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Luiz Carlos Azedo: Eleições pandêmicas

Ao se engajar nas candidaturas de Russomanno e Crivella, em vez de manter distância regulamentar, Bolsonaro corre o risco de ser o grande perdedor das eleições municipais

Eleições municipais nunca foram uma amostra grátis do que virá depois, nas eleições gerais, mesmo na época do regime militar. Por exemplo, em 1974 a oposição (MDB) obteve uma espetacular vitória nas urnas; em 1972, fora massacrada. Em 1976, sofreu nova derrota para o governo (Arena), mas em 1978, o MDB virou o jogo: o resultado das urnas sinalizou o fim da ditadura, iniciando-se a transição que resultou na anistia (1979), nas eleições diretas de governadores (1982) e na eleição de Tancredo Neves no colégio leitoral (1985) . Tirando São Paulo e Rio de Janeiro, as capitais mais cosmopolitas — em Brasília não há eleição —, é muito difícil captar tendências no processo eleitoral que sinalizem o que virá depois nas eleições gerais. Além disso, estamos vivendo um cenário a típico, sem debates e grandes comícios, o que faz o processo eleitoral se desenvolver em “home office”, para usar a expressão que representa a forma predominante de trabalho durante a pandemia.

Sim, as fábricas estão voltando a funcionar, o comércio também, mas não há o burburinho das ruas, nas padarias, nos barbeiros, nas filas das lotéricas e dos caixas dos supermercados, os sintomas de engajamento da grande massa de eleitores na disputa eleitoral. O embate se desenvolve nas redes sociais e, principalmente, nas listas de WhatsApp, subterrâneos nos quais as pessoas se organizam como “tribos”. São as listas da família, dos colegas de escola, dos amigos do futebol, dos parceiros de baralho, dos colegas de trabalho etc. As pessoas se relacionam por afetos e interesses; é assim, de forma compartimentada, segmentada, confinada, em bolhas, que o processo eleitoral hoje ganha a escala da democracia de massas. Somente as urnas eletrônicas poderão nos revelar os mistérios do voto popular.

Polarização
As pesquisas indicam — sempre elas — que apenas seis capitais estariam com as eleições decididas: Natal, com Álvaro Dias (PSDB), reeleição; Salvador, Bruno Reis (DEM); Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD), reeleição; Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), reeleição; Curitiba, Rafael Grecca (DEM), reeleição; e Florianópolis, Gean Loureiro (DEM), reeleição. Mesmo assim, é bom dar um desconto: reviravoltas acontecem, pesquisas nem sempre são tiro e queda. Nas demais capitais, há disputa acirrada e perspectiva de segundo turno.

Destacam-se São Paulo, onde o pleito está se polarizando entre o prefeito Bruno Covas (PSDB), que tenta a reeleição, e Celso Russsomano (REP), que começou na frente e está derretendo, mais uma vez; e Rio de Janeiro, onde o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) se mantém na liderança, faturando o desgaste do prefeito Marcelo Crivella (REP), que fez uma gestão “terrivelmente evangélica” e queimou o filme dos pastores. Guilherme Boulos (PSOL) e a delegada Marta Rocha(PDT) correm por fora, nas duas capitais, respectivamente.

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, há engajamento do presidente Jair Bolsonaro nas candidaturas de Russomanno e Crivella. Embora venha mantendo distância regulamentar da maioria das disputas municipais, até porque não conseguiu formar um partido para disputá-las, nos dois casos o presidente da República corre o risco de ser o grande perdedor das eleições. Sua alternativa será jogar todo o seu prestígio e mobilizar seus aliados nas disputas de segundo turno, não só nessas capitais mas também nas demais cidades, o que será uma manobra de alto risco.

Bolsonaro correria o risco de perder seu favoritismo nas eleições de 2022. É preciso uma administração muito desastrada na politica para inviabilizar a reeleição, porém, um estado de calamidade financeira pode tornar a tarefa do gestor uma missão impossível, como aconteceu com Saturnino Braga (PDT), no Rio de Janeiro, cuja falência decretou em 1988. Com a dívida pública igual a 100% do PIB, esse risco também existe para Bolsonaro, se fracassar na economia. Aliás, o fracasso financeiro vem sendo o carma dos governantes gaúchos, que não conseguem se reeleger, como se houvesse uma maldição de Borges de Medeiros no Palacio Piratini, construído para ser o mais belo do Brasil, com esculturas de Paul Landowski, criador do Cristo Redentor, telefone folheado a ouro, réplicas dos lustres do Palácio de Versalhes e murais de Aldo Locatelli. O caudilho gaúcho foi presidente do Rio Grande do Sul de 1898 a 1908 e de 1913 a 1928, quando passou o poder a Getúlio Vargas, porque o Acordo de Pedras Altas (1923) proibira a reeleição.

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Luiz Carlos Azedo: Lava-Jato, morte e ressurreição

O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, surpreendeu ao esvaziar o poder das duas turmas no julgamento de ações penais e inquéritos criminais, que voltarão a ser analisados em plenário

Em cerimônia no Palácio do Planalto, ontem, bem ao seu estilo, o presidente Jair Bolsonaro disparou: “Queria dizer a essa imprensa maravilhosa nossa que eu não quero acabar com a Lava-Jato… eu acabei com a Lava-Jato”. Entretanto, relativizou: “porque não tem mais corrupção no governo”. Bolsonaro endossou a avaliação feita pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) de que seu grande legado será o “desmonte” da operação, que já teria ocorrido em razão de mudanças no Coaf, na Receita Federal, na Polícia Federal, no Ministério Público Federal (MPF) e estaria em vias de ocorrer no Supremo Tribunal Federal (STF), com a indicação do desembargador federal Kassio Marques para a vaga do decano Celso de Mello, que está se despedindo da Corte.

Mas pode não ser bem assim, porque o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, ontem, surpreendeu a maioria dos pares ao propor a mudança do regimento da Corte e esvaziar o poder das suas turmas no julgamento de ações penais e inquéritos criminais, que voltarão a ser analisados em plenário. A proposta foi aprovada por unanimidade. Desde 2014, depois do processo do mensalão, essas matérias eram apreciadas nas turmas, cada qual com cinco ministros. Agora, serão apreciadas por 11 ministros, inclusive o presidente do Supremo, que não vota nas turmas. A mudança fortalece o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, que estava perdendo quase todas as votações na Segunda Turma, presidida pelo ministro Gilmar Mendes.

O argumento utilizado para a mudança foi o fato de que a decisão de atribuir os julgamentos às turmas fora uma decorrência do acúmulo de processos no STF, o que não ocorreria mais. A proposta de Fux pegou os chamados “garantistas” de surpresa. De certa forma, dará uma sobrevida para a Lava-Jato no caso dos processos relatados pelo ministro Fachin, cujas investigações estão concluídas. Os casos que ainda estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal (MPF) são outra história: vão depender das medidas adotadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para enquadrar e centralizar a atuação dos procuradores das forças-tarefas no Paraná, no Rio de Janeiro, no Distrito Federal e em São Paulo.

Simbolismo
Renan tem razão quando assinala que o cerco à Lava-Jato se fechou, com as medidas adotadas por Bolsonaro. Entretanto, no plano simbólico, tudo o que é feito contra a operação tem repercussão negativa na opinião pública. A operação continua sendo um vetor importante nas eleições municipais em curso e, provavelmente, o será nas de 2022, mas sem o mesmo efeito catalisador que teve nas eleições passadas. As pesquisas eleitorais em muitas cidades estão mostrando cautela dos eleitores com candidatos desconhecidos e certa tendência à reeleição, bem como preferências por políticos ficha limpa já conhecidos.

Além disso, houve de fato um descolamento de Bolsonaro da Lava-Jato, assumido publicamente ontem, que começou com a demissão do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça. Esse afastamento se consolidou com a aliança do presidente com o chamado Centrão, cujos partidos são liderados por políticos tradicionais, quase todos enrolados na operação. Isso significa que Bolsonaro abdicou completamente da bandeira da ética? Obviamente não. A atuação da Polícia Federal nos escândalos envolvendo a Saúde, em diversos estados, mostra exatamente o contrário. O que há é uma separação entre o combate à corrupção e a Lava-Jato. E a suspeita de que haveria manipulação política nessas ações, mas esse costuma sempre ser o argumento de defesa dos políticos investigados.

