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Queimadas na Amazônia | Foto: Pedarilhosbr/ Shutterstock

Amazônia e Cerrado batem recordes de focos de queimadas para mês de junho

Lara Pinheiro*, g1

Amazônia e o Cerrado registraram recordes históricos no número de focos de queimadas para junho, segundo monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe).

Na Amazônia, foram detectados 2.562 focos de calor, o maior número para o mês desde 2007, quando 3.519 focos foram registrados. É o terceiro ano consecutivo de alta no número de focos de calor na floresta.

Os meses de maio e junho marcam o início da temporada de queimadas e desmatamento na Amazônia, por causa do período de seca na floresta. Em maio, o Inpe detectou 2.287 focos de calor na floresta, também um recorde histórico: foi a maior quantidade para o mês desde 2004.

Segundo os dados históricos, a tendência é que a quantidade de pontos de queimada na floresta aumente em julho e agosto. As medições são feitas desde 1998.

No acumulado do semestre, já são 7,5 mil focos de calor registrados na floresta, um aumento de 18% em relação ao mesmo período de 2021. A Amazônia também viu um semestre com a maior área sob alerta de desmatamento em 7 anos, ainda sem os dados dos últimos 6 dias de junho.

Em nota, o especialista em políticas públicas do WWF-Brasil Raul do Valle afirmou que "com Bolsonaro correndo atrás nas pesquisas, os grileiros, os garimpeiros e todos que navegam na impunidade" estão "sentindo que precisam correr para consolidar seus crimes, com receio de que um novo governo possa acabar com essa festa".

"É uma verdadeira corrida contra o Brasil e até o final do ano vamos ver o tamanho desse desastre", disse do Valle.

Nesta semana, um documento obtido pelo g1 apontou que o Ministério do Meio Ambiente do governo Bolsonaro colocou em risco a continuidade do Fundo Amazônia, criado há cerca de 14 anos para financiar ações de redução de emissões geradas pela degradação florestal e pelo desmatamento.

Cerrado

Já o Cerrado registrou ainda mais pontos de queimada em junho do que a Amazônia4.239 focos, o maior número para junho desde 2010, quando 6.443 focos haviam sido detectados. Também é o terceiro ano consecutivo de alta nos focos de queimada no bioma.

Assim como na Amazônia, a temporada seca no bioma também já começou: no mês passado, foram registrados 3.578 focos de calor no Cerrado, o maior número para o mês desde que o Inpe começou as medições, em 1998.

No acumulado do semestre, o Cerrado somou quase 11 mil focos de queimadas; o número é o maior para o período desde 2010.

Focos de queimadas no Cerrado no primeiro semestre (2010-2022)

Fonte: Inpe
Fonte: Inpe

Os dados históricos do Inpe também apontam que deve haver ainda mais focos mensais de queimada no bioma pelos próximos três meses. No ano passado, foram detectados 41.937 focos de calor no Cerrado somente no período de julho a setembro.

*Texto publicado originalmente em g1


O escritor e ambientalista Ailton Krenak foi eleito como membro da Academia Mineira de Letras nesta terça-feira (14/6) (foto: Neto Gonçalves / Divulgação)

Ailton Krenak é eleito para a Academia Mineira de Letras

Daniel Barbosa*

Com 36 votos do total de 39 votantes, o escritor Ailton Krenak, autor do best-seller "Ideias para adiar o fim do mundo", foi eleito como o novo ocupante da cadeira de número 24 da Academia Mineira de Letras (AML), vaga desde o falecimento do escritor e jornalista Eduardo Almeida Reis. A eleição ocorreu na tarde desta terça-feira (14/6) na sede da AML, em Belo Horizonte.

Tendo como patrona Barbara Eliodora, a cadeira 24 foi fundada por João Lúcio. Por ela também passaram Cláudio Brandão, Henrique de Resende, Sylvio Miraglia, além do já citado Eduardo Almeida Reis.

O jornalista Rogério Faria Tavares, presidente da AML, destacou que a chegada de Ailton Krenak à AML é um momento histórico, inédito no país: "A arrebatadora eleição de Ailton Krenak para a Academia se abre a uma inegável dimensão simbólica. Ela é uma reverência justa e devida à potente e fascinante cultura dos povos indígenas, uma das matrizes formadoras da nacionalidade".

Ele considera que a presença de Ailton Krenak na cena cultural brasileira é luminosa e inspiradora. "Seus livros conquistaram a todos pelo vigor de sua mensagem e pela beleza de suas palavras, sendo, hoje, traduzidos para mais de 13 países. São textos que nos alertam sobre como a humanidade está lidando com o meio ambiente e com o seu próprio futuro. Sua visão de mundo é poderosa, abrangente, inclusiva. Ler com atenção o que Ailton Krenak escreve é fundamental para compreender alguns dos dramas mais agudos que vivemos hoje", disse, em nota à imprensa.

ETNIA KRENAK

Ailton Alves Lacerda Krenak é um pensador, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro da etnia Krenak, cuja população chegava a 5 mil pessoas no início do século 20 – esse número foi reduzido a 600 na década de 1920 e a 130 indivíduos em 1989. Na época, Ailton alertou que “se continuar nesse passo, nós vamos entrar no ano 2000 com umas três pessoas”. Felizmente isso não aconteceu. Contando com esforços do próprio Ailton, os Krenak fecharam o século com uma população de 150 pessoas.

Nascido em 1953, no município de Itabirinha, no estado de Minas Gerais, na região do Médio Rio Doce, ele se mudou com a família, quando tinha 17 anos, para o estado do Paraná, onde se alfabetizou e se tornou produtor gráfico e jornalista.

Na década de 1980, passou a dedicar-se exclusivamente ao movimento indígena. Em 1985, fundou a organização não governamental Núcleo de Cultura Indígena, com o intuito de promover a cultura dos povos originários. À época da Assembleia Nacional Constituinte, uma emenda popular assegurou a participação do grupo no processo de elaboração da nova Carta Magna, momento em que Ailton assumiu ativo papel na defesa dos direitos de seu povo.

POVOS DA FLORESTA

Em 1988, participou da fundação da União dos Povos Indígenas, organização que visa representar os interesses indígenas no cenário nacional. No ano seguinte, integrou a Aliança dos Povos da Floresta, movimento que visava o estabelecimento de reservas naturais na Amazônia - onde fosse possível a subsistência econômica através da extração do látex da seringueira, bem como da coleta de outros produtos da floresta.

De volta a Minas Gerais, para viver próximo de seu povo, passou a realizar, na Serra do Cipó, por meio de sua ONG, o Festival de Dança e Cultura Indígena, cuja primeira edição remonta a 1998. O evento criado pelo Núcleo de Cultura Indígena se dedica a promover o intercâmbio entre as diferentes etnias indígenas e delas com os não índios.

Em 2000, foi o narrador principal do documentário “Índios no Brasil”, produzido pela TV Escola. Dividida em dez partes, a produção aborda a identidade, as línguas, os costumes, as tradições, a colonização e o contato com o branco, a briga pela terra, a integração com a natureza e os direitos conquistados pelos indígenas até fins do século 20. Entre 2003 e 2010, Ailton Krenak foi assessor especial do Governo de Minas Gerais para assuntos indígenas, durante as gestões de Aécio Neves e António Anastasia.

No ano de 2014, ele foi um dos palestrantes do seminário internacional “Os mil nomes de Gaia”, ocorrido no Rio de Janeiro sob organização de Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo do Museu Nacional, e Deborah Danowski, filósofa da PUC-Rio.

MOBILIZAÇÃO INDÍGENA

Em abril de 2015, durante a Mobilização Nacional Indígena, convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foi lançado um livro da coleção “Encontros”, da Azougue Editorial, que reúne diversas entrevistas concedidas por Ailton Krenak entre 1984 e 2013. Os textos foram organizados pelo editor Sérgio Cohn e contam com apresentação de Viveiros de Castro.

No dia 18 de fevereiro de 2016, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) concedeu a Ailton o título de Professor Doutor Honoris Causa, um reconhecimento pela sua importância na luta pelos direitos dos povos indígenas e pelas causas ambientais no país. Atualmente, ele leciona, nesta mesma universidade, as disciplinas Cultura e História dos Povos Indígenas e Artes e Ofícios dos Saberes Tradicionais, ambos em cursos de especialização.

Em 2018, Ailton foi um dos protagonistas de uma série na Netflix chamada “Guerras do Brasil”, que relata com detalhes a formação da nação ao longo de séculos de conflito armado, começando com os primeiros conquistadores até a violência na atualidade. Em 2020, conquistou o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano concedido pela União Brasileira dos Escritores (UBE).

DISTINÇÃO DA UNB

Em maio deste ano, ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília (UnB). A entrega aconteceu no dia 12, no auditório do Conselho Universitário (Consuni), que fica no campus Darcy Ribeiro. A data foi definida em memória do lançamento oficial da Aliança dos Povos da Floresta. Ele é o primeiro indígena a receber o título pela universidade.

O reconhecimento, um dos mais importantes da instituição, é condido a personalidades que tenham se destacado pelo saber ou pela atuação em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras ou do melhor entendimento dos povos. A recomendação da homenagem ao líder indígena foi feita pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam) da universidade e havia sido aprovada pelo Consuni em dezembro do ano passado, por aclamação.

“Eu acabei me constituindo como um sujeito coletivo, com experiência profunda de pertencimento a esta terra, a este território, desta parte do planeta a que nós nos apegamos de maneira tão determinada, que nós enfrentamos qualquer desafio para honrar essa Mãe Terra”, disse, emocionado, no discurso após receber a honraria, atribuindo este reconhecimento não à sua pessoa, mas a comunidade da qual faz parte.

Ailton Krenak é um dos mais proeminentes intelectuais brasileiros da atualidade e uma liderança histórica do movimento nacional indígena, com vários livros publicados, entre eles “A vida não é útil”, “O amanhã não está à venda”, “Tembetá” e “O sistema e o antissistema: três ensaios, três mundos no mesmo mundo” (escrito em colaboração com outros autores), além do já citado “Ideias para adiar o fim do mundo”. Atualmente ele vive na Reserva Indígena Krenak, no município de Resplendor (MG). 

*Texto publicado originalmente em Estado de Minas Cultura


Os impactos do garimpo ilegal no território indígena Munduruku

A invasão aos territórios é violenta, destruindo as florestas e os modos de vida das comunidades tradicionais que dependem de uma relação equilibrada com a natureza.

Por Marcos Pedroso

Além de invadir os territórios habitados há muito tempo por populações tradicionais, o garimpo ilegal destrói sua cultura e modos de vida. Isso acontece por meio das limitações a sua manutenção cultural, e ainda com o avanço de doenças e vícios trazidas por esses “novos colonizadores”.

Reconhecido pela FUNAI, o território dos Munduruku deveria ser preservado, a fim de garantir a segurança e o modo de vida dos indígenas. Porém, a investida dos garimpeiros ilegais nesse território tem crescido diante de um sentimento de impunidade, situação que pode agravar-se ainda mais caso seja aprovado o PL 191/2020, que prevê a regulamentação de mineração em terras indígenas.

Um estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais e o Ministério Público Federal (MPF) apontou que 28% da produção nacional de ouro possui evidências de irregularidades. O Pará é o estado campeão de ilegalidades, principalmente no entorno da terra indígena Munduruku. O estudo identificou 5,4 toneladas de ouro de origem ilegal (quase 18% do total produzido pelo Estado do Pará) apenas nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, onde se situam terras indígenas dos povos Munduruku e Kayapó.

Reação em cadeia
A antropóloga Deborah Goldenberg, estrategista de garimpo do WWF-Brasil, explica que a alteração do ambiente natural pelo garimpo provoca mudanças sociais e culturais na vida dos povos indígenas. “Quando essas populações vivem do modo tradicional, a vida delas é totalmente interligada com a natureza. É uma especificidade dos povos ameríndios de nem fazer distinção entre o mundo humano e a natureza, então tem toda essa interação com a natureza em várias camadas”, conclui.

Os indígenas, em sua maioria, são contra qualquer prática de mineração dentro de seus territórios. Essa postura tem levado a intimidações e ameaças por parte dos garimpeiros e são inúmeros os casos de violência física praticados contra as comunidades tradicionais, como destruição de suas casas, associações, embarcações e, em casos mais graves, mortes, a fim de intimidar e silenciar as populações locais.

Jacareacanga é a cidade que vivencia um conflito muito grande em decorrência do garimpo ilegal, principalmente nas terras tradicionais, o que têm gerado muito medo. “A gente aqui está acostumada com uma outra forma de viver e de lidar com a terra. Quando esses garimpos acabam entrando nos nossos territórios, a gente percebe o quanto eles são cruéis. A gente perde a nossa cultura, a gente perde o nosso bem-viver e a forma como a gente vê o mundo. Então, é uma destruição não só da terra, do meio ambiente, mas também é uma destruição de uma população, de uma comunidade que até então estava vivendo muito bem, em coletivo. Agora a gente só vê destruição pra tudo quanto é lado. As crianças não têm mais a liberdade brincar, de andar por aí livremente. Agora têm que se preocupar com as escavadeiras e com essas pessoas entrando em nosso território”, afirma Jéssica da Silva, moradora de Jacareacanga.

O professor Doutor em Antropologia, Rogério do Pateo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que, quando um garimpo é aberto, rapidamente forma-se um povoado, e, nesses locais, os índices de violência costumam ser superelevados. A violação das mulheres indígenas é outro problema sério, que vem acompanhado da disseminação de doenças sexualmente transmissíveis. “Há um processo de cooptar jovens para trabalhar no garimpo. Há abuso sexual, prostituição, alcoolismo, vários tipos de violência, e inclusive a distribuição de armas de fogo nas aldeias, o que acaba tendo um impacto nas relações entre elas", afirma Pateo.

Ainda segundo ele, o alcoolismo também é um problema muito sério que atinge os indígenas, ameaçando uma das bases fundamentais de suas vidas, a família. A formação de pequenos povoados nas áreas de garimpo nos territórios indígenas agrava ainda mais esse problema, pois a comercialização de álcool se intensifica nos arredores das aldeias.

O recrutamento de indígenas para trabalhar nos garimpos também resulta em problemas sérios de saúde. Ainda que, atualmente, as máquinas e instrumentos de garimpagem sejam mais desenvolvidas com o intuito de aumentar a produção, a extração de ouro continua sendo uma atividade que demanda muita força física. Geralmente os indígenas, que são recrutados pelos garimpeiros, desempenham atividades insalubres e, por conta disso, acabam desenvolvendo sequelas para o resto de suas vidas, chegando até à invalidez. Boa parte dessa força de trabalho indígena recrutada pelo garimpo volta para as aldeias, mas não consegue mais realizar as atividades fundamentais para manutenção dos seus modos de vida, como pescar, caçar e plantar.

A antropóloga Luísa Molina, que estuda os impactos da degradação socioambiental causada pelo garimpo no Tapajós, aponta ainda que o desmatamento aumentou muito na região do Alto Tapajós. “A terra indígena dos Munduruku esteve no ano passado [2020] entre as áreas mais desmatadas do país. E sabemos que lá no alto do Tapajós não tem outra atividade expressiva que possa ter provocado um desmatamento como esse a não ser o garimpo ilegal dentro dos territórios tradicionais”, ressalta.

Ao causar desmatamento, o garimpo também contribui para o aumento do número de casos de Malária, pois as piscinas de lama nas áreas de extração de ouro viram locais de reprodução do mosquito Anopheles, vetor do parasita Plasmodium, causador da Malária. Segundo dados do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, o número de casos de malária nas aldeias Munduruku aumentou mais de cinco vezes de 2018 para 2020, o que resultou em mais mortes de indígenas.

Você sabia?
Historicamente, os Munduruku são conhecidos por serem um povo guerreiro, sua cultura sempre teve forte influência em toda a Bacia do Tapajós. Atualmente vivem, na sua maioria, na porção alta da bacia, área conhecida como Mundurukânia, mas há aldeias em outras regiões próximas.

Os primeiros contatos dos Munduruku com não indígenas datam ainda no século XVIII, foi a partir desse período que as guerras deixaram de ser contra as aldeias inimigas e passaram a ser contra um inimigo mais perigoso, o homem branco colonizador, que veio para roubar as riquezas dos povos originários. Após muitos conflitos e resistência do povo Munduruku, houve um “acordo de paz” entre os exploradores e os indígenas, que passaram a viver nos aldeamentos missionários e passaram a coletar as “drogas do sertão”.

Com o Ciclo da Borracha ocorreu uma nova invasão à Amazônia, a procura pelo látex resultou em muitas invasões aos territórios indígenas, levando a deslocamentos forçados das populações indígenas.

O Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena da Apib aponta que “na História [brasileira], muitos povos foram dizimados pela livre circulação de doenças, como na época da invasão portuguesa ou durante a ditadura militar, em que muitas doenças foram usadas como armas biológicas para exterminar povos.”

O momento é urgente, acabar com o garimpo ilegal é uma questão de sobrevivência para as populações indígenas, cada vez mais ameaçadas. Por isso, junto a outros coletivos, lançamos a campanha Chagas do Garimpo, com o objetivo de engajar novas audiências contra o garimpo ilegal em Terras Indígenas e incidir no debate público. Seja um aliado dessa luta, inscreva-se em: https://chagasdogarimpo.com.br/ para receber mais informações sobre como agir.


Cristovam Buarque: Todas as florestas

Governo federal comete uma loucura irresponsável na Amazônia

Faz 20 anos, O GLOBO publicou o artigo “Um mundo para todos”. Nele, transcrevi a resposta à pergunta de um estudante durante palestra na cidade de Nova York, em setembro de 2000. O jovem perguntou: “O que pensa de internacionalizar a Amazônia?”. Antes que eu começasse a dizer “sou contra”, ele completou: “Quero opinião de humanista, não de brasileiro”.

Respondi que defenderia a internacionalização da Amazônia se antes fossem internacionalizados os museus, as armas, o petróleo, os patrimônios históricos, rios e florestas do mundo inteiro. Depois de uma longa lista do que julgava que deveria ser internacionalizado, concluí: “Quando a humanidade internacionalizar tudo isso, aceito debater a ideia de internacionalizar a Amazônia. Até lá, a Amazônia é nossa. Só nossa!”.

Graças ao artigo, a resposta foi traduzida em diversos idiomas e entrou na coletânea de “Cem discursos históricos brasileiros”, elaborada por Carlos Figueiredo. Anos depois, o fotógrafo Sebastião Salgado me disse que não gostava da última frase.

Ele estava certo. O discurso deveria concluir com uma frase adicional: “Mas, se não soubermos proteger a Amazônia, não merecemos, nem conseguiremos tê-la para sempre”.

A resposta ainda não tinha dimensão humanista, porque tratava a Amazônia como propriedade brasileira, sem perceber que ela é também patrimônio da humanidade, parte do Condomínio Terra. Tal qual os móveis de um apartamento, cujo dono não tem o direito de incendiá-los dentro de casa. O que está acontecendo com nossas florestas é a demonstração de insensatez nacional e irresponsabilidade com a Humanidade. Um patriotismo anti-humanista e suicida.

Ao negar a realidade visível da destruição de nossas florestas, o governo federal comete uma loucura irresponsável com o país e insensível com a Humanidade, levando a população mundial a tratar o Brasil como país perigoso para o futuro da vida no planeta, um país que pratica ecoterrorismo.

No lugar da mentirosa defensiva do presidente e de seu ministro do Meio Ambiente, deveríamos reconhecer nossos descuidos históricos, apresentar correções no cuidado de nossa biodiversidade e assumir posição ativa, propondo uma Conferência Internacional pela Preservação e Recuperação de Todas as Florestas do Mundo — nossas, africanas, europeias, russas, asiáticas e norte-americanas, cuidadas como propriedade do país e patrimônio da Humanidade.

Em vez de incendiários, poderíamos ser os promotores do respeito às florestas da Terra. É isso o que faríamos se ainda tivéssemos no comando do Itamaraty diplomatas do porte daqueles que articularam a Rio-92 e a Rio+20. No Ministério do Meio Ambiente, pessoas com a competência e o prestígio de José Goldemberg, Marina Silva, Carlos Minc e Izabella Teixeira.

Tudo indica que, em vez de tentar salvar o mundo, vamos continuar perdidos na incompetência e na insensibilidade, e o mundo perdendo a chance de sermos atores decisivos na proteção de todas as florestas do mundo.

*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília