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Gaudêncio Torquato: O legado de Temer

O País caminha lentamente

Michel Temer deixa o governo desaprovado por um Brasil acostumado a versões fantasiosas. Qualquer analista responsável, ao comparar o país de ontem e o de hoje, enxergará abissal diferença: o de ontem, destroçado pela maior recessão econômica da história, e o da atualidade, com juros e inflação controlada, resgate da confiança, volta dos investimentos, contas sob controle e um conjunto de reformas, como a trabalhista, a do Ensino Médio e a PEC limitando gastos públicos.

O que explica a imagem negativa de Temer? O drible que parte da mídia patrocinou sobre um diálogo gravado no Palácio do Jaburu. O grupo mais poderoso do país bateu forte na interlocução mantida pelo presidente com um empresário. “Tem que manter isso, viu”? A fala anterior do figurante referia-se ao fato de “estar bem” com o então presidente da Câmara. E o que se viu foi a inferência: Temer se referia à entrega de dinheiro, coisa que “deveria ser mantida”. Com essa ilação, o presidente foi massacrado e o Brasil perdeu a chance de avançar nas reformas.

A lama que a Operação Lava Jato jogou na política convergiu para a figura do presidente. Que não se dobrou ao objetivo de tirá-lo da Presidência.

Embora com 13 milhões de desempregados, o País caminha lentamente, aprova pautas de relevo, alarga o acesso às privatizações, se entende com a União Europeia, assume compromissos com o G-20 e com os parceiros dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), reforça vínculos com a União Econômica Euroasiática, debate o clima no Acordo de Paris e valoriza o Mercosul.

Jair Bolsonaro vai comandar um Brasil que saiu do buraco em que foi deixado pelo petismo. Não navega ainda em águas calmas, ante as grandes carências das margens. Programas sociais, mesmo ampliados, como o Bolsa Família, não eliminaram a pobreza. E a violência campeia.

Mas os fundamentos da retomada econômica foram lançados. O empresariado recupera o fôlego para investir. A área de trabalho teve redução de 40% nas reclamações judiciais, graças à reforma trabalhista.

Parlamentar desde os idos de 80, presidente da Câmara por três vezes, Temer colocou em prática sua visão parlamentarista e abriu intensa articulação com o Congresso. Pode-se dizer que governou por meio de um semipresidencialismo. Aproximou-se de parlamentares e lideranças partidárias para aprovar reformas que marcam sua passagem pelo Planalto.

Constitucionalista, Michel Temer também deixa um legado ao Congresso. Trata-se de sua interpretação sistêmica à questão de trancamento de pauta por Medidas Provisórias. Quando presidia a Câmara em 2009, propôs esta solução ímpar na história constitucional: “Na verdade, o constituinte não quis sobrestar absolutamente todas as deliberações legislativas, mas apenas aquelas que também são previstas para Medida Provisória, ou seja, as demais espécies normativas não estão abrangidas na disposição do art. 62, § 6º, CRFB/88”. A tese deu mais autonomia ao Poder Legislativo na sua função primária, a atividade legislativa.

Michel deixará o Palácio do Planalto pela porta da frente.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político


Gaudêncio Torquato: Nossa democracia não está morrendo

Ascensão de candidato autoritário faz parte do jogo

As democracias estão morrendo devagar. Líderes eleitos não se comprometem com os valores democráticos, como Donald Trump, o primeiro presidente dos EUA "com inclinações autoritárias" escolhido em cem anos, e pode ocorrer o mesmo no Brasil com eventual vitória do capitão da reserva Jair Bolsonaro, "candidato que tem palavras e comportamentos que não se adequam à democracia". São palavras de Steven Levitsky, em recente entrevista ao jornal O Globo. Ele e Daniel Ziblatt, ambos professores de Harvard, são autores do livro "How Democracies Die" ("Como as Democracias Morrem").

A hipótese corresponde efetivamente ao que se enxerga na moldura democrática internacional ou se trata de um fenômeno cíclico, cuja emergência ocorre ao longo da história das nações? A eleição de figuras polêmicas, de índole conservadora e com propensão autoritária, não faz parte do jogo democrático?

No caso brasileiro, vale lembrar que nossa incipiente democracia, ao longo da história, entremeou ciclos autoritários e democráticos.

A primeira Constituição, a de 1891, abrigava princípios libertários, com direitos individuais preservados até 1930, quando se abriu o ciclo ditatorial de Vargas, cujos desajustes conduziram à centralização autoritária expressa na Constituição de 1937.

Os anos de arbítrio se estenderam até 1945, quando o país ganhou a Carta Magna de 1946, reabrindo as portas da democracia. Sua vigência se deu até o golpe militar de 1964, que durou 21 anos, terminando em 1985. Em 1988, inaugura-se o ciclo da redemocratização, e o país fortalece o escopo da cidadania com a Constituição mais avançada de sua história.

Portanto, a intermitência entre liberdades e opressão, autoritarismo e democracia, ao que se constata, faz parte do abecedário político da maioria dos países da América Latina, que não possuem instituições capazes de representar os múltiplos interesses da sociedade organizada e de assegurar a consolidação democrática.

As crises econômicas, por seu lado, têm contribuído para agravar a governabilidade, gerando instabilidades cíclicas. Dessa forma, os sistemas democráticos do continente, que o cientista político argentino Guilherme O'Donnell designa de democracia delegativa, acabam se fragilizando.

Urge lembrar que até a velha Europa vê fenecer suas frentes democráticas, seja em função da crise propiciada pela globalização econômica, seja pelo arrefecimento dos mecanismos clássicos da política --crise das ideologias, dos partidos, dos Parlamentos, das oposições.

Ante essa moldura, o que esperar da democracia brasileira se não uma gangorra no sistema de mandos e comandos? Se o lulopetismo fez ou não bem ao país, que passe pelo teste das urnas. Se o bolsonarismo, com sua defesa autoritária, fará um bom governo caso seu ícone se eleja, é uma questão a ser respondida pelo eleitor. Esse é o jogo democrático. Sob essa crença, a democracia brasileira não está morrendo.

*Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP e consultor político


Gaudêncio Torquato: O vulcão social

O país está dividido. Os geofísicos ensinam que a fusão de rochas com materiais voláteis, submetidas a uma temperatura que pode chegar aos 1500º C, resulta em magma, substância existente no interior da terra em uma profundidade entre 15 a 1500 kms. Nas últimas semanas, contemplamos essa massa avermelhada de um vulcão na Guatemala, América Central, correndo por encostas, cobrindo cidades de fogo e cinzas e deixando um grande saldo de mortos e desaparecidos.

A imagem nos remete a uma leve sensação de conforto pelo fato de o Brasil não ter vulcões em atividade. Não significa que estamos imunes às desgraças por outros fatores. Nossa cultura política, por exemplo, é fonte de desvios e curvas que tiram o país de seu rumo civilizatório. Nem bem saímos da pior recessão da história, sob a sombra de reformas para recolocar o trem nos trilhos, eis que o pessimismo volta a abater o ânimo.

Apesar do alerta do ex-presidente Fernando Henrique (em seus tempos de mando) de que “não podemos cair no catastrofismo”, o futuro é tão sombrio que não há como escapar à ideia de magmas em formação subindo à superfície para explodir na erupção de um vulcão social, caso se eleja este ano um perfil de extrema direita ou esquerda. A sugestão do próprio FHC de se arrumar consenso em torno de Marina Silva (Rede) não resiste à evidente inferência de que essa figura pacata não reúne condições para enfrentar a real politik. Seria tragada pelo tufão político.

Voltemos aos extremos. O espírito beligerante de Jair Bolsonaro, caso eleito, levaria o país para uma posição de continuados conflitos. Estabeleceria de imediato a disputa de “cabo-de-guerra” entre militantes, com arengas e querelas expandindo posições radicais e envolvendo classes sociais em confrontos nas ruas e no Congresso. A ingovernabilidade ganharia corpo, o clima social sob a ameaça de um rastilho de pólvora. Os bolsonarianos gostariam de acender o pavio. O vulcão entraria em erupção diante de gestos tresloucados do governante.

Do outro lado, eventual perfil representando correntes de esquerda reforçaria o refrão do apartheid social, “nós e eles”, que o PT continua a brandir em suas mensagens e expressões de seus porta-vozes – Lula, Gleisi, Lindberg Faria, entre os principais. Para montar firme na sela do cavalo, o eleito não deixaria brechas: encheria a máquina governamental de radicais e enfiaria o Estado na estrutura partidária. Todos os cantinhos seriam reocupados no projeto de poder de 20 anos, com juros e correção monetária cobrados do impeachment de Dilma. Teríamos a amarração da sociedade ao Estado forte.

O país está dividido. E a hipótese de harmonia social não passa de lorota expressa pelas extremidades. O que se vê na linguagem de militantes nas redes sociais é a destilação de ódio, infâmias, acusações pesadas e enaltecimento das ditaduras. O Brasil volta a sofrer a síndrome de Sísifo, o condenado pelos deuses a depositar a pedra no cume da montanha, tarefa que tenta executar por toda a eternidade.

* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação


Gaudêncio Torquato: Esculhambação geral

Começo com uma historinha que sempre lembro para explicar estas nossas tropicais plagas. Há, no mundo, quatro modalidades de sociedade: a primeira é a inglesa, aberta, onde tudo é permitido salvo o que for proibido; a segunda é a alemã, rígida, onde tudo é proibido salvo o que for permitido; a terceira é a totalitária, ultra-fechada, de índole ditatorial, onde tudo é proibido mesmo o que for permitido; e, por último, a brasileira, onde tudo é permitido mesmo o que for proibido.

Querem um exemplo? A última greve dos caminhoneiros, que bloqueou o livre trânsito de pessoas e automóveis e deu prejuízo que alguns estipulam em R$ 60 bilhões até o momento, com consequências sérias sobre a vida das pessoas – educação, saúde, alimentação, serviços etc. O fato é que o país retrocedeu passos em seu avanço civilizatório. Pois bem, multas foram estipuladas, como se viu na decisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, de determinar que 96 empresas transportadoras pagassem em 15 dias R$ 141 milhões pelo descumprimento da liminar que determinava o desbloqueio imediato de rodovias.

Depois, o TST determinou que os petroleiros, em greve logo depois, arcassem com multa de R$ 2 milhões por dia.

E o que estamos vendo? A Câmara dos Deputados avalia anistiar as penalidades impostas, na esteira de um projeto de lei que regulamenta o transporte rodoviário de cargas no país e cujo relator é o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP).

Se isso vier de fato a ocorrer, o Brasil mostra sua cara sem retoques: a desmoralização das Cortes judiciárias, a desfaçatez, a hipocrisia dos nossos representantes e, mais, a prova inconteste de que, por aqui, tudo é possível: transgredir a lei e não ser punido, descumprir o ordenamento jurídico do país e, em troca, receber aplausos por conduta ilegal, imoral, restritiva aos valores de nossa democracia. Cai bem sobre nossa fisionomia institucional aquela frase atribuída a De Gaulle – o Brasil não é um país sério. (A frase, na verdade, é de autoria do embaixador brasileiro na França entre 1956 e 1964, genro do presidente Artur Bernardes, Carlos Alves de Souza Filho, a propósito da “guerra da lagosta”, assunto que envolveu uma pergunta que lhe fez o correspondente do JB em Paris, Luis Edgar de Andrade. O diplomata cochichou aquele dito.)

O fato é que por estas nossas bandas, não é só a corrupção que suja a veste de políticos, governantes e empresários. A lama se espalha em uma enxurrada que agrega um amontoado de futricas, politicagem, grupismo, fisiologismo, desmandos, rasgos da lei maior, a Constituição, malhas intestinas, projetos de lei com foco no corporativismo, domínio de castas, desleixo, incúria, desmandos de todos os tipos.

Se amanhã novas greves surgirem, os grevistas saberão, de antemão, que haverá um político “de espírito cívico” a lhe estender a mão. Não serão punidos. Ganharão loas. Fico imaginando a reação de um alto ministro de nossas Cortes ao ver jogada no lixo do desprezo sua decisão de punir quem não anda nos traçados da lei. Se os malfeitos do nosso cotidiano se multiplicam é porque os “bem-feitores” da representação política mexem com o pauzinho que têm às mãos, a “fazeção de leis”. E que ninguém se assuste com as máfias criminosas que dão ordens de dentro das prisões. A propósito, o faturamento do PCC pode chegar, este ano, a R$ 800 milhões. Grana que dá para eleger uma grande bancada.

*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação


Gaudêncio Torquato: Mocinho agora é bandido

Vamos diretamente ao ponto: Pedro Parente foi derrubado. Não saiu por vontade própria. Fez uma densa carta de demissão ao cargo, mas naquela escrita lê-se um desabafo do tamanho do mapa do Brasil. Foi vencido pela visão populista daqueles que acham que o preço dos combustíveis não pode e não deve ter como espelho aumento ou diminuição do barril de petróleo no mercado internacional. Essa foi a visão que balizou a era Dilma, com sua decisão de represar artificialmente preços e, desse modo, deixar nossa maior empresa no buraco.