Na verdade, o desgaste ético de Bolsonaro ocorre em razão do caso Fabrício Queiroz, no inquérito que investiga as rachadinhas nos gabinetes dos deputados da Assembleia Legislativa fluminense, no qual familiares do presidente são investigados, sobretudo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho mais velho. A mudança de rota do Palácio do Planalto tem muito a ver com isso, pois as investigações forçaram Bolsonaro a articular uma base de apoio mais consistente no Congresso, que não quer nem ouvir falar em Lava-Jato, e promover uma aproximação com Supremo. Estava tudo dominado por Bolsonaro na Segunda Turma, na qual tramita o caso de Flávio, mas a decisão de ontem de levar os processos para o plenário da Corte embaralhou o jogo. Faltou combinar com os russos, isto é, com o presidente do Supremo, Luiz Fux, que não tem vocação para rainha da Inglaterra.

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Luiz Carlos Azedo: Quem é o líder da economia?

Guedes perde a liderança da economia para os políticos do Nordeste, que prometem votos em troca de R$ 300, porque não oferece empregos nem segurança aos investidores

O presidente Jair Bolsonaro provavelmente não leu Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre; talvez tenha lido Os Sertões, de Euclides da Cunha, nos tempos de academia militar, por causa da campanha de Canudos, o maior vexame do Exército brasileiro. Mas isso em nada o impede de ter capturado boa parcela do eleitorado do Nordeste, onde obtém crescente apoio popular. Esse parece ser o terreno eleitoral no qual sua reeleição pode ser decidida. Com competência, Bolsonaro está abduzindo o eleitorado nordestino do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Casa Grande & Senzala foi publicado no Rio de Janeiro, em 1933. História, sociologia, antropologia cultural, gastronomia, direito, sociolinguística, curiosidades, medicina e uma boa dose de intimidades da vida privada colonial, inclusive sexual, fazem da obra um clássico da chamada literatura brasiliana. Freyre, um aristocrata pernambucano, ainda provoca muitas polêmicas. A principal é o tratamento dado ao português colonizador e à escravidão. Para uns, mascarou o racismo; para outros, resgatou a autoestima do brasileiro.

Freyre compreendeu a miscigenação como um dos elementos de construção da identidade nacional. É muito criticado por isso. Sérgio Buarque de Holanda (o homem cordial), Raymundo Faoro (patrimonialismo) e Roberto DaMatta (o jeitinho brasileiro) também são acusados de generalizações exageradas e da absolutização de seus conceitos. Todos construíram um “tipo ideal”, uma abordagem de viés weberiano que os autores marxistas geralmente condenam. Entretanto, seria impossível compreender o Brasil contemporâneo sem a ajuda desses autores, até porque a crítica a eles veio muito depois, com a maioridade acadêmica das universidades brasileiras.

Freyre fala dos índios, dos portugueses e dos escravos africanos, com considerações que alguns consideram até pornográficas. Ao descrever hábitos sexuais, faz comentários machistas e até homofóbicos. Ao analisar a formação do patriarcado brasileiro, no período colonial, opõe católicos e hereges, jesuítas e fazendeiros, bandeirantes e senhores de engenho, paulistas e emboabas, pernambucanos e mascates, bacharéis e analfabetos, senhores e escravos. Mostra que a escravidão e o latifúndio fortaleceram a sociedade patriarcal onde o homem branco – o dono da Casa-Grande – era o proprietário de terras, escravos, até mesmo de seus parentes, no sentido que ele governava gado e gente. Desta maneira, criou-se uma sociedade sempre dependente de um senhor poderoso e incapaz de governar a si mesma.

Travessias

Chegamos ao xis da questão. A política no Nordeste não é pior nem melhor do que a de outras regiões do país em matéria de clientelismo, fisiologismo e patrimonialismo (o Rio de Janeiro, de cuja elite parte o maior preconceito, que o diga), mas tem a forte característica de ser dominada por um patriarcado que manteve costumes culturais e políticos tecidos no Brasil colonial. Os seis mandatos de deputado federal e suas relações com políticos do baixo clero, a partir do momento em que se aliou ao Centrão, possibilitaram a Bolsonaro a realização de alianças estratégicas no Nordeste, no leito das conexões históricas entre o poder centralizado da União e as oligarquias regionais que historicamente lhe deram sustentação, a essência da velha “política de conciliação” que herdamos do Império.

Vem daí a força que políticos nordestinos do Centrão, como o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o deputado Arthur Lira (PP-AL) demonstram na queda de braços com o ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o financiamento do programa social Renda Cidadã. E a facilidade com que Bolsonaro construiu as pontes para se conectar com o eleitorado nordestino, que o derrotara na eleição de 2018, alicerçadas no auxílio emergencial aprovado pelo Congresso durante a pandemia e cimentadas por sua narrativa de cunho religioso, que agora incorporou a exaltação à figura do Padre Cícero, símbolo do messianismo católico brasileiro, que sempre foi um instrumento de construção da hegemonia conservadora no Nordeste.

“Viver é muito perigoso, seu moço”, ainda mais em tempos de pandemia. Não sei se Guedes leu Casa Grande & Senzala, o que o ajudaria entender um pouco mais os seus desafetos políticos da Praça dos Três Poderes. Mas, como mineiro ilustrado, deve ter lido Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Desculpem-me a comparação, para sobreviver no cargo, Guedes precisa puxar a faca e se impor como líder da política econômica do governo, como faria o jagunço Riobaldo. O universo do sertão é um espaço ambíguo, de limites indefiníveis, desafiador e de difícil travessia. Cruzar o deserto do Sussuarão é como desafiar a caatinga. O espaço empírico se relaciona com a subjetividade humana. Riobaldo explica: “Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera; digo”. Como o jagunço nas Veredas-Mortas, Guedes está num espaço de estranhamento, a Esplanada dos Ministérios, simbolicamente, entre a ordem e a desordem, a precisão e a imprecisão, o Bem e o Mal. Está perdendo a liderança do bando, isto é, da política econômica, para os políticos do Nordeste, que prometem votos a Bolsonaro em troca de R$ 300, porque não consegue oferecer trabalho aos desempregados nem segurança aos investidores. Simples assim.

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Luiz Carlos Azedo: Todos os homens de Bolsonaro

O presidente só pensa na reeleição, que parece ao alcance das mãos. O que acontecerá com a democracia brasileira se controlar o Judiciário e passar o rodo no Congresso, em 2022?

Para quem leu Todos os Homens do Kremlin (Editora Vestígio), de Mikhail Zygar, ex-editor-chefe da única emissora de TV independente da Rússia, a TV Rain (Dozhd), o paralelo com o presidente Jair Bolsonaro e sua atuação no poder é inevitável, resguardadas, é óbvio, as diferenças de contexto histórico e nacional. Como Vladimir Putin, Bolsonaro tornou-se presidente porque soube aproveitar a oportunidade, bafejado pela sorte. Diferentemente do presidente russo, porém, não era um candidato do sistema: o homem certo na hora certa para o então presidente Boris Yeltsin, o político carismático, beberrão e imprevisível, que implodiu a antiga União Soviética, destronando Mikhail Gorbatchev, e liderou a transição selvagem para o capitalismo na Federação Russa. Bolsonaro foi um candidato antisistema, que surfou o tsunami eleitoral de 2018, na onda de insatisfação popular com os políticos gerada pela Operação Lava-Jato.

As semelhanças são maiores quando levamos em conta que Putin não tinha uma estratégia de poder –– foi administrando as circunstâncias para mantê-lo. Ex-chefe da FSB, usou a força do Estado para afastar aliados indesejáveis, proteger os amigos de São Petersburgo e da antiga KGB, seduzir os militares e liquidar os adversários. Os instrumentos de coerção do Estado –– os serviços de inteligência, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário –– foram fundamentais para a consolidação de sua longa permanência no poder, depenando oligarcas que se apoderaram das estatais russas, favorecendo os empresários amigos e eliminando possíveis concorrentes eleitorais. Putin acreditou que seria bem recebido pelos líderes das grandes potências ocidentais, mas logo se viu frustrado por Angela Merkel, a primeira-ministra alemã; Nicolas Sarkozy, o presidente francês; e, principalmente, Barack Obama, o presidente negro dos Estados Unidos.

Arreganhou os dentes quando chegou à conclusão de que todos queriam enfraquecer a Federação Russa e afastá-la das antigas repúblicas soviéticas. E de que o menosprezavam, tratando-o como um personagem menor na cena internacional. Esse sentimento de rejeição somente aumentou ao longo dos anos, mas teve como resposta o endurecimento da política externa russa em relação às ex-repúblicas soviéticas da Geórgia e da Ucrânia, e ao Oriente Médio. A decisão estratégica de manter o ditador da Síria, Bashar al-Assad, no poder a qualquer preço, e assim preservar sua base naval no Mediterrâneo, foi uma demonstração de força. Da mesma forma, a divisão da Ucrânia, com a anexação da Criméia como uma república autônoma da Federação Russa, com o propósito de manter a grande base naval da frota do Mar Negro. Por último, o apoio econômico e militar a Nicolás Maduro, na Venezuela.

Reeleição
No terceiro mandato de presidente, a relação de Putin com o ex-presidente liberal Dmitri Medvedev, com quem também se revezou no cargo de primeiro-ministro, hoje é de estranhamento. Na verdade, sempre foi tensa, como a de Bolsonaro com o vice-presidente Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas. Putin afastou todos os aliados com política própria ou a lhe fazer sombra. Bolsonaro fez a mesma coisa. Começou com o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, hoje ocupada pelo general Luiz Ramos, principal articulador político do governo, e o advogado Gustavo Bebiano, secretário-geral da Presidência, já falecido, defenestrado para dar lugar a um ex-assessor parlamentar de inteira confiança, Jorge Oliveira. O ex-deputado Onyx Lorenzoni foi deslocado da Casa Civil para o Ministério da Cidadania, para dar lugar ao general Braga Netto. Os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no auge do prestígio, também foram defenestrados, sendo substituídos pelo advogado da União André Mendonça e outro general, Eduardo Pazuello, respectivamente, dois bem-mandados.

Deputado ligado ao baixo clero durante toda a sua trajetória, para neutralizar qualquer tentativa de impeachment, Bolsonaro montou uma base parlamentar com os partidos do Centrão, cujos líderes — Gilberto Kassab (PSD-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Ciro Nogueira (PP-PI) — apoiam qualquer governo. Trocou os desastrados deputados de extrema direita, que defendiam o seu governo no Congresso, por raposas moderadas do Parlamento: Ricardo Barros (PP-PR), na Câmara, Fernando Bezerra (MDB-PE), no Senado, e Eduardo Gomes (MDB-TO), no Congresso. E está fritando o ministro da Economia, Paulo Guedes, um economista ultraliberal, cada vez mais isolado no governo.

Qual foi a estratégia de Putin para manter sua popularidade ao longo de duas décadas? Domar o Parlamento, controlar o Judiciário, estreitar a aliança com a Igreja Ortodoxa, estimular o nacionalismo russo e o conservadorismo machista e homofóbico. Putin transformou a jovem democracia russa numa ditadura da maioria, no qual assume um papel cada vez mais autocrático. Mais populista do que nunca, Bolsonaro recuperou a popularidade, apesar da pandemia, e só pensa na reeleição, que parece ao alcance das mãos. O que acontecerá com a democracia brasileira se Bolsonaro controlar o Judiciário e passar o rodo no Congresso, em 2022, como deseja?

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Luiz Carlos Azedo: Derrota do racismo estrutural

A decisão de Lewandowski é histórica porque sinaliza para a população negra, principalmente os mais jovens, que a política pode deixar de ser um instrumento de discriminação racial

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, em memorável decisão, definiu, ontem, por medida liminar, os critérios para destinação de recursos do fundo eleitoral aos candidatos negros nas eleições municipais deste ano, com validade imediata, cabendo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definir outros critérios, se assim entender. Como o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, tem feito críticas duras ao racismo estrutural e questionado a sub-representação da população negra nos partidos e casas legislativas, muito dificilmente a decisão será revertida na sua essência, ainda que os partidos aleguem falta de tempo para se ajustar aos novos critérios.

A liminar de Lewandowski é coerente com decisões anteriores sobre o mesmo tema, bem como a jurisprudência que vem sendo firmada tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a adoção de ações afirmativas com critério racial. No histórico julgamento da ADPF 186, que questionava o programa de cotas com critério racial na Universidade de Brasília, em 2011, o Supremo considerou improcedente o recurso apresentado pelo DEM e considerou as cotas raciais constitucionais. Relator do processo, Lewandowski sustentou que as cotas da UnB não eram desproporcionais ou irrazoáveis, mantendo a reserva de 20% das vagas para candidatos negros e indígenas. Os demais ministros acompanharam seu voto por unanimidade.

Na ocasião, Lewandowski ponderou que o Estado, com o fito de alcançar a igualdade material, deve desenvolver tanto políticas universais quanto afirmativas. Na mesma linha, o ministro Marco Aurélio Mello, interpretando a Constituição de 1988, que promoveu uma verdadeira revisão sobre a questão racial no Brasil, desenhou: “Pode-se dizer, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática, meramente negativa, no que se proibia a discriminação, para uma igualização eficaz, dinâmica, já que os verbos “construir”, “garantir”, “erradicar” e “promover” implicam mudança de óptica, ao denotar “ação”. Não basta não discriminar. É preciso viabilizar — e a Carta da República oferece base para fazê-lo — as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada o sistema simplesmente principio lógico. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa.”

A decisão de ontem é histórica porque sinaliza para a população negra, principalmente os mais jovens, que a política pode deixar de ser um instrumento do racismo estrutural no Brasil para ser uma via de ascensão ao poder e uma alavanca para grandes mudanças na condição social dos negros brasileiros. Como na questão das cotas, tem esse papel simbólico, além de ser uma política de reconhecimento, de compensação pela discriminação e de promoção de novas lideranças negras. No fundo, é quase uma decorrência da política de cotas nas universidades e, inevitavelmente, acabará chegando formalmente, também, à contratação de trabalhadores e à composição da direção das empresas.

Partilha
De certa forma, essa questão já está posta, desde o julgamento de um mandado de segurança relatado pelo ministro Félix Fischer no STJ, a propósito de um concurso público para o cargo de enfermeiro do Hospital Universitário do Oeste do Paraná. O concurso foi anulado porque não estabeleceu cota para negros. Na ocasião, Fischer destacou que o Artigo 3º da Constituição tem por objetivos “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Por todos esses precedentes, dificilmente as regras estabelecidas por Lewandowski serão derrubadas pelos partidos. Ao contrário, seus dirigentes terão que rever os critérios de distribuição dos recursos, conforme as novas regras, para evitar problemas futuros com suas próprias candidaturas. Segundo Lewandowski, o volume de recursos destinados às candidaturas de pessoas negras deve ser calculado a partir do percentual dessas vagas dentro de cada gênero, e não de forma global. Isto é, primeiramente, deve-se distribuir as candidaturas em dois grupos — homens e mulheres. Na sequência, deve-se estabelecer o percentual de candidatas negras em relação ao total de femininas, bem como o percentual de candidatos negros em relação ao total de masculinos.

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Luiz Carlos Azedo: O imposto da reeleição

Guedes voltou a defender a reforma tributária. Agora, pretende aumentar o peso do Estado na economia e não o contrário, como anunciou nos tempos áureos de Posto Ipiranga

Há quase um consenso no Ministério da Economia de que a antecipação do projeto de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, em meio à pandemia, tornou-se o maior complicador da política econômica. Muito do comportamento errático do ministro Paulo Guedes decorre dessa contingência política, que não tem nada a ver com as necessidades dos agentes econômicos. Ontem, ao afirmar que indexadores não resolvem os problemas, que a solução dos mesmos é sempre política, citando as medidas de “economia de guerra” adotadas pelo Congresso, Guedes jogou a tolha: já não lidera a política econômica do governo, rendeu-se ao “dispositivo parlamentar” montado por Bolsonaro e os generais que hoje mandam na Esplanada dos Ministérios.

Os líderes do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR); no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE); e no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), são raposas políticas experientes, operam em conexão direta com os ministros da secretaria de Governo, general Luiz Ramos; da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas; e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, para viabilizar desde já o projeto de reeleição de Bolsonaro, em troca de apoio nas eleições municipais para os candidatos ligados ao Centrão, o bloco político que ancora o governo no Congresso. Guedes foi engolido por esse grupo.

