Financial Times

FT diz que Bolsonaro é 'incapaz' e terá eleição difícil com economia fraca

Jornal britânico diz que as 'falhas' do presidente 'vão muito além da pandemia'

Eduardo Gayer / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O jornal britânico Financial Times publicou nesta segunda-feira, 1º, um duro editorial contra o presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o texto, intitulado As falhas de Jair Bolsonaro vão muito além da pandemia, o presidente se mostrou incapaz de gerir as crises econômica e social que assolam o País, cometeu prevaricação na compra de vacinas contra a covid-19 e terá uma “luta difícil” pela reeleição, diante de uma recuperação vacilante da economia.

“Ao entrar no último ano de seu mandato, Bolsonaro se mostrou incapaz de administrar a economia ou a pandemia, e a maior nação da América Latina está pagando um preço alto”, afirma o FT, que cita as mais de 600 mil mortes pelo novo coronavírus e diz ser “fácil” culpar o presidente pela magnitude da crise causa pela covid-19. “Suas tentativas de minimizar a pandemia como uma gripezinha, sua prevaricação sobre as vacinas, sua veemente oposição às restrições sanitárias e sua promoção obstinada de remédios duvidosos forneceram ampla evidência para os críticos”, destaca o jornal. 

A publicação britânica cita ainda os processos que podem ser enfrentados por Bolsonaro, como os pedidos de indiciamentos presentes no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. “Poucos presidentes em exercício enfrentam tantos problemas jurídicos quanto o líder de extrema direita do Brasil, Jair Bolsonaro”, afirma o jornal no começo do editorial. “A Suprema Corte está investigando alegações de que ele e seus filhos políticos espalharam notícias falsas deliberadamente. Ativistas ambientais querem que o Tribunal Penal Internacional o investigue por crimes contra a humanidade por seu suposto papel na destruição da floresta amazônica”, acrescenta. 

FT, no entanto, vê poucas chances dos casos prosperarem na Justiça, devido ao alinhamento ao Palácio do Planalto do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). “A Suprema Corte, por sua vez, reluta em provocar uma crise constitucional e levar um presidente em exercício a julgamento”, afirma o texto sobre o Supremo Tribunal Federal. '

'Farra de gastos'

Com a via judicial “bloqueada” por questões políticas, o jornal britânico aposta na economia como a pedra no sapato para os planos políticos de Bolsonaro. “A ameaça mais potente às esperanças de reeleição de Bolsonaro pode muito bem vir a ser econômica, em vez de legal”, avalia o editorial. “A rápida recuperação econômica do Brasil da pandemia está vacilando; alguns analistas estão prevendo que o crescimento ficará negativo no próximo ano. O mercado de ações está tendo sua pior performance desde 2014, o real enfraqueceu e o prêmio de risco do País subiu.” 

FT chama o plano do Executivo de pagar R$ 400 no novo Auxílio Brasil apenas em 2022 de “farra de gastos pré-eleitorais”. “A indisciplina fiscal do governo e o espectro da inflação de dois dígitos já levaram o Banco Central independente a aumentar as taxas de juros”, afirma o texto.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é lembrado como um ex-guru da ortodoxia fiscal e, hoje, como alguém que cedeu ao financiamento do programa social com viés eleitoral. A debandada de sua equipe após a alteração no teto de gastos também é citada. “Quatro de sua equipe renunciaram à decisão; Guedes pode vir a desejar tê-los ouvido com mais atenção”, diz o FT.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,financial-times-diz-que-bolsonaro-e-incapaz-e-tera-eleicao-dificil-com-economia-fraca,70003886558


Martin Wolf: Um acordo para pôr fim às ilusões do brexit

Saída do Reino Unido da UE é equivalente à promessa de Trump de 'tornar a América grande novamente'

Depois de quatro anos e meio dolorosos, chegamos ao fim do início do brexit. Temos um acordo. É, inevitavelmente, um acordo prejudicial para a economia britânica, comparado a continuar na União Europeia. Mas é muito melhor que a estupidez de nenhum acordo. Acima de tudo, ele mantém um relacionamento funcional com os vizinhos próximos e principais parceiros econômicos do Reino Unido.

Nenhum governo responsável deixaria poucos dias para as empresas se adaptarem às complexidades dessa nova situação. E o faria ainda menos no meio de uma pandemia. Esse continuará sendo um divórcio tolo e desnecessário. Mas a realidade do brexit poderá até trazer alguns benefícios.

A UE já deve ter visto alguns deles. Ela quase certamente teria sido incapaz de aprovar seu fundo de recuperação da pandemia de 750 bilhões de euros (R$ 4,9 trilhões) se o Reino Unido tivesse continuado à mesa. De agora em diante, a UE poderá avançar mais depressa na direção de seus objetivos comuns.

Para o Reino Unido, também, o brexit trará o grande benefício de separar a realidade da ilusão.
Algumas ilusões já desapareceram. Os defensores do brexit disseram ao país que seria fácil garantir um excelente acordo de livre comércio com a UE, porque ele tinha "todas as cartas na mão". Na verdade, mostrou-se bem difícil fazer isso, e o Reino Unido teve de fazer duras concessões desde 2016, notadamente sobre o dinheiro que devia à UE, a fronteira irlandesa e as exigências europeias de um "campo de jogo nivelado".

Essas ilusões eram sustentadas por outras. Entre elas estava a ideia de que o Reino Unido e a UE negociariam como "soberanos iguais". Sim, a UE e o Reino Unido são igualmente soberanos. Mas não são igualmente poderosos. A economia britânica é menos de 20% da europeia; 46% das exportações de mercadorias britânicas foram para a UE em 2019, enquanto apenas 15% das exportações europeias (excluindo seu comércio interno) foram para o Reino Unido.

A relação econômica entre a UE e o Reino Unido é mais como a do Canadá com os Estados Unidos. Como indica Jonathan Portes, do King's College, o acordo comercial imposto por Washington ao Canadá e ao México é bastante intrusivo.

A realidade é assimétrica. Este continuará sendo o caso nas muitas negociações com a UE que virão. Quando se lida com potências estrangeiras, especialmente mais poderosas, "recuperar o controle" é algo teórico.

Mas esse slogan também é ilusório em alguns outros aspectos. Em defesa, educação, habitação, saúde, desenvolvimento regional, investimento público e assistência social, o Reino Unido já tinha amplamente o controle. Mas a população britânica está prestes a perder valiosas oportunidades de fazer negócios ou viver, estudar e trabalhar na UE. Eles não vão "recuperar o controle" de suas vidas, mas perdê-lo.

Mesmo onde o controle será recuperado, em teoria, a realidade poderá chocar os partidários da saída da UE. Considere a imigração. Nos 12 meses que terminaram em junho de 2016 (o mês do referendo), a imigração líquida da UE mais fontes não europeias foi de 355 mil (com a emigração líquida de britânicos ignorada). Nos 12 meses que terminaram em março de 2020, a imigração líquida foi de 374 mil. A imigração líquida da UE despencou de 189 mil para 58 mil. Mas a do resto do mundo –sempre teoricamente sob controle britânico– explodiu, de 166 mil para 316 mil.

O Reino Unido preservou de fato um acesso relativamente favorável (embora marcadamente pior) para as indústrias, em que ele tem uma desvantagem comparativa, enquanto aceitou um tratamento substancialmente pior para serviços, em que tem uma vantagem comparativa. Na verdade, lutou mais duramente pelo controle da pesca, que gera 0,04% do Produto Interno Bruto britânico, do que por serviços, que geram o grosso do PIB.

Johnson prometeu que o país vai "prosperar poderosamente" mesmo sem um acordo. Mas virtualmente todos os economistas concordam que o Reino Unido ficará significativamente mais pobre em longo prazo, mesmo sob esse tipo de acordo, do que se tivesse continuado membro da UE.

Até mesmo a sobrevivência do Reino Unido está em dúvida. A Escócia e a Irlanda do Norte poderão deixar a União, a primeira para aderir à UE, afirmando que também quer "recuperar o controle", e a segunda para se unir à Irlanda e, portanto, também à UE. A Inglaterra poderá então ter uma fronteira com a UE no mar da Irlanda e no rio Tweed.

O brexit é, de muitas maneiras, o equivalente inglês à promessa de Donald Trump de "tornar a América novamente grande". Uma grande diferença é que, ao contrário do tempo de Trump como presidente, o brexit é para sempre. Parece quase certo que prejudicará permanentemente a prosperidade e a influência do Reino Unido. Mas só agora poderemos descobrir. Vamos olhar e aprender.

*Martin Wolf é comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves


Martin Wolf: Cinco forças do futuro pós-covid-19

Estamos em uma era de instabilidade. A pandemia não a criou, mas a deixou em mais evidência. A derrota de Trump dá ao mundo tempo para recuperar o fôlego. Mas os desafios são enormes. Em 2025, muitos ainda estarão presentes e, com certeza, serão ainda maiores

A covid-19 acelerou o mundo rumo ao futuro. Aqui estão cinco forças que estavam em ação antes da covid-19, se intensificaram durante a pandemia e ainda estarão afetando o mundo em 2025, e por bem mais além.

Primeira: tecnologia. A marcha da tecnologia da computação e das comunicações continua modelando nossas vidas e a economia. Hoje, as comunicações em banda larga, somadas ao Zoom e a softwares similares de videoconferência possibilitaram que um número imenso de pessoas trabalhe em casa.

Em 2025, é provável que uma parte, possivelmente a maioria, dessa transferência para fora dos escritórios seja revertida. A reversão, porém, não será completa. As pessoas terão capacidade (e permissão) para trabalhar fora do escritório. Inevitavelmente, isso incluirá não apenas trabalhadores nos próprios países, mas também no exterior, normalmente, com salários mais baixos. O resultado provavelmente será um aumento desestabilizador na chamada “imigração virtual”.

Segunda: desigualdade. Muitos trabalhadores de escritório de altos salários tiveram condições de trabalhar em casa, enquanto a maioria dos demais trabalhadores, não. Nos países ocidentais, muitos dos que foram mais afetados também fazem parte de minorias étnicas. Enquanto isso, muitos dos que já eram bem-sucedidos e poderosos prosperaram assombrosamente.

O mais provável é que as iniquidades exacerbadas pela pandemia não tenham diminuído em 2025. As forças que as enraizaram são muito fortes. O máximo que podemos esperar é uma modesta melhora. Isso, por sua vez, indica que as políticas populistas do passado recente continuarão a influenciar a esfera política em 2025.

Terceira: endividamento. O endividamento agregado cresceu em quase todos os países nos últimos 40 anos. Sempre que alguma crise interrompia a capacidade do setor privado de continuar captando, os governos se encarregaram de preencher a lacuna. Isso ocorreu depois da crise financeira mundial [de 2008] e, de novo, durante a covid-19.

A pandemia aumentou drasticamente a captação dos setores privado e público. Segundo o Instituto Internacional de Finanças [IIF, a associação mundial do setor bancário], a taxa de dívida bruta em relação à produção mundial saltou do já elevado patamar de 321%, no fim de 2019, para 362%, no fim de junho de 2020. Em tempos de paz, nunca houve um aumento tão gigantesco e súbito.

Felizmente, a dívida governamental agora está extremamente barata e as taxas de juros, nominais e reais, das dívidas soberanas de países de alta renda estão em níveis baixos. Mas seu excesso de dívida pode incapacitar partes do setor privado por anos.

Quarta: a desglobalização. O futuro plausível não é de extinção das trocas internacionais. Mas provavelmente elas se tornarão mais regionais e mais virtuais.

Depois da crise financeira mundial, o ritmo de crescimento do comércio exterior deixou de ser maior que o da produção mundial, como nas décadas prévias, e passou a ser praticamente igual. Essa desaceleração se deveu ao esgotamento de oportunidades, à ausência de uma liberalização do comércio global e à ascensão do protecionismo. A covid-19 reforçou essas tendências. Um resultado nítido tem sido o desejo de transferir cadeias de produção de volta par casa ou, pelo menos, para fora da China.

A crise também vem reforçando o regionalismo, mais notavelmente na Ásia. Um exemplo recente digno de nota é a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), que reúne os dez países da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) somados à Austrália, China, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul.

Por fim, estão as tensões políticas. Uma dimensão disso se vê no declínio da credibilidade da democracia liberal, na ascensão do autoritarismo demagógico em muitos países e no poder cada vez maior do despotismo burocrático da China. Outra se dá na ascensão do populismo em países ocidentais centrais, em especial nos EUA. Embora a vitória de Biden represente uma derrota para o populismo, a grande porcentagem de votos de Trump mostra que não desapareceu.

Talvez, o desenvolvimento geopolítico mais importante tenha sido a crescente tensão entre EUA e China. Isso está forçando os países a escolher um lado. Repito, a covid-19 acelerou esse afastamento. Trump culpou a China pela pandemia. Mesmo com ele fora de cena, muitos nos EUA compartilham desse ponto de vista.

Então, em vista de tudo isso, como o mundo poderia estar em 2025? Com sorte, as economias terão em grande medida se recuperado da pandemia. A maioria, porém, estará mais pobre do que teria estado sem ela.

No entanto, o maior desafio talvez exija uma cooperação mundial que não existirá. Sustentar uma economia dinâmica mundial, preservar a paz e administrar os recursos comuns supranacionais sempre será difícil. Mas uma era de populismo e conflito das grandes potências tornará isso muito mais difícil.

Estamos em uma era de instabilidade. A pandemia não a criou, mas a deixou ainda em mais evidência. A derrota de Donald Trump dá ao mundo tempo para recuperar o fôlego. Mas os desafios são enormes. Em 2025, muitos deles ainda estarão presentes e, com toda probabilidade, ainda maiores. (Tradução de Sabino Ahumada).

*Martin Wolf é editor e principal analista de economia do Financial Times


Martin Wolf : O desafio de um mundo e dois sistemas

O colapso, em aceleração, das relações entre China e os Estados Unidos é o fato atual mais significativo. Como deve ser administrado, em vista da interdependência mundial de hoje?

Três recentes provas revelam alarme em torno da ascensão da China ao seu atual status de "superpotência júnior" do mundo, nas palavras de Yan Xuetong, da Universidade Tsinghua. Uma é a campanha contra a Huawei, a porta-bandeira das ambições tecnológicas chinesas, que precisa ser vista no contexto da guerra comercial dos Estados Unidos com a China e da descrição americana desta última como "concorrente estratégica". A outra é um estudo da BDI, a maior associação industrial da Alemanha, orientada pelo livre comércio, que rotula a China de "parceira e concorrente sistêmica". A última é a descrição da China de Xi Jinping por George Soros como "a adversária mais perigosa dos que acreditam no conceito de sociedade aberta".

Este, portanto, é um ponto em torno do qual um governo americano nacionalista, adeptos alemães do livre comércio e um notável defensor de ideias liberais concordam: a China não é uma amiga. No melhor dos casos, é uma parceira incômoda; no pior, uma potência hostil.

Deveríamos concluir que teve início uma nova "guerra fria"? A resposta é: sim e não. Sim porque são muitos os ocidentais que pensam na China como uma ameaça estratégica, econômica e ideológica. Isso não vem apenas de Donald Trump, nem apenas do "establishment" de segurança, nem apenas dos EUA, nem somente da direita do espectro político: está cada vez mais se tornando uma causa unificadora. A resposta também é não, no entanto, porque as relações com a China são diferentes das mantidas com a União Soviética. A China não está exportando uma ideologia, e sim se comportando como uma grande potência comum. Mais uma vez, ao contrário da União Soviética, a China está integrada à economia mundial.

A conclusão é que uma hostilidade generalizada para com a China pode ser muito mais desestabilizadora do que a guerra fria. Se, acima de tudo, a população chinesa se convencer de que o objetivo do Ocidente é impedi-la de ter uma vida melhor, a hostilidade será incessante e inesgotável. A cooperação virá abaixo. Mas nenhum país atualmente consegue ser uma ilha.

Não é tarde demais para evitar um colapso desse gênero. O caminho certo é administrar relações que serão ao mesmo tempo competitivas e cooperativas e, assim, reconhecer que a China pode ser ao mesmo tempo inimiga e amiga. Em outras palavras, temos de abraçar a complexidade. Esse é o caminho da maturidade.

Surgiu uma nova grande potência, que nunca foi parte de um sistema dominado pelo Ocidente. É preciso uma combinação de competição e cooperação com a China em ascensão. Ou será o aprofundamento da hostilidade e a confusão crescente

Ao fazer isso, precisamos reconhecer que os Estados Unidos e seus aliados (se é que o primeiro ainda reconhece o valor destes últimos) possuem enormes pontos fortes. A ascensão da China foi assombrosa. Mas os Estados Unidos e seus aliados, em conjunto, gastam muitíssimo mais em defesa, têm economias maiores e respondem por uma parcela maior das importações mundiais do que a China.

Mais uma vez, a dependência da China em relação aos mercados nos países de alta renda é muito maior que a dependência dos Estados Unidos em relação à China. É provável que essas vantagens venham a durar porque a China está se afastando do caminho das reformas, como argumenta Nicholas Lardy, do Instituto Peterson de Economia Internacional, em novo livro, e, portanto, sua economia pode desacelerar acentuadamente.

Além disso, apesar da ascensão mundial do autoritarismo e do mal-estar pós-crise financeira, as democracias de alta renda continuam a ter uma ideologia da liberdade, da democracia e do Estado de Direito mais atraente do que a oferecida pelo comunismo chinês. Além disso, é evidente que os recentes fracassos do Ocidente são, esmagadoramente, autoinfligidos: não deveriam ser atribuídos a outros, por mais atraente que essa opção possa ser.

Diante disso, os EUA deveriam encarar sua própria situação com uma tranquilidade muito maior do que a China, desde que mantenham sua rede de alianças, principalmente em vista de sua localização geográfica e de seus pontos fortes econômicos. Se fizessem isso, poderiam também reconhecer que sua interdependência com relação à China é uma força estabilizadora, uma vez que fortalece o interesse de ambas as partes por relações pacíficas.

No mesmo sentido, os EUA reconheceriam que fazer causa comum com aliados, no contexto do sistema de comércio exterior regido por regras criado por eles, aumentaria a pressão sobre a China para que realizasse reformas. De fato, em entrevista em Davos, Shinzo Abe, o premiê do Japão, argumentou que a melhor maneira de lidar com a China é, exatamente, nesse contexto. Fazer concessões em apoio a um acordo mundial seria muito mais fácil para a China do que em reação a pressões bilaterais dos Estados Unidos. Se isso exigir reformas das regras da Organização Mundial de Comércio (OMC), também não seria problema.

A cooperação é tão essencial quanto a interdependência. Não podemos administrar o meio ambiente mundial ou garantir prosperidade e paz sem cooperar com a China. Além disso, se todos os países fossem obrigados a escolher um lado ou o outro, haveria, mais uma vez, profundas e custosas divisões entre os países e no âmbito de cada um deles.

Nada disso permite concluir que os países ocidentais têm de aceitar o que a China quiser. Tomadas de controle de empresas estrategicamente importantes podem ser, legitimamente, zona proibida, para ambos os lados. Simultaneamente, se houver de fato provas de perigo estratégico decorrente da presença de determinadas companhias dentro das nossas economias, deveriam ser tomadas medidas contra elas. Mas a palavra aqui é "prova".

Finalmente, e de maneira mais significativa para mim, é de fato vital, como sugere Soros, que protejamos nossa liberdade e a da população chinesa que vive nos nossos países de novo sistema chinês de "crédito social" e de outras formas de alcance extraterritorial, o mais que pudermos. Mas isso seria mais fácil de justificar se os EUA não fossem tão extraterritoriais também. Na verdade, a convicção dos EUA de que têm direito de impor suas prioridades sobre o mundo, por bem ou por mal, é altamente desestabilizadora.

Surgiu uma nova grande potência, que nunca foi parte de um sistema dominado pelo Ocidente. Em reação a isso, muitos estão tentando fazer com que o mundo ingresse numa era de competição estratégica desenfreada. A história sugere que isso é perigoso. O que é necessário, em vez disso, é uma combinação de competição e cooperação com uma China em ascensão. A alternativa a isso será o aprofundamento da hostilidade e a confusão crescente. Ninguém em sã consciência quer isso. Portanto, parem, antes que seja tarde demais. (Tradução de Rachel Warszawski)

*Martin Wolf  é editor e principal colunista econômico do FT.