estupro

Até outubro, foram registradas mais de 13 mil ocorrências de violência contra as mulheres no DF

Thamy Frisselli*, Brasil de Fato

Dados sobre a violência contra as mulheres no Distrito Federal são alarmantes. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF), entre janeiro e outubro de 2022, foram registrados 17 casos de feminicídio. Além disso, nos primeiros dez meses deste ano foram 13.931 ocorrências de violência doméstica registradas em todo o DF. No mesmo período de 2021, foram registradas 13.712 ocorrências.

Um estudo realizado pela Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF) da SSP aponta que, desde março de 2015, quando entrou em vigor a “Lei do Feminicídio”, até o mês de outubro de 2022, 74,5% dos casos ocorreram dentro de residências. Os dados revelam ainda que em 86,6% dos casos a motivação foi o sentimento de posse, ciúme ou não aceitação do término do relacionamento. De março de 2015 a outubro de 2022, 71,5% das vítimas não haviam registrado ocorrências anteriores de violência doméstica pelo mesmo autor.

Outras pesquisas também chamam a atenção para a situação de violência de gênero no Distrito Federal. Entre janeiro de 2020 e maio de 2022, o DF registrou 35.572 medidas protetivas para meninas e mulheres em situação de violência doméstica. É a quarta unidade da Federação com o maior número de Medidas Protetivas de Urgência (MPU). Em todo o país, foram registradas 572.159  medidas – Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais lideram. Os dados foram divulgados em agosto e fazem parte de uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Instituto Avon e o Consórcio Lei Maria da Penha.

Estupro

A Secretaria de Segurança Pública do DF informa que foram registradas 607 ocorrências de estupro no DF nos primeiros dez meses deste ano. Entre janeiro e outubro do ano passado foram 514 registros dessa natureza criminal.

Para Cleide Oliveira Lemos, ativista integrante do Levante Feminista Contra o Feminícidio no DF, "os estupros notificados alcançam entre 10% e 25% do total, o que é uma taxa absurda. Então, para cada 10 violações sexuais cometidas nós teríamos entre 1 a 3 que não são notificadas. E isso por vários motivos: elas sentem vergonha, se sentem culpadas. Existe uma cultura de constrangimento da mulher pelo crime que ela sofre”.

:: Votação do Estatuto do Nascituro na Comissão da Mulher na Câmara é adiada após tumulto ::

“Existe uma dificuldade muito grande, numa sociedade onde as violências contra as mulheres são naturalizadas na lógica do ‘sempre foi assim’, ‘sempre vai ser assim que as coisas funcionam’, de as mulheres identificarem que estão sofrendo violência. Viver em um ambiente onde as pessoas gritam com elas, onde suas opiniões e escolhas são cerceadas, são sinais de relacionamentos abusivos que nunca começam com uma tentativa de assassinato, né? Sempre evoluem entre pequenas violências até se tornarem violências absolutas”, explicou Thaísa Magalhães, secretária de Mulheres da CUT-DF.

CPI

A CPI do Feminicídio, realizada na Câmara Legislativa do Distrito Federal, apontou em seu relatório final, em 2019, que era preciso dotar a Secretaria da Mulher (SEMDF) de orçamento e pessoal e recompor o quadro de servidores dos Centros de Especialidades para Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica.

Além disso, também apontou a necessidade de vincular, nos Planos Plurianuais e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ações e metas a serem estabelecidas no âmbito do II Plano Distrital de Política para as Mulheres; coordenar e articular, por meio da SEMDF, os serviços integrantes da rede de proteção, especialmente entre órgãos de segurança e das secretarias de Desenvolvimento Social e da Justiça; bem como coordenar e articular políticas públicas que incorporem noções transversais e intersetoriais de enfrentamento ao machismo, ao racismo, à lesbofobia e à transfobia.

O deputado Fábio Félix conta que, durante mais de dois anos, a CPI visitou os serviços de prevenção à violência de gênero para apontar as falhas que contribuem para o assassinato de mulheres. Um dos principais diagnósticos é o de que não existe uma rede integrada, as políticas públicas não estão conectadas. O documento final da Comissão aponta uma série de medidas que devem ser tomadas para superar essas lacunas. "Propusemos a criação de um Pacto Pela Vida de Todas as Mulheres e, agora, estamos batalhando para que o poder público crie este Pacto e adote as recomendações da CPI”.

Dados nacionais

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no primeiro semestre de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio, uma média de 4 mulheres por dia. Este número é 3,2% mais elevado que o total de mortes registrado no primeiro semestre de 2021, quando 677 mulheres foram assassinadas. Os dados indicam um crescimento contínuo das mortes de mulheres em razão do gênero feminino desde 2019.

Em relação ao primeiro semestre de 2019, o crescimento no mesmo período de 2022 foi de 10,8%, apontando para a necessária e urgente priorização de políticas públicas de prevenção e enfrentamento à violência de gênero.

Canais de denúncias

Quatro meios para recebimento de denúncias são disponibilizados pela PCDF: a denúncia on-line, o telefone 197 Opção 0 (zero), o e-mail denuncia197@pcdf.df.gov.br e o WhatsApp (61) 98626-1197.

Fonte: BdF Distrito Federal

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Segundo o Código Penal, relações sexuais com menores de 14 anos configuram estupro de vulnerável dpa/picture alliance via Getty

Polícia investiga garoto de 13 anos e circunstâncias de estupro de menina de 11 em SC

Barbara Brambila, Giulia Alecrim, Thiago Félix, Tiago Tortella e Vinícius Tadeu, CNN Brasil*

À CNN, delegado afirma que depoimentos confirmam relações sexuais entre os jovens; especialistas se amparam no ECA para justificar aborto

A Polícia de Santa Catarina confirmou que um garoto de 13 anos está sendo investigado no caso da menina de 11 anos que realizou aborto na quarta-feira (22).

O delegado Alisson Rocha, titular da Delegacia de Tijucas, confirmou à CNN que existe um procedimento para apuração de ato infracional em curso pela unidade, e que depoimentos confirmam que os jovens tiveram relações sexuais e que elas teriam sido consensuais.

Ainda estão sendo feitos exames de elementos biológicos, dentre outros procedimentos, para apuração genética, não sendo possível afirmar que o bebê que a menina esperava era do suspeito.

Segundo o artigo 217-A do Código Penal, uma das classificações para estupro de vulnerável é “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”.

“O que saltou aos olhos foi que, no geral, houve uma relação de afeto entre os dois, houve uma premeditação para o lado da atividade sexual, em comum acordo, havia consentimento. Em regra, os dois praticaram as condutas com um ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável do artigo 217-A do Código Penal”, diz o delegado.

Ariel de Castro, presidente da Comissão de Direito à Convivência Familiar de Crianças e Adolescentes da OAB-SP e integrante do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, observa que estupro de vulnerável se configura quando as vítimas têm menos de 14 anos, independentemente do consentimento ou não.

“É uma violência presumida pela legislação, com entendimento de que pessoas de menos de 14 anos não devem manter qualquer tipo de ato libidinoso”, afirma.

Um primeiro relatório de apuração foi encaminhado pela Polícia Civil para o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) há doze dias, porém, o MPSC pediu que a investigação faça mais diligências. Só ao término desta nova fase o delegado analisará se existe responsabilidade de ato infracional análogo ao estupro de vulnerável.

O delegado estima que as diligências devem ser concluídas até a próxima terça-feira (28). Depois disso, o relatório será novamente encaminhado ao MP, que também deve se manifestar sobre o assunto.

Punições possíveis?

Com a possibilidade de a gravidez ter sido causada por relações sexuais entre uma criança e um adolescente menor de 14 anos, juridicamente o caso ganha nova complexidade, de acordo com especialistas ouvidos pela CNN.

“Quando a relação é entre dois adolescentes, um adolescente e uma criança, só o caso a caso vai poder falar. O contexto é importante”, afirma Isabella Henriques, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-SP, ressaltando que é uma definição delicada.

Henriques também destaca que, em casos gerais, existem medidas socioeducativas prevista para os atos infracionais, mas que o caso deve ser julgado por uma justiça especializada pelo fato de o adolescente “também estar em um momento peculiar de desenvolvimento”.

Thales Cezar de Oliveira, procurador de justiça do MP-SP e professor da Faculdade Piaget, pontua que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quando algum maior de 12 anos pratica um ato infracional ele pode ser passível de medidas socioeducativas até internação, desde que seja comprovado o ato.

O ECA considera crianças as pessoas com até 12 anos incompletos, e são considerados adolescentes aqueles entre 13 anos de idade e 18 anos incompletos.

Ariel de Castro destaca ainda que, se temos “um adolescente de 13 e uma menina de 11”, ambos são considerados vulneráveis.

“Caberiam medidas de proteção para ambos, de inclusão social, educacional, acompanhamento e atendimentos de saúde e psicológicos”, complementa.

Ele pontua também que, se for comprovado que não houve violência ou ameaça contra a vítima, o adequado, na avaliação dele, seria não aplicar uma medida de privação de liberdade para esse adolescente.

“Em casos assim, se não houve violência ou grave ameaça, no processo de apuração do ato infracional do adolescente, os juízes da infância concedem remissão (espécie de perdão judicial), a pedido da promotoria. Essa tese jurídica que tem sido aplicada no Brasil e internacionalmente é chamada de Lei Romeu e Julieta”, explica.

“Precisam ser aplicadas medidas de proteção. Ele precisa ser orientado sobre questões de sexualidade e deve se verificar se ele vive em situação de negligência familiar, abandono etc”, finaliza.

Isabella Henriques defende que o tema da violência sexual contra crianças seja discutido pela sociedade, tendo em mente os impactos na vida das crianças, e que tanto “sociedade e sistema de justiça estejam preparados para acolher as nossas crianças”.

Ariel de Castro ressalta que quando um caso como o da menina de Santa Catarina ocorre, “todos somos co-responsáveis, pela lei. A família, o Estado e a sociedade”, reforçando a importância da educação sexual.

Legalidade do aborto

Uma das exceções para a interrupção da gravidez no Brasil — visto que o aborto é criminalizado no país — é o estupro.