A política, em última instância, é a economia concentrada, mas a experiência mostra que a blindagem da política econômica é que garantiu o sucesso do Plano Real, no governo Fernando Henrique Cardoso, com o economista Pedro Malan no Ministério da Fazenda, e do governo Lula da Silva, com Guido Mantega comandando a economia. Em ambos casos, porém, o projeto de reeleição teve um custo muito alto. No governo Bolsonaro, a equipe econômica, em vez de ser blindada, está sendo implodida pelo próprio presidente da República.

Ontem, por exemplo, o “dispositivo parlamentar” — como não lembrar, com sinal trocado, do “dispositivo militar” do presidente João Goulart, que não impediu sua deposição —, anunciou junto a Guedes que o governo desistiu de manter o veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia intensivos em mão de obra. A decisão foi tomada porque o governo concluiu que já estava derrotado no Congresso. Guedes, que orientou o veto presidencial, é o grande perdedor. Agora, o Palácio do Planalto quer fazer do limão uma limonada. Como? Usando a derrubada do veto como justificativa para criar um novo imposto sobre operações financeiras. Ou seja, o governo pretende aumentar a carga tributária, com um imposto com efeito cascata.

Investimentos

O objetivo é gerar uma sobra de caixa para a implantação do programa Renda Brasil, a transferência de R$ 300 para a população de baixa renda hoje atendida pelo Bolsa Família e o abono emergencial. Concebido para ser o carro chefe da campanha de reeleição de Bolsonaro, o programa ainda não tem viabilidade, por falta de recursos no Orçamento. Para pôr de pé a proposta, Guedes voltou a defender a reforma tributária. Agora, pretende aumentar o peso do Estado na economia e não o contrário, como anunciou nos tempos áureos de Posto Ipiranga.

O resultado da movimentação errática do governo na economia está sendo a volta da inflação, a queda da Bolsa e a alta do dólar, como mostram os indicadores anunciados ontem. O pior ainda está por vir: a taxa recorde de desemprego, que deve chegar a 18% da população economicamente ativa, considerando-se apenas os que procuram emprego, o critério adotado pelo IBGE. Nesse rumo, logo o Banco Central (BC) terá que aumentar a taxa de juros, hoje em 2%, o que é muito bom diante da recessão causada pela pandemia, mas começa a ser pressionada pelos juros nas operações de venda de títulos públicos, por perda de confiança dos investidores.

O Banco Central anunciou, ontem, uma queda de 26,6% nos investimentos diretos, que somaram US$ 22,8 bilhões no primeiro semestre, contra US$ 31,1 bilhões no mesmo período do ano passado. Neste ano, ao contrário do que o presidente Bolsonaro disse em seu discurso na ONU, os investidores já retiraram R$ 88,9 bilhões da Bovespa, o dobro do volume registrado no ano passado: R$ 44,5 bilhões. É o pior desempenho em 11 anos. A pandemia e a recessão mundial têm culpa nesse cartório, assim como é compreensível que o ministro Guedes tente vender otimismo e anuncie uma recuperação em V da economia brasileira, mas não está sendo convincente. Ainda não caiu a ficha de que a falta de confiança dos investidores é resultado do comportamento errático do governo na economia, das crises criadas pelo próprio presidente Bolsonaro e de uma política ambiental desastrosa. Criar um imposto para garantir a reeleição do presidente da República não resolve o problema.

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Luiz Carlos Azedo: O cavalo de pau

O governo bate cabeça quanto à saída da crise, e isso repercute muito negativamente no Congresso e entre os investidores. Sinaliza que a equipe econômica está perdida num labirinto

O presidente Jair Bolsonaro desistiu de criar o programa Renda Brasil, no valor de R$ 300 para cada beneficiado, no primeiro mandato. Jogou a toalha porque a equipe econômica não consegue fazer o milagre da multiplicação dos pães, ou seja, não existem fontes de receitas suficientes para o programa que pretendia garantir a transferência mensal, como chegou a ser anunciado pelo presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista coletiva. A ficha somente caiu depois que o secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues, um craque em Orçamento da União, disse que a fonte de financiamento do auxílio seria o congelamento das aposentadorias por dois anos.

