votou a favor da prisão após a segunda instância.

Pertence foi o patrono da indicação de Cármen Lúcia para o Supremo no governo do amigo Lula, cheio de elogios para aquela procuradora de Minas, que tinha sido boa aluna de Direito e cultivava a fama de ser dura e “de esquerda”. Um é de Sabará, a outra é de Espinosa, na região de Montes Claros, e um parente distante da ministra tinha o sobrenome Pertence. Por isso os dois se cumprimentavam como “primos” no Supremo, mas eles não são primos nem têm parentesco direto.

Aliás, já há um precedente para manter Cármen Lúcia no julgamento de questões que tenham Pertence na bancada de defesa. Ela julgou normalmente um processo contra o banqueiro André Esteves, que era defendido pelo ex-ministro, sem nenhum motivo para se declarar impedida.

A questão tem um aspecto praticamente aritmético. Como, em 2016, o plenário do Supremo aprovou, por seis a cinco, a prisão após condenação em segunda instância, qualquer mexida pode inverter o placar e impedir a prisão. Seria o caso, por exemplo, do impedimento de Cármen Lúcia e de Fux, dois dos votos vitoriosos.

Uma das dúvidas que havia foi respondida nesta semana, quando o ministro Alexandre de Moraes, que assumiu na vaga de Teori Zavascki, morto em acidente aéreo, votou pela primeira vez sobre a questão e se manifestou a favor da prisão após a segunda instância num outro processo, o do deputado João Rodrigues (PSD-SC), condenado pelo mesmo tribunal de Lula, o TRF-4.

Isso tudo significa que os dois personagens-chave no destino de Lula no STF passam a ser Sepúlveda Pertence, que pode levar ao impedimento de Fux, e, ora, ora, o ministro Gilmar Mendes, que votou a favor da execução da pena em segunda instância, mas admitiu mais de um vez rever sua posição. Logo, eis mais um dilema típico da confusão que o Brasil vive: Lula está nas mãos de um grande amigo, Pertence, e de um adversário público, Gilmar Mendes.

 


Mônica Bergamo: Supremo vive bolivarianização de forma invertida, diz Gilmar

Ministro diz que colegas, em certos casos, decidem de acordo com as ruas
Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), transfere nesta terça (6) a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ao colega Luiz Fux.
Depois de quase dois anos presidindo a corte, ele diz que são remotas as chances de Lula conseguir ser candidato —mas defende o direito de o ex-presidente recorrer ao STF para evitar a sua prisão.
Diz que fica calmo quando é xingado na rua e que as pessoas que o atacam têm menos responsabilidade que a mídia. Afirma ainda que avisou a "certos diretores de redação" que já sabe quem são os responsáveis caso algo grave aconteça com ele.
• Folha - Com a experiência de presidir o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e comandar eleições, qual é a possibilidade, na sua opinião, de Lula chegar ao dia das eleições, 7 de outubro, como candidato?
Gilmar Mendes - A inelegibilidade depois de uma condenação em segundo grau talvez seja uma das poucas certezas que a gente tenha em relação à Lei da Ficha Limpa.
• Mas já não houve candidatos que concorreram mesmo depois de condenados?
A não ser que se consiga a suspensão da condenação no âmbito penal, a pessoa está fora do processo. A condenação é quase que uma inelegibilidade aritmética.
• Não há a possibilidade de a tramitação do caso se prolongar no TSE a ponto de ele concorrer até o fim?
Acho muito difícil, nesses casos de grande visibilidade [que o processo demore], porque isso envolve a autoridade da Justiça Eleitoral. Em geral a nossa orientação tem sido a de acelerar esses processos, para evitar uma chicana.
• E qual é a possibilidade de o STF (Supremo Tribunal Federal) garantir Lula na eleição, por meio de uma liminar?
O Supremo já declarou várias vezes a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Não me parece que haja essa possibilidade. Não estou falando do caso concreto, mas sim das práticas que nós temos tido.
• A presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que usar o caso de Lula para rediscutir a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância seria apequenar o tribunal.
A questão vai chegar de um jeito ou de outro no Supremo. E Lula tem todo o direito, constitucional, de recorrer.
Eu estou dizendo isso. Não sei quantos ministros nomeados por ele falariam o mesmo. Mas é legítimo direito do presidente buscar a proteção dos seus direitos. Deixar de apreciar [o caso de Lula] seria discriminatório. Me parece óbvio, cristalino. A questão será discutida. O que pode ser decidido? Resultado, só depois do jogo.

• O STF, e o senhor especialmente, têm recebido inúmeras críticas. Uma delas é a de que o tribunal agrava a crise no país ao permitir a insegurança jurídica.
Vivemos momentos peculiares, obviamente. Assumimos uma centralidade que não deveríamos ter. Passou-se a levar para o STF questões que não deveriam passar por lá. Mas o tribunal atuou ao longo dos anos de forma adequada. Deu contribuições importantes na área fiscal. Tomamos decisões importantes de orientação e moderação, como a súmula das algemas. Mas houve muitas mudanças ao longo dos anos [na composição do STF].
Eu tinha um temor de que, naquele quadro político conturbado [dos governos do PT], houvesse um tipo de bolivarianização [referindo-se ao regime da Venezuela] do tribunal, de se indicar agentes políticos para novas vagas.
Hoje a gente vive uma bolivarianização de forma invertida. Não é mais um agente político que manda o tribunal decidir desta ou daquela maneira. Alguns ministros, em alguns casos, decidem de acordo com o que as ruas podem imaginar que é justo.
Nossa função é decidir de forma contramajoritária. E não bater palma para maluco dançar. Se perguntarmos o que as pessoas querem em relação aos que praticaram crimes, é pena de morte. Linchamento. Até se compreende esse sentimento. Mas o tribunal não pode ecoar esse tipo de coisa. Tem ecoado muitas vezes. E se tornou caixa de ressonância do Ministério Público. Em certos casos, passou a ser carimbador [de decisões do MPF], e de forma vexatória.
• Se os ministros não são candidatos a nada e não podem ser removidos de seus cargos, por que imaginar que cedem à opinião pública e não que votam por suas convicções?
Estamos vivendo uma fase populista da sociedade e as pessoas têm medo de serem criticadas, atacadas, ou de sofrerem, em sua vida pessoal, um escrutínio mais forte por parte da mídia, o que é comum quando se nada contra a corrente.
Acabou-se criando, em muitos casos, restrições ao habeas corpus, o que viola a tradição do STF, ou a conversão do tribunal em muitos casos em mero órgão de chancela da Procuradoria.
• Outra crítica ao STF é a invasão da competência de outros poderes. A presidente Cármen Lúcia impediu o presidente Michel Temer de nomear a ministra do Trabalho, Cristiane Brasil. E o senhor impediu a então presidente Dilma Rousseff de nomear Lula.
No caso do Lula, havia indicações de que ele estava sendo nomeado para receber foro e fugir do processo de Curitiba. Era um contexto de fraude processual.
O outro caso é diferente. Será que nenhum juiz tem ação trabalhista? [Cristiane Brasil foi impedida de tomar posse por responder a processos trabalhistas]. Chega a ser engraçado. O moralismo é o túmulo da moral.
Agora, por que isso está ocorrendo? Pela debilidade do governo. Se fosse um governo normal, forte, que não tivesse passado por tantos percalços, quem ousaria dar essa liminar? Ela não duraria um minuto. Porque é um caso de infantilismo judicial.
A questão do indulto [Cármen Lúcia impediu, por meio de liminar, que Temer desse indulto a presos brasileiros] é outro exemplo. Se louvam em argumentos inconsistentes e mistificadores que a imprensa ajuda a espalhar.
 
• Por que inconsistentes?
Disseram que o indulto beneficiaria presos na Operação Lava Jato. E não se mostra um réu da Lava Jato que seria beneficiado. Não obstante, a procuradora-geral [Raquel Dodge] pede [liminar] e a presidente do Supremo confirma, com esse argumento. Veja!
É preciso respeitar um pouco os fatos. Pode ser que nós tenhamos milhões de botocudos ainda. Mas respeitem a inteligência da gente.
Há também uma certa irresponsabilidade alimentada pela mídia. Se alguém bate palma para maluco dançar é uma boa parte da mídia.
• Mas qual seria o interesse da mídia nesse assunto?
Ela tem lado. "Ah, o governo está fazendo um mal." E é irresponsável. Porque [a suspensão do indulto] agrava o caos penitenciário [deixando presas] pessoas que estão esperando porque já cumpriram parte da pena. Isso [o indulto] tem funcionado ao longo dos anos, até com a perspectiva de uma certa restrição ao modelo punitivo.
Então esse é o ambiente que se criou, em que determinados interlocutores podem falar o que quiser. Há um escrutínio frágil do que eles dizem. Por isso se diz muita besteira.
 
• O senhor recentemente foi xingado em Lisboa e em um avião. Como se sente?
Aqui tem uma grande responsabilidade da própria mídia. A mídia, num período recente, virou caixa de ressonância do MPF. Alguém [ministro do STF] vai decidir [num processo da Lava Jato], "ah, ele é suspeito por isso e por aquilo". Vazavam. E colocavam no "Jornal Nacional".
Por que as grandes organizações se acoplaram a isso? Elas ficaram dependentes e inseguras em relação ao empoderamento desses órgãos.
• Na hora em que é xingado, não tem vontade de reagir?
Eu fico absolutamente calmo. Sei do meu papel, que é histórico, de impedir esse quadro de abusos.
Sei que a responsabilidade é menos dessas pessoas e mais de certa mídia. A mídia foi responsável por esse processo de fascismo que se desenvolveu.
E eu já avisei a certos diretores de redação que, se algo grave acontecer comigo, sei quem são os responsáveis.
• Há críticos que dizem que o senhor invoca o princípio da liberdade para, na verdade, julgar pessoas próximas quando deveria se dar por impedido.
Precisa demonstrar qual é o caso.
• O do empresário Jacob Barata. O senhor foi padrinho de casamento da filha dele.
É uma pessoa que vi uma vez. Fui ao casamento porque minha mulher [Guiomar] era tia do noivo. Um casamento que depois se desfez.
Se formos inventar impedimentos, teremos manipulação de resultados no STF.
Ou temos essa dimensão ou vira essa coisa terrestre, pedestre, rastaquera. É esse hoje o nível do debate no Brasil.
 
• Há críticas também ao fato de o senhor mudar de posição em relação à prisão depois de condenação em segunda instância. Segundo elas, o senhor estaria fazendo isso para beneficiar seus amigos.
Mas que amigo? Eu não tenho amigo que esteja correndo risco de prisão. Isso virou o Brasil, essa coisa rastaquera.
Votei a favor [da prisão depois de segunda instância] entendendo que ela era permitida. Mas o que passou a ocorrer? Virou regra, como se tivesse sido um axioma. Se tornou imperativa, nesse ambiente de caça às bruxas.
É esse debate, nesse contexto geral, que eu recoloquei. Vamos ter que fazer uma leitura política disso.
• O STF derruba o auxílio-moradia?
Se aplicarmos a lei, com certeza. A autonomia financeira dos tribunais terá que ser rediscutida. Nós criamos castas dentro desse modelo.

Míriam Leitão: Poder ilimitado

O fim de ano foi cheio de provas de que um dos problemas a corrigir na democracia brasileira é a vitaliciedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, eles praticamente governam o Brasil e têm poder demais por tempo prolongado demais. Gilmar Mendes, para ficar no mais polêmico, tem teoricamente mais 13 anos, a menos que ele decida encurtar sua presença na Corte, antes dos 75 anos.

A vitaliciedade é uma prerrogativa dos juízes da Suprema Corte em inúmeros países, mas em democracias mais consolidadas há contenções naturais aos seus poderes. No Brasil, mais do que corte institucional, o STF é também tribunal criminal da elite política. Aqui, juízes idiossincráticos tomam decisões autocráticas e controversas, se enfrentam no plenário como se estivessem em um ringue, e são chamados a arbitrar sobre questões do cotidiano.

O ministro Alexandre de Moraes nasceu no dia da decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. Completará 75 anos em 2043. Foi indicado pelo presidente Temer para um mandato de 26 anos, ou seja, terá poder pelos próximos seis mandatos presidenciais. Dias Toffoli já é ministro há oito anos e tem mais 25 anos pela frente para exercer seu mandato. O decano Celso de Mello foi escolhido pelo ex-presidente José Sarney e tem sido ministro por todo o período da democracia.

Isso não era problema até um passado recente. Havia uma regra não escrita pela qual o ministro mais antigo se aposentava após atingir o ápice e ser presidente do Supremo Tribunal Federal. Isso foi seguido por alguns, como Ellen Gracie e Joaquim Barbosa, mas a presença prolongada deixou de ser um constrangimento para os magistrados. O governo Collor acabou há 25 anos e o ministro que ele escolheu, Marco Aurélio Mello, ficará até 2021.

No último dia antes de sair para o recesso, o ministro Gilmar Mendes decidiu que não pode haver condução coercitiva. Deveria ser uma decisão colegiada, já que existe previsão legal, apesar da birra do ministro com o instrumento. Mas a decisão em cima do recesso mantém a soberania da sua vontade pessoal até a volta dos ministros ao trabalho. O ministro Ricardo Lewandowsky decidiu que o Executivo não pode adiar o aumento salarial concedido ao funcionalismo e o que estava no Orçamento teve que ser suspenso. A ministra Cármen Lúcia foi chamada para dizer se IPTU do Rio de Janeiro deve ou não subir. Por vontade dos ministros, ou por falhas institucionais, o STF virou mais do que o comando de um poder, ele se precipita sobre os outros.

Não faz bem para nenhuma democracia que uma pessoa detenha um poder tão grande durante, por exemplo, os 33 anos do mandato do ministro Dias Toffoli. Principalmente em época como a atual, em que há uma mistura explosiva: a exagerada extensão do privilégio de foro, ministros idiossincráticos, e a fragilidade das instituições que estimula as demandas de toda a ordem sobre a Corte.

Uma forma de resolver seria transformar em lei o que antes era costume: a saída do ministro, após exercer a presidência da Corte. A renovação das pessoas no poder é parte do exercício respiratório de qualquer democracia.

Em nenhuma República a vitaliciedade é uma boa regra. Nos Estados Unidos, tem sido objeto de muita controvérsia. Todos os demais cargos do outros poderes têm mandatos fixos. Não se justifica essa prerrogativa pouco solidária com os princípios republicanos fundadores.

O mandato não é o único problema do Supremo Tribunal. Ele exerce funções de justiça quase ordinária, quando devia ser fundamentalmente a corte constitucional e o recurso em última instância. E não para protelar sentenças passadas em julgado em outras instâncias, mas para dar a palavra final em conflitos constitucionais. Principalmente aqueles nos quais se opõem cidadãos e o Estado ou os conflitos que eventualmente ocorram entre os outros poderes da República. Este controle constitucional, sim, é um mecanismo indispensável ao equilíbrio democrático e será sempre prerrogativa do STF. Para que a Corte melhor o exerça sua composição deveria conter algum mecanismo que permita a renovação mais frequente.