Nos tempos de dona Rousseff, que se arvorava como exímia conhecedora de questões de petróleo e energia, o país vivia a artificial situação de alto consumo e certo conforto, graças à mistificação adotada para esconder a péssima planilha de contas. Como lembra o bom economista Adriano Pires, ele mesmo profundo conhecedor do mercado de petróleo, países onde os preços dos combustíveis seguem regras do mercado “são democracias consolidadas, e a sociedade tem um alto nível de bem-estar, como a Noruega e os Estados Unidos”. Outros que se ancoram no populismo para definir preços dos combustíveis são pouco democráticos e não atendem à população em suas necessidades básicas, como segurança pública, saúde e educação.

Assistimos, nos últimos dias, a um espetáculo canhestro. Atores com o intuito de chamar a atenção passaram a expressar um discurso populista, onde o apoio aos caminhoneiros era seguido de apelos por intervenção militar. Oportunistas e interesseiros de toda a espécie – inclusive empresários malandros – quiseram tirar proveito do movimento paredista. O candidato da extrema direita, Jair Bolsonaro, posando de herói, foi o alvo maior das Hosanas por encarnar a força militar, a ordem, a segurança nesse ciclo de tensões e perturbações. Felizmente, a cúpula militar reagiu negativamente ao apelo doidivanas de aventureiros.

Essa nossa claudicante democracia abriga coisas absurdas, algo como um pacto secreto reunindo abutres de direita com os falcões extremados da esquerda, cada qual apostando na ideia central de “virar a mesa”, de “entornar o caldo”, de colocar o país de ponta-cabeça, sob a escondida estratégia de apostar no pior para a elevação de seus quadros no pleito de 7 de outubro. É incrível como as coisas por estas nossas plagas estão invertidas. O Brasil acaba de sair da maior recessão econômica de sua história. A desconfiança internacional chegou aos picos. O rombo nas contas públicas inviabilizava qualquer gestão. Mas o país conseguiu atravessar o furacão. Reformas importantes foram feitas. Infelizmente, o governo, ele mesmo sob o bombardeio de denúncias, não conseguiu carrear para sua imagem o rol de coisas boas que fez.

E assim, de crise em crise, o país padece sob a pressão de protagonistas políticos, com sua atenção voltada para o pleito de outubro. Os horizontes são sombrios. O perfil que tirou a Petrobras do buraco agora é crucificado. Só faltam os coroinhas dessa missa macabra que se celebra colocarem sobre a cabeça de Pedro Parente a coroa de Mau Gestor.

É o fim da picada. O mocinho? Ah, é bandido. Inacreditável.

*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação


Gaudêncio Torquato: Os cinturões do governo

Caminhoneiros desafiam equilíbrio da gestão Temer

A constatação é de Carlos Matus, cientista social chileno, em seu clássico "Estratégias Políticas": "Não é possível combinar sacrifícios econômicos e recessão transitória com crescimento econômico, aumento do emprego e justiça social." Esse é o dilema que enfrenta o governo ante a greve de caminhoneiros, que conta com o apoio de empresários e a simpatia da população.

O desafio é equilibrar os três cinturões que balizam uma administração pública: o econômico, o social e o político. Tal equilíbrio é responsável pela fortaleza ou fragilidade das ações governamentais. Os campos se imbricam de forma que o sucesso alcançado por um afeta o outro.

Tomemos a economia: se produzir resultados de forma a resgatar a confiança dos setores produtivos, a frente política tende a olhar de maneira simpática para a gestão, com a consequente aprovação de projetos do Executivo. Foi o que se viu nos primeiros tempos da gestão Temer.

A linha adotada inicialmente foi bem-sucedida; mas, no que se refere à política de preços dos combustíveis, elogiada nos primeiros momentos e que propiciou loas ao presidente da Petrobras, Pedro Parente, hoje é alvo das críticas.

Dolarizar o preço da gasolina, aumentando-o ou diminuindo-o de acordo com a oscilação do barril de petróleo no mercado internacional, criou por aqui uma gangorra, com remarcações quase diárias na bomba. O impacto no bolso de caminhoneiros foi jogado no colo de um governo que, ao contrário da administração Dilma, não represou preços. E isso tirou a Petrobras do buraco.

A fatura chegou com uma gigantesca greve que paralisou setores vitais. Agora, as concessões feitas ao setor do diesel motivam outras áreas a fazer exigências.

O horizonte sinaliza nuvens pesadas. Os cofres do Tesouro não suportarão estender benefícios a torto e a direito —uma política que quebraria a coluna vertebral que segura a economia. O afrouxamento do cinturão econômico ameaça desfazer a identidade reformista do governo.

Já a área social ressente-se do seu pequeno PNBF (Produto Nacional Bruto da Felicidade), a partir do desemprego em massa e parcos resultados que a economia joga em seu bolso. Se a locomotiva econômica dá sinais das dificuldades para puxar os vagões do trem —ainda mais com os efeitos deletérios da greve dos caminhoneiros—, a ruptura social é o desenho à vista.

O fato é que a administração não tem tido a capacidade de "fazer com que as coisas aconteçam" dentro de parâmetros de normalidade. A rigidez nas contas públicas começa a perder força, derrubada pela pororoca que aumenta as carências e corrói as esperanças do povo.

As elogiadas iniciativas governamentais —teto de gastos, reformas trabalhista e educacional, terceirização, recuperação da Petrobras e do Banco do Brasil, resgate da credibilidade do país— estão sendo empurradas para longe pelos destroços que a greve provoca no seio social. E se outros movimentos emergirem com pautas reivindicatórias e de difícil atendimento? De onde o governo vai tirar recursos para ajustar, ao mesmo tempo, os cinturões econômico e social?

E como agirá o terceiro cinturão, o político, que também se apresenta frouxo e esgarçado? Em ano eleitoral, os representantes adotam uma postura de resguardo, voltando-se (e até votando) contra um governo impopular. Não se pode contar com o cinturão político para ajudar o governo a aprovar medidas fundamentais ao crescimento.

Partidos, grupos, operadores de estruturas disputam espaços de poder em torno de uma Torre de Babel. Ninguém se entende. Não é improvável vermos o pleito de outubro com multidões nas ruas. O momento exige bom senso.


Gaudêncio Torquato: A verdade, não mais que a verdade

Atingir a honra de um cidadão fere a alma da Pátria. Preserva-se o "um por todos e todos por um".

Qual o sonho de cidadãos do bem? Cantar um Hino de Louvor à Pátria, fazer loas aos parlamentares, se orgulhar dos ministros das altas Cortes, aplaudir quem entrega a uma senhora idosa a bolsa caída na rua, ceder seu lugar no ônibus aos mais alquebrados, agradecer a Deus por viver numa Terra de gente digna, honrada e respeitada.

Ouçamos a delação espontânea de um brasileiro tocado pela chama do civismo.

O Brasil é a terra da ética, do respeito aos valores morais que dignificam o Homem e do cumprimento das leis. Ninguém se desvia da retidão. O caráter é imaculado, herdeiro de uma cultura alicerçada no bem comum, na solidariedade, no culto às tradições, na religiosidade, no respeito aos mais velhos e às crianças e na repartição justa dos bens.

Atingir a honra de um cidadão fere a alma da Pátria. Preserva-se o “um por todos e todos por um”.

O sistema federativo é harmônico. Recursos se distribuem igualitariamente entre União, Estados e Municípios, provendo as necessidades fundamentais da população.

A racionalidade administrativa gera riquezas para a Nação. O excedente exportado acarreta bilhões de divisas distribuídos pelas regiões produtoras e consumidoras.

O Congresso só vota leis fundamentais, cinco a seis leis por ano, como na Suíça. A política é voltada ao essencial. Nossa Carta Magna abriga diretrizes gerais, diferente de Constituições detalhistas, que atendem a setores, grupos, partidos, gêneros, regiões. Evita-se a proliferação de projetos de lei e emendas, a sociedade sabe do que precisa e o que é dispensável.

O dinheiro é gasto com parcimônia, cada tostão comprovado e de acordo com o se arrecada. Os governos mostram todos os centavos despendidos pelo país.

Quase inexiste burocracia. Tudo flui. Malfeitor vai para a cadeia. A apuração dos delitos é rápida e a Justiça decide sem delongas. Parlamentares são comedidos e não se expõem em demasia. Aqui, política é missão e não profissão.

Campanha eleitoral se faz com rigor. Empreiteiras, bancos, grupos econômicos nunca financiam campanhas. Não existe “caixa dois”, “propina”, “cincão, quinzão, trintão”, que designam percentagens de intermediação. Pedágio é parada na estrada e não “comissão”.

O brasileiro tem um dos maiores índices de qualidade de vida do mundo. Culto, educado, alimentado, com um dos maiores PNFs (Produto Nacional de Felicidade).

Cargos são distribuídos por mérito. As entidades se valem do pão cívico, alimento da Pátria.

Vaidades desapareceram, cedendo lugar à irmandade, ao companheirismo e à igualdade.

Nossos meios de comunicação lidam com a Verdade, sem dar vazão a mexericos, versões e denúncias grotescas, numa linguagem de decência e respeito.

O palavrão sumiu, a cordialidade marca a boa educação. Não existe desamor. A mãe é o símbolo da grande virtude, não o destempero dos bárbaros.

Essa é a verdade sobre meu povo e meu país.

* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação


Gaudêncio Torquato: As ondas eleitorais

O campo eleitoral costuma ser movimentado por ondas. Que circulam de cima para baixo e de baixo para cima, absorvendo climas, circunstâncias, discursos e canalizando esse conjunto de inputs na direção de potenciais perfis, principalmente candidatos a pleitos presidenciais. Em face da competitividade alcançada pela eleição deste ano, a atenção maior se volta para aqueles que pleiteiam o assento no Palácio do Planalto, razão porque figurantes estaduais, a poucos meses antes do pleito, não ganham tanta projeção quanto os protagonistas presidenciais.

As ondas ganham o empuxo do momento, empurrando para cima perfis que parecem responder às demandas imediatas da sociedade. As demandas, por sua vez, reúnem anseios, expectativas, frustrações do povo para com governantes e suas políticas, e contextos que levam em conta heranças do passado e esperanças do eleitor em relação ao futuro.

No caso do Brasil, a leitura do momento exibe um país que afundou na maior recessão econômica da história; a ascensão de um novo governante sob a decisão congressual de afastar a presidente; reformas – teto de gastos, trabalho, educação, terceirização etc- não suficientemente explicadas e entendidas pela sociedade; o maior processo de investigação da corrupção em todos os tempos, com envolvimento de altos empresários, políticos e governantes; prisão do líder mais populista do país; tentativa de um partido de tornar vítima seu líder maior e, dessa forma, retornar ao centro do poder, depois de 13 anos de comando do país; indignação social contra a classe política; volta de uma polarização do discurso que tem como lema “nós e eles”; dispersão do campo político; situação falimentar de Estados e Municípios; extrema violência que assola os quatro cantos do país; e precarização dos serviços públicos.

Essa é a moldura que está por trás dos agentes que se apresentam como pré-candidatos em outubro próximo à Presidência da República. Sob a influência de alguns traços do cenário, o eleitor faz suas primeiras escolhas. De um lado, um partido organizado, com militância aguerrida, que proclama todo tempo ter sido responsável pelo “melhor governo que o Brasil já teve em todos os tempos”, sem abrir ouvidos ao maior rombo do Tesouro por eles provocado no governo da presidente impichada. O “Salvador da Pátria”, mesmo preso, continua sendo elevado aos píncaros da glória, graças ao carisma que ainda detém. O que explica a margem histórica de 30% que lhe dão pesquisas de intenção de voto. De outro lado, emerge a figura que faz o papel de contraponto, um perfil de extrema direita, ex-militar que sustenta o discurso da ordem contra a bagunça, sob os lemas de “bandido bom é bandido morto”, “soldado bom é aquele que mata”.

Jair Bolsonaro, pois, é empurrado para o alto pela temperatura ambiental, enquanto Luiz Inácio está, como esteve antes, sendo impulsionado pela onda petista, muito forte mesmo contra ventos que levam o petismo para a profundeza oceânica. Será que ambos sustentariam seus índices até outubro? Lula está praticamente fora do jogo, eis que, mesmo sendo solto, deverá entrar na lama do ficha-suja. Tudo indica que será impedido pelo TSE e seu substituto não levaria seus votos. Bolsonaro representa a sociedade indignada, mas não o voto mais consciente e racional das maiores parcelas das classes médias. Terá poucos segundos de TV para fazer sua campanha.

Estamos divisando outras ondas carregando Joaquim Barbosa, Marina Silva e Ciro Gomes. Ondas revoltas. Quando o mar estiver menos agitado, será razoável supor que outros perfis poderão ascender na escada eleitoral. A decisão do eleitor muda segundo as circunstâncias. Por enquanto, os ventos do outono puxam os perfis. Aguardemos a ventania do inverno e o sopro do verão.

* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação