EUA

Demétrio Magnoli: Biden tem oportunidade de converter vacina em bem público global

Presidente dos EUA tem oportunidade de converter vacina em bem público global

George W. Bush será sempre lembrado pelo desastre humano e geopolítico que provocou com a guerra no Iraque. Contudo, uma iniciativa singular do ex-presidente salvou algo como 17 milhões de vidas: o Pepfar (Plano Presidencial Emergencial para Assistência à Aids). Joe Biden tem a oportunidade de se inspirar no plano de Bush para liderar a imunização global contra a Covid-19.

O Pepfar nasceu em maio de 2003, à sombra da invasão do Iraque, que começara dois meses antes. Sob a coordenação do Departamento de Estado, o programa direcionou, de lá para cá, mais de US$ 85 bilhões para os países foco e para o Fundo Global de Combate à Aids. A lúgubre curva de mortes por Aids na África Subsaariana começou a ser achatada graças aos recursos e à assistência técnica providenciados pelos EUA. O modelo do Pepfar oferece a melhor resposta americana à "geopolítica vacinal" chinesa.

Segundo estimativas do Duke Global Health Institute, os países ricos, que abrigam 16% da população mundial, contrataram 60% das vacinas prometidas até agora. A iniciativa Covax, da OMS, destinada a prover imunização global, prevê a entrega, até junho, de apenas 140 milhões de doses para a África, onde vive 1,3 bilhão de pessoas. A célere vacinação da população mundial é um imperativo moral. Mas é, igualmente, a única ferramenta capaz de domar a pandemia, reduzindo as probabilidades de surgimento de incontáveis mutações do vírus pela persistência prolongada dos contágios. "Ninguém está a salvo até que todos estejam a salvo", explica o slogan da Covax.

O triunfo do nacionalismo vacinal teria efeito bumerangue, castigando tanto os países pobres quanto os ricos. A União Europeia, apesar da insistência na retórica da solidariedade global, não parece preocupada com isso. A Comissão Europeia tenta ocultar seu atraso na imunização com ataques despropositados à AstraZeneca, única farmacêutica que distribui vacinas a preço de custo, e com a ameaça de bloquear a exportação de doses produzidas no seu território. Sob Trump, os EUA agiram ainda pior, abandonando a OMS e negando-se a contribuir com o financiamento da Covax.

A China opera no vácuo gerado pelo nacionalismo hipócrita de americanos e europeus. O governo chinês definiu suas vacinas como bens públicos globais e lançou-se a uma diplomacia da imunização, estratégia seguida também pela Índia. Contudo, os discursos humanitários chineses e indianos mal escondem a cuidadosa seleção dos países beneficiários, que obedece a nítidas prioridades de política externa.

Biden promete patrocinar, ainda em 2021, uma "cúpula das democracias". O conceito, em estágio inicial de formulação, inscreve-se na moldura da rivalidade global entre EUA e China. Seria uma articulação diplomática destinada a contrapor os valores das democracias representativas ao sistema de poder totalitário. A ideia enfrenta uma coleção de dificuldades práticas. Mas, para além delas, como superar a percepção de que o conclave de democracias ricas forma o mapa completo das nações privilegiadas pelo acesso preferencial às vacinas?

Os EUA só podem triunfar na "guerra de valores" se conseguirem provar que a democracia funciona melhor que a tirania, especialmente quando o mundo enfrenta uma dramática emergência sanitária. A superpotência injeta nos seus cidadãos vacinas de alta tecnologia, baseadas em mRNA, que tem elevada eficácia e cuja fabricação é mais simples e rápida. Estima-se que, com meros US$ 4 bilhões e uma rede de parcerias público-privadas, o governo americano poderia instalar capacidades produtivas suficientes para imunizar a população mundial no horizonte de um ano.

Os chineses dizem que a vacina deve ser um bem público global. Biden tem a oportunidade de converter essa visão em realidade. É bem melhor que reunir os acumuladores de vacinas numa redoma sanitizada.


Pedro Doria: Biden muda o jogo da nova guerra fria, entre EUA e China

Em meio a tantas mudanças no governo americano, passou despercebida uma carta escrita pelo presidente Joe Biden à direção do Instituto Broad. Dedicado ao encontro entre tecnologia digital e genética, entre ciência pura e medicina prática, o Broad nasceu de uma rara colaboração de duas universidades vizinhas — Harvard e MIT.

E Biden quer repetir a experiência de um de seus mais importantes antecessores — Franklin Roosevelt. De um presidente que virava as costas para a ciência, os EUA mudaram para um que vai ao seu encontro. E que deseja, com ciência e tecnologia, redefinir o conflito com a China.

“Em 1944, o presidente Franklin Roosevelt escreveu uma carta a seu assessor científico, Vannevar Bush, lhe perguntando como ciência e tecnologia poderiam ser aplicadas para beneficiar a saúde, a prosperidade econômica e a segurança nacional nas décadas após a Segunda Guerra”, escreveu Biden.

 “A resposta do Dr. Bush veio na forma de um relatório que deu curso ao avanço científico americano dos 75 anos seguintes.”

No centro do debate está uma discussão sobre o papel do Estado, uma mudança no pensamento liberal, e a compreensão de que os EUA estão entrando numa nova Guerra Fria.

O problema que Roosevelt tinha pela frente já era claro em 1944. A Alemanha Nazista ia perder a guerra, o fascismo seria limado do mapa, EUA e União Soviética venceriam e entrariam em disputa por influência no mundo.

Nos anos 1940 e 50, batiam-se os dois polos do mundo em igualdade de condições no desenvolvimento científico. Na briga ideológica de qual sistema seria capaz de gerar riqueza, desenvolver conhecimento e avançar com sua sociedade à frente, a democracia liberal bateu o comunismo.

A China é muito diferente do que foi a União Soviética. Segue tendo um governo altamente centralizado, não há liberdades individuais, e o planejamento econômico é feito em Pequim. A diferença é que o regime agora é capitalista, há gente que enriquece, histórias de empresários que ergueram suas companhias do nada, e eficiência na produção nunca é deixada de lado por burocracia.

A China produz tecnologia de ponta, de ponta mesmo. Conseguiu o que a URSS jamais chegou perto de atingir.

Assim como a segunda metade do século 20 foi marcada por uma disputa de sistemas, também a primeira metade do século 21 será desenhada assim. A diferença é que o adversário das democracias liberais, desta vez, é competente.

Por isso mesmo, por parecer ter criado a ditadura eficiente, capaz de gerar riqueza e de distribuí-la, a China se torna um modelo tentador para muitos.

Donald Trump entendia este jogo como mera disputa comercial. Pouco afeito à ideia de democracia, não entendeu onde estava o verdadeiro potencial americano. Do governo Reagan para cá, o Estado se ausentou de ter um papel maior no futuro dos EUA.

Biden, agora, volta àquele modelo de John Maynard Keynes e John Kenneth Galbraith, que permeou as presidências de Eisenhower, Kennedy e Johnson.

Não se trata do Estado central dos nacional-desenvolvimentistas. Não é um Estado que decide indústrias e orienta a nação de Washington. Mas é um Estado que gasta dinheiro pesado para desenvolver ciência e atrair cérebros de toda parte, um Estado em essência multicultural.

A aposta é de que conhecimento será criado em tal quantidade, e com a liberdade de inquirir e testar que só democracias são capazes de produzir, que o resultado inevitável será o surgimento de empresas e até mesmo de novas indústrias inteiras.

O Vale do Silício nasceu assim.


Rolf Kuntz: Presidente dos EUA se torna um novo desafio para Bolsonaro

Com a política de Biden, a relação entre comércio e meio ambiente poderá ganhar uma importância desconhecida até agora. Quem cuidará disso no governo?

O combate à mudança climática será um dos pontos centrais da diplomacia, da política de segurança nacional e dos planos econômicos do governo americano, anunciou ontem o presidente Joe Biden. O mesmo recado foi transmitido em sessão do Fórum Econômico Mundial pelo representante especial da Casa Branca para questões do clima e do ambiente, John Kerry, secretário de Estado no governo do presidente Barack Obama. Não há escolha, disse Kerry, entre criar empregos pelo crescimento econômico e cuidar do ambiente. Grandes empresários, acrescentou, já apontam o caminho. Em seguida citou, entre outros, o bilionário Elon Musk, fabricante de carros elétricos.

O anúncio dá uma nova dimensão à advertência feita pelo candidato Joe Biden, num debate eleitoral, sobre a devastação da Amazônia. Eleito, poderia contribuir com bilhões de dólares para a preservação da floresta ou impor restrições comerciais ao Brasil. Resposta do presidente Jair Bolsonaro: “Depois que acaba a saliva, tem de ter pólvora. Não precisa nem usar a pólvora, mas tem de saber que tem”.

O enviado John Kerry nem sequer mencionou o Brasil. Mas citou uma grande potência econômica e militar, a China, responsável, segundo ele, por 30% das emissões de carbono. Nenhuma rivalidade comercial, afirmou, ofuscará a união dos governos americano e chinês a favor de políticas sustentáveis. Dois dias antes do enviado da Casa Branca, o presidente da China, Xi Jinping, havia discursado em defesa do multilateralismo, da cooperação econômica, do respeito às normas internacionais e da colaboração contra a covid-19 e na busca de grandes objetivos comuns.

Os dois pronunciamentos afirmaram valores muito diferentes daqueles proclamados pelo presidente Donald Trump, seguidos por seu discípulo Jair Bolsonaro incorporados na diplomacia executada pelo ministro Ernesto Araújo. A reunião do Fórum de Davos, nesta semana, foi em parte uma celebração de uma era pós-Trump: proteção do ambiente, multilateralismo, cooperação contra a covid-19 e ação coordenada para uma economia mais verde foram bandeiras defendidas em várias sessões, a partir de vários ângulos.

Malsucedido em sua única participação numa reunião anual do Fórum, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro decidiu novamente faltar. Foi substituído pelo vice-presidente Hamilton Mourão, escalado para uma sessão sobre a Amazônia

Foi um evento morno, com presença de vários brasileiros, do presidente da Colômbia, Iván Duque, e do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Mauricio Claver-Carone. Falou-se de planos para preservação da floresta, comentou-se o potencial econômico da região e o presidente do BID prometeu ajuda. Não houve críticas nem autocríticas.

O presidente Bolsonaro evitou os incômodos de participação no Fórum, mas terá de reconhecer, no dia a dia, os desafios da nova política americana. Muito ocupado com a reeleição e com seus assuntos familiares, provavelmente deixará as questões econômicas e diplomáticas para outras pessoas. Com a política de Biden, a relação entre comércio e meio ambiente poderá ganhar uma importância desconhecida até agora. Quem cuidará disso no governo?

*É JORNALISTA


Carlos Pereira: Redescobrimento?

A democracia americana não foi redescoberta, mas reafirmada

No dia 20 de janeiro, data da posse do novo presidente americano, estava na Barra do Cahy, praia paradisíaca localizada no extremo sul da Bahia, que reúne falésias deslumbrantes, vasta mata atlântica e águas claras que se encontram com as curvas sinuosas do rio que dá nome à praia. De acordo com a descrição de Pero Vaz de Caminha em carta enviada em 1500 ao Rei de Portugal, Dom Manoel I, foi nesta praia que supostamente o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral e sua tripulação. Mas apenas em janeiro de 2017 a Barra do Cahy recebeu o título de “primeira praia do Brasil” pela prefeitura do município de Prado.

Parece que neste dia 20 de janeiro o mundo redescobriu a democracia, supostamente ofuscada por quatro anos do governo de Donald Trump. Esse sentimento ficou evidente especialmente a partir dos eventos do último dia 06 de janeiro, quando o Capitólio, símbolo máximo da democracia americana, foi invadido por apoiadores radicais e insurrecionados do ex-presidente.

A posse de Joe Biden como presidente dos EUA, portanto, teve o significado de reafirmação dos valores e princípios da democracia. Nas palavras de Biden “a democracia prevaleceu”. 

Mas será que a democracia americana estava em risco? Quando as instituições estão, de fato, fragilizadas ao ponto de sofrerem mudanças que ameacem o equilíbrio democrático?

No livro, “Brazil in Transition: Beliefs, Leadership and Institutional Change”, eu e meus coautores argumentamos que mudanças institucionais de grande monta, como a quebra de regimes democráticos, não ocorrem de forma incremental, mas em momentos muito específicos na história de uma sociedade.

A eleição de governantes populistas estremados e não comprometidos com princípios e valores democráticos não é razão suficiente para que democracias estáveis quebrem ou mesmo que fiquem sob risco. Afinal de contas, eleições, mesmo quando livres e competitivas, quase nunca selecionam os melhores governantes ou aqueles consistentes com nossas preferências. E mesmo quando o fazem, não demora muito para que estes frustrem os eleitores.

Para haver quebra de regime, é necessário que as instituições em vigor não mais consigam oferecer resultados congruentes com as expectativas da sociedade. Mais especificamente, quando as instituições democráticas estejam desconectadas do conjunto de crenças dominantes dos atores políticos e agentes econômicos relevantes e influentes no processo decisório. Ou seja, mudanças institucionais requerem mudanças de crenças. Quando essa desconexão acontece, abrem-se janelas de oportunidade a mudanças, as quais podem ou não ser aproveitadas. 

Não existe qualquer evidência de que as crenças dos atores políticos e agentes econômicos relevantes dos EUA estariam inconsistentes com as instituições democráticas americanas. Ou seja, que as instituições não estariam funcionando como esperado. Ainda que as crenças de parcela do partido Republicano tenham se tornado maleáveis, se a maioria dos atores sociais e econômicos relevantes acreditam que seu país está realizando eleições livres e justas e que o vencedor é legítimo, é muito improvável que as instituições democráticas quebrem, pois, nesse caso, crenças e instituições se reforçam mutuamente.  

O mundo tem agido como se a democracia tivesse sido redescoberta com a posse de Biden. Mas a democracia estava lá, com suas instituições, ritos e procedimentos, dando os contornos aos conflitos e disputas pelo poder. O que vai ficar para a história é que o ex-presidente Trump saiu derrotado, não apenas nas urnas. Quer tenha sido apenas uma “estratégia de saída” ou uma tentativa de autogolpe, as instituições democráticas, como esperado, foram capazes de ofertar solução pacífica ao conflito, desencorajando outras ações iliberais nos EUA e em outras democracias.

*Cientista Político e professor titular da FGV Ebape


João Gabriel de Lima: A Terra volta a ser redonda. Hora de o Brasil embarcar

Foi semana de benditas obviedades. Só falta o Brasil ajustar sua rotação com a do planeta

Stefani Germanotta, a Lady Gaga, cantou o hino dos Estados UnidosJennifer Lopez deu um twist latino à sua interpretação de God Bless America; e, no encerramento, a poeta Amanda Gorman, de 22 anos, declamou versos que resumem o sentimento da nova geração. Na posse do presidente Joe Biden, as três mulheres nos lembraram que os Estados Unidos são um país ítalo-americano, hispano-americano, afro-americano – sem contar outras etnias e misturas. Muito de sua força e riqueza se deve à bênção de ser uma nação de imigrantes.

Parece óbvio. É como dizer que a Terra é redonda.

No momento-chave de seu discurso, Biden disse: “Nós devemos tratar os outros com dignidade e respeito. Juntar forças, parar o tiroteio e baixar a temperatura. Sem unidade não há paz – só amargor e fúria. Não há progresso – só ultraje exasperante. Não há nação – só um estado de caos”.

Dignidade e respeito. Condições óbvias para o debate inteligente nas democracias. A Terra é redonda.

No mesmo dia da posse de Biden, Portugal assumiu a presidência rotativa do Conselho da União Europeia. Em Bruxelas, o primeiro-ministro António Costa traçou as linhas gerais dos próximos seis meses: foco no social, na economia digital e no combate às alterações no clima. “Temos um planeta para proteger, e não podemos perder mais tempo,” disse Costa em seu discurso.

A Terra é redonda, e temos que cuidar dela.

Aqui em Portugal vivemos o momento mais dramático da pandemia. O governo decretou confinamento total. A trajetória da covid no país confirma o mantra dos cientistas: as duas únicas formas de controlar uma pandemia são vacina e distanciamento social. Portugal achatou a curva quando optou pelo confinamento, em março passado e no início de dezembro. Quando abriu mão dele, no “alívio” de Natal e ano-novo, deu-se o inverso. Turbinados pela variante inglesa, os casos explodiram.

Seguir o que diz a ciência: outra obviedade.

Enquanto isso, no Brasil, as obviedades são colocadas em dúvida todos os dias. O distanciamento social é minimizado, a floresta que ajudaria a deter a mudança climática enfrenta recordes de desmatamento e o “tiroteio” e o “ultraje” se tornam a regra em Brasília. Em ensaio publicado recentemente, o cientista político José Álvaro Moisés – personagem do minipodcast da semana – examina as razões de vivermos em permanente crise política. Uma delas pode ser o sistema de governo. Segundo Moisés, o semipresidencialismo – que vigora em Portugal e na França – distribui melhor o poder e facilita a negociação.

Portugal vai às urnas neste domingo para escolher o presidente. O atual ocupante do cargo, Marcelo Rebelo de Sousa, é o favorito à reeleição. Marcelo, que os portugueses chamam pelo primeiro nome, é de centro-direita, e divide o poder com o primeiro-ministro Costa, de centro-esquerda. Eles conversam “com dignidade e respeito” – e, pela saúde dos cidadãos, foram capazes de unificar o discurso durante a pandemia, em pleno tiroteio eleitoral.

Respeito aos que pensam diferente e aos que vêm de países diferentes. Respeito à ciência. Foco no social num momento em que muitos ficam sem empregos. Foco no combate à mudança climática – se ela ocorrer, nada restará para nossos filhos e netos.

Foi uma semana de benditas obviedades. Como se a Terra, depois de um momento de loucura, tivesse voltado a ser redonda.

Só falta o Brasil ajustar sua rotação com a do planeta.


Monica de Bolle: A posse e seus símbolos

Joe Biden e seu discurso em prol da democracia, da união e da justiça foi radicalmente distinto das alusões à carnificina feitas por Trump há 4 anos

Foram quatro anos de “meu jeito”. Se “meu jeito” tivesse alguma relação com o mundo real, talvez esses anos tivessem sido ligeiramente mais toleráveis, ainda que não muito menos terríveis. Mas, não. O jeito de Trump foi constituir uma realidade alternativa desde o início. Fatos alternativos, a expressão e a insistência na fantasia, começaram no dia da posse, e ele agiu todos os dias para implantá-los. Pois hoje, no tão esperado dia da partida do pior presidente dos Estados Unidos na história recente, o avião decolou para Mar-a-Lago ao som de “My way”, na voz de Frank Sinatra. Assisti à cena com uma alegria feroz e uma ponta de decepção, porque adoro Frank Sinatra. Mas esse foi tão somente o início do dia.

Na sequência da partida, que fez pensar como ética e estética se relacionam, vieram outras cenas. Solenes, esperançosas, alegres, até, apesar da tragédia, das mortes, das desavenças, de uma crueldade orgulhosa. Como normalmente ocorre em solenidades, foram vários os momentos marcantes da posse de Joe Biden e não tenho a pretensão de cobrir todo o seu simbolismo. O Mall, área central de Washington, D.C., que reúne seus monumentos e prédios históricos, parques, museus e galerias, aparecia na TV coberto de bandeiras dos Estados Unidos. Cada uma representava uma pessoa morta pelo vírus causador da Covid-19. Foi uma forma simples e eficaz de comunicar o valor da vida individual para o país. Lady Gaga, um ícone LGBT, cantou o hino com seu estilo inigualável. Já a cantora de origem porto-riquenha Jennifer Lopez clamou “justicia para todos”, após quatro anos de injúrias de Trump contra negros e latinos. Kamala Harris se tornou, no ato, a primeira vice-presidente: uma mulher, negra e filha de imigrantes. Joe Biden e seu discurso em prol da democracia, da união e da justiça foi radicalmente distinto das alusões à carnificina feitas por Trump há 4 anos.

Quem capturou a atenção na cerimônia, entretanto, foi Amanda Gorman, jovem poetisa de 22 anos, que declamou seu poema “O monte que galgamos” com alegria e bravura. Foi emocionante, e não houve sentimentalismo em suas palavras ou sua postura. Por isso foi tão impactante. Como ela disse, “nós, sucessores de um país e de uma época em que uma menina negra magricela, descendente de escravos e criada por uma mãe solteira pode sonhar em ser presidente, apenas para se ver recitando para um presidente”. Há promessa e poesia nessas palavras: promessa da política, pelo novo que irrompe anunciando aos que vieram antes que o mundo não perecerá, e poesia da política também. O poema de Gorman deixou claro que um ciclo se encerrava para que outro se abrisse. Novo. O novo como cumprimento da promessa, ainda que em situação de crise.

Os ritos pareciam encerrar a transição que se iniciou logo após a eleição. A seu término, Biden partiu para a Casa Branca com o propósito de desfazer males feitos por Trump.

O novo presidente vinculou os Estados Unidos de novo ao Acordo do Clima de Paris, tomou medidas para frear a pandemia e assinou decretos se comprometendo com a proteção social.

Comunicou por atos três pilares de seu governo: a proteção social, o meio ambiente e a saúde pública, além do multilateralismo. Sem ter tido muito tempo para refletir sobre o que tudo isso representa, fui chamada para uma entrevista. Nela me perguntaram: “Como ficam as relações entre o Brasil e os Estados Unidos”. Relações? Que relações? O Brasil de Bolsonaro tem relações frágeis com uns Estados Unidos imaginários, pois o amigo fantasia do presidente brasileiro, Trump-My-Way, jamais deu a mínima para ele ou para o país. De bate-pronto, respondi: vejamos os decretos que Biden acaba de assinar, os compromissos que acaba de assumir e os comparemos com o Brasil. Proteção social? Bolsonaro extinguiu o auxílio emergencial. Meio ambiente? Bolsonaro tem criado condições propícias ao desmatamento, com desmonte institucional e restrições orçamentárias. Saúde pública? Bolsonaro deixou morrerem centenas de milhares de brasileiros e fez de tudo para que a pandemia chegasse a seu pior momento. Multilateralismo? Seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto, é, ao mesmo tempo, antiglobalista e árduo defensor de um liberalismo econômico sem peias. Trata-se da política do “E daí?” em todas as áreas que são caras para Biden. Portanto, que relação Brasil-EUA?

É preciso muito pensar. Pensar nesse 20 de janeiro, nas promessas da política. Cultivar esse momento em que as possibilidades são muitas e estão em aberto a quem tem disposição para disputá-las.

*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins


Hélio Schwartsman: Biden e a necessidade de unir os EUA

Afinal, um dos motos do país é 'E pluribus unum' (de muitos, um)

Em seu discurso de posse, Joe Biden enfatizou a necessidade de unir o país. Depois de quatro anos de cizânia sob Donald Trump, que deixou como saldo até uma canhestra tentativa de golpe, era natural que o novo presidente tentasse esse caminho, que não é estranho ao DNA dos Estados Unidos. Um dos motos do país, afinal, é “E pluribus unum” (de muitos, um).

Uma das mais interessantes questões da sociologia é a de saber o que transforma indivíduos heterogêneos num povo. Em tempos mais remotos, quando todos vivíamos em grupamentos de algumas dezenas de pessoas, quase todas aparentadas, era o próprio DNA que dava a liga. Mas, à medida que passamos a habitar comunidades maiores, o problema da unidade foi se impondo.

Uma resposta que ecoa até hoje é a de autores românticos do século 19, como Johann Gottlieb Fichte. Para eles, é o passado, consubstanciado em categorias como sangue, raça e língua, que forja a nação. É uma narrativa perigosamente essencialista, que, em suas piores manifestações, desaguou na mitologia nazista.

Também no século 19, pela pena de autores como Ernest Renan, surgiram respostas mais democráticas. Nessa visão, é a vontade de construir um futuro comum muito mais do que o passado que conduz à unidade. Na imagem de Renan, a nação é um “plebiscito diário”, ao qual todos respondem sim. Não é coincidência que esse tipo de retórica fosse a predominante nos países do Novo Mundo, como os EUA, cujas populações tinham diferentes origens étnicas.

Minha impressão é que os EUA envelheceram. Vários grupos hoje preferem aglutinar-se em torno de versões idealizadas de um passado que nunca existiu a apostar em um futuro comum. Não sei se Biden vai ter força para mudar isso, mas sei que o atual estado de espírito cai como uma luva na definição de povo do sociólogo Karl Deutsch: “Um grupo de pessoas unido por uma visão distorcida do passado e pelo ódio aos vizinhos”.


Luiz Carlos Azedo: O vento das mudanças

Ao mesmo tempo em que complicou a vida de Bolsonaro, a vitória de Biden deu gás para a oposição, que aposta no impeachment, principalmente depois do colapso da Saúde no Amazonas

Caiu a ficha no Palácio do Planalto de que o vento mudou de rumo, com a posse do presidente Joe Biden, ontem, já anunciando mudanças fundamentais na política externa norte-americana e a volta da Casa Branca ao eixo da democracia e do “sonho americano”. Rapidinho, o presidente Jair Bolsonaro enviou uma longa carta ao presidente dos Estados Unidos, sugerindo o seu próprio reposicionamento em relação ao democrata, para manter a parceria estratégica, enquanto o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em videoconferência — a reboque do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)—, pedia ao embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para interceder em favor da liberação dos insumos de que precisamos para produzir as vacinas contra a covid-19. Nada como um dia atrás do outro.

A mudança na política externa dos Estados Unidos não acabou com a soberba no Itamaraty. O embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster, por exemplo, ao comentar a troca de ocupantes da Casa Branca, disse que Biden precisa entender a mudança que houve no Brasil com a eleição de Bolsonaro, um país muito diferente daquele que conhecera quando era vice-presidente de Barack Obama. Ora, o novo presidente dos Estados Unidos sabe muito bem o que aconteceu, pois conhece o nosso país. Bolsonaro, o tempo todo, foi uma espécie de espelho de Donald Trump.

Ao mesmo tempo em que complicou a vida de Bolsonaro, a vitória de Biden deu gás para a oposição, que resolveu apostar no impeachment do presidente brasileiro, principalmente depois do colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) no Amazonas. Os partidos de esquerda estão convocando carreatas para o próximo sábado, com o objetivo de protestar contra o governo, devido à falta de vacinas. A crise sanitária agravou-se com a segunda onda da pandemia do novo coronavírus, e Bolsonaro está sendo responsabilizado por causa de seu reiterado negacionismo, em relação à gravidade da doença, à importância do uso de máscaras e do distanciamento social, além da necessidade de vacinação em massa da população.

Chapa quente
Os mesmos movimentos cívicos que embalaram a campanha do impeachment da presidente Dilma Rousseff — MBL, Vem pra Rua, Agora, Acontece etc — também começam a se mobilizar nas redes sociais e a convocar manifestações contra o governo. Os humores da sociedade estão mudando, conforme demonstram as pesquisas de opinião, mas isso não significa que a oposição tenha força suficiente para viabilizar o impeachment. A pandemia tira o povo das ruas, e o Congresso dá sinais de que os aliados de Bolsonaro vão levar a melhor na disputa pelas Mesas da Câmara e do Senado. Enquanto a oposição tenta promover uma “guerra de movimento”, Bolsonaro procura avançar na “guerra de posições”, movendo mundos e fundos, isto é, cargos e verbas, para eleger Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) às presidências da Câmara e do Senado, respectivamente. Caso tenha êxito, o seu impeachment, dificilmente, descerá do telhado.

Docemente constrangido, o vice-presidente Hamilton Mourão ataca a oposição — “deixem o Bolsonaro trabalhar, pô”—, ao mesmo tempo em que não perde uma oportunidade para marcar uma posição diferenciada em relação ao meio ambiente, à vacina e a outros temas nos quais o presidente da República vai na contramão da opinião pública. É um jogo muito sutil, porque o general lida com a desconfiança do clã Bolsonaro desde quando estourou o escândalo das rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PR-RJ) e a primeira-dama Michele Bolsonaro, que receberam dinheiro do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz. Militares descontentes veem em Mourão uma alternativa, caso o governo Bolsonaro leve o país ao desastre.

No xadrez da “guerra de posições”, depois da definição do Congresso, Bolsonaro deverá mover mais uma peça: a indicação do substituto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, que se aposentará em 12 de julho. As articulações para a vaga já estão em curso. O candidato mais ativo é o procurador-geral da República, Augusto Aras. Na terça-feira, a propósito das representações da oposição contra Bolsonaro, por causa da crise sanitária, Aras soltou uma nota estranhíssima, falando que a calamidade pública era a antessala do “estado de defesa”, sabidamente uma situação que confere poderes extraordinários ao presidente da República. A nota gerou perplexidade e críticas públicas de seis subprocuradores-gerais da República, ou seja, da maioria do Conselho Superior do Ministério Público.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-vento-das-mudancass/

O Globo: Bolsonaro envia carta a Biden e fala em 'excelente futuro' para parceria Brasil-EUA

Aliado do agora ex-presidente Donald Trump, o presidente brasileiro demorou mais de um mês para reconhecer a vitória do democrata nas eleições de novembro passado

Gustavo Maia, O Globo

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro cumprimentou Joe Biden por sua posse como novo presidente dos Estados Unidos em mensagem publicada nas redes sociais no fim da tarde desta quarta-feira. O brasileiro informou que enviou uma carta ao líder americano na qual expôs sua "visão de um excelente futuro para a parceria Brasil-EUA".

O discurso:' Nunca vão tirar nossa democracia', promete Biden na posse; saiba em detalhes o que o novo presidente afirmou

"Cumprimento Joe Biden como 46º presidente dos EUA. A relação Brasil e Estados Unidos é longa, sólida e baseada em valores elevados, como a defesa da democracia e das liberdades individuais. Sigo empenhado e pronto para trabalhar pela prosperidade de nossas nações e o bem-estar de nossos cidadãos. Para marcar essa data, enderecei carta ao Presidente dos EUA, Joe Biden, cumprimentando-o por sua posse e expondo minha visão de um excelente futuro para a parceria Brasil-EUA", escreveu Bolsonaro.

Aliado do agora ex-presidente Donald Trump, o presidente brasileiro demorou mais de um mês para reconhecer a vitória do democrata nas eleições de novembro passado. No início deste mês, horas após o Congresso dos Estados Unidos oficializar a vitória de Biden nas eleições presidenciais, Bolsonaro insistiu em dizer que houve fraude na disputa, alegação falsa que vinha sendo feita por Trump desde sua derrota.

Bolsonaro publicou a íntegra da carta endereçada a Biden nas suas redes sociais. "Senhor Presidente, tenho a honra de cumprimentar Vossa Excelência neste dia de sua posse como 46º Presidente dos Estados Unidos da América", começa o texto, que aponta o Brasil e os EUA como as duas maiores democracias do mundo ocidental.

Não há nenhuma menção à pandemia na carta, embora Estados Unidos e Brasil liderem o número de mortes absolutas por Covid-19 no mundo.  Bolsonaro cita a economia, ciência e tecnologia, organizações econômicas internacionais, "desenvolvimento sustentável e proteção do meio ambiente, em especial, da Amazõnia", como áreas de interesse comum.

O presidente afirma que o "Brasil demonstrou seu compromisso com o Acordo de Paris com a apresentação de suas novas metas nacionais". Sob Ricardo Salles, o Brasil reduziu a ambição das metas firmadas no acordo, e Bolsonaro reiteradamente se omitiu diante do desmatametno da Amazônia. O país não pôde discursar em uma cúpula histórica da ONU em dezembro, por não ser considerado um ator relevante na agenda do clima, prioritária para o novo governo americano.

Contexto: Joe Biden pode incluir Brasil na lista de párias climáticos?

Bolsonaro expressou esperança de que os Estados Unidos apoiem a entrada do Brasil na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), antiga promessa de Trump.

O presidente afirmou ainda: "Nossos povos estão unidos por estreitos laços de fraternidade e pelo firme apreço às liberdades fundamentais, ao estado de direito e à busca de prosperidade através da liberdade". Ele também cita o combate a redes criminosas e ao terrorismo como um ponto de convergência entre os países.

O presidente disse que, "pessoalmente", é "grande admirador" de longa data dos Estados Unidos. E que desde que assumiu a Presidência passou a corrigir o que chamou de "equívocos" de governos brasileiros anteriores, que segundo ele "afastaram o Brasil dos EUA, contrariando o sentimento de nossa população e os nossos interesses comuns".

Citando a "ampla e profunda parceria" construída pelos dois países "sob o signo da confiança", ele apontou que empresários brasileiros e americanos tem interesse em um "abrangente" acordo de livre comércio para gerar mais empregos e investimentos, além de aumentar a competitividade global das respectivas empresas. O trato era negociado pelo governo Bolsonaro com o governo Trump, mas não foi concretizado.

Contexto: Sob alta expectativa, Biden prepara pacotes para pandemia, economia, polícia e imigração nos primeiros 100 dias

A carta é concluída com o desejo do brasileiro de "pleno êxito" no exercício do mandato e um pedido para que Biden aceite os votos de sua "mais alta estima e consideração".

O governo Biden inclui vários críticos de Bolsonaro, como o responsável pela área de América Latina do Conselho de Segurança Nacional e a secretária do Interior.


O Estado de S. Paulo: Biden assina retorno dos EUA ao Acordo de Paris e à OMS

Novo presidente americano assina 17 ações executivas, agindo rápido para desmantelar o legado de seu antecessor, Donald Trump

O novo presidente americano, Joe Biden, assinou 17 ordens executivas nesta quarta-feira, 20, que incluem o retorno dos Estados Unidos ao  Acordo de Paris de 2015e à Organização Mundial da Saúde (OMS). Em primeira aparição no Salão Oval, o democrata disse que estava assinando ações "ousadas". "Não há tempo para começar como hoje", disse Biden, completando que essas ações visam cumprir suas promessas ao povo americano.

Ao assinar as 17 ações executivas durante suas primeiras horas no cargo, Biden torna-se o mais rápido a desmantelar o legado de um  antecessor do que qualquer outro presidente da história moderna. As medidas incluem memorandos, ordens executivas e diretivas para as agências, dando os primeiros passos para lidar com a pandemia do coronavírus e desfazer algumas das políticas que foram a marca do governo Donald Trump

A volta ao Acordo de Paris, compromisso anunciado antes da posse por Biden, está entre os decretos já assinados pelo presidente. "Vamos combater as mudanças climáticas de uma forma que não tínhamos tentado até agora", disse a jornalistas.

Mais cedo, o presidente da FrançaEmmanuel Macron comemorou a volta dos Estados Unidos ao acordo global que busca conter aquecimento.

O retorno à Organização Mundial da Saúde (OMS) também foi consolidado pelo presidente americano nesta quarta, 20. Sob o comando de Trump, o país deixou a OMS em meio à pandemia do novo coronavírus, com acusações de que a China exercia pressão sobre a agência. Uma das primeiras ordens de Biden, também uma medida na contramão de Trump, foi a obrigatoriedade do uso de máscara em todos os prédios federais.

O presidente ordenou também que as agências federais interrompam toda a formulação de regras até que seu governo tenha tempo para revisar as regulamentações propostas. O chefe de gabinete da Casa Branca, Ron Klain, anunciou a medida em um memorando aos chefes de departamentos executivos e agências na tarde de quarta-feira. A ordem de congelamento regulatório é ato importante nas transições presidenciais, permitindo que o novo governo analise as ações pendentes de seus antecessores.

Compromisso anterior, Biden revogou licença para o polêmico oleoduto Keystone XL, projeto há muito tempo debatido. O Keystone XL, de 2.574 km, tinha como objetivo transportar petróleo bruto do Canadá para o Estado americano do Nebraska, onde se conectaria a uma rede existente para entregar o petróleo a refinarias no Golfo do México. 


Biden pede união em discurso de posse: 'A democracia prevaleceu'; leia a íntegra

Presidente fez seu primeiro discurso a frente do cargo durante a cerimônia de posse, realizada nesta quarta-feira, 20, no Capitólio

Em seu primeiro discurso como presidente dos Estados Unidos, Joe Biden pediu união durante a cerimônia de posse realizada nesta quarta-feira, 20, no Capitólio, em Washington. O presidente afirmou que "a democracia prevaleceu" em sua vitória contra Donald Trump nas eleições do ano passado, e prometeu ser o presidente de todos os americanos, independente de terem votado nele ou no opositor.

"Vivemos a nação que queremos ser e podemos ser", disse Biden, que agradeceu a presença de integrantes de ambos os partidos na cerimônia de posse, entre eles os ex-presidentes democratas Barack Obama e Bill Clinton, o ex-presidente republicano George W. Bush, e o ex-vice presidente, Mike Pence. "Sei da resiliência da nossa Constituição e da força de nossa nação".

Biden reconheceu que o país atravessa um momento conturbado politicamente, mencionando a pandemia do novo coronavírus e seus prejuízos econômicos. "Poucas pessoas em nossa história viveram momentos mais difíceis do que o que estamos vivendo neste momento", disse. O presidente também citou problemas políticos, como o supremacismo branco e o terrorismo doméstico, desafios que prometeu "vencer". 

"Precisamos de mais do que palavras, precisamos de uma das coisas mais difíceis de uma democracia: a união". E completou: "Peço que todos os americanos façam o mesmo comigo nesta causa: unidos para combater os inimigos que temos, a raiva, ressentimento, extremismo, ilegalidade, violência, doenças, desemprego. Juntos, podemos fazer coisas grandes e consertar erros". PARA ENTENDERBiden venceu nos EUA. O que muda no mundo? Análises exclusivas respondemDecisões do presidente dos EUA sobre economia, política externa, imigração, meio ambiente e mesmo comportamento afetam a sua vida. Banco de análises traz projeções de quem mais entende sobre os efeitos do futuro governo Biden

Em seu apelo por união, Biden fez também uma defesa da boa política, afirmando que ela não precisa ser um "incêndio que destrói tudo a sua frente".  

"Tanta discórdia não precisa levar a guerras. Precisamos rejeitar a cultura onde fatos são manipulados e inventados. Caros americanos, temos de ser diferentes. Os EUA têm de ser melhor do que isso. E creio que EUA são muito melhor do que isso", afirma.

Em parte do discurso que direcionou "aos que nos ouvem além de nossas fronteiras", Biden afirmou que os Estados Unidos vão retomar o protagonismo no cenário internacional. "Vamos liderar não só pelo exemplo da nossa força, mas pela força do nosso exemplo", disse o presidente.

De acordo com Biden, durante sua gestão, os EUA serão um parceiro forte e confiável e voltará a participar das negociações internacionais, em claro sinal de que irá reverter a política isolacionista adotada pelo seu antecessor, Donald Trump.

O presidente também ressaltou o fato de estar junto de Kamala Harris, a primeira vice-presidente negra da história, exaltando o local onde Martin Luther King fez seu famoso discurso de 1963 em defesa dos direitos dos negros.

Por fim, o presidente listou os grandes desafios que sua gestão terá pela frente, como a pandemia do coronavírus, as mudanças climáticas e o próprio papel dos Estados Unidos. "Há muito a ser feito. E uma certeza: prometo a vocês, nós seremos julgados por como vamos lidar com essa crise da nossa era".

Leia a íntegra do discurso: 

Chefe de Justiça Roberts, Vice-presidente Harris, Presidente da Câmara Pelosi, Líder do Senado Schumer, McConnell, vice-presidente Pence, meus distintos convidados e meus companheiros americanos, este é o dia dos Estados Unidos.

Este é o dia da democracia. Um dia de história e esperança de renovação e resolução através de um cadinho para todos os tempos. Os EUA foram testados de novo e estão à altura do desafio. Hoje, celebramos o triunfo não de um candidato, mas de uma causa, a causa da democracia. O povo, a vontade do povo, foi ouvido e a vontade do povo foi atendida.

Aprendemos novamente que a democracia é preciosa. A democracia é frágil. A esta hora, meus amigos, a democracia prevaleceu.

A partir de agora, neste solo sagrado, onde apenas alguns dias atrás, a violência procurou abalar os próprios alicerces do Capitólio, nos reunimos como uma nação, sob Deus, indivisível para realizar a transferência pacífica de poder, como fizemos por mais de dois séculos.

Ao olharmos para a frente em nosso jeito exclusivamente americano: inquietos, ousados, otimistas e voltados para a nação que podemos e devemos ser.

Agradeço aos meus antecessores de ambos os partidos a sua presença aqui hoje. Agradeço do fundo do meu coração. E eu sei, eu conheço a resiliência de nossa Constituição e a força de nossa nação. Assim como o Presidente Carter, com quem falei ontem à noite, que não pode estar conosco hoje, mas a quem saudamos por sua vida inteira de serviço.

Acabei de fazer o juramento sagrado. Cada um desses patriotas o tomou. O juramento, feito pela primeira vez por George Washington. Mas a história americana não depende de nenhum de nós, não de alguns de nós, mas de todos nós, de nós, as pessoas que buscam uma união mais perfeita.

Esta é uma grande nação. Somos boas pessoas. E ao longo dos séculos, através de tempestades e conflitos, na paz e na guerra, chegamos tão longe. Mas ainda temos muito a percorrer. Seguiremos em frente com velocidade e urgência, pois temos muito a fazer neste inverno de perigos e possibilidades significativas, muito a reparar, muito a restaurar, muito a curar, muito a construir e muito a ganhar.

Poucas pessoas na história de nossa nação foram mais desafiadas ou acharam uma época mais desafiadora ou difícil do que a que estamos agora. Um vírus que ocorre uma vez em um século e que silenciosamente espreita o país. Custou tantas vidas em um ano quanto os Estados Unidos perderam em toda a Segunda Guerra Mundial. Milhões de empregos foram perdidos. Centenas de milhares de empresas fechadas. Um grito por justiça racial, há cerca de quatrocentos anos em andamento, nos emociona. O sonho de justiça para todos não será mais adiado.

O grito de sobrevivência vem do próprio planeta, um grito que não pode ser mais desesperado ou mais claro. E agora um aumento do extremismo político, supremacia branca, terrorismo doméstico que devemos enfrentar e iremos derrotar. Superar esses desafios, restaurar a alma e garantir o futuro da América exige muito mais do que palavras. Requer o mais elusivo de todas as coisas em uma democracia: unidade, unidade.

Em outro janeiro, no dia de Ano Novo em 1863, Abraham Lincoln assinou a Proclamação de Emancipação. Quando ele colocou a caneta no papel, o presidente disse, e eu cito, “se meu nome entrar para a história, será por causa deste ato. E toda a minha alma está nisso.”

Minha alma inteira estava nisso hoje. Neste dia de janeiro, toda a minha alma está nisso: Trazer os Estados Unidos juntos, unindo nosso povo, unindo nossa nação. E peço a todos os americanos que se juntem a mim nessa causa.

Nos unindo para lutar contra os inimigos que enfrentamos: a raiva, o ressentimento, o ódio, o extremismo, a ilegalidade, a violência, a doença, o desemprego e a desesperança. Com unidade, podemos fazer grandes coisas, coisas importantes. Podemos corrigir os erros. Podemos colocar pessoas para trabalhar em bons empregos. Podemos ensinar nossos filhos em escolas seguras. Podemos superar o vírus mortal. Podemos recompensar, recompensar o trabalho e reconstruir a classe média e tornar o sistema de saúde seguro para todos. Podemos oferecer justiça racial e fazer dos Estados Unidos mais uma vez a principal força do bem no mundo.

Sei que falar de unidade pode soar para alguns como uma fantasia tola hoje em dia. Sei que as forças que nos dividem são profundas e reais, mas também sei que não são novas. Nossa história tem sido uma luta constante entre o ideal americano de que todos somos criados iguais e a dura e horrível realidade de que o racismo, o nativismo, o medo e a demonização há muito nos separaram. A batalha é perene e a vitória nunca está garantida.

Durante a guerra civil, a Grande Depressão, a guerra mundial, o 11 de setembro, através de lutas, sacrifícios e contratempos, nossos melhores anjos sempre prevaleceram. Em cada um desses momentos, muitos de nós, muitos de nós nos reunimos para levar todos nós adiante. E podemos fazer isso agora. História, fé e razão mostram o caminho, o caminho da unidade. Podemos nos ver não como adversários, mas como vizinhos. Podemos tratar uns aos outros com dignidade e respeito. Podemos unir forças, parar a gritaria e baixar a temperatura. Pois sem unidade não há paz, apenas amargura e fúria. Nenhum progresso, apenas uma indignação exaustiva. Nenhuma nação, apenas um estado de caos.

Este é nosso momento histórico de crise e desafio. E a unidade é o caminho a seguir. E devemos conhecer este momento como Estados Unidos da América. Se fizermos isso, garanto que não iremos falhar. Nunca, jamais, jamais falhamos na América quando agimos juntos.

E então hoje neste momento neste lugar, vamos começar do zero, todos nós. Vamos começar a ouvir uns aos outros novamente. Ouça um ao outro, veja um ao outro, mostre respeito um pelo outro. A política não precisa ser um fogo violento, destruindo tudo em seu caminho. Cada desacordo não precisa ser causa de guerra total. E devemos rejeitar a cultura na qual os próprios fatos são manipulados e até fabricados.

Meus companheiros americanos. Temos que ser diferentes disso. Os Estados Unidos tem de ser melhor do que isso. E eu acredito que é muito melhor do que isso. Basta olhar em volta. Aqui estamos, à sombra da cúpula do Capitólio, como foi mencionado antes, concluída durante a Guerra Civil, quando a própria união estava literalmente na balança. Ainda assim, nós resistimos, nós prevalecemos.

Aqui estamos olhando para o grande mall onde o Dr. King falou de seu sonho. Aqui estamos nós, onde há 108 anos, em outra posse, milhares de manifestantes tentaram bloquear a marcha de mulheres corajosas pelo direito de voto. E hoje comemoramos o juramento da primeira mulher na história dos Estados Unidos eleita para um cargo nacional: a vice-presidente Kamala Harris. Não me diga que as coisas não podem mudar.

Aqui estamos do outro lado do Potomac, do Cemitério de Arlington, onde os heróis que deram a última medida completa de devoção descansam em paz eterna. E aqui estamos nós, poucos dias depois que uma turba violenta pensou que poderia usar a violência para silenciar a vontade do povo, para parar o trabalho de nossa democracia, para nos tirar deste solo sagrado.

Seremos um parceiro forte e confiável para paz, progresso e segurança. Olha, todos vocês sabem, nós passamos por muito nesta nação. E meu primeiro ato como presidente, gostaria de pedir a você que se junte a mim em um momento de oração silenciosa para lembrar todos aqueles que perdemos no ano passado para a pandemia. Aqueles quatrocentos mil compatriotas americanos, mães, pais, maridos, esposas, filhos, filhas, amigos, vizinhos e colegas de trabalho. Iremos honrá-los tornando-nos o povo e a nação que sabemos que podemos e devemos ser. Por isso, peço a vocês, vamos fazer uma oração silenciosa por aqueles que perderam suas vidas, aqueles que ficaram para trás e por nosso país.

Amém.

Gente, este é um momento de teste. Enfrentamos um ataque à nossa democracia e à verdade, um vírus violento, crescente desigualdade, a picada do racismo sistêmico, um clima em crise, o papel da América no mundo. Qualquer um desses será o suficiente para nos desafiar profundamente. Mas o fato é que enfrentamos todos de uma vez, apresentando a esta nação uma das responsabilidades mais graves que já tivemos. Agora vamos ser testados. Nós vamos intensificar? Todos nós? É hora de ousadia, pois há muito o que fazer. E isso é certo, eu prometo a você, seremos julgados, você e eu, pela forma como resolveremos essas crises em cascata de nossa era.

Estaremos à altura da ocasião, é a questão. Vamos dominar esta hora rara e difícil? Será que vamos cumprir nossas obrigações e passar adiante um mundo novo e melhor para nossos filhos? Eu acredito que devemos. Tenho certeza que você também. Eu acredito que sim. E quando o fizermos, escreveremos o próximo grande capítulo da história dos Estados Unidos da América. A história americana. Uma história que pode soar como uma música que significa muito para mim. É chamado American Anthem. Tem um versículo que se destaca, pelo menos para mim, e é assim:

O trabalho e as orações de um século nos trouxeram até hoje.

Qual será o nosso legado? O que nossos filhos dirão?

Deixe-me saber em meu coração quando meus dias acabarem.

América, América, dei o meu melhor para vocês.

Vamos adicionar. Vamos adicionar nosso próprio trabalho e orações ao desenrolar da história de nossa grande nação. Se fizermos isso, quando nossos dias chegarem ao fim, nossos filhos e os filhos de nossos filhos dirão de nós: Eles deram o seu melhor, cumpriram seu dever, curaram uma terra devastada.

Meus compatriotas, eu encerro o dia em que comecei, com um juramento sagrado diante de Deus e de todos vocês. Dou minha palavra, sempre serei sincero com você. Vou defender a Constituição. Vou defender nossa democracia. Defenderei a América e darei tudo, tudo de vocês. Manter tudo o que eu faço a seu serviço, pensando não no poder, mas nas possibilidades, não no interesse pessoal, mas no bem público. E juntos escreveremos uma história americana de esperança, não de medo. De unidade, não de divisão. De luz, não escuridão. Uma história de decência e dignidade, amor e cura, grandeza e bondade. Que esta seja a história que nos guia. A história que nos inspira e a história que conta os tempos que ainda virão e que atendemos ao chamado da história. Nós conhecemos o momento. Democracia e esperança, verdade e justiça não morreram sob nossa supervisão, mas prosperaram. Que a América garantiu a liberdade em casa e permaneceu mais uma vez como um farol para o mundo. Isso é o que devemos aos nossos antepassados, uns aos outros e às gerações seguintes.

Assim, com propósito e determinação, nos voltamos para as tarefas de nosso tempo. Sustentados pela fé, movidos pela convicção, devotados uns aos outros e ao país que amamos de todo o coração. Que Deus abençoe a América e que Deus proteja nossas tropas. Obrigado, América.

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Não existe assimetria entre política externa e política de governo propriamente dita. O colapso de uma, inevitavelmente, levará a outra de roldão, a não ser que haja um grande ajuste

A posse do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, hoje, representa o colapso da política externa do presidente Jair Bolsonaro, sem mais nem menos. Seu apoio escancarado não somente à reeleição de Donald Trump, mas também às denúncias de fraude eleitoral na eleição do democrata, bem como aos protestos dos republicanos — que culminaram com a invasão do Capitólio — levou as relações entre o Brasil e os Estados Unidos ao seu pior momento desde o governo Geisel, durante o regime militar. Entramos num processo parecido com aquele momento, marcado pela celebração do acordo nuclear com a Alemanha, pelo presidente Ernesto Geisel, que rompeu um velho acordo militar com Estados Unidos, em 1975.

Em março 1978, quando o presidente democrata Jimmy Carter esteve no Brasil, foi recebido friamente por Geisel, embora a visita, de iniciativa da Casa Branca, fosse uma tentativa de melhorar as relações. Entretanto, não houve como deixar fora da pauta do encontro a questão dos direitos humanos. Denúncias de sequestros, torturas e assassinatos de oposicionistas nos quartéis e aparelhos clandestinos dos serviços de inteligência do regime, devidamente circunstanciadas, foram entregues à primeira-dama Rosalyn Carter, estressando ainda mais as relações.

Na época do estresse com os Estados Unidos, Geisel ainda encarnava um projeto nacional-desenvolvimentista, que contava com certo apoio na sociedade, apesar de o regime vir a ser derrotado fragorosamente nas urnas, em novembro do mesmo ano. Agora, não existe projeto nacional algum. Ideologicamente, Bolsonaro se aliou de forma incondicional ao presidente Donald Trump, que, agora, deixa o governo, depois da sua frustrada tentativa de impedir a posse de Biden, numa inopinada e brutal ação golpista, amplamente repudiada pelo Congresso e a Justiça dos Estados Unidos. Como se dizia antigamente, Bolsonaro pegou o bonde errado.

O fracasso da política externa de Bolsonaro é ainda mais grave porque o presidente brasileiro, ao se aliar a Trump, entrou em rota de colisão com a União Europeia, por causa da questão ambiental, e com a China, nosso principal parceiro, devido à guerra comercial entre os dois países. Até mesmo com a Índia e a África do Sul, que são nossos parceiros no Brics, Bolsonaro desgastou as relações diplomáticas, ao votar contra a quebra de patentes de produtos farmacêuticos na Organização Mundial de Comércio (OMC). Agora, o Brasil depende da importação de insumos farmacêuticos e vacinas desses países, que têm seus próprios interesses geopolíticos e nenhuma boa vontade com Bolsonaro.

Reflexos internos

Grande produtor de commodities de minérios e de alimentos, o Brasil tem um lugar cativo na divisão internacional do trabalho que nos garante certa importância na política internacional, mas a nossa atual política externa trabalha na direção de anular essa vantagem estratégica. O resultado são dificuldades em questões nas quais, tradicionalmente, nossa diplomacia contaria com a boa vontade dos parceiros, por seu pragmatismo e habilidade nas negociações multilaterais. Acontece que o multilateralismo e o globalismo viraram palavrão no gabinete do chanceler Ernesto Araújo.

Como se sabe, não existe assimetria entre política externa e política de governo propriamente dita. O colapso de uma, inevitavelmente, levará a outra de roldão, a não ser que haja um grande ajuste, o que não está sendo sinalizado pelo Palácio do Planalto. Uma pandemia é o tipo de problema cuja solução exige certo nível de governança global e boa vontade entre os parceiros internacionais, além do esforço próprio e local. No caso da covid-19, pela primeira vez, nossa diplomacia virou problema em vez de solução. O resultado é que estamos tendo dificuldades, por exemplo, para obtenção de insumos farmacêuticos necessários à produção de vacinas tanto pelo Instituto Butantan (CoronaVac) quanto pela Fiocruz (AstraZeneca-Oxford), agravadas pelos erros do Ministério da Saúde na gestão da crise sanitária e negociações para comprar as vacinas.

A crise sanitária provocou uma crise econômica, cuja superação depende da vacinação em massa da população e não do “tratamento precoce” preconizado pelo presidente Jair Bolsonaro. Mesmo que a pandemia venha a ser contida — estamos numa segunda onda, com escassez de vacinas —, é preciso que medidas econômicas sejam adotadas para gerenciar o deficit fiscal, decorrente das medidas emergenciais adotadas durante a pandemia. Há que se ter, também, um programa de reformas que ajude a recuperação das atividades econômicas. Ocorre que o ministro da Economia, Paulo Guedes, vive numa eterna fuga pra frente, na qual essas medidas dependem sempre de um fato político novo. Desta vez, são as eleições das Mesas da Câmara e do Senado, nas quais o Palácio do Planalto aposta todas as fichas.

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