“No caso de uma criança com menos de 14 anos, vítima de estupro de vulnerável, não há dúvida do ponto de vista jurídico que ela pode abortar”, diz Henriques.

Castro, por sua vez, afirma que o caso de Santa Catarina é “sim, um estupro de vulnerável, porque uma menina de 11 anos está grávida”.

Isabella Henriques ressalta que os responsáveis legais precisam dar autorização para o procedimento, mas que o melhor interesse do menor de idade se sobrepõe aos interesses dos responsáveis.

“Se o responsável legal não tomar a decisão no melhor interesse da criança, no sentido de garantir os direitos da criança, o Ministério Público, a Defensoria Pública podem promover, provocar os direitos da criança”.

Thales de Oliveira também destaca que “independente da idade, a gravidez, sendo provocado por uma violência, tem o direito de abortar”. Não está claro, no caso específico, se a suposta relação da menina foi ou não consensual.

“É preciso que você tenha o consentimento da gestante e do representante [para o aborto]. Mas o Estatuto da Criança e do Adolescente confere tanto à criança e ao adolescente o protagonismo do seu direito. Há a prioridade à vontade da criança e adolescente. A menos que perceba que é uma vontade viciada”, pontua o procurador.

Em 21 de junho, a OAB de São Paulo publicou uma nota ressaltando o artigo 128 do Código Penal, que dita que “não se pune o aborto no caso de gravidez resultante de estupro”.

Caso teve repercussão nacional

Em maio, a mãe da menina de 11 anos a levou ao hospital universitário de Florianópolis (SC) logo após constatar que ela estava grávida. Na ocasião, a menina tinha 10 anos de idade.

O hospital constatou que o feto tinha 22 semanas e se recusou a realizar o procedimento, ao dizer que as equipes médicas não realizariam abortos após 20 semanas.
Após a negativa do hospital, a mãe da menina recorreu à Justiça para conseguir autorização para interromper a gravidez, mas não obteve o aval judicial.

O caso tramita em segredo de Justiça e veio a público após o site The Intercept e o portal Catarinas divulgarem trechos da audiência em que a juíza Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), faz uma série de perguntas à criança. A CNN entrou em contato com a advogada da família, Daniela Felix, que confirmou as informações da reportagem dos dois veículos.

No vídeo, a juíza questiona a garota se poderia “suportar mais um pouquinho” para, assim, permitir que o feto pudesse ser retirado com vida. Em outros momentos da audiência, Joana Ribeiro ainda perguntou à criança se ela gostaria de “escolher o nome do bebê” e se ela achava “que o pai do bebê concordaria com a entrega para adoção”.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou, em nota, que a Corregedoria abriu um procedimento investigatório sobre a condução do processo.
Zimmer autorizou a ida da menina para um abrigo, justificando em um dos despachos o “risco” da mãe efetuar “algum procedimento para operar a morte do bebê”. A menina já foi retirada do abrigo.

Juíza e promotora envolvidas no caso afirmaram à CNN que não iriam se pronunciar.

*Texto publicado originalmente em CNN Brasil


Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apura conduta de Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC)

O que pode acontecer com juíza que induziu menina estuprada a evitar aborto

BBC News Brasil

Em audiência no dia 9 de maio, Ribeiro Zimmer induziu a menina de 11 anos, vítima de estupro, a desistir de fazer um aborto legal. Trechos da sessão foram divulgados em um vídeo publicado Portal Catarinas e pelo The Intercept (ler mais abaixo).

"Você vai ao médico, e a gente vai fazer essa pergunta para um médico, mas você, se tivesse tudo bem, suportaria ficar mais um pouquinho?", disse a juíza à menina.

O caso reverberou por todo o país — após repercussão negativa, a magistrada deixou a Vara da Infância onde atuava. Ela foi promovida e transferida para outra cidade. Ribeiro Zimmer alegou que já havia sido promovida antes de o caso ter vindo à tona e resolveu aceitar o novo cargo.

A Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou, em nota, que está apurando a conduta da magistrada. O CNJ também confirmou à BBC News Brasil, por meio de sua assessoria de imprensa, que está analisando o caso e que já recebeu quatro representações contra Ribeiro, uma delas assinada por sete de seus conselheiros (o órgão tem 15 integrantes). Além disso, recebeu outras três de advogados e associação.

Mas o que pode acontecer com a juíza Joana Ribeiro Zimmer? Ela pode ser realmente punida? Qual é o passo a passo da apuração? E qual tipo de punição ela pode receber?

Há seis penas que podem ser aplicadas a magistrados quando há desrespeito a qualquer dos deveres previstos no Art. 25 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) — sendo a mais grave a demissão.

No entanto, esta não se aplica à juíza, uma vez que ela exerce a magistratura há mais de dois anos.

Sendo assim, caso seja considerada culpada ao fim da sindicância, a punição máxima que poderia receber seria a aposentadoria compulsória.

Confira abaixo:

1) Advertência

Trata-se da pena mais leve e aplicada ao magistrado que age de forma negligente em relação ao cumprimento dos deveres do cargo. Só pode ser aplicada a juízes de primeiro grau (como é o caso de Joana Ribeiro Zimmer).

2) Censura

A aplicação desta punição ocorre quando o magistrado atua de maneira negligente repetidas vezes em relação ao cumprimento do cargo. Também pode ser usada apenas na punição de juízes de primeiro grau. O magistrado punido com censura não pode constar de lista de promoção por merecimento por um ano, desde a data do trânsito em julgado.

3) Remoção compulsória

Trata-se de punição aplicável tanto a juízes de primeira instância quanto aos de segunda instância. Nesse caso, o magistrado é transferido para outra comarca de forma obrigatória.

4) Disponibilidade

O magistrado é posto em disponibilidade (inatividade remunerada) ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória. Só após dois anos afastado o juiz pode solicitar seu retorno ao trabalho. O prazo, por si, não garante o retorno. Cabe ao tribunal julgar o pleito. Durante esse período, é vedado a ele exercer outras funções, como advocacia ou cargo público, salvo um de magistério superior.

5) Aposentadoria compulsória

A aposentadoria compulsória é a mais grave das cinco penas disciplinares aplicáveis a juízes vitalícios. Afastado do cargo, o condenado segue com provento ajustado ao tempo de serviço. Pode ser aplicada quando o magistrado: I - mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres; II - proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções, ou III - demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.

6) Demissão

Só pode ser aplicado a juízes ainda não vitaliciados (ou seja, com menos de 2 anos no cargo) Ao juiz não-vitalício será aplicada pena de demissão em caso de: I - falta que derive da violação às proibições contidas na Constituição Federal e nas leis; II - manifesta negligência no cumprimento dos deveres do cargo; III - procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; IV - escassa ou insuficiente capacidade de trabalho; ou V - proceder funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.

Como funciona o processo?

Segundo o CNJ, na apuração preliminar, a Corregedoria Nacional "procede à avaliação das provas existentes, a fim de estabelecer se houve prática de infração disciplinar, o que determina a propositura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) ou, em hipótese contrária, se as provas são frágeis ou insuficientes, pode acarretar o arquivamento do procedimento".

"Se a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, decidir pela instauração do PAD, o parecer será apreciado pelo Plenário do CNJ, quando todos os conselheiros se manifestarão sobre o caso".

"Se o pedido for aceito, haverá abertura do processo disciplinar e a magistrada terá garantida a ampla defesa e contraditório, conforme previsto na Constituição Federal. Encerrada a apuração, será apresentado relatório para nova apreciação do Plenário".

Punições como remoção, disponibilidade e aposentadoria compulsória de magistrados só podem ser aprovadas por maioria absoluta do conselho.

O CNJ foi instalado em 2005 para exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.

São 15 membros, com mais de 35 anos e menos de 66, com mandato de dois anos, admitida a recondução por mais um.

O conselho é sempre presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, e a corregedoria é sempre ocupada por um ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Os demais membros são um ministro do Tribunal Superior do Trabalho; um desembargador de Tribunal de Justiça; um juiz estadual; um juiz do Tribunal Regional Federal; um juiz federal; um juiz de Tribunal Regional do Trabalho; um juiz do trabalho; um membro do Ministério Público da União; um membro do Ministério Público Estadual; dois advogados; dois cidadãos de "notável saber jurídico e reputação ilibada".

Atualmente o presidente do conselho é o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, e a corregedoria é ocupada pela ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, do STJ.

Ao longo de sua história, o CNJ puniu 126 juízes, sendo 69 (55%) com aposentadoria compulsória (punição mais severa) até outubro do ano passado, segundo a assessoria de imprensa do órgão.

Entenda o caso

Em reportagem do Portal Catarinas, em parceria com o The Intercept Brasil, divulgada na segunda-feira (20/6), é possível ouvir no vídeo a menina de 11 anos sendo encorajada a manter a gestação.

Ao falar com a criança, a juíza Joana Ribeiro Zimmer pergunta: "Qual é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer?". Depois de uma resposta negativa da vítima, pergunta se gostaria de "escolher o nome do bebê" e se "o pai do bebê" concordaria com a entrega à adoção.

Também faz outras perguntas como: "Quanto tempo que você aceitaria ficar com o bebê na tua barriga para gente acabar de formar ele, dar os medicamentos para o pulmãozinho dele ficar maduro para a gente poder fazer essa retirada antecipada do bebê para outra pessoa cuidar se você quiser?"; "Você vai ao médico, e a gente vai fazer essa pergunta para um médico, mas você, se tivesse tudo bem, suportaria ficar mais um pouquinho?"; "Você acha que o pai do bebê concordaria com a entrega para adoção?"

Na audiência com a mãe da menina, Ribeiro Zimmer questiona sobre a gestação da menina.

"Quanto ao bebezinho, você entendeu que se fizer uma interrupção, o bebê nasce e a gente tem que esperar esse bebê morrer? A senhora conseguiu entender isso? Que é uma crueldade? O neném nasce e fica chorando até morrer."

"E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Então, essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal. A gente pode transformar essa tragédia."

A mãe da criança então diz: "É uma felicidade porque não estão passando pelo o que eu estou passando".

A menina teria sofrido o abuso sexual com 10 anos. O Conselho Tutelar da cidade em que ela morava quando foi violentada acionou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) que, por sua vez, ingressou com o pedido para que a criança fosse levada a um abrigo provisoriamente.

Ela descobriu estar com 22 semanas de gravidez ao ser encaminhada a um hospital de Florianópolis, onde lhe foi negado o procedimento para interromper a gestação negado e que este só seria realizado com uma autorização da Justiça.

Na decisão, a juíza Ribeiro Zimmer disse que o encaminhamento ao abrigo, inicialmente feito a pedido da Vara da Infância para proteger a criança do agressor, agora tinha como objetivo evitar o aborto. A suspeita é que a violência sexual ocorria em casa.

A magistrada afirmou que a mãe da menina disse em juízo que queria o bem da filha, mas ponderou que, se a jovem não tivesse sido acolhida em um abrigo, teria feito o procedimento de aborto obrigada pela mãe.

Outro lado

Em entrevista ao jornal Diário Catarinense após a divulgação do caso, a magistrada afirmou que não é contra o aborto.

Ela justificou sua decisão por um "conceito" da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde.

"A palavra aborto tem um conceito e esse conceito é de até 22 semanas. Esse conceito é da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Ministério da Saúde. Isso não quer dizer que eu sou contra o aborto, só que o aborto passou do prazo."

No entanto, nos três casos em que a legislação brasileira permite o aborto (estupro, risco de vida materna ou mal formação fetal incompatível com a vida), não há limite de idade gestacional.

Na entrevista, a magistrada rebateu as críticas e disse que não quer expor a menina.

"Por coerência, eu prefiro que me acusem de tudo quanto é coisa, mas a menina esteja preservada. É muita covardia eu querer me defender, eu tenho mil coisas para me defender, mas é muito covarde eu tentar me defender e expor a menina, a mãe da menina, a família. Então eu prefiro aguentar sozinha essa pressão."

Ela também falou que corre "risco de vida" e não quer dar gastos adicionais para o tribunal em relação a isso, como, por exemplo, guarda-costas para a segurança dela.

"Tem outra questão que é a segurança institucional de que os meus dados já foram quebrados e eu já corro risco de vida. Então, tem mais uma responsabilidade de não gerar um custo para o tribunal de ter que colocar seguranças, tem mais isso. Não posso sair falando por aí e o tribunal ter de ficar sustentando guarda-costas."

Ribeiro Zimmer atuava na área da Infância e Juventude desde 2004. Após promoção por "merecimento" pelo TJ-SC, ela foi transferida para a comarca de Brusque, no Vale do Itajaí, e vai atuar na Vara Comercial.

Até ser promovida, seu salário era de R$ 32.004,65 mil brutos mensais. Mas, em abril, devido aos auxílios a que tem direito, ela ganhou R$ 59.129,75 brutos.

Em nota distribuída à imprensa, a juíza Ribeiro Zimmer afirmou ser "de extrema importância que esse caso continue a ser tratado pela instância adequada, ou seja, pela Justiça, com toda a responsabilidade e ética que a situação requer e com a devida proteção a todos os seus direitos e garantias constitucionais".

*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil


RPD: Reportagem mostra o que desestimula vítimas de estupro no Brasil

Após sofrerem nas mãos de criminosos, vítimas precisam enfrentar longa via-crúcis em busca de justiça

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Fiquei travada. Ele começou a passar a mão em mim e falou para eu ficar quietinha, senão eu seria demitida por justa causa”. O relato é de uma das vítimas de estupro no Brasil, onde uma longa via-crúcis desestimula e intimida mulheres a denunciar criminosos. É o que mostra reportagem especial da revista Política Democrática Online de dezembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos da publicação em seu site.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!

No total, conforme mostra a reportagem, 66.123 pessoas registraram boletim de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável em 2019, de acordo com a 14ª edição doAnuário Brasileiro de Segurança, lançado em outubro deste ano. Em média, no ano passado, uma pessoa foi estuprada a cada 8 minutos, no país. É um dado maior que o revelado em 2015, quando a média era de um estupro a cada 11 minutos.

De acordo com o levantamento, no ano passado, 85,7% das vítimas eram do sexo feminino. Em 84,1% dos casos, o criminoso era conhecido da vítima: familiares ou pessoas de confiança, como ocorreu no episódio que abre esta reportagem por se tratar de um patrão da vítima, com o qual ela tinha vínculo de trabalho havia 10 anos.

No Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as pesquisadoras relatam que o número de estupro é ainda muito maior do que o registrado. A subnotificação ganha força diante de situações em que as vítimas não procuram as autoridades por medo, sentimento de culpa e vergonha ou até mesmo por desestímulo por parte das autoridades.

Em setembro deste ano, o próprio Judiciário foi palco de um caso que desestimula vítimas. A jovem promoter Mariana Ferrer, de 23, vítima de estupro, foi humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, defensor do acusado, o empresário André Camargo de Aranha. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lábia de crocodilo”, disse o advogado à vítima, em audiência por videoconferência, sob a vista grossa do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis. O promotor Thiago Carriço de Oliveira sustentou a tese de estupro sem intenção. O acusado foi inocentado.

Somente após a repercussão negativa do caso na imprensa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que classificou como “grotescas” as cenas da audiência, instauraram procedimentos para investigar as condutas do juiz e do promotor por suposta omissão. A Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC) também abriu investigação para avaliar a conduta de Gastão Filho. A reportagem não conseguiu contato dos três investigados.

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RPD || Reportagem Especial: Vítimas enfrentam longa via-crúcis no combate ao estupro

Medo e preconceito desestimulam mulheres a denunciar crime em busca de justiça

Cleomar Almeida

“Fiquei travada. Ele começou a passar a mão em mim e falou para eu ficar quietinha, senão eu seria demitida por justa causa”. A cena permanece na cabeça de uma mulher de 32 anos, que, conta, saiu para confraternização de trabalho e foi estuprada, em 2019, pelo patrão, de 47 anos, no banheiro feminino, onde a entrada dele era proibida. “Quando o vi lá dentro, com a calça aberta, fiquei sem chão. Ele pensou que eu estava bêbada, mas não estava e lembro tudo”, afirma.

Depois do episódio, relata, a vítima foi embora para casa imediatamente e, desesperada, contou o caso a uma de suas amigas de trabalho, que duvidou dizendo que ela estava com “alguma alteração mental”. Enquanto a mulher era estuprada no banheiro, os demais colegas de trabalho sorriam e bebiam à mesa lá fora. Ela pediu para não ter a identidade divulgada e preferiu não divulgar a dele também. Ele foi inocentado, mesmo com imagens de circuito interno provando o momento em que ele entrou no banheiro feminino atrás dela.

Enquanto a mulher era estuprada no banheiro, os demais colegas de trabalho sorriam e bebiam à mesa lá fora.

Ao ser desacreditada pela própria amiga, a vítima iniciaria uma longa via-crúcis para superar um caminho onde haveria mais preconceito e dúvidas de seu relato do que acolhimento. Na manhã do dia seguinte, ela viu o segundo obstáculo em uma delegacia de polícia em Brasília, onde teve que contar o episódio no primeiro balcão para pegar uma senha e, depois, repeti-lo com detalhes para o escrivão, sem receber qualquer acolhimento de psicóloga ou outra profissional especializada. “É uma violência multiplicada, porque a gente é obrigada a se expor e sempre é colocada em dúvida”, lamenta.

A vítima, secretária-executiva, é uma das 66.123 pessoas que registraram boletim de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável em 2019, de acordo com a 14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança, lançado em outubro deste ano. Em média, no ano passado, uma pessoa foi estuprada a cada 8 minutos, no país. É um dado maior que o revelado em 2015, quando a média era de um estupro a cada 11 minutos.

Os dados foram compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, baseados em informações das Secretarias Estaduais de Segurança Pública e Defesa Social dos Estados. De acordo com o levantamento, no ano passado, 85,7% das vítimas eram do sexo feminino. Em 84,1% dos casos, o criminoso era conhecido da vítima: familiares ou pessoas de confiança, como ocorreu no episódio que abre esta reportagem por se tratar de um patrão da vítima, com o qual ela tinha vínculo de trabalho havia 10 anos.

No Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as pesquisadoras relatam que o número de estupro é ainda muito maior do que o registrado. A subnotificação ganha força diante de situações em que as vítimas não procuram as autoridades por medo, sentimento de culpa e vergonha ou até mesmo por desestímulo por parte das autoridades.

Em setembro deste ano, o próprio Judiciário foi palco de um caso que desestimula vítimas.  A jovem promoter Mariana Ferrer, de 23, vítima de estupro, foi humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, defensor do acusado, o empresário André Camargo de Aranha. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lábia de crocodilo”, disse o advogado à vítima, em audiência por videoconferência, sob a vista grossa do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis. O promotor Thiago Carriço de Oliveira sustentou a tese de estupro sem intenção. O acusado foi inocentado.

Somente após a repercussão negativa do caso na imprensa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que classificou como “grotescas” as cenas da audiência, instauraram procedimentos para investigar as condutas do juiz e do promotor por suposta omissão. A Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC) também abriu investigação para avaliar a conduta de Gastão Filho. A reportagem não conseguiu contato dos três investigados.

“As chocantes imagens do vídeo mostram o que equivale a uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual", afirma o conselheiro do CNJ Henrique Ávila, no pedido que originou a investigação no órgão. Nenhuma das três apurações internas foi concluída ainda.

CNJ abriu procedimento para investigar condutas do advogado e do juiz no caso Mariana Ferrer após repercussão negativa na imprensa. Foto: Rômulo Serpa/CNJ

“O estupro é o único crime em que a vítima é quem sente culpa e vergonha. Pelas estimativas existentes, esse número pode ser até dez vezes maior, mas nos faltam estudos e pesquisas sobre o problema”, afirmam as pesquisadoras Samira Bueno e Isabela Sobral, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “O Brasil ostenta números obscenos de violência de gênero”, alertam elas, no documento.

No caso da secretária-executiva desta reportagem, o acusado foi absolvido porque a Justiça entendeu que o exame de corpo de delito não comprovou que a conjunção carnal foi praticada pelo acusado nem identificou qualquer resquício de sêmen na roupa da vítima. No entanto, a lei define que estupro é “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Neste caso, o Ministério Público aguarda julgamento de recurso.

Em linhas gerais, a violência sexual pode ser definida como qualquer ato ou contato sexual onde a vítima é usada para a gratificação sexual de seu agressor sem seu consentimento, por meio do uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou aproveitamento de situação de vulnerabilidade, seja em ato tentado seja em ato consumado.

No Brasil, a seção do Código Penal que trata dos crimes relacionados à violência sexual é denominada “Dos crimes contra a dignidade sexual”. Essa nomenclatura foi garantida pela Lei 12.015, de 2009, que substituiu a terminologia “crimes contra os costumes”. Além da mudança no nome, a lei trouxe um conjunto de importantes avanços no entendimento sobre os crimes relacionados à violência sexual no país.

O primeiro deles é a junção do crime de atentado violento ao pudor ao crime de estupro, conforme prevê o artigo 213. Esta modificação incluiu outros tipos de “ato libidinoso” ao conceito de estupro, antes restrito à conjunção carnal. Outra alteração foi a mudança na redação do artigo 213 do Código Penal, de forma que não se especificasse o gênero da pessoa passível de sofrer um estupro. Pela redação original, o crime de estupro podia ser praticado somente contra mulheres. Além disso, a lei incluiu o artigo 217-A, o estupro de vulnerável, entendido como a conjunção carnal ou ato libidinoso com qualquer pessoa menor de 14 anos.

Apesar dos avanços na lei, especialistas entendem que ainda pesa na sociedade uma perspectiva moralizante em torno das vítimas, muitas vezes culpabilizadas pela violência sofrida por causa do tipo de roupa que usavam e o fato de estarem na rua em determinado. Além disso, o machismo também tem reflexos sobre as relações conjugais, como se não fosse possível a uma mulher casada recusar uma relação sexual com seu cônjuge, como se o sexo fosse uma obrigação do matrimônio.

Na avaliação das pesquisadoras do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o combate ao crime de estupro deve ser alçado, com urgência, não só a uma prioridade governamental, mas incluído efetivamente no rol de ações reconhecidas pelas polícias como integrantes de suas missões e tarefas. “As polícias não podem continuar a achar que este é um tema privado ou que pouco podem fazer”, afirmam. Quem se sentir em risco ou for vítima pode ligar para o 180, número da Central de Atendimento à Mulher. A ligação é gratuita e sigilosa.


Ataques às vítimas são frequentes, criticam advogadas

Ataques às vítimas em julgamento de estupro têm sido cada vez mais frequentes no Brasil, segundo advogadas ouvidas pela Política Democrática Online. Muitas vezes, ressaltam, a própria investigação caminha para culpar as mulheres, fazendo a Justiça desacreditar delas, e os criminosos atribuem as acusações a alguma situação mal resolvida entre eles.

A advogada Jéssica Póvoa, que há 15 anos atua em defesa de mulheres estupradas no Paraná, diz ser comum a tentativa de desconstrução da imagem das vítimas. “Normalmente, questiona-se a roupa ou o comportamento delas, na tentativa de convencer o juiz de que elas consentiram com o ato”, afirma. “A vítima, infelizmente, se vê em uma situação em que é constrangida e obrigada a se defender, já que passa a se sentir acusada e não mais uma vítima", diz ela.

“A vítima, infelizmente, se vê em uma situação em que é constrangida e obrigada a se defender, já que passa a se sentir acusada e não mais uma vítima"
Jéssica Póvoa, Advogada

Em outros casos, segundo a advogada Aline Ribeiro, de uma organização não-governamental (ONG) em defesa de mulheres vulneráveis na Bahia, o acusado e os seus advogados exploram características pessoais da vítima que nada tem a ver com o processo criminal, numa tentativa de desviar o foco do Judiciário. “É uma excrescência jurídica porque, muitas vezes, a vítima, de fato, sai como errada ou louca”, lamenta a defensora.

Professora de Direito Penal e advogada há 22 anos, Maria do Socorro Cruz diz que, infelizmente, é comum advogados usarem a estratégia de desmerecer a vítima para endossarem tese de defesa em julgamento de crimes sexuais. "Sem qualquer escrúpulo, busca-se inverter o ônus da prova, sempre para intimidar a vítima ainda mais, fazendo-a acreditar que ela viu muita coisa ou que nada ocorreu”, critica.

“Em geral, o Brasil é muito punitivista, acusatório, um país que prende muito, mas, quando se fala de crimes contra a mulher, toda essa preocupação com a inocência do acusado aparece. Principalmente quando o que se tem como prova é a palavra da vítima”, observa o advogado Raimundo Sabino, de Goiás.


‘Estupro é normalizado em nosso país’, diz jornalista em livro recém-lançado

“Estupro é crime, mas é algo tão comum e normalizado em nosso país, que quem o sofre acha que é culpado por ele, uma vez que a sociedade em si também alimenta essa mentalidade.” A afirmação é da jornalista Ana Paula Araújo, em seu recém-lançado livro Abuso: a cultura do estupro no Brasil (320 páginas, Globo Livros). Na obra, a autora aborda o medo e a vergonha das vítimas, que muitas vezes são julgadas e culpabilizadas pela sociedade e pelo poder público, o que, frequentemente, dificulta as denúncias.

Ana Paula Araújo realizou mais de 100 entrevistas para o livro. Foto: TV Globo

Para detalhar como a cultura do estupro está enraizada no país, a jornalista – apresentadora do telejornal Bom dia, Brasil – realizou mais de cem entrevistas com vítimas, familiares, criminosos, psiquiatras e diversos especialistas no assunto. “Vi homens que acham o estupro absurdo, mas pensam que o que fizeram foi só um momento. Não se dão conta de que são estupradores”, afirmou à imprensa.

Foram quatro anos de pesquisa sobre o tema. Ela observou que, além de muitas vítimas não relatarem os casos às autoridades, as que conseguem forças para denunciar precisam lidar com um processo doloroso, que inclui desde os exames até o preconceito de médicos, policiais, parentes e amigos.

Na obra, Ana Paula mostra como os abusos sexuais são naturalizados no Brasil e de que forma as mulheres são vistas na sociedade depois que são violentadas. “As vítimas são ainda mais inibidas quando os casos ocorrem dentro da própria casa com pessoas próximas, como pais, padrastos e tios”, conta. Em muitos desses casos, os abusos sexuais são tão normalizados dentro do ambiente familiar, a ponto de a vítima se questionar sobre se o que aconteceu realmente foi um crime.

A própria jornalista perdeu a conta das vezes em que foi apalpada em locais lotados. Em um desses casos, tinha 18 anos e estava saindo da faculdade, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, rumo à casa da tia, na Vila da Penha, na Zona Norte, quando acordou no ônibus com a mão de um passageiro em sua coxa. E o rosto do homem quase colado ao seu. Sua reação foi xingá-lo e mandá-lo viajar em pé.

“As vítimas são ainda mais inibidas quando os casos ocorrem dentro da própria casa com pessoas próximas, como pais, padrastos e tios”
Ana Paula Araújo, Jornalista

"Contei esse episódio porque é bem trivial na vida de todas as mulheres que usam o transporte público ou por aplicativo", disse a apresentadora carioca à imprensa. Formada em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), destacou-se, em 2010, durante a cobertura da ocupação do Complexo do Alemão, quando ficou por oito horas ininterruptas no ar. Esse trabalho rendeu a ela e à equipe de jornalismo da Globo o prêmio Emmy Internacional.

Ana Paula afirma que cresceu ouvindo que deveria tomar cuidado e ficar atenta com homens. No entanto, segundo ela, a vida a ensinou que os homens é que precisam respeitar as mulheres e aprender o que é consentimento.


Guerra ideológica aterroriza vítimas de estupros no Brasil, mostra reportagem

Dados e histórias de vítima são contados em reportagem especial da revista Política Democrática Online de setembro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Ele me colocou no colo, passou a mão em mim e, depois, tirou a roupa e começou a me acariciar na minha cama”. A declaração é de uma menina de 11 anos de idade que foi estuprada, aos 9 anos, em casa, pelo padrasto, enquanto a mãe estava no supermercado, na região do Gama, a 35 quilômetros de Brasília. “Ele me machucou muito, mas depois pediu para ficar calada porque senão minha mãe iria me bater”, conta, em reportagem especial da revista Política Democrática Online de setembro.

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A reportagem mostra que, a cada hora, quatro crianças e adolescentes de até 13 anos são estupradas no país, segundo o Anuário de Segurança Pública 2019, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com informações de todas as unidades da Federação. Outro levantamento, baseado no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), revela que, por dia, o Brasil registra seis abortos em meninas de 10 a 14 anos estupradas.

O assunto mobilizou ainda mais população do país contra esse tipo de crime em agosto deste ano, conforme lembra a reportagem. “Religiosos conservadores e grupos de extrema direita no país perseguiram uma menina de 10 anos que teve autorização da Justiça para realizar aborto no Espírito Santo. Ela ficou grávida após ser estuprada pelo tio, por quem era violentada desde os 6 anos. O criminoso está preso’, diz o texto.

Em 2018, de acordo com o Anuário de Segurança Pública, o Brasil registrou mais de 66 mil casos de violência sexual, o que corresponde a mais de 180 estupros por dia. Entre as vítimas, 54% tinham até 13 anos. Foi a estatística mais alta desde 2009, quando houve a mudança na tipificação do crime de estupro no Código Penal brasileiro. O atentado violento ao pudor passou a ser classificado como estupro. 

A reportagem especial da revista Política Democrática Online também mostra que, em sessão remota, o Senado Federal aprovou, no dia 9 de setembro, a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro, que deve conter, obrigatoriamente, características físicas, impressões digitais, perfil genético (DNA), fotos e endereço residencial da pessoa que recebeu condenação judicial. O texto seguiu para sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

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