Fernando Haddad

Fernando Luiz Abrucio: Para o País sair do pesadelo, é preciso oposição mais forte

É preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, como o da Brazil Conference neste sábado, mas também pela imprensa escrita e televisiva

Quem assistiu ao debate organizado pela Brazil Conference com cinco potenciais candidatos à Presidência da República –  Ciro Gomes, João Doria, Fernando Haddad, Luciano Huck e Eduardo Leite – teve contato com diagnósticos precisos e bem elaborados sobre a realidade brasileira. A despeito das diferenças políticas, e numa discussão que evitou a polarização tóxica, prioridades comuns foram destacadas: melhorar a educação, combater a desigualdade, criar um modelo de desenvolvimento sustentável, modernizar a gestão pública, fortalecer a saúde pública, em suma, sintonizar o País com os desafios do século 21.

O problema é que o Brasil está sendo governado por uma postura oposta. Vigora o negacionismo científico frente à pandemia, o descaso educacional, o desastre ambiental, a postura presidencial autoritária e a incompetência governamental. As luzes do debate de ontem se contrapõem ao pesadelo vivido pelo País hoje.

Mas 2022 pode repetir 2018, não se pode esquecer disso. Duas coisas podem evitar isso. Primeiro, todos devem estar contra Bolsonaro e aumentar sua pressão contra o presidente. O sofrimento diário dos brasileiros na pandemia precisa de uma oposição mais forte do que a atual. E a grande lição deste sábado: é preciso ter mais debates públicos, não só pela internet, mas também pela imprensa escrita e televisiva. Isso não pode ocorrer somente no período eleitoral de dois meses. Em boa medida, a falta de discussão política da última eleição favoreceu a escolha que gerou o pesadelo. Melhores ideias precisam vencer o populismo autoritário. 

*Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Gestão Pública da FGB-EAESP


Ricardo Noblat: Todos juntos contra Bolsonaro

 O primeiro debate entre aspirantes a candidato a presidente

O painel de encerramento da sétima edição da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento organizado pela comunidade de estudantes brasileiros de Boston (EUA), em parceria com o jornal O Estado de São Paulo, reuniu ontem, pela primeira vez, cinco aspirantes à candidato a presidente do Brasil na eleição de 2022.

O que mais uniu Ciro Gomes (PDT, os governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o apresentador de televisão Luciano Huck: duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo, embora todas elas feitas sem que perdessem o prumo.

Ninguém desafinou quanto a isso. O clima foi cordial entre eles, que defendem que é preciso “curar as feridas provocadas pela polarização política” e construir “um projeto de país” para barrar a eventual reeleição de Bolsonaro. As críticas mais ácidas ao presidente partiram de Doria, Ciro e Haddad.

Os três chegaram a taxar de “genocida” a atuação do governo no combate à pandemia do coronavírus. E apontaram como traços do comportamento antidemocrático do presidente sua revolta com decisões do poder Judiciário e as tentativas de interferir na Polícia Federal bem como nas polícias militares estaduais.

Doria: “Lembro que o Brasil responde por 12% dos óbitos (no mundo) e menos de 3% da população (mundial). Significa dizer que 270 mil brasileiros morreram não em função do vírus, mas em função da péssima gestão que se faz da pandemia. É preciso pressionar o governo para que acelere o ritmo da vacinação”.

Haddad: “Quando o presidente é acusado de genocídio, ele não está sendo ofendido, são dados objetivos que mostram que o governo brasileiro falhou na grave crise que estamos enfrentando”. E acrescentou “que a palavra genocida” não é modo de falar, mas “uma descrição” da conduta de Bolsonaro ao longo da pandemia.

Ciro não seria Ciro se não usasse palavras mais fortes para distinguir-se dos demais debatedores. Chamou o governo de “fascista”, e Bolsonaro de “genocida boçal”. E vaticinou que “o delírio do presidente é formar uma milícia para resistir de forma armada à derrota eleitoral que se aproxima”.

Leite e Huck preferiram se ater mais à questão ambiental. O governador do Rio Grande do Sul citou os sucessivos recordes nos índices de desmatamento na Amazônia em outras regiões, dados que a seu ver têm sido motivo de desprestígio para o Brasil aos olhos de outros países do mundo.

Houve um momento do debate em que Huck censurou os seus colegas. Foi quando disse: “Só estou enxergando narrativas pelo retrovisor, vendo dificuldade de olhar para frente. Temos que deixar de lado nossas vaidades e entender que, mesmo com o enorme potencial, o Brasil não deu certo”. Para quê falou isso…

Ouviu de Haddad em troca: “Olhar para trás é um aprendizado, não é de todo ruim”. Doria também afirmou que entender o passado pode ajudar a projetar adequadamente o que fazer no presente. Ciro declarou “que é preciso, sim, conhecer o passado para que os erros não sejam repetidos”.

Huck recuperou-se ao voltar ao tema do meio ambiente: “A Amazônia tem tudo para ser o vale do silício da biotecnologia global. Tem muito dinheiro na mesa. Estima-se que tem mais de 50 trilhões de dólares no mundo para serem investidos em energia limpa, investimentos que iam para petroquímica, óleo e gás”.

O debate terminou com um afago de Haddad em Doria e Leite: “Quero me solidarizar com os dois governadores que são do PSDB, mas que têm sofrido ataques indignos e intoleráveis. Queria manifestar o meu repúdio ao tratamento que os governadores em geral vêm recebendo. Todo mundo aqui merece ser respeitado”.


Época: FHC menciona 'mal-estar' por não ter votado em Haddad em 2018

Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso expressou certo arrependimento por ter votado nulo no segundo turno da última eleição presidencial que consagrou Bolsonaro

Sérgio Roxo e Gustavo Schmitt, Revista Época

1. O presidente Jair Bolsonaro se mantém com apoio de um terço do eleitorado e tem chance de ir ao segundo turno das eleições de 2022. Qual é sua análise sobre esse fenômeno?

Em primeiro lugar, ele ganhou a eleição. Tem muita gente que se sente representada por ele. O estilo dele, um pouco rude, aparece como uma coisa aberta, de sinceridade, uma certa raiva das elites e um sentimento de que o Brasil precisa de gente dura. Agora a situação econômica está ficando mais complicada por causa da pandemia. Mas acho que ele vai manter, de alguma maneira, um certo favoritismo, pode ser até reeleito.

2. Bolsonaro foi eleito com propostas liberais, mas promoveu intervenção na Petrobras. O senhor acha que ele vai abandonar de vez as propostas liberais?

Tenho a impressão de que ele nunca foi liberal. Tem uma formação militar. Eu conheço bem, meu pai era militar general, meu avô marechal. Ele expressa um pouco esse sentimento mais próximo do povo do que uma visão liberal que ele nunca teve. Num país como o Brasil, com tanta desigualdade, com tanta pobreza, se referir só ao liberalismo não resolve. Ele se elegeu não porque era liberal. Elegeu-se porque se identificava com o povo. Tinha capacidade de falar e tocava no interesse popular. Será que ele vai ser capaz de novo? É possível. É claro que essa pandemia é desagradável para qualquer um que esteja no governo. E ele trata mal a pandemia. Não é uma pessoa que tenha sentimento de sofrimento alheio. Depende de aparecer alguém que toque naquele momento o povo. Se não houver alguém que expresse um sentimento que diga “venha comigo e eu te levo ao paraíso”, o pessoal vai no Bolsonaro.

3. O senhor acha que há risco para a democracia brasileira se Bolsonaro for reeleito?

Fazer o quê? Pode ser reeleito. Nada assegura que a maioria esteja consciente de todos esses problemas. É preciso, durante a campanha, aumentar o grau de informação, debater mais abertamente e pegar aqueles pontos que são sensíveis à população.

4. Em 2018, o senhor votou nulo no segundo turno. Numa situação semelhante em 2022, com duelo entre PT e Bolsonaro, repetiria esse caminho?

Eu preferia não votar. Foi a única vez na vida que votei nulo. Não acreditava na possibilidade de o outro lado fazer uma coisa, que, no meu modo de entender, fosse positiva. Embora eu reconheça que o outro lado tinha mais sensibilidade social do que o Bolsonaro. Mas tinha medo que houvesse uma crise muito grande financeira e econômica e rachasse ainda mais o país. Só em desespero que se vota nulo. Tinha votado no Geraldo Alckmin no primeiro turno e fiquei sem ter candidato. E achei melhor que uma candidatura do PT, de uma pessoa que eu conheço até, me dou bem com ele, o Fernando Haddad. É uma boa pessoa, mas eu achei que ele era pouco capaz de levar o Brasil, naquela época. Hoje, deve ter melhorado. A pior coisa é você ser obrigado a não ter escolha. Ao não ter escolha, permite o que aconteceu: a eleição do Bolsonaro. Teria sido melhor algum outro? Provavelmente, sim. Pergunta se eu me arrependo? Olhando para o que aconteceu com o Bolsonaro, me dá um certo mal-estar não ter votado em alguém contra ele.

5. Mas em 2022 o senhor votaria no PT contra Bolsonaro?

Depende de quem do PT seria capaz de levar o país. Espero que não se repita esse dilema. Pouco provável que se repita. O PT perdeu muita presença. O Lula tinha uma imantação, que era do Lula, e não do PT. Não sei quem vai ser o candidato do PT. Mas eu prefiro que seja um candidato saído do PSDB, do centro, não necessariamente do PSDB. Porque acho que temos de fazer a economia crescer e, quando temos um candidato que é muito antimercado, como era sensação no caso do PT, há pouca chance de que o país se reconcilie consigo próprio. Nós somos hoje um país muito dividido. É preciso ter uma pessoa que seja capaz de unir esse Brasil. Mas que não tenha como propósito rachar. A sensação que eu tenho com o Bolsonaro é que, na cabeça dele, quanto mais rachado, melhor. Nós já estamos demasiado polarizados. Por enquanto, temos um polo só que é negativo: a favor do Bolsonaro ou contra. Não temos o outro. Quem for capaz de criar um polo que transcenda seu próprio partido e chegue ao povo terá meu voto, independentemente de ser do meu partido ou não. Prefiro obviamente que seja do meu partido.

6. O senhor acredita que a força política de Lula se esvaziou?

O Lula sempre foi uma pessoa muito inteligente, sempre foi mais da sensibilidade do que da razão. O Lula melhorou muito, aprendeu muito com a vida. Não creio que hoje — o Lula tem 75 anos — ele tenha a mesma energia para governar o Brasil. Não sei se há no PT alguém que tenha condições efetivas de substituí-lo. Não sei se o Lula vai ter... provavelmente terá capacidade de entender que não é a hora dele. Mas deve ter alguém que ele apoie. Ele apoiou da outra vez o Haddad. O Haddad é uma pessoa correta, que eu saiba, e governou a cidade de São Paulo. Ele é muito paulista. É muito difícil alguém que não tenha capacidade de ser diverso chegar lá com o voto. Estamos vivendo um momento de desânimo. Precisamos de alguém que anime o Brasil. O Lula foi capaz de ter algo disso naquela sua época, agora acho que precisa de alguma coisa diferente.

7. O senhor acha que o PSDB faz oposição clara ao governo Bolsonaro?

Não acho. Com o tempo, o PSDB virou um partido como os demais. O PSDB ficou mais dissolvido na geleia dos partidos. Mas existe ainda um sentimento no PSDB de que tem de fazer a diferença. Será capaz? Não sei. Depende de quem seja o candidato do PSDB. Pode ganhar eleição? Isso é outra coisa. Vai ser capaz de mudar o Brasil? A gente ainda tem umas dúvidas. Acho que falta um pouco mais de crença, de ideologia, para falar em termos mais tradicionais.

8. O senhor disse recentemente que todo político tem de encontrar um jeito de se identificar com o povo. A vacina seria um meio para Doria? Por que ele ainda não conseguiu transformar esse ativo em popularidade?

O pai dele era baiano, mas ele ficou muito paulista. E a vacina é um instrumento que ele tem grande e que é de interesse nacional. O problema do Doria é exatamente isso. Como é que ele vai se vestir de brasileiro e não só de paulista? É impossível? Não. Porque ele tem onde se apegar. Ele tem raízes. Já o Luciano Huck é diferente. Porque ele fala na televisão todo dia. Fala com todo mundo. Conhece o povo. O Luciano é o oposto do Doria. Só que ele não conhece a máquina, o mecanismo, o Estado. Mas tudo isso se pode aprender, não é uma coisa tão difícil assim. Já o rapaz do Rio Grande do Sul (Eduardo Leite), que é muito simpático, eu conheço menos. Não conheço o suficiente para saber se ele vai ter essa capacidade de se nacionalizar. Um candidato tem de ser nacional. Quem for candidato vai ter de simbolizar mais do que só a sua região. O Lula veio do Nordeste. Mas o Lula ficava à vontade em qualquer lugar. Era capaz de entender, de reagir à altura de seu interlocutor. Outras pessoas que eu não vou citar o nome não são capazes disso. Não conseguem ultrapassar.

9. O senhor está mandando recado para Doria?

Acho que o Doria tem de mostrar essa capacidade. Ele é baiano de origem. Agora, ele fez a vida em São Paulo. Eu acho que ele tem de demonstrar que é brasileiro. É mais do que paulista, mais do que empresário. Que é capaz de sentir. Tem de ouvir. E não é essa coisa de roupa. Não é isso. Tem de compreender as dificuldades. E não é só o Doria. Isso vale para todos que são candidatos.

10. Recentemente, Doria tentou assumir o comando do partido e acabou isolado politicamente. Como reação, parte dos deputados lançou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. O senhor acredita que esse movimento político colocou a candidatura de Doria em risco?

Olha, eu acho que está na hora de colocar a candidatura. Agora, vai ter mais de um candidato no PSDB. É bom que tenha. Porque começa a haver discussão dos nomes. Os candidatos têm de começar a existir fora do partido, na sociedade. Mas a escolha vai depender do desempenho, da capacidade que cada um tem de se mostrar. Quem escolhe o candidato não são os líderes do partido. Tem de ver quem é que tem capacidade de atrair gente. O candidato se faz. Os que são governadores mostraram que alguma capacidade têm. Os dois mencionados são de estados fortes — São Paulo e Rio Grande do Sul. Têm marca. Isso é bom, mas não é suficiente. Precisa ter marca com os outros. Os outros têm de reconhecer. Não adianta você querer ser. Os outros é que têm de querer que você seja. Caso contrário, você vai morrer querendo ser e fica com raiva de quem é e dos que vão ser. Os deputados têm importância, é claro. Mas eles não são cegos. Eles vão sentir se a própria eleição vai ser facilitada ou dificultada por tal candidato. Tem de convencer o eleitorado.

11. O PSDB vai acabar tendo de ir para uma prévia?

Eu acho que a prévia pode acontecer. É bom que aconteça. Nunca fui contra prévia.

12. Doria voltou a defender o afastamento do deputado Aécio Neves (MG) do PSDB por causa das denúncias de corrupção e disse que o senhor concordava. O senhor concorda?

Não estou de acordo. Acho que é ruim afastar o Aécio. Ele governou Minas Gerais e foi nosso candidato a presidente da República. Isso tem um valor. Não acho um bom caminho afastar alguém burocraticamente, ainda que seja possível do ponto de vista estatutário, mas não acho razoável. Acho que é melhor mantê-lo. Ele tem influência em Minas Gerais. É um estado complicado e difícil. Ele tem um enraizamento ali. E, ao optar pela expulsão dele, uma parte de Minas Gerais vai ficar contra. Não acho que seja o melhor caminho. Nem acho que Doria vai insistir nesse ponto. Porque se insistir, perde.

13. Isso não atrapalha a imagem do PSDB e coloca o partido num patamar muito parecido com o PT?

A imagem do PSDB está atrapalhada não só pelo Aécio. Não é único. Não adianta você imolar uma pessoa para salvar o partido. Eu não estou defendendo esse tipo de comportamento. Mas eu não creio que o caminho de expulsão seja correto, sobretudo porque ele foi candidato nosso.

14. O candidato a enfrentar Bolsonaro precisa caminhar pelo centro?

Eu acho que tem de caminhar pelo centro, mas o centro sem lado é inútil. Tem de dialogar com todos os campos.

15. Gostaria de ver Huck no PSDB?

Acho que primeiro tem de ter uma estrutura partidária razoável. O Luciano não tem nenhuma e vai escolher. Essa escolha é importante para a estruturação da campanha, e não para o voto. Tem de escolher um partido que tenha a capacidade, que seja irrigado por vários setores da sociedade para que você possa chegar a eles. Acho que o Doria já tem um partido. É suficiente? Não. Há o governador do Rio Grande do Sul, o Eduardo Leite. Ele pode querer ser. Não sei. Acho que seria melhor uma composição entre eles. É mais fácil, para ter vitória, haver uma composição entre eles. Se for um contra o outro não, vão rachar a base, o que é ruim, é negativo. E vão facilitar a vida do outro lado, que é o Bolsonaro.

16. O senhor quer dizer que seria importante uma composição entre Huck, Doria e Leite?

É isso o que eu quero dizer. Mas é difícil, porque há dois lugares só (na chapa, candidato e vice).

17. Mas para Huck seria bom entrar no PSDB?

Ele vai ter de calcular isso. Se vale a pena para ele. Para o PSDB é um candidato a mais. Mas o Huck vai ter de pensar em outra coisa. Qual é o partido que convém a ele? Será que é o PSDB ? Do meu ponto de vista, é. Mas o que vai prevalecer não é o meu, mas o ponto de vista dele. Nunca conversei com ele sobre isso.


Correio Braziliense: 'Não podemos deixar Bolsonaro sozinho na pista', diz Haddad

Ex-prefeito de São Paulo anuncia que o partido não vai esperar 2022 para pressionar pela vacinação, pela volta do auxílio emergencial e pela geração de empregos, áreas em que considera que o governo fracassou

Luiz Carlos Azedo e Denise Rothenburg, Correio Braziliense

Liberado pelo ex-presidente Lula para desfilar como pré-candidato do PT à presidência da República, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que representou o Partido dos Trabalhadores na última eleição presidencial, dá a largada à sua pré-campanha acusando o empresariado brasileiro de ter "contratado o caos" em 2018 ao apoiar Jair Bolsonaro em "troca de dinheiro miúdo" e alguns por "dinheiro graúdo", referindo-se à expectativa de privatização da Eletrobras e da Petrobras,que faziam parte dos planos de Paulo Guedes.

Nesta entrevista ao Correio, ele anuncia que o partido não vai esperar 2022 para pressionar pela vacinação, pela volta do auxílio emergencial e pela geração de empregos, áreas em que avalia que o governo fracassou. "Não podemos deixar Bolsonaro sozinho na pista", afirma Haddad, que considera Bolsonaro uma pessoa "perigosa". Quanto à rejeição ao PT, que levou o partido à derrota em 2018, ele considera que passou: "A rejeição ao Bolsonarismo já superou essa. Hoje, mais de 50% da população não quer a continuidade dessa loucura que virou o país, que é um país necrófilo, cultivando a morte, o desemprego, o desalento", diz. A seguir os principais pontos da entrevista.

O senhor já é o pré-candidato ou o PT pode apoiar outro partido?

Eu acredito que é natural que uma pessoa que tenha ido ao segundo turno de uma eleição presidencial seja lembrada pelo próprio partido. Mas nós sabemos que estamos lutando há muitos anos para provar a parcialidade do juiz Sergio Moro no julgamento do Lula. Entendemos que conseguimos recolher mais do que evidências. Recolhemos provas cabais de que o Moro agiu como chefe da acusação, o que é vedado por lei. Quero crer, até pela declaração de vários ministros, de que querem Justiça e não perseguição, que nós temos uma possibilidade de resgatar a democracia no Brasil. Não podemos abdicar da democracia. Não se trata de nomes, se trata de Justiça. Agora, o Lula, realmente, me pediu, conforme revelei, que não aguardemos isso. Não temos o mando dos prazos judiciais. Sabemos que a Justiça será feita, mas não sabemos quando. Temos que ter clareza que o Bolsonaro não pode ficar sozinho, em campanha, com um plano de ação atroz, que tem trazido tanta desgraça para o povo brasileiro. Esse é o sentido do meu afastamento da sala de aula para me colocar à disposição do PT até as eleições de 2022. Esse é o sentido, não deixar Bolsonaro só.

O senhor já deve ter uma proposta de programa esboçada. Quais seriam as três prioridades de debates nesta pré-campanha eleitoral?

Não podemos aguardar 2022 para pressionar o governo a vacinar as pessoas. Essa sabotagem que o governo Bolsonaro fez com a vacina e com o isolamento social, que trouxe tanto desemprego e sofrimento para as famílias brasileiras, será uma agenda das caravanas já em 2021, não vamos aguardar 2022 para discutir isso, emprego, renda e saúde pública. Não podemos deixar Bolsonaro sozinho na pista. Vamos discutir com a população a vacinação e o auxílio emergencial imediatamente. Agora, evidentemente, a economia brasileira está totalmente desorganizada e temos uma situação de queda brutal do investimento público, temos que encontrar espaço orçamentário para gerar emprego. É uma ilusão imaginar que vamos poder contar com o investimento privado em substituição ao público. Isso nunca aconteceu. Está aí o Joe Biden lançando um plano de US$ 2 trilhões para recuperar a economia americana, contrariando toda a cartilha neoliberal. Temos que ter clareza que precisamos gerar empregos no país e o PT é um partido que mais gerou empregos na história do Brasil. Foram 20 milhões em 12 anos, sabemos fazer isso. Obviamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem que ser reforçado, porque provou que é o instrumento que temos de política pública na área da saúde. E, lamento dizer, vamos encontrar a educação, que pouco se fala no Brasil, em situação de extrema penúria.

Como assim?

O Bolsonaro destruiu o sistema educacional brasileiro. Até como ex-ministro da Educação, teremos uma tarefa enorme de reconstruir o sistema educacional brasileiro. O Ministério da Educação se negou a coordenar ações das secretarias estaduais e municipais. Cada um está dando um tiro para um lado. Provavelmente, vamos ter uma pandemia de crianças e professores, que estavam antes resguardados. Não houve planejamento para a volta às aulas presenciais. O Ministério da Educação não deu nenhuma entrevista coletiva organizando o país na área educacional. Bolsonaro tem nomeado interventores nas universidades e institutos federais ao arrepio da lei, está cortando verba de ciência e tecnologia. O corte já chega a 70% do pico do nosso investimento. E a cultura está destruída no país. Não há financiamento para geração de empregos na área da cultura. Então, temos um desafio enorme nessas áreas que dialogam com o futuro, ciência, educação, artes, cultura.

Não seria tarefa dos estados organizar a volta às aulas presenciais nas escolas de ensino médio e fundamental, uma vez que esses níveis são atribuição deles?

A Constituição não diz bem isso. A Constituição diz que a União tem o papel de coordenador em todas as ações federativas. E, no caso da educação e da saúde, isso é textual: o governo federal nunca pode lavar as mãos. Nunca. Em área nenhuma. Na educação e na saúde tem uma recomendação expressa na Constituição. Os apoios técnico e financeiro são obrigações constitucionais da União frente ao SUS e aos sistemas educacionais.O governo Bolsonaro não fez nem uma coisa, nem outra. Nem o Pazuello, nem o ministro da Educação. Estamos no quarto ministro da Educação. Jamais se dispuseram a coordenar as ações com equipes de sanitaristas, epidemiologistas que pudessem fazer uma programação coerente. Estamos falando de um quarto da população que está em sala de aula. Não estamos falando de pouca gente. Mais de 50 milhões de brasileiros são estudantes, professores e funcionários de escola. Se somarmos as universidades, estamos falando de quase um terço da população.

Para 2022, seu principal concorrente é o juiz Sergio Moro, o único que, nas simulações de segundo turno, ultrapassa Bolsonaro. Isso deixa evidente que essa variável da Lava-Jato ainda tem peso nas eleições. Como lidar com isso?

Há uma confusão proposital entre combate à corrupção e o que aconteceu em Curitiba. No meu ponto de vista, o que aconteceu em Curitiba também pode ser classificado como corrupção. Do sistema de Justiça. Você não pode simplesmente perseguir politicamente uma pessoa como projeto político, não pode fazer isso. Eu, se fosse juiz, não perseguiria Bolsonaro por crimes ficcionais. Ele tem que responder pelos crimes que cometeu porque tem prova. Por exemplo, quando a gente acusa Flávio Bolsonaro pelo desvio de verba pública em gabinete, não é uma acusação feita ao léu. Você tem lá a conta-corrente, o dinheiro sendo transferido de uma conta para outra, inclusive envolvendo a esposa do presidente da República. Você tem um acúmulo de patrimônio que jamais uma pessoa como Bolsonaro conseguiria amealhar, patrimônio imobiliário, loja de chocolate. Ou seja, está feito um nexo entre uma coisa e outra. Agora, você não pode usar, corromper o sistema, para fazer política. É isso que juristas do mundo inteiro e, não sou eu que estou dizendo isso, condenam a maneira como o juiz Sergio Moro se comportou. Agora, toda a legislação anticorrupção é do nosso governo, todo o fortalecimento da polícia, do Ministério Público, é do nosso governo. Esse governo está fazendo o contrário. Está enfraquecendo o combate à corrupção. Então, não vai ser o juiz Sergio Moro que vai me ensinar uma coisa que eu sei de cor. Passei pelo Ministério da Educação com R$ 100 bilhões de Orçamento, passei pela prefeitura de São Paulo, com R$ 60 bilhões de orçamento, e você nunca ouviu de ninguém que não foi feito um combate pesado contra a corrupção. Inclusive, em São Paulo, desbaratei uma máfia do INSS, recuperei quase meio bilhão de reais para a cidade. O Moro é que tem se explicar.

Embora o senhor diga que Sergio Moro extrapolou, há uma rejeição ao Partido dos Trabalhadores. Como o senhor vai lidar com isso?

Primeiro, acho que a rejeição ao bolsonarismo já superou essa. Hoje, mais de 50% da população não quer a continuidade dessa loucura que virou o país, que é um país necrófilo, cultivando a morte, o desemprego, o desalento. Então, acho que vai crescer esse sentimento na sociedade, de que nós não podemos continuar assim. Como vai crescer também a compreensão sobre o que de fato aconteceu. Do meu ponto de vista, houve, efetivamente, a partir de um cartel de empreiteiras, a captura da direção da Petrobras, e, diga-se de passagem, diretorias que eram ocupadas por pessoas de carreira, com mais de 30 anos de casa. Não foi gente de fora da Petrobras que organizou o cartel das empreiteiras. Agora, se foi possível desbaratar aquele cartel, só foi possível pelo fortalecimento das instituições promovido pelos nossos governos, que é o oposto do que está sendo feito hoje. Então, acho que a gente tem que falar com muita transparência. Não podemos cair no erro da criminalização generalizada. Às vezes ouço falar, ah, a imprensa brasileira é uma porcaria. De que jornalista está falando? De qual veículo. Sabe? Quando começa a generalizar…

O senhor é a favor do impeachment?

Não fui a favor do impeachment em 2019, não falava disso. Agora, fui a favor quando ele cometeu crime de responsabilidade, e dois muito graves: um, participar de atos antidemocráticos. O presidente da República não pode fazer isso. É expresso na lei do impeachment: não pode atentar contra o exercício dos outros Poderes. O presidente da República não pode constranger os outros Poderes na base da violência, tem que argumentar. Não pode intimidar os poderes da República. Isso é crime previsto em lei e ponto. Tem que afastar. Dois, o que fez na crise sanitária. Para mim, é crime de lesa-humanidade. Se nós tivéssemos um presidente decente, teríamos menos de um terço das mortes que tivemos, seguindo recomendações de qualquer epidemiologista, qualquer sanitarista. Então, ele é, sim, responsável pelas mortes.

Na hipótese de impeachment, assume Hamilton Mourão. Qual seria sua posição em relação a um governo dele, que, de certa maneira, assumiria com o seu apoio?

Não, veja bem: quando fomos a favor do impeachment do Collor, à época, todos os partidos votaram a favor. O PT não aderiu ao governo do Itamar, embora o Itamar fosse uma pessoa proba e responsável. Assumiu a Presidência legitimamente. Não aderimos ao governo, com exceção da Erundina, que foi um caso isolado e que contrariou a orientação partidária. Permanecemos na oposição, mas sempre a favor da democracia. O PT não faz toma lá dá cá com governos liberais, de direita. A gente respeita a direita. É uma força política que tem total condição de disputar hegemonia na sociedade. O PT é o maior partido de centro-esquerda e não de direita. A direita tem todo o direito de existir, como nós temos o direito de existir. O impeachment não pode ser negociado na base do toma lá dá cá, tem que ser aprovado ou não seguindo a regra constitucional: cometeu crime de responsabilidade? Está matando brasileiros? Se insurgiu contra a democracia? É crime previsto em lei. Teríamos poupado, pelo menos, 150 mil vidas, se Bolsonaro fosse afastado há um ano. Em primeiro lugar, falamos, esse senhor não tem condição de gerir essa crise, vai arrebentar esse país. E olha o que aconteceu. Tudo o que dissemos no começo do ano passado, demonstrou ser a mais pura verdade. Ele é um homem destrutivo. Tem prazer nisso. É impressionante.

A preços de hoje, Bolsonaro tem uma vaga no segundo turno em 2022. O que leva o senhor a crer que o resultado será diferente de 2018?

O Bolsonaro só ganhou com base numa mentira: de que eu era o extremista que ele era. Mentiram para a sociedade. Vocês me conhecem há muitos anos. Comparar a minha biografia de professor, democrata, lutei pelas diretas, lutei pela Constituinte, fui para a sala de aula estudar o Brasil, estudar o mundo. Fui ministro da Educação, fui prefeito de São Paulo.

E na esquerda, uma eventual candidatura de Guilherme Boulos lhe ajuda ou atrapalha?

É óbvio que se nós pudermos estar juntos no primeiro turno, estaremos. Não há dúvida de que faremos o esforço necessário para estarmos juntos, mas quero lembrar que, em 2018, tinham quatro candidatos até o dia da inscrição de chapa e nós só conseguimos fazer aliança com o PCdoB e mais ninguém. No domingo da inscrição de chapa, às 23h, faltando uma hora para o término do prazo. Obviamente, a situação hoje é melhor, porque temos mais tempo para sentarmos à mesa e discutir. A situação está mais clara sobre o que de fato acontece no Brasil do que estava em 2018. Muitas informações foram reveladas e a solidariedade a Lula é muito maior hoje por parte dos partidos de esquerda do que foi em 2018. O drama que estávamos vivendo. A compreensão desse drama por parte das forças políticas é maior. E, quando falo maior, falo da centro-direita, que acordou para as ameaças que estamos vivendo. Então, acho que o quadro é outro. E podemos fazer um grande entendimento de que o candidato que for ao segundo turno, terá o apoio dos demais. E aí, um leque mais amplo do que o de 2018. É o que eu espero que aconteça. As pessoas têm todo o direito de ter o seu projeto e apresentá-lo no primeiro turno. É um direito. É para isso que tem dois turnos, para a pessoa se apresentar da forma mais adequada que considera, mas com o compromisso de, no segundo turno, derrotar o governo de extrema-direita que está no Brasil.

O senhor vislumbra um cenário de muitos candidatos em 2022?

Em 2018, tivemos 13 candidatos. Imagino que, com um ano e meio pela frente, a gente consiga ter menos do que isso, se a gente conversar e se conseguir se entender sobre o que está em jogo no Brasil. Digamos que podemos cair para seis candidatos. Mas o acordo de segundo turno precisa ter mais atenção da imprensa. É a sugestão que eu faço: ou seja, aqueles que votaram no Bolsonaro no segundo turno, em 2018, fariam o mesmo em 2022? A gente acha que precisaria explorar isso melhor para saber quem é democrata e quem não é no Brasil. Na minha opinião, quem apoia Bolsonaro hoje não tem grande compromisso com a democracia. Em 2018, poderia alegar ignorância, mas hoje não dá para alegar ignorância de quem é o Bolsonaro.

Na disputa pelo Senado, o PT apoiou Rodrigo Pacheco. Na Câmara, a decisão de apoiar Baleia Rossi foi disputadíssima na bancada. Outros partidos se dividiram. Como lidar com essas forças que implodiram?

Não acho que implodiram. Rodrigo Maia estava de saída. Achamos que ele perdeu muitas oportunidades de liderar o processo de contenção do bolsonarismo. Acredito que ele tenha, realmente, desperdiçado essas oportunidades. E hoje entendo melhor o porquê. Seu próprio partido o rifou. Ele deve estar de saída do DEM no próximo período. E o PT, então, de forma bastante disputada internamente, resolveu fazer um gesto, de ter um presidente da Câmara que não fosse bolsonarista para conter os ímpetos autoritários e antiestado do Bolsonaro. Fizemos um gesto que, na minha opinião, foi pedagógico. O que esse gesto demonstrou? Que a direita, na hora H, vai para o lado do Bolsonaro. Não aceitaram nem um deles para presidir a Câmara. Preferiram correr para o colo do Bolsonaro. Ficou muito escancarado que a direita não tem esse compromisso com a democracia, que ela batia no peito em 2018 para justificar não votar em mim. No Senado, foi algo bem diferente. Rodrigo Pacheco é um advogado, garantista, um cara centrado, que era o melhor candidato. Não era o candidato do Bolsonaro, como falam. In pectore, jamais o Bolsonaro escolheria uma pessoa como ele para presidir o Senado, mas acabou se rendendo à articulação que foi feita pelo Davi Alcolumbre, em torno de uma pessoa que agregava mais do que um candidato bolsonarista agregaria. Não foi propriamente uma vitória do bolsonarismo, ao contrário da Câmara, onde o fenômeno foi outro: o PT fez o gesto e a direita correu para o lado do Bolsonaro. Mas isso foi pedagógico, porque a população vai enxergando quem de fato é oposição a esse governo. O maior partido de oposição a este governo é o PT, não tenho a menor dúvida. É um partido grande, com mais de 50 deputados, que ainda tem densidade para se insurgir contra o Bolsonaro.

O Congresso está diante de dois fatos que vão balizar as duas Casas. Uma é a CPI da Saúde, que precisa ser instalada no Senado. E o outro é o caso Daniel Silveira. Qual sua opinião sobre essas duas questões?

A gente sempre testa as pessoas no cargo. A gente nunca sabe o que vai ser de alguém antes de a caneta estar na mão. Às vezes, o cara diz antes o que vai fazer, como o Bolsonaro disse. Mas é raro alguém dizer tudo o que vai fazer, infelizmente, porque as pessoas deveriam ser muito transparentes antes de assumir cargos de comando no país. Eu acredito que uma CPI da Saúde é necessária, porque a gente tem que estimar quantas pessoas morreram, quantas vidas foram ceifadas por absoluta responsabilidade do governo. Aí, vai se discutir a cadeia de responsabilização, se foi o Bolsonaro ou o Pazuello. Pelo menos, o ministro tinha que cair, porque ele é diretamente responsável pelo que fez. Comprar cloroquina, distribuir cloroquina, combater a vacina, não promover as encomendas necessárias para a gente estar em patamar de vacinação, não ter um gabinete de crise até hoje instalado, não coordenar as ações federais. Se isso não é improbidade, é melhor rasgar a lei, porque ninguém vai responder mais por improbidade nesse país, depois do governo Bolsonaro. Não existe improbidade mais. Ou a gente leva a sério o Brasil, ou vamos ladeira abaixo, como estamos indo. Por isso, acho a CPI da Saúde imprescindível e espero que ele (Rodrigo Pacheco) instale.

E em relação ao caso Daniel Silveira?

Prisão de parlamentar é sempre uma coisa delicada. É óbvio que esse deputado, em especial, está fustigando o Supremo talvez para provocar essa situação. Ele deu um palanque virtual bastante considerável, ele é uma pessoa das sombras, parece que já foi 90 vezes preso, segundo ele próprio. Se entendi bem o discurso dele, é uma pessoa que tem orgulho de ter sido presa 90 vezes. É uma pessoa das sombras que vem fustigando a Suprema Corte há muito tempo. Não sei se a medida mais correta é a prisão, mas, com certeza, a medida mais correta é a cassação do mandato. A quebra de decoro está caracterizada, de acordo com toda a legislação. Compreendo também que a decisão judicial da Suprema Corte tem que ser respeitada. Esse cidadão está nessa campanha, de promover ódio, de promover atentados contra a democracia, há muito tempo. Praticamente desde que tomou posse. Não sei o tipo de ameaça que os ministros vêm recebendo. Eu sei que vêm recebendo ameaças, contra a sua própria vida muitas vezes. Se amanhã se descobrir uma pessoa que está fomentando um atentado contra a vida do presidente da República, que é alguém que eu considero desprezível, sou a favor de que essa pessoa saia de circulação. Isso não é uma atitude de quem respeita a democracia. Existe lei e você não pode fomentar nenhum ato de violência contra uma autoridade constituída.

Como o senhor avalia o decreto das armas?

É outro caso que o Congresso tinha que sustar, via decreto legislativo. Onde vai parar isso? As pessoas precisam de vacina para salvar a economia. E a pessoa está preocupada em armar milicianos? Esse sujeito que foi preso, investiga a vida dele: deve ter algum parentesco ou ligação com o Adriano, que foi morto na Bahia; com o Queiroz, escritório do crime, essa turma. É muito sério o que está acontecendo. A gente precisa ler o livro do Bruno Paes Manso, sobre a república das milícias, para saber o que está acontecendo no Brasil. Temos na Presidência da República uma pessoa muito perturbada, que não tem nenhum compromisso com a democracia. Uma pessoa perigosa. Estamos falando de uma pessoa muito perigosa. Não sei se as pessoas estão atentas para isso, mas o perigo está à espreita. É muito grave.

Agora, ele tem dito que essas afirmações são feitas para tirá-lo da Presidência em 2022...

Semana passada falou em tirar de circulação os jornais. Ou seja, não tem dia que ele não atente contra a democracia. Foi passar o carnaval, com mais de mil mortos por dia, e passear em jet-ski em Santa Catarina. Que exemplo edificante ele dá sobre qualquer assunto? Está há dois anos e dois meses na Presidência da República. Não consigo ver um exemplo que se diga, aqui foi uma postura de presidente, aqui representa a alma do brasileiro. O que eu vejo é ameaça o tempo todo.

Como lidar com isso, num processo eleitoral que será tenso?

O empresariado brasileiro que apoia o Bolsonaro até hoje precisa botar a mão na consciência. Se o empresariado brasileiro não botar a mão na consciência e reconhecer que contratou o caos ao ocupar a Presidência da República com essa figura, a tensão vai aumentar. Eles precisam entender o que eles fizeram. Eles contrataram o caos. Contrataram o caos e por dinheiro miúdo. Alguns por dinheiro graúdo, Eletrobrás, Petrobras. Alguns estão de olho na compra na bacia das almas do patrimônio nacional. Mas eles contrataram o caos.

Além de ter que convencer o empresariado a pôr a mão na consciência, o PT também precisa convencer esse empresariado de que aquela situação que vivemos lá atrás, com petrolão e mensalão, não vai se repetir?

Vamos pegar o caso dos tucanos aqui de São Paulo, que governam o estado desde os anos 1990. Você tem Metrô, Rodoanel, Dersa, tudo capturado, todas essas empresas foram capturadas, você pode deduzir daí que uma figura que eu até defendi publicamente, o governador Geraldo Alckmin, estava envolvido com a captura dessas empresas? Se aparecer uma prova de que ele estava envolvido, prendam. Agora, você não pode supor que tudo o que aconteceu com aquele Paulo Preto foi sob o comando de uma liderança tucana, a não ser alguns que tinham contas no exterior. Esses precisam ser presos. Tem várias lideranças tucanas que precisam ser julgadas, porque há evidências absurdas, cartões de crédito e contas no exterior. É outro departamento. A questão do gabinete do Bolsonaro, estão lá as provas… Nada contra combater a corrupção. Mas vamos fazer isso de maneira adequada, de acordo com a lei, sem política, sem ideologia. Juízes imparciais, juízes honestos, não tem nenhum problema em avançar nessa agenda.

Em relação ao PT também?

Não tem nenhum problema, você tem milhões de filiados. Vamos pegar a igreja, um padre saiu da linha. Você defende a punição. Se você respeita a Igreja, sim. Eu respeito o meu partido, por isso defendo a punição. Tem prova contra um filiado do meu partido, paciência, eu lamento, mas eu não tenho compromisso com a coisa errada. Isso vale para a minha igreja, vale para o meu partido, vale para a minha família, vale pra todo mundo, pode ser meu filho, meu primo, meu sobrinho, errou, paga. Se eu defendo isso para a minha família, como é que eu não vou defender para a minha igreja e o meu partido? Essa coisa não existe comigo, essa questão não é partidária. Defendo que as pessoas do PSDB que não sejam culpadas, sejam absolvidas. Não posso desejar a punição para um adversário se ele não cometeu algum erro. Não quero isso para ninguém, seja de que partido for. Não quero saber, errou, paga; não errou, não paga. Tem uma lei, tem que cumprir a lei, ponto. Se você é contra a lei, lute para mudar a lei, mas enquanto a lei estiver em vigor, cumpra a lei.

E o ex-presidente Lula, qual será o papel dele daqui pra frente?

Lula nunca desrespeitou o Poder Judiciário, é bom que se diga isso. Ao contrário, ele isolava o que estava acontecendo em Curitiba do que estava acontecendo no resto do país. A briga do Lula é por justiça, não é contra A, B ou C. E o Lula, assim que estiver vacinado, está louco para se vacinar, ele já está com 75 anos, está esperando a vez dele, deve acontecer nas próximas semanas, ele se colocará à disposição do país, como sempre se colocou, para ajudar a construir uma saída.

Como fica a questão se o Lula for liberado pela Justiça para disputar as eleições?

Primeiro, vou seguir com as minhas ideias e o meu partido, independentemente da missão que me for dada. Segundo, se a Justiça chegar é muito justo que o PT reabra a discussão e o Lula possa ser candidato, que é o desejo de 100% da militância do PT. Por fim, não acho que vamos chegar ao que aconteceu em 2018. Eu estou saindo à rua, como todos os pré-candidatos, todo mundo está colocado. É um direito de cada cidadão se deslocar com segurança pelo país com uma mensagem, não sei no que isso pode prejudicar quem quer que seja, prejudicar as pessoas.

O senhor é considerado um petista light, o Lula não, é o Lula, é o PT raiz 100%, puro-sangue. Isso faz muita diferença numa disputa de segundo turno?

O único partido ao qual me filiei foi o PT e isso já tem bastante tempo. As pessoas conhecem o meu trabalho, sou a favor de que o homem público tenha sua vida passada a limpo, uma coisa é uma novidade, estou chegando agora; outra coisa é uma pessoa que tem 20 anos de vida pública. Não estou chegando agora, tenho 20 anos de experiência. Passei por cargos muito importantes, por um ministério que não era tão importante quando cheguei, mas deixei um dos maiores ministérios, mais importantes, senão o mais importante do país. Foram 8 anos só de MEC, mais quatro anos na maior cidade do país. Minha vida está aí para quem quiser virar do avesso, as decisões que eu tomei, polêmicas, não polêmicas, mas que eram polêmicas e deixaram de ser, porque se mostraram correta, a minha família, onde eu moro, os meus filhos, a educação que eu dei, tudo... O homem público tem que estar à disposição, com toda a transparência. Se eu sou mais light ou menos light, as decisões que eu tomei falam mais do que um discurso. Lula não saiu com 80% de aprovação por outra razão que não fosse a sua capacidade de diálogo, é um homem do diálogo, um homem que nunca se negou a sentar à mesa com quem quer que fosse para discutir o interesse nacional. Não me vejo dissociado disso. Não existe isso de o Haddad ser moderado, o Lula, não, como se pode inferir da pergunta. Ele é um homem de diálogo.

O senhor já tem uma experiência eleitoral em disputa com João Doria, no caso da Prefeitura de São Paulo, na qual o senhor foi derrotado. O que o senhor aprendeu com essa experiência e como o senhor lidaria com o Doria em 2022?

Em 2016, eu tive dois problemas muito graves: a situação em que estava o PT nacionalmente, que perdeu 60% dos votos no país, e na cidade de São Paulo, tinha duas concorrentes que foram prefeitas do PT, que deixaram o partido. A Luiza Erundina concorreu pelo PSol; e a Marta Suplicy, pelo MDB, que tomou o poder em 2016, a partir do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Esse cenário foi único e as pessoas não conheciam o Doria, que se vendeu bem. Eu não acho que esse cenário vá se repetir, menos ainda no Brasil. Uma coisa é a cidade de São Paulo, outra coisa é o Brasil. E eu acredito que as pessoas tenham se dado conta também do que ele representa em termos de compromisso social e democrático, das dificuldades que sofre dentro do próprio partido. Não acho que esse cenário tenha qualquer plausibilidade em 2022.

E o Luciano Huck?

Há sempre aquela solução do bolso do colete. Olha, celebridade é celebridade, às vezes, tem o carinho da população por ser celebridade. Mas eu acho que a política, mais ainda a Presidência da República, falo isso com toda a fraqueza. Eu sempre recomendaria tranquilidade. Obviamente, uma pessoa ter popularidade em razão de um programa de auditório, ser da Rede Globo, é uma coisa; presidir o país é outra bem diferente. Mas, conhecendo a direita como eu conheço, eles são especialistas em embarcar em coisas que pra mim soam como uma aventura. As pessoas acham que para representar o Brasil num campo de futebol tem que saber jogar bola, mas pra ser presidente da República não precisa entender de economia, direito, filosofia, não precisa entender de nada disso. Eu acho o contrário, acho que as pessoas têm que se preparar. Eu acompanhei muito uma pessoa extraordinariamente inteligente, que se preparou muito para chegar à Presidência, conversou com as maiores intelectualidades do país. Lula se preparou décadas para poder ser o maior presidente da história do país, segundo todas as pesquisas. Não dá, sinceramente, não acho prudente.

E o Ciro Gomes, há conversas ou já se afastaram a um ponto que não tem mais diálogo?

Fiz um esforço enorme, no primeiro semestre de 2018, para que ele se aproximasse mais do Lula. Infelizmente, fiz quatro tentativas, duas com o próprio Ciro, uma com o Carlos Luppi e uma com o Mangabeira Unger. Não foi possível. Acho que foi um erro. Depois, no segundo turno, houve aquela atitude de sair do país e não houve mais contato. Recentemente, Camilo Santana, que é um grande governador do PT, conseguiu promover uma primeira conversa lá no Instituto Lula, tomara que as coisas mudem pra melhor.


Afonso Benites: Direita se engalfinha e desfaz alianças enquanto Haddad, Huck e Moro seguem entre apostas para 2022

Eleição de presidente da Câmara expõe guerra interna do DEM e PSDB e embaralha xadrez para próxima eleição. Bolsonaro premia Centrão com ministério da Cidadania enquanto PT testa primeiro nome da esquerda à sucessão presidencial

Sem lideranças políticas naturais, a direita brasileira está esfacelada em compasso de espera pelas eleições de 2022. E a esquerda também, depois que o PT lançou a candidatura de Fernando Haddad como um balão de ensaio para testar o eleitorado. O presidente Jair Bolsonaro foi incapaz de criar sua própria legenda, a Aliança pelo Brasil, mas alcançou a proeza de embaralhar a miríade das outras composições partidárias que pretendem disputar sua sucessão. Com um cenário de candidaturas diluído, a máquina governamental nas mãos e um apoio na casa dos 30% da população já colocariam o presidente em um segundo turno.

Nas últimas semanas, Bolsonaro cooptou com cargos e recursos da União o Centrão, o fisiológico grupo de centro direita que atua no Congresso Nacional, implodiu o direitista Democratas e acabou estimulando um racha na sigla de centro-direita PSDB. Todo o processo tem como pivô a disputa pela Presidência da Câmara dos Deputados no início do mês, que terminou com a vitória do candidato bolsonarista e expoente do Centrão Arthur Lira (PP-AL).

Nesta sexta-feira, Bolsonaro concretizou parte do acordo firmado com o Centrão em troca de seu apoio por Lira. Ele nomeou o deputado federal João Roma, do Republicanos, para o Ministério da Cidadania em substituição a Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que foi deslocado para a Secretaria-Geral da Presidência da República. Roma é amigo e ex-assessor de Antônio Carlos Magalhães Neto, o presidente do Democratas que se aproximou do Planalto rompendo com o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ). Com o movimento, o mandatário começa a pagar a sua fatura em troca de uma base de sustentação legislativa. Ainda restam entre dois e três ministérios a serem entregues ao Centrão, o que deve ocorrer nas próximas semanas.

Os movimentos no xadrez político de Bolsonaro ocorrem a um ano e 8 meses da eleição. Mas, de pronto, já começaram a minar alianças que estavam sendo planejadas pelo campo autodenominado “direita democrática”. A principal delas foi a articulação feita por DEM, MDB, Cidadania e PSDB. As quatro legendas rascunhavam um acordo para seguirem juntas em 2022. Seu candidato seria João Doria (PSDB), o governador paulista que já foi aliado de Bolsonaro, ou Luciano Huck, o apresentador da maior emissora de TV do Brasil, a Globo, que paquerava uma filiação ao DEM ou ao Cidadania.

Implosão do DEM e racha no PSDB

A implosão do DEM afastou Huck dos democratas, mas há ainda a esperança do Cidadania de tê-lo em suas hostes. Além disso, dos 27 deputados do DEM, 6 disseram que apoiarão a reeleição de Bolsonaro, 14 não descartaram apoiá-lo e apenas dois disseram que não se aliarão ao presidente. Os dados foram levantados pelo jornal O Estado de S. Paulo. “O que o DEM tem dito é que não fechará nenhuma porta, nem mesmo a Bolsonaro. Se o presidente se moderar nos próximos dois anos, o DEM consegue se justificar e seguir com ele, caso contrário, pode tomar outro rumo”, avalia e cientista política Lara Mesquita, que é pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas.

No PSDB, Doria se sentiu forçado a marcar território. Tentou controlar diretamente a Executiva Nacional do partido, atualmente comandada pelo seu então aliado o ex-deputado Bruno Araújo. Mas os figurões da sigla reagiram e estenderam o mandato de Araújo para 2022. De pronto, Doria se enfraqueceu no processo, sinalizou que pode deixar a legenda e viu outro tucano despontar como potencial presidenciável: Eduardo Leite, o governador do Rio Grande do Sul que quer ser uma nova oposição a Bolsonaro. “O Doria é uma liderança de luz própria. Os velhos elefantes do partido não o veem com bons olhos. Ele é uma das pessoas mais pragmáticas da política brasileira. Tanto que se aliou a Bolsonaro para se eleger governador”, diz a cientista política Mariana Borges, pesquisadora em Oxford.

Outra legenda de centro-direita que está em busca de um nome que agregue outros apoios é o Podemos. Os dirigentes esperam que o ex-juiz da operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, anuncie sua filiação até o início do próximo ano. As conversas estavam adiantadas. Mas, nas últimas semanas, o que menos Moro tem feito é se preocupar com a política partidária, já que corre o risco de ter sua biografia ainda mais manchada, quando o Supremo Tribunal Federal está em vias de invalidar as decisões que ele tomou contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Para as duas pesquisadoras consultadas pela reportagem, ainda é cedo para os partidos definirem qualquer cenário. “Tudo ainda depende da economia e de como o Governo vai reagir à pandemia [de coronavírus]. Também tem de ser levado em conta a avaliação da população sobre os processos judiciais contra os filhos do presidente”, diz Lara Mesquita. A narrativa que Bolsonaro empregou na eleição de 2018, de ser um político antissistema também será posta a prova. “Ele está claramente adaptando o seu discurso extremista. Vamos ver até onde isso vai durar”, afirma Mariana Borges.

Da mesma maneira que a direita anti-bolsonaro, a esquerda também enfrenta severas dificuldades de articulação interna. O PT já colocou em prova sua hegemonia nesse campo na última semana, quando o ex-presidente Lula lançou a candidatura do ex-prefeito de São Paulo Haddad e disse para ele percorrer o Brasil em uma espécie de pré-campanha. O PDT se aproxima de uma aliança com o PSB para relançar o ex-governador do Ceará Ciro Gomes. E o PSOL sinaliza que deve seguir com o professor universitário Guilherme Boulos. Ou seja, seria a repetição dos três candidatos que foram derrotados por Bolsonaro na disputa passada. A diferença agora é que Boulos ganhou projeção nacional ao disputar o segundo turno com Bruno Covas pela prefeitura de São Paulo, a maior cidade do Brasil. “Os partidos estão se movimentando porque sabem que se não começarem a se movimentar, eles não terão um candidato do dia para a noite. O Bolsonaro, mesmo, ficou quatro anos fazendo campanha”, diz a pesquisadora Lara Mesquita.

Para Mariana Borges, uma das falhas da esquerda brasileira, especialmente do PT, é manter-se focada no Estado de São Paulo na hora de falar em candidatos, ignorando outras regiões brasileiras. Ela cita que, ao escolher Haddad, Lula deixa de lado lideranças baianas do partido, como o senador Jaques Wagner ou o governador Rui Costa. “Talvez apresentar um nome que não seja tão ligado ao Lula seria a alternativa para atrair os outros partidos de esquerda”, diz.

Outra conta que tem sido feita pelas legendas é a da cláusula de barreira. A partir de 2023, só terá acesso aos fundos públicos eleitoral e partidário quem atingir 2% dos votos válidos para a Câmara em nove Estados ou eleger ao menos 11 deputados. Atualmente, a doação eleitoral privada é proibida no Brasil. E é quase consenso entre os partidos que, sem uma candidatura presidencial como uma vitrine, dificilmente se elegem tantos deputados federais. Como o Brasil tem 33 partidos registrados, sendo que 24 têm representação na Câmara, a tendência é que haja uma disseminação de candidaturas presidenciais.


Merval Pereira: Por conta própria

‘Houve uma aproximação, até inadvertidamente, pois não tinha autorização do PT', diz Haddad sobre possível chapa com Ciro

O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, candidato derrotado do PT à presidência em 2018, está preocupado com a repercussão que teve a afirmação do ex-ministro Delfim Netto de que o PT traiu Ciro Gomes, viabilizando a vitória de Bolsonaro. “Me dou bem com o Delfim, é um interlocutor antigo, mas ele usou uma palavra que não faz o menor sentido. Nunca houve nenhum acordo com o Ciro para ser traído”.

Haddad admite que tentou uma aproximação com o PDT, e até que propôs que Ciro aceitasse ser vice de Lula para, sendo o ex-presidente impedido de se candidatar pela Justiça eleitoral, assumir a cabeça de chapa. Mas tudo em nome pessoal, sem o aval do PT.

“Houve uma aproximação, até inadvertidamente, pois não tinha autorização do PT, me reuni com o Ciro na casa do Chalita (Gabriel Chalita, ex-secretário de educação de Haddad em São Paulo) para conversar, para saber o que ele estava pensando”. No jantar, segundo relato de Haddad, Ciro dava como certo que o Lula não teria alternativa, e falou, inclusive, que o PT teria que fazer acordo com ele.

A certa altura, diz Haddad, o pedetista chegou a dizer: tenho tanto respeito por você, que, numa chapa nossa, nem importa quem vai estar na cabeça. “Claro que ele falou isso por diplomacia. Eu não sou bobo. O Chalita depois me chamou atenção para o gesto que o Ciro havia feito”. Haddad disse na ocasião que respeitava muito Ciro, e que ia tentar fazer essa aproximação com o PDT.

“Tentei manter as pontes. Tentei aproximá-lo e o Lupi (Carlos Lupi, presidente do PDT) do Lula, eles estavam muito distantes naquela ocasião”, recorda-se Haddad. Quando aconteceu a condenação do Lula, pouco depois desse encontro, Haddad diz que ligou para Lupi dizendo que Lula estava ressentido, pois não dera nenhuma ligação para ele. A meu pedido, relata Haddad, ele foi fazer uma visita pessoal ao Lula no Instituto.

A reunião com Ciro no escritório do ex-ministro Delfim Netto “não era para ser uma reunião política, mas para discutir projetos de desenvolvimento”, alega Haddad, que disse ter aceitado o convite de Bresser porque era o coordenador da área econômica do PT. “ Tanto que de petista só estava eu”.

"Apesar dos gestos que eu pessoalmente tinha feito de aproximação", argumenta Haddad, "não houve nenhuma tentativa de acordo para valer". Segundo relato do jornalista Mario Sérgio Conti na Folha de S. Paulo, que estava presente na reunião, tanto Haddad quanto Ciro Gomes “acham possível que o PDT e o PT formem uma chapa conjunta já para o primeiro turno, com Haddad como vice”.

Ele admite que teve uma conversa com Mangabeira Unger, professor de Harvard e ex-ministro dos governos Lula e Dilma, na presença de Carlos Sadi, professor da UFF e principal assessor do Mangabeira no Brasil, que fez uma tese sobre ele que foi orientado por Haddad. “Expliquei ao Mangabeira que seria muito difícil convencer Lula a desistir da candidatura, porque ele tinha a expectativa de que a ONU se manifestasse, e os advogados dele insistiam que havia possibilidades jurídicas, e ele estava com essa ideia fixa de que conseguiria viabilizar sua candidatura”.

"Mangabeira argumentou que a esquerda corria um risco enorme de perder, e eu fiz a proposta", alega Haddad, avisando que era a título pessoal: “O Ciro aceitaria ser vice na chapa do Lula para, em caso de impedimento, aí sim assumir a cabeça de chapa?”. Mangabeira disse que não aceitaria, nem ele achava que deveria aceitar.

Fernando Haddad diz que não desistiu de manter as pontes, e quando Lula estava para ser preso, ligou para seus amigos do PDT e falou: "Não vem ninguém do PDT aqui em São Bernardo?". (No Sindicato dos Metalúrgicos, onde Lula ficou até ser levado para a cadeia pela Polícia Federal). Haddad explica que estava pedindo “um gesto para aplainar o terreno, para ver se a gente conformava uma situação de campo (da esquerda), que defendo desde 2016”. Ele diz que desde a vitória de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos estava convencido de que a extrema-direita poderia estar no segundo turno no Brasil, e que era preciso que o “campo progressista” se unisse.

Quando perguntado se ele considerava na ocasião que uma chapa Ciro-Haddad poderia derrotar Bolsonaro, o ex-prefeito de São Paulo hesita: “Não sei. A onda da extrema-direita era muito forte”.


Demétrio Magnoli: Haddad, caso perdido

Petista retorna como sonâmbulo ao aposento de sempre e recoloca máscara de Lula

"Vocês repararam que o PSDB perdeu a quinta eleição seguida e a mídia conservadora jamais lhe pediu autocrítica?".

A indagação de Fernando Haddad, pelo Twitter, situa-se a meio caminho entre a alienação e a má-fé. A cobrança, que não se restringe à "mídia conservadora", relaciona-se às sucessivas vitórias eleitorais do PT, não à derrota recente.

A tão necessária revisão teria que incidir sobre a política econômica que elegeu Dilma duas vezes, às custas da maior recessão da nossa história, e à corrupção sistemática, que financiou três triunfos eleitorais. Mas, para fazê-la, seria preciso uma régua política estranha ao lulismo.

Haddad parecia a muitos, inclusive a mim, um potencial deflagrador da "refundação" do PT. Engano. Sua entrevista à Folha (26/11) prova que o discurso esboçado no segundo turno era teatro eleitoral.

O candidato, que engoliu a narrativa do "golpe do impeachment" por exatas três semanas, retorna como sonâmbulo ao aposento de sempre, recoloca a máscara de Lula e se exibe como líder do PT de Gleisi, Lindbergh et caterva.

Lula "teria ganhado a eleição", afirma o profeta Haddad, desafiando as evidências disponíveis. A operação de transferência de votos lulistas foi um sucesso, como atestam os resultados do primeiro turno.

Todos os indícios sugerem que, no segundo, o "moderado" Haddad obteve até mesmo os sufrágios de incontáveis eleitores refratários a votar em Lula. A profecia haddadiana não é um exercício de análise contrafactual, mas um truque retórico para a reinstalação da narrativa sectária.

Na entrevista, quando acusa o Judiciário e o Ministério Público de operarem sob "viés antidemocrático", Haddad retorna à lenda da conspiração universal contra o PT.

Nela, quando sugere que nossa democracia deu lugar a um "modelo híbrido", Haddad curva-se ao dogma inventado no impeachment, descrevendo o triunfo de Bolsonaro como a conclusão de um "golpe das elites". O disco de vinil riscado repete, aborrecidamente, seu verso mais tedioso.

Mano Brown compareceu ao comício de Haddad, na Lapa (RJ), para dizer que "o PT não está conseguindo falar a língua do povo". Naquela hora, Haddad deu "toda razão" ao rapper, antigo "companheiro de viagem" do lulismo. Mas, diante da Folha, esqueceu o episódio, atribuindo o triunfo de Bolsonaro à "elite econômica" que "abriu mão do verniz".

O círculo narrativo se fecha: a "elite", de "viés antidemocrático", impediu a vitória certa de Lula, concluindo o "golpe do impeachment" pela imposição de um "modelo híbrido".

O PT, puro e galante, organizará uma frente de defesa dos direitos sociais (a "frente popular", na linguagem emprestada do stalinismo) e uma frente de defesa dos direitos civis (a "frente democrática", na mesma chave de linguagem). De Haddad, não sai nada.

Recessão econômica? Corrupção nas estatais? Defesa do falido regime ditatorial venezuelano? O PT não tem nada a rever. "Depois de tudo que aconteceu, quase tivemos a quinta vitória consecutiva", comemora Haddad.

"Fomos vítimas de uma campanha de terrorismo cultural", explica o esboço de resolução da direção nacional do partido. Por isso, "a defesa do PT exigirá um trabalho profissional de reconstrução da imagem". É coisa para as turmas do marketing, da cenografia e da maquiagem.

A mistura fina de triunfalismo e vitimismo tem utilidade: serve para lacrar a direção lulista numa redoma higienizada, salvando-a da crítica de suas próprias bases.

Também tem consequências. O PT que não admite se reformar condena a esquerda brasileira a viver num gueto político e social, agarrada às reminiscências do lulismo.

Pior: a eternização de uma narrativa desmoralizada agrega nutrientes à lagoa fétida da extrema direita bolsonarista. O governo eleito tem tudo para dar errado. Mas, ao menos, tem no PT de Haddad a oposição de esquerda dos seus sonhos.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


José de Souza Martins: Macunaíma vai às urnas

Nestes dias, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, se prepara para a escolha do cacique que governará a taba chamada Brasil. Passa cuspe no pente para ajeitar o cabelo com que fingirá a boniteza de que carecem os que vão cortejar a urna donzela. Espera encontrar ali a muiraquitã mítica e sagrada para enfeitar-se ainda mais e iludir-se quanto ao que é e pode.

Na incerteza, talvez não encontre nem a si mesmo, perdido na extensão do território e na identidade fragmentada, moqueada desde o seu estranho nascimento para não degradar-se. Não nasceu, foi desovado, de repente, no meio da tiguera de uma roça antiga. Despencou, preto, de dentro do ventre de uma mãe sacrificial e se tornou branco à luz do dia tropical.

Seres de metamorfoses, continuamos sendo assim, macunaímicos, à procura da muiraquitã de nós mesmos. Serão dois os candidatos: Macunaíma e Macunaíma, espelho um do outro, que se fizeram reciprocamente, negando-se na intolerância que é a mesma em nome de causas opostas. Coisa da dialética da mesmice, do mudar sem sair do lugar, do caminhar cada vez mais para ficar cada vez mais longe do destino, como descobriu a macunaímica Alice do País das Maravilhas, inventada por Lewis Carroll, clérigo e matemático. É que Macunaíma não é apenas o herói local de nosso patriotismo difuso. Ele é universal. Ele ou ela? Sabe lá, Deus.

Macunaíma é criativo. Muito religioso, não tem religião. Foi batizado três vezes: numa pia batismal da Igreja Católica, nas águas do rio Jordão, lá na Terra Santa, por um pastor neopentecostal, e no tanque batismal por outro pastor neopentecostal, aqui na terra não tão santa. Qual batismo vale? Sacramento também macunaímico? Muda de água, muda de cor.

Ou que, em outra igreja, comunga para ser visto, pois é mais importante parecer do que ser. Coisa do duplo e contraditório que Macunaíma é. Já para não falar que um desses Macunaímas foi visitar um cardeal e assinar uma declaração de amor a valores conservadores e pré-modernos de família e de escola. Tem firmeza a promessa de quem não tem firmeza no batismo? Não faltou nem mesmo, diante de uma imagem de Cristo, o gesto no dedo no gatilho por parte de funcionárias da Cúria. Que Deus é esse, santo Deus?

Uma coisa é certa, apesar do Macunaíma que somos, Deus é mais ou menos brasileiro. Mostrou isso no primeiro turno das eleições, nos muitos banimentos do castigo eleitoral. Foi injusto em alguns casos, mas não em todos. De propósito, escolheu o Estado que leva o nome de uma das pessoas da Santíssima Trindade, o Espírito Santo. Um senador da província, pastor neopentecostal, apóstolo do endireitamento do Brasil, quase candidato a vice-presidente, preferiu tentar a reeleição. Esqueceu-se de que Deus atua também no varejo, não só no atacado do poder. Gosta mais de simples eleitores do que de ambiciosos candidatos.

O senador foi derrotado por um opositor gay, da Rede, de Marina Silva, partido de esquerda, tudo oposto ao que o derrotado é e quer que os outros sejam. Deus castiga. Desinverte o mundo invertido. Põe ordem no que a intolerância e o autoritarismo, adversos à democracia, viraram de cabeça para baixo. Na suposição falsa de que o mundo subvertido pelo uso em vão do nome sagrado é o verdadeiro mundo de Deus. Nesse processo, o magno saiu mínimo.

O trono republicano já está quase vago, à espera do traseiro que o ocupará. O que Macunaíma nele fará? Não se governa um país cheio de surpresas, como este, com o traseiro. Nem com grunhidos. A incerteza macunaímica nos sugere que é melhor rezar. Reler a Constituição também ajuda. Ficar de olho nos transgressores, cuidar para que as instituições sejam mantidas e respeitadas, doa a quem doer. O poder depende do cérebro. Já tivemos governantes de cérebro pequeno, em que cabia pouca coisa mais do que frases feitas, truques publicitários, lugares-comuns, inquietações prosaicas, expressões de uma pobre ideia de pátria, impatriótica. Nada muito diferente de conversa de botequim em fim de dia.

Macunaíma é, culturalmente, expressão do Brasil, mas não tenho certeza de que em sua incerteza constitutiva possa de fato personificar a pátria. A terra da muiraquitã dos nossos desejos, mas não necessariamente de nossas esperanças. São coisas diferentes.

O desejo é humano, a esperança é sobre-humana, pede humildade e renúncia, competência e coerência, respeito, sobretudo para compreender as enormes contradições de Macunaíma e nelas introduzir a gratuidade da luz do conhecimento e do discernimento. Esse é o mundo do espírito, avesso à coisificação e à precificação que o desfigura e trai. O espírito não é a mercadoria nem o dinheiro que escravizam. Antes é sua negação, a negação que liberta.

* José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de “A Sociologia como Aventura” (Contexto).


Demétrio Magnoli: Haddad, a história aberta

Uma leitura circunstanciada das sondagens eleitorais indica que Fernando Haddad, o Lula de reposição, é o favorito para subir a rampa do Planalto em janeiro de 2019. Bolsonaro dificilmente perderá uma vaga no segundo turno, pois as chances de Alckmin repousam apenas na esperança de que a propaganda eletrônica produza um milagre. Há tempo suficiente para os eleitores lulistas receberem a notícia da reposição —e quase 70% deles dizem-se prontos a seguir a ordem de Lula. No turno final, a rejeição a Bolsonaro elege qualquer adversário. A chance real de vitória situa Haddad numa encruzilhada histórica: ele deve optar entre inércia e ousadia.

A via inercial é a reiteração da narrativa negacionista adotada pelo lulopetismo desde 2016. O núcleo dessa narrativa encontra-se na qualificação do impeachment como “golpe parlamentar”, que tem repercussões para trás e para frente. Numa ponta, o PT recusa-se a fazer a crítica da política econômica dilmista. Na outra, consequentemente, rejeita o princípio do equilíbrio fiscal.

Marcio Pochmann, coordenador do programa econômico de Lula/Haddad, argumenta que o erro do governo Dilma não foi a política de explosão de gastos, mas sua reversão, em 2015, pela entrega do Ministério da Fazenda a Joaquim Levy. A tese insana foi assumida pelo próprio Haddad, que a expôs em entrevista a “O Estado de S.Paulo”: “Houve uma decisão de política econômica equivocada, com um ministro da Fazenda que expressava a ruptura do que tinha sido feito em 13 anos”. A acrobacia revisionista suporta o programa da restauração do dilmismo: abolição do teto de gastos, rejeição da reforma previdenciária, cancelamento da reforma trabalhista.

Criada para aquecer a militância na hora da derrota, a narrativa serve para a finalidade de angariar votos — mas não para governar. Na moldura da nova “crise dos emergentes” deflagrada na Turquia e na Argentina, nossa trajetória fiscal será punida implacavelmente pelas forças de mercado. Um Haddad triunfante à base do discurso populista reproduziria o estelionato eleitoral de Dilma, mas seu giro ortodoxo teria que ser operado em meio a um cenário econômico externo hostil. É uma receita para o desastre.

A depressão econômica foi contratada, desde 2010, pela deriva populista de Lula e Dilma. O recuo ortodoxo dilmista de 2015 foi um remédio tardio aplicado a um doente em coma. Lula, ele mesmo, admitiu os erros colossais de política econômica (atribuindo-os, todos, à sua sucessora), ao defender o nome de Meirelles para a Fazenda, logo após a reeleição de Dilma. O revisionismo histórico lulopetista inspira-se nas antigas enciclopédias soviéticas, que apagavam fatos e fotos inconvenientes. Pochmann, um doutrinário incorrigível, acredita nele. Já Haddad não crê em bruxas, como indicam suas declarações semiprivadas a interlocutores do meio empresarial e do mercado financeiro. Nesse contraste, mora uma possibilidade.

O PT desceu à trincheira do populismo para escapar a um encontro com o futuro. A “era lulista” chega ao fim, como resultado da catástrofe dilmista, do impeachment e da condenação de Lula. O revisionismo negacionista é uma tentativa agônica de conservar um mundo de certezas partidárias que se dissolve. A prolongação artificial do lulismo num hipotético governo Haddad atiraria o país numa espiral caótica similar à que capturou o Estado do Rio de Janeiro. O vórtice consumiria, junto, o PT.

A saída existe, mas depende da integridade política e da independência intelectual de Haddad. O candidato inventado no laboratório lulista tem a oportunidade de corrigir a narrativa ainda durante a campanha eleitoral, falando em público aquilo que fala entre quatro paredes. O reconhecimento franco de um certo número de realidades ancoraria as expectativas do mercado, estabeleceria as fundações de um amplo acordo anti-Bolsonaro no segundo turno e eliminaria o espectro do estelionato eleitoral. Paralelamente, reconciliaria o PT com o futuro, inaugurando o pós-lulismo. Haddad pode ousar, refundando a esquerda brasileira, ou optar inercialmente pelo destino de Dilma.


El País: “A ideia de uma chapa com Ciro não morreu na praia. Está na ilha ainda”, diz Fernando Haddad

Atual coordenador do programa de Governo do PT, Haddad fala da simpatia pelo pedetista. Promete política de redução de spread para baixar juros de bancos e taxação de heranças e
faz críticas à mídia que teme censura com regulação, mas tem atitude de “censor”

Por Carla Jimenez, do El País

O ex-prefeito Fernando Haddad saiu do Paraíso. O bairro em que viveu enquanto foi prefeito de São Paulo, e onde era frequentemente visto passeando com seu cachorro Stick, agora faz parte do passado. Mudou-se para o Planalto Paulista, também na zona sul da cidade, e se instalou com a família na casa de arquitetura modernista onde cresceu com os pais. “Minha mãe me disse que, se eu não viesse para cá, ela ia vender o imóvel”, comenta Haddad, atual coordenador do programa de Governo do PT e da campanha de Lula à presidência da República. Nos últimos dias, a casa modernista viveu um entra e sai de jornalistas após o partido publicar as linhas gerais do programa aprovado pelo ex-presidente petista para ser adotado em um eventual Governo do seu partido.

O PT espera que seja o próprio Lula a governar o Brasil, se o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral permitirem que ele seja candidato, e a sua enorme intenção de voto se transforme em realidade. Mas é Haddad quem está dando a cara, neste momento, ao anseio do partido de voltar ao poder. O ex-prefeito está treinado para negar as especulações sobre o seu nome. “Só existe plano A [com Lula candidato na cédula]”, repete ele sistematicamente, numa frase pouco crível para quem tem como mentor um animal político como Lula. Pelo sim pelo não, a realidade vai se impor no próximo dia 17 de setembro, data limite para o TSE dar o veredito para o futuro de Lula e do PT nesta eleição. Faltarão, então, só 20 dias para o primeiro turno da eleição, quando ou ele ou outro nome do partido deverão se apresentar no lugar do ex-presidente. Ou, como alternativa, apoiar outro candidato.

Pergunta -  Você, como coordenador da campanha do PT à presidência, e diante da possibilidade de que o PT tenha de escolher um nome para suceder Lula, é naturalmente associado ao papel de sucessor a candidato do ex-presidente caso ele seja impedido de concorrer.
Resposta. Essa conversa não existe dentro do PT.

P. Por enquanto.
R. Nem existirá. O PT vai registrar o Lula dia 15 [de agosto] e vai lutar, tanto no TSE, como no Supremo, para viabilizar a candidatura dele. Esse é o plano A e único.

P. [O ex-secretário de Cultura e ex-vereador] Nabil Bonduki escreveu um artigo na Folha nesta terça, cobrando do partido que seja coerente com a própria tese do golpe de que o Lula será impedido de concorrer, sugerindo que outro nome seja apresentando, pois faltam 75 dias para a eleição. Não faz sentido?
R. Mas o que sabemos... A jurisprudência do TSE consolidada até aqui garante o registro pelo artigo da lei eleitoral. Por que daríamos como certo que essa jurisprudência irá mudar? Essa é a pergunta que o Lula se faz e eu me faço. Por que vamos dar como certa a mudança da jurisprudência até aqui?

P. Porque a Justiça não tem sido...
R. Imparcial?

P. Garantista, como foi até pouco tempo atrás.
R. Sim, mas se o que você está dizendo é verdade, menos ainda podemos convalidar uma mudança completa de postura em relação aos processos.

P. Se esse processo demorar, e estiver muito em cima, não sei até que ponto o TSE pode estender a resposta a esse processo. Corre o risco do PT ficar fora de uma eleição? Com tão pouco tempo de troca?
R. Não posso antecipar movimentos do Judiciário. Quem poderia esperar que o TRF-4 agisse como agiu, em relação ao Lula, aos prazos, à tipificação do crime de lavagem de dinheiro que, para dizer o mínimo, foi absolutamente inovador? (Haverá) taxação progressiva sobre bancos. (...) Os bancos serão induzidos a reduzir as taxas de juros

P. Se Lula for candidato, como se vislumbra uma campanha? Ele é um nome conhecido, mas você, a Gleisi Hoffmann, seriam o rosto durante este período, tendo em vista que ele não vai poder gravar programa?
R. Em algum momento alguém vai ter que dar uma resposta para a questão democrática, pois no fundo é isso que está em jogo. A própria imprensa tem provocado o Judiciário no sentido de garantir o direito a livre manifestação, de liberdade de expressão. Transbordou a para esfera dos próprios fundamentos da democracia. Outro aspecto a ser considerado.

Ciro e coligações
P. Falamos sobre Lula liderando pesquisa, mas existe um percentual alto de eleitores que não querem votar em ninguém. Como o PT pretende abordar este eleitor?
R. Estamos vivendo uma crise institucional pós-golpe. E isso trouxe feridas, afetou a vida das pessoas. Precisamos fazer uma refundação democrática. Eu creio que a campanha, se for bem traduzida programaticamente, desperta esperança nas pessoas, e elas comparecem. Mas nesse momento não sei avaliar o quanto uma campanha de 30 dias vai afetar o humor das pessoas.

P. E as coligações, quais as possibilidades?
R. Eu não estou acompanhando pessoalmente as conversas, mas sempre defendi desde o ano passado que os canais com PDT, PC do B, PSB, PROS, estejam sempre desobstruídos, porque pode acontecer na etapa final uma confluência, que eu espero que aconteça.

P. Ciro chegou a falar que uma chapa junto com você seria um dream team. Essa ideia morreu na praia?
R. Não sei se se aplica o termo morreu na praia. Não saiu nadando, está na ilha ainda [risos]. Eu fui contemporâneo do Ciro na Esplanada dos Ministérios, mantenho com ele até hoje excelentes relações, e me aproximei muito do Cid quando ele foi governador. Então tenho muito respeito e admiração pelos Ferreira Gomes. São pessoas de valor, e essa afinidade acaba gerando este tipo de desejo, o que é natural. Nós incrementamos o mercado de massa, fizemos também bons trabalhos, mas não fizemos tudo. Por isso queremos voltar a governar

P. Você diz que não existe no PT uma conversa sobre os potenciais nomes para substituir o Lula. E existe um debate sobre se unir ao PDT na reta final?
R. Eu vejo declarações de simpatia mútua. Sempre estivemos juntos, desde os tempos do Brizola [Leonel Brizola, ex-governador do Rio].

P. Então não é algo improvável essa união...
R. Uma coisa que é importante para nós é a candidatura do Lula, que lidera as pesquisas e que seria eleito talvez no primeiro turno.

P. Mas esse é o plano A...
R. O problema é que se os partidos não estiverem coligados até o dia 5 de agosto, data final para as convenções, não poderão mais estar coligados dia 17 de setembro. Esse é o problema. É um problema legal.

P. E se no dia 17 de setembro o TSE diz que Lula não pode ser candidato, o que o partido fará? Abrirá mão da candidatura ou apoiará outro candidato?
R. Sem coligação pode [apoiar outro]. Como exercício jurídico pode.

P. Mas como exercício político... O PT como protesto abrir mão de sua candidatura caso Lula não possa disputar.
R. Como exercício de futurologia...

P. É uma realidade que vai se impor, não é futurologia.
R. Não sei te responder.

P. Você diz que não se fala em plano B no partido. Mas se fala muito no nome do Jaques Wagner e no seu. O partido vai aguardar até os 45 minutos do segundo tempo pra elaborar o plano B?
R. Eu desconheço. Não tenho conhecimento disso.

Fórmula para retomar a economia
P. Falando dos planos do partido. O país vive uma necessidade urgente de retomar a economia. O que vocês enxergam como caminho par retomar o investimento?
Eu consegui grau de investimento na cidade de São Paulo. Não foi a direita. A direita quebrou a cidade. Tem muito investimento travado por incompetência do governo. Você pode reativar muitas parcerias público privadas, muitas joint ventures de empresas estatais, concessões, sem dificuldade. Dou um exemplo. Queremos trocar toda a iluminação publicado do país por LED. Isso se faz sem custo. Com a economia de energia elétrica você paga o investimento privado.

P. A expansão de crédito está contemplada no programa do PT de que forma?
R. Há um projeto de indução de redução de spread (diferença entre os juros que os bancos pagam para captar recursos e o que cobram de seus clientes na hora de emprestar), por meio de taxação progressiva sobre bancos. Instrumento pelo qual obrigaremos o sistema a reduzir o spread, gradativamente. Os bancos serão induzidos a reduzir as taxas de juros praticadas em todas as linhas de crédito: cartão de crédito, cheque especial e capital de giro. Tem muita gente com boas ideias mas não tem o crédito para implementá-lo. A economia moderna é baseada em crédito. Nosso sistema de crédito é um paradoxo. Temos um sistema mais robusto em termos tecnológicos do mundo e não conseguimos oferecer crédito barato para as pessoas. Não estamos dialogando só com o consumo de massas para ter acesso ao crédito. É com o empresariado que não tem acesso também. Quem movimenta economia no Brasil é a pequena e a média empresa, que tem dificuldade de ir ao BNDES, que é quem gera emprego. Ela tem de ter um sistema bancário acessível. A agência vizinha à loja, padaria, ela tem de estar disponível com crédito barato. Não temos crédito barato para empreendedor. Precisamos retomar a expansão do mercado de capitais. Tivemos recorde de IPOs com o Lula porque havia pujança.

P. Essa mesma pujança, e um excesso de confiança, gerou efeitos colaterais, como a própria inflação que estourou. O partido chegou a ser criticado, inclusive, por ter estimulado mais a formação de consumidores e não de cidadãos.
R. Discordo com parte desse diagnóstico. Quando você faz Mais Médicos estamos falando de cidadania. Quando sai de 3 para 8 milhões de universitários isso é cidadania. Quando faz Pronatec, manda jovens para o exterior, não é consumo, é cidadania. O programa Luz para Todos não é consumo, é cidadania. Nós incrementamos o mercado de massa, mas nós fizemos bons trabalhos, mas não fizemos tudo. Por isso queremos voltar a governar. Precisamos de uma reforma tributária para tornar nosso sistema menos regressivo do que ele é.

P. Como iria funcionar?
R. Tem toda uma estratégia de transição do modelo, com mecanismos bastante sofisticados de transição que não vi em nenhum modelo até agora. Acho que nós encontramos esse caminho de transição. Por duas travas. Uma trava da carga tributária liquida, e uma da receita real dos entes federados. Criando essas duas travas, criando um imposto de valor agregado, que vai durante a transição nos garantir esses dois pressupostos para migrar de uma situação para outra. Dando garantias ao Congresso de que nosso objetivo é a mudança de composição da carga, fazendo com que quem não pode pague menos, e quem pode, pague mais, um critério universal de um regime tributário.

P. E a taxação das grandes fortunas? A cena de Bolsonaro sendo aplaudido na CNI... Alguém deve ter visto aquilo e falado: “Até onde nós vamos com essa aventura?” Acendeu o sinal amarelo, vermelho ou roxo.
R. Nós colocamos isso porque está na Constituição. Mas a nossa perspectiva de curto prazo é a progressividade de imposto sobre heranças, que é uma prática internacional bastante estabelecida. Na Europa, EUA, até os liberais defendem taxação progressiva sobre grandes heranças, pois sendo um regime pretensamente meritocrático, nada mais meritocrático contribuírem com um fundo público de acordo com suas possibilidades. Isso está mais no nosso horizonte do que outra coisa. Agora, diminuir Imposto de Renda sobre trabalhador para reintroduzir IR sobre lucro dividendos está no nosso horizonte. No sentido de calibrar a composição do fundo, sem pretender aumentar a carga líquida neste momento. Essa transição vai viabilizar uma mudança importante. Com uma mudança importante, que vamos iniciar nos primeiros meses. A isenção de IR até cinco salários mínimos implementamos no primeiro ano, mais acesso ao crédito: são duas alavancas. É acesso do empreendedor para quem quer gerar emprego.

P. Vocês têm propostas que fortalecem o trabalhador e a pequena e média empresa. Mas temos uma elite empresarial...
R. Essa já está contemplada. Aliás, a crítica que se faz é que só eles têm acesso ao Estado. Comecei falando do PPP, grandes empreendimentos. Não vamos descuidar de nada.

P. Mas como setor bancário deve reagir ao mecanismo de indução de redução de spread?
R. Acredito que eles não podem ser contra ter um sistema moderno de crédito no país. Obviamente nós vamos ouvi-los. Exemplo: execução de garantia no Brasil é algo demorado. Então eles têm o pleito de melhorar sistema judiciário em geral para executar garantias. Muitas vezes tem garantia formal, mas na prática não tem. Isso nós vamos cuidar.

P. Estamos com uma dívida pública altíssima, que se descolou, inclusive, de outros países emergentes, como Chile e Colômbia. Como lidar com essa questão, uma vez que a expansão de parte desta dívida pública é atribuída aos Governos do PT?
R. Primeiro, corrigindo esse erro. Se você olhar o que nós pegamos de dívida dos Governos do Fernando Henrique Cardoso você vai ver que ao longo dos anos a dívida pública bruta e líquida, sobretudo a líquida, caiu barbaramente. A bruta só não caiu mais porque nós compramos 370 bilhões de dólares em reservas cambiais. Você pode até criticar a compra dessas reservas, mas não dá para dizer que não caiu a dívida. Se vendêssemos todas as reservas hoje, a dívida voltaria ao patamar de 50 e poucos por cento, menor que a herdada de Fernando Henrique.

P. E como seria a correção destes erros?
R. Primeiro, temos que reativar a economia. Tem uma coisa que os conservadores falam, “ah, tem que checar a efetividade de programas, cortar programas que não têm impacto”. Isso é óbvio, não pode ser nem bandeira de campanha, qualquer um que entra lá tem que fazer as contas. Mas as pessoas têm que dizer como vão reativar a economia. Nós estamos dizendo como vamos fazer. Retomada do investimento público, concessões, PPP, joint ventures, melhoria da renda das famílias mais pobres...

P. Mas, dependendo do investimento, você bate de novo no aumento de dívida pública. Como fazer essa engenharia?
R. Depende. As estatais têm um outro regime, com investimentos que não implicam aumento de custeio. É preciso fazer uma análise caso a caso para ver quais vão ser as obras que vão impactar a produtividade da economia. Você tem estratégias para enfrentar esta questão que são tradicionais: parcerias com o setor privado precisam ser retomadas. Muita coisa por fazer que está parada. E também mudar a composição do fundo para favorecer as pessoas de renda mais baixa que tem maior propensão ao consumo, além de melhorar o sistema de crédito. Sem crédito a economia não pode retomar. São medidas de curto prazo que já implicam uma retomada da economia. E obviamente abrir o orçamento e ver qual gasto público precisa ser revisto. Isso é rotina. Eu consegui grau de investimento na cidade de São Paulo fazendo isso. Cortando custeio, renegociando dívida com a União, voltando a pagar precatórios. Não foi a direita que conseguiu o grau de investimento. A direita quebrou a cidade.

(Os donos das concessões de TV) concentram propriedade, propriedade cruzada no Brasil é prática. Combinação entre poder político e comunicação é regra. Isso é arcaico

P. E como pacificar a relação com o setor produtivo que hostilizou Dilma durante o impeachment?
R. O setor produtivo estará diante da realidade que vai se colocar a partir de 1º de janeiro de 2019... Entendo que o projeto Temer será derrotado nas urnas, seja lá quem for seu representante, provavelmente Alckmin.

Alckmin, Temer e o Centrão
P. Você acha que Alckmin representa a continuidade do projeto Temer?
R. Eu não acho, não é uma questão de achar... O ministro da Fazenda do Temer foi secretário da Fazenda do Alckmin. O ministro das Relações Exteriores é do PSDB. O ministro das Cidades era do PSDB. Então o PSDB está no Governo inteiro. E quem deu sustentação à aventura Eduardo Cunha e do impeachment foi o PSDB.

P. Esse bloco parlamentar chamado de Centrão, que hoje está fechado com o Alckmin, é um grupo que se fortaleceu muito durante os Governos do PT...
R. Não acho que se fortaleceu, ele ficou do tamanho que era. Mas ele tem uma presença muito forte. Acho que ele está mais articulado do que antes, até pela vulnerabilidade do PSDB, muito dependente de acordos. O PSDB sempre teve uma maior facilidade em compor maiorias, pela inércia das coisas. E hoje está com mais dificuldade em virtude da fragilidade da candidatura Alckmin.

P. Como você vê o embarque provável do Centrão na campanha do Alckmin? Fica aliviado pelo fato deles não darem musculatura para Bolsonaro?
R. Eu nunca acreditei que eles fossem fechar com o Bolsonaro. Deve ter havido uma ordem de comando também. Estava demais, né? Acho que a cena na Confederação Nacional das Indústrias, com o presidente entidade de braço dado com o Bolsonaro, sendo aplaudido cinco ou seis vezes, alguém deve ter visto aquilo e falado: “Até onde nós vamos com essa aventura?” Entendo que isso acendeu o sinal amarelo, vermelho ou roxo.

P. A Dilma experimentou de maneira amarga o que é lidar com um Congresso que era considerado o mais conservador já eleito, com crescimento de bancadas como a da bala. Como alcançar governabilidade, como trabalhar isso?
R. Desde a campanha é preciso angariar apoio para suas propostas. Não dar de barato de que ganhando você vai ter o mando do jogo. É preciso que haja um diálogo com a população muito precoce e permanente. Mesmo você tendo dito durante a campanha tudo o que vai fazer no Governo, você precisa manter a democracia ativada, participativa. As nossas medidas são boas para a maioria do povo. Reduzir a carga tributária do pobre que paga muito e aumentar sobre o rico, que paga pouco, é razoável. Você aumenta a renda disponível dos pobres e reativa o consumo. Isso reativa a economia. Você pode achar que está perdendo, mas de forma intertemporal você está ganhando, o próprio empresário. Ganha produzindo.

Mídia regulada
P. Algumas das propostas, como a regulação da mídia, tem potencial para indispor um futuro Governo petista com o Congresso, já que parte dos parlamentares são donos, direta ou indiretamente, de retransmissoras de TV e estação de rádio. Isso não pode acirrar a animosidade com o Governo?
R. Isso é ilegal: político ser dono de concessão é ilegal. Não podemos fechar os olhos para uma inconstitucionalidade. Isso distorce a democracia. A imprensa deveria ajudar a sanear esse problema. Me causa perplexidade que a imprensa dita liberal compactue com essas práticas oligopólicas e de confusão entre o público e o privado. Não é compreensível que essas forças que a todo momento evocam o liberalismo sejam refratárias à modernização das relações. Estamos falando de aplicar Constituição.

P. Lula quando teve todo apoio popular não o fez. Aí, agora, quando a grande mídia é alvo do PT após o impeachment, não soa como revanche?
R. Até vocês, e isso eu não gostaria que fosse suprimido da minha entrevista, são alvos da grande imprensa. Tem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) para tirar o EL PAÍS do ar [no Brasil] no STF. Na verdade, temos uma oligarquia censora no Brasil. Eles estão impedindo a livre circulação de ideias. Já pensou se o PT entrasse com ação do ar invocando lei? Eu fico perplexo. Não se toca no assunto. The Intecept, BBC, EL PAÍS podem sair do ar, se a ADIN for aceita. Quem são eles para falar de censura, se eles são censores que querem tirar sites alternativos do ar, organizações internacionais? Eles têm uma prática muito diferente do discurso. Eles concentram propriedade, do ponto de vista vertical como horizontal, propriedade cruzada no Brasil é prática. Combinação entre poder político e comunicação é regra. Isso é arcaico e patrimonialista, atrasado.

P. Como mostrar isso sem parecer que o PT simplesmente está querendo se opor...
R. Se você publicar o que estou falando, que existe uma ADIN contra vocês, as pessoas talvez comecem a entender, mas se você esconder do teu leitor o processo do qual você é vítima você não contribui com a democracia. Eu já dei entrevista em que foram suprimidas minhas palavras sobre essa questão. Quem está censurando quem?

P. Mas por que agora?
R. Isso está nos programas do PT desde sempre. Cumprir a Constituição.

P. Isso consta, mas não quer dizer que será votado, não será o primeiro ato, é isso?
R. A inspiração do que vamos levar ao Congresso é tradição americana e britânica. Que na nossa opinião é a mais avançada de concessões públicas. Não estamos falando de jornal. Estamos falando de concessão. Todas são reguladas. Menos essa.

P. A regulação da mídia não é um assunto distante para parte da população que tem necessidades mais urgentes, como alimentação e saúde?
R. Tudo tem seu tempo. Mas acho que todo mundo entende que um político não pode ser dono de concessão de rádio e TV. Isso é antidemocrático. Por isso a Constituição estabelece parâmetros para que isso não aconteça. E é um aperfeiçoamento democrático liberal, não é nada bolivariano. Sempre me chamou a atenção como cientista político o quanto nós abraçamos aqui o liberalismo de fachada. Não existem forças liberais francas no Brasil. Veja o Movimento Brasil Livre. Essa meninada chegou a chamar a atenção de alguns ricos. Foram os primeiros a pedir para fechar exposição de museu. Esse é nosso liberalismo. De araque. Não é verdade.

MPL X MBL
P. Quem lhe deu mais trabalho, o MBL ou o Movimento Passe Livre, que realizou vários protestos pela revogação do aumento da passagem dos ônibus durante seu mandato na prefeitura?
R. A agenda do MPL, transporte como direito social, é uma agenda com a qual eu simpatizo. A minha crítica é pela forma, não pelo conteúdo.

P. E a campanha do MBL contra a corrupção, não é algo que você acha interessante?
R. Se fosse verdadeira seria ótima, né? Mas você vê que eles tiraram foto com o Eduardo Cunha... Não é bem isso né.

P. Mas você apertou a mão do Paulo Maluf na campanha de 2012 para conseguir o apoio do PP.
R. Não, mas não foi nesse sentido que eu estava lá. Eu estava lá em uma agenda... Eu apertei a mão do Paulo Maluf em um dia e repatriei o dinheiro das Ilhas Seychelles [que teriam sido desviados por Maluf] no dia seguinte, né? Vamos falar a verdade para seu leitor. Apertei a mão dele e repatriei 150 milhões de reais. Não deixei cumprir minha obrigação. Eu não vejo da parte do MBL uma agenda franca anticorrupção. Acho que agiram assim quando era interessante, depois mudaram a pauta.

Grandes obras
P. Os Governos do PT foram alvos de críticas pela maneira como conduziram grandes obras, como Belo Monte e a transposição do rio São Francisco, num desenvolvimento a qualquer preço. Como o partido lida com isso?
R. Nós temos um capítulo no programa sobre transição ecológica. Resolvemos enfrentar esse desafio, da produção com conservação, adotar essa agenda. E explicitar essas diretrizes. Grandes obras como transposição do São Francisco, hidrelétrica de Belo Monte, exploração do pré-sal, sempre vão ser polêmicas. E nós temos que considerar as críticas para aperfeiçoar o modelo. Não tenho dúvida. Eu acredito que Belo Monte é uma usina muito melhor do que todas as outras que foram construídas no passado. Mas talvez não tenha chegado numa situação em que possa ser considerada um caso exemplar. Reconheço. A transposição, que antes era muito criticada, hoje sofre menos críticas.

Apertei a mão de Maluf e repatriei 150 milhões de reais. Não deixei cumprir minha obrigação

P. Com relação a Belo Monte, o que você apontaria como fator para que ela não seja um caso exemplar? Existem casos bem documentados de pessoas que foram expulsas, casas queimadas...
R. Esse assunto foi objeto de uma conversa recente minha com o Lula, a última. O Lula falou uma frase, disse: “Olha, nós temos que encontrar uma maneira de transformar a população do entorno em sócio do empreendimento. Elas não podem ser objeto da intervenção, tem que ser sujeito da intervenção”. É preciso mudar o paradigma de diálogo com essas populações e efetivamente transformá-los em sujeitos ativos de uma perspectiva transformadora. Ele usou a expressão “temos que transformar esse pessoal em sócio do empreendimento. Eles não podem ser afetados”. O Lula está muito ciente dos problemas do empreendimento. Talvez nós possamos repensar o modelo de governança dessas grandes obras.

P. O programa Minha Casa Minha Vida também teria correções? Ele é constantemente criticado por urbanistas.
R. Eles criticam, mas o programa também é muito elogiado. Eu mesmo sou partidário dessa visão de que se construiu muito onde não havia tanta infraestrutura. Aqui em São Paulo nós procuramos mudar isso. Criamos várias ZEIS [Zonas especiais de interesse social] no centro de São Paulo que estão ensejando empreendimentos, incorporações. Muitos lançamentos no centro de São Paulo que são mais acessíveis. Hoje com 200.000 reais você compra um apartamento em São Paulo. O que para uma metrópole cara como São Paulo, é significativo. Não é o ideal, mas avançamos bem.

P. Falando da Petrobras. Para além de toda a corrupção que ali se instalou, a empresa, do ponto de vista de negócio, assumiu uma dívida estratosférica numa matemática impossível de fechar. Até hoje vende ativos. Qual é a visão do partido em relação a esse assunto?
R. No caso da Petrobras, e concordando que houve uma alavancagem discutível, o fato é que todas as petroleiras foram pegas no contrapé com a crise de 2008. Você tem uma barriga no preço do petróleo, e nenhuma petroleira estava preparada para sair de 120 dólares por barril para 30. Efetivamente todos os balanços foram afetados por isso. Entendo que agora a situação específica deste setor oferece uma oportunidade de recuperação, e que devemos atuar no campo das refinarias, ao menos terminar os projetos que estão iniciados, como o Comperj e Abreu e Lima.

Plano B para Lula e Palocci
P. Levando em conta o pior cenário para o PT: Lula tem o registro indeferido e o partido vai escolher alguém dos seus quadros para disputar. Quem seria um bom nome? Você estaria confortável para ocupar essa vaga?
R. Olha, nós estamos nos valendo da jurisprudência do TSE para levar a candidatura do Lula a registro. Ele vai escolher o seu vice. E nós aguardamos duas decisões importantes: do TSE com relação ao registro, e em caso de negativa uma liminar no Supremo para garantir esse registro. Antes disso o debate está... Esse debate sobre substituição não é feito. Não há reunião sobre isso dentro do PT.

P. O Lula não ventila essa hipótese de o partido ter outro candidato?
R. Ele não discute o assunto, pelo contrário. Ele reafirma sua inocência, sua vontade de ser candidato, seu desejo de presidir o país.

P. Com relação à delação do ex-ministro petista Antonio Palocci, há um temor dentro do partido?
R. Vamos ver [o que ele traz]. A quantidade de delações que são feitas e vão caindo são expressivas. Recentemente a do Delcídio do Amaral, do Ricardo Pessoa... E as delações vem caindo por que? Porque a pessoa no desespero de estar encarcerada ela vai juntando fatos... Eu acho desprezível alguém fazer isso, mas compreendo o desespero da situação. Acho injusto que essas pessoas estejam conseguindo em troca da delação uma redução de 70% da pena e mantendo o patrimônio intacto. Considero que o corruptor não deveria ter estes benefícios todos. Não acho que o corruptor é melhor do que o corrupto, como em geral tenta se vender. Às vezes o corruptor tenta se passar por vítima: é a quintessência da hipocrisia. Nós sabemos que o corruptor é quem leva a parte do leão

Judiciário
P. Uma das propostas de vocês é alterar a forma de nomeação de integrantes do Supremo. Em um momento no qual o PT é um dos grandes alvos da Justiça isso não pode ser visto como revanchismo?
R. O STF vai manter essa composição atual por muito tempo, não há nenhuma preocupação a curto prazo com isso. Estamos falando dos novos indicados. Só forçando um pouco a interpretação para achar isso [que se trata de revanchismo].

P. Isso nunca foi uma bandeira do PT enquanto estava no poder. Agora, acuado pelo Judiciário, isso vem à tona?
R. Não é um momento de crise institucional? Porque não se inspirar em modelos avançados para entender isso. A questão do controle externo à corporação, isso vale para todas as instituições, é um traço de modernidade. Os atuais membros do STF ficarão lá até os 75 anos. Essa medida, de colocar um prazo para o mandato do ministro da Corte, tira poder do presidente, não é algo que dá poder para ele. Porque o indicado por ele terá 15 anos de mandato, ou 12. Não será vitalício.

P. Mas dá a entender que o partido está desgostoso pela maneira como a Justiça está atuando. Qual o mérito da proposta?
R. O mérito é uma pessoa que é indicada com 40 anos ficar até os 55 e não até os 75. Parece razoável não?

P. Você acha que a Corte não se renova?
R. É muito poder. Uma pessoa ficar 35 anos no STF. Eu sou cientista político e me soa bem a tese de que ninguém deve ter tanto poder por tanto tempo.

Aborto e drogas
P. O programa de Governo do PT não tem menção à questão do aborto. Por que esse ponto ficou de fora?
R. O PT historicamente trata a questão do aborto e das drogas como uma questão de saúde pública. O poder Executivo tem um compromisso em abordar esses temas sob essa ótica. Acontece que agora, neste momento, a questão foi judicializada. Os dois temas estão na pauta do STF. E muito mais forte do que uma lei ordinária do Executivo sobre o tema é o disciplinamento disso por uma jurisprudência com base em cláusula pétrea da Constituição, que não pode ser alterada por lei ordinária. Todos os indicadores internacionais dão conta de que uma mudança de postura do Estado com relação a isso faz diminuir o número de abortos. É preciso analisar a questão com uma visão mais científica, mais pragmática e menos fundamentalista, buscando objetivos concretos, como melhorar a saúde da população.

P. E com relação às drogas?
R. Se você analisar os estudos sobre prisão versus apreensão, você vai ver que prendemos um contingente enorme de pessoas com nenhuma efetividade de apreensão. Ou seja, estamos iludindo as pessoas de que estamos combatendo algo. Não estamos combatendo nada, estamos perdendo a guerra. Inclusive porque essa guerra não se ganha, a não ser pela promoção da saúde e pela prevenção da educação...

P. Mas o STF já está analisando a questão do aborto e da descriminalização das drogas há meses, os processos não andam...
R. Mas está pautado.

P. Mas com relação às drogas você deixaria apenas a cargo do STF? No México o Executivo está promovendo o debate sobre reformas nesse assunto.
R. É uma discussão sobre direitos fundamentais, dá mais robustez para a decisão quando se tem esse caminho do STF. Não é “deixar na mão do STF”. Temos três Poderes, né? Vamos puxar pela memória o que aconteceu com a comunidade LGBT em torno da questão da união estável homoafetiva. Se o Executivo tivesse mandado para o Congresso um projeto de lei, talvez estivéssemos até hoje em um impasse. Mas quando é um direito protegido pela Constituição, no STF houve um outro desfecho [com a aprovação]. Quando há uma visão distinta entre Legislativo e Executivo em torno de direito fundamentais, que são direitos ditos de minoria, muitas vezes o Judiciário harmoniza. Isso é entender o funcionamento da república moderna. Existem países mais avançados, mais abertos e menos fundamentalistas, que conseguem dirimir essas questões por meio de leis. Depende muito da correlação de forças internas... A sociedade vai encontrando caminhos para escapar dessa tradição mais obscurantista por vários mecanismos. Está ganhando expressão social uma vertente de discussão séria sobre garantias individuais.

 


Alexandre Schwartsman: Talvez 3 gerações bastem para vir algo inteligente no projeto econômico petista

“Não aprenderam nada e não esqueceram nada” foi a primeira coisa que me passou pela cabeça ao ler a entrevista de Fernando Haddad ao Pravda, perdão, Valor Econômico no início da semana.

Não vou me aprofundar nas barbaridades proferidas acerca da “radicalidade liberal”, nada mais que o velho “controle social da mídia” (sob novo nome) nas pegadas do sinistro Franklin Martins, nem acerca da curiosa afirmação sobre a inconstitucionalidade da prisão em segunda instância com base em decisão que Fernando imagina que o STF (Supremo Tribunal Federal) tomará em algum momento. Eu me atendo aqui aos aspectos econômicos da proposta.

A começar por atrocidade frequente, que, diga-se de passagem, não é monopólio do Fernando, mas que encontra mais eco do que deveria: o uso de fração das reservas para financiar “joint ventures, investimentos privados, PPPs em infraestrutura”.

Trata-se, na melhor das hipóteses, de ressuscitar o papel do BNDES nos anos dourados de Dilma, Mantega & Associados, qual seja, bancar, a leite de pato (e põe pato nisso!), projetos que iluminados do governo de plantão acreditem ser de interesse nacional, em nome de “aumentar a remuneração das nossas reservas”, notando que “interesse nacional” em tal contexto costuma significar “interesse bastante particular do meu grupo político, quase sempre inconfessável e ainda assim vendido ao distinto público como algo que supostamente deveria beneficiá-lo”.

Na pior das hipóteses, trata-se de vender reservas para obter reais e gastá-los, deixando em seu lugar apenas a dívida (e péssimos projetos!).

Já as propostas para reduzir o spread bancário parecem cuidadosamente pensadas de forma a evitar qualquer proximidade com os estudos sérios do problema mapeados por economistas do calibre de Marcio Nakane e João Manoel Pinho de Mello.

Nenhuma palavra sobre aumento de concorrência no setor, seja por meio da abertura do mercado, seja pela redução da assimetria de informações (no caso, cadastro positivo), ou menção à privatização de bancos públicos (para novos entrantes, bem entendido), ou ainda pelo estímulo às fintechs.

Há novidades, como a utilização de bancos públicos para forçar a redução do spread, algo jamais tentado nos últimos 24 meses, bem como a brilhante ideia de induzir bancos a reduzir o spread por meio de incentivos tributários, ou seja, o contribuinte bancaria os lucros das instituições financeiras que generosamente aceitassem cobrar menos de seus clientes em troca de impostos mais baixos.

Nada semelhante, como se vê, às renúncias tributárias oferecidas a vários setores no primeiro mandato de Dilma, em troca da preservação do emprego e do aumento do investimento, que fracassaram de modo retumbante, fiasco que desta vez não irá se repetir porque… Pois é, por quê?

Por fim o entendimento da questão previdenciária é parco, expresso na afirmação: “O problema está no regime próprio daqueles que não foram afetados pelas reformas de Lula e Dilma”. Sim, há um sério problema associado às aposentadorias e pensões do funcionalismo, o que não permite concluir pela inexistência de um problema ainda mais sério no INSS, devidamente ignorado na discussão.

Enfim, se alguém esperava algo de novo e inteligente no projeto econômico petista, minha sugestão é que espere um pouco mais (com sorte, duas ou três gerações devem bastar).

Não era (ainda bem!) o meu caso e, veja só, essa previsão eu acertei na mosca…

*Alexandre Schwartsman é consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley.


Eliane Cantanhêde: O Alckmin do PT

Como o PSDB, o PT anda em círculos e Fernando Haddad se torna o nome do partido

O PT anda tão em círculos na sucessão presidencial quanto o PSDB, e os dois vão acabar chegando exatamente ao ponto de partida, com o governador Geraldo Alckmin e o ex-prefeito Fernando Haddad disputando a eleição, ambos com chances de ir ao segundo turno.

A sociedade sonhou, falou e tentou alavancar “o novo” para outubro, mas começa a cair a ficha de que a eleição de 2018 tende a repetir o enfrentamento entre PSDB e PT que vem, asperamente, desde a vitória de Fernando Henrique em 1994.

Há resistências ao nome de Haddad no próprio PT? Há, mas também houve, e mais forte, a Dilma Rousseff em 2010 e ao próprio Haddad em 2012. Quem dá as cartas é Luiz Inácio Lula da Silva. Os petistas resistem, mas acabam engolindo. E artistas e intelectuais douram a pílula.

Há quem duvide de que Lula tenha efetivamente pensado no ex-governador da Bahia Jaques Wagner como candidato. E, mesmo que tivesse pensado, a operação da Polícia Federal na casa dele, com pedido de prisão (negado), enterrou qualquer chance de Wagner.

Desde o início, Haddad despontava como preferido, num embate que parecia ser com João Doria, do PSDB. Doria perdeu fôlego, Haddad se manteve firme, apesar de ter contra ele não só o PT, mas também uma dúvida: se nem sequer se reelegeu prefeito, tem como disputar a Presidência? Talvez sim, talvez não, mas vem novamente a comparação com Alckmin: se não ele, quem?

Além disso, Haddad, ou quem quer que seja o candidato do PT, vai ter uma dificuldade enorme: o desgaste do partido, que só elegeu um prefeito de capital nas últimas eleições, na pequena e distante Rio Branco, no Acre. A campanha vai ser de lascar, com acusações, pressões e brigas internas duríssimas.

O principal fator tem cara e nome: Lula. E com diferentes cenários. Se Lula ganhar o habeas corpus preventivo e escapar por ora da cadeia, vai esticar ao máximo a versão de que é candidato, mas pondo Haddad debaixo do braço e fazendo do professor paulista um nome conhecido e palatável no País, sobretudo no Nordeste.

Se Lula for preso e ficar dois meses atrás das grades, ele sai como o maior cabo eleitoral da história e nem precisa ter tanto trabalho de fazer maratona com Haddad. Basta dar uma entrevista atrás da outra e gravar bons programas eleitorais para a TV. Essa hipótese, a de prisão rápida, é considerada diante da iminência de o STF derrubar a execução da pena após condenação em segunda instância, já com Lula preso.

O pior dos mundos para Fernando Haddad, como candidato do PT, seria o terceiro cenário: Lula preso ao longo do segundo semestre, durante toda a campanha. Com Lula fora de combate, sem rebelião das massas e o PT sob ataque, tudo ficará mais difícil para qualquer candidato petista. Com Lula, Haddad é um, sem ele é outro, sem dúvida bem mais frágil.

Mesmo assim, as esquerdas não devem nutrir esperanças. Manuela D’Ávila, do PCdoB, e Guilherme Boulos, do PSOL e líder em ascensão nos movimentos populares, não terão tempo de TV, nem suporte, nem alianças suficientes para deslanchar. E Ciro Gomes, do PDT, jamais teria apoio do PT, além de ter um inimigo poderoso: ele próprio. Se alguém pode herdar eleitores, até pelo “recall”, é Marina Silva, da Rede.

É assim que a eleição vai chegando ao dia 6 de abril, das desincompatibilizações, empurrando para a linha de frente o PSDB e o PT. Alckmin, o “chuchu”, e Haddad, o “mais tucano dos petistas”, estão indo devagar e sempre, numa campanha que não deve privilegiar nomes, mas o que representam. A estratégia do PT é gerar a ideia de dois times em campo, um que “quer manter direitos dos trabalhadores”, outro que “quer tirar esses direitos”. É mentira, mas vai que cola...