Bolsonaro acordou com a notícia vazada por Waldery nas manchetes de todos os jornais. Decidiu fazer uma live e detonar a proposta, ameaçando dar um cartão vermelho para o seu autor. A cabeça a prêmio é a de Waldery, que seria a nova baixa na equipe de Guedes, mas é muito difícil que um secretário da sua importância defenda publicamente um ponto de vista como esse sem que o assunto seja cogitado pelo próprio ministro. Waldery não é um neófito no setor público, sabe muito bem que a proposta seria polêmica.

Pode ser que a ideia fosse apenas um “bode na sala”, para negociação com o Congresso, como as equipes econômicas costumam fazer quando querem passar uma proposta para aumentar a arrecadação, no caso, o imposto sobre operações eletrônicas, uma espécie de nova CPMF. Mas de boas — e más — intenções o inferno está cheio. A permanência de Waldery na equipe está com as horas contadas, será o “bode expiatório” de uma ideia considerada infeliz pelo presidente Bolsonaro, que repetiu o bordão lançado em Ipatinga (MG) de que não vai tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. Convém, porém, não confundir alhos com bugalhos. Bolsonaro não aderiu à política de cortar gastos na própria carne, rejeitou a proposta porque é impopular e nada mais.

Guedes deu mostras de que deve demitir o auxiliar ao tirar por menos as declarações de Bolsonaro, depois de um encontro com o presidente da República. Disse que o “cartão vermelho” dado pelo presidente da República não era para ele e que as divergências no governo sobre o Renda Brasil são “barulheira”. Bota barulheira nisso, porque o governo bate cabeça quanto à saída da crise, e isso repercute muito negativamente no Congresso e entre os investidores. Sinaliza que a equipe econômica está perdida num labirinto.

Fogaréu
Bolsonaro está entre a cruz e a caldeirinha do ponto de vista fiscal. Como não tem um conceito claro sobre como pretende administrar as contas públicas nem um método adequado para lidar com as divergências no governo, deu um cavalo de pau na política de transferência de renda que pretendia incrementar. Decidiu manter o Bolsa Família e outros programas sociais como estão até 2022. Na verdade, a pandemia está tendo um impacto tremendo na economia e na vida das pessoas. O auxílio emergêncial de R$ 600 alavancou sua popularidade, que estava em baixa após a pandemia. A prorrogação do auxílio até dezembro, com a metade do valor, de certa forma, frustra um pouco os beneficiados, porque a alta de preço dos alimentos, irreversível na entressafra, comerá boa parte da ajuda do governo.

Mas fogaréu mesmo não é a crise fabricada pelo próprio governo sobre sua própria política econômica, sem nenhuma colaboração da oposição. São os incêndios na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado, os três grandes biomas do Centro-Oeste e do Norte do país, a maioria criminosos. Incêndios sempre houve, por causa da seca, mas agora a situação é diferente, porque Bolsonaro deliberadamente deu guarida para agricultores, pecuaristas, madeireiros e garimpeiros fazerem o que bem quiserem, sem sofrer as consequências legais por suas ações.

O pior é que o vice-presidente Hamilton Mourão, que deveria ser o guardião da Amazônia, passou a considerar qualquer crítica ou denúncia à política ambiental do governo como coisa da oposição. Não caiu a ficha ainda de que tudo o que acontece em termos de desmatamento é flagrado pelos satélites e está acessível a todos. Não adianta querer tapar o sol com a peneira, como disse certa vez seu colega Aureliano Chaves, vice do general João Baptista Figueiredo, o último presidente do regime militar. Na verdade, para passar a boiada, como já disse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o governo asfixiou os órgãos de controle e fiscalização ambiental, cujos recursos diminuirão ainda mais no próximo ano.

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Luiz Carlos Azedo: Base em desalinho

Com o congelamento dos reajustes das aposentadoria por dois anos, proposta da equipe econômica, todos os velhinhos pagariam a conta da reeleição de Bolsonaro antecipadamente

O Palácio do Planalto tenta ganhar tempo para reagrupar sua base parlamentar no Congresso e evitar a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração das folhas de pagamentos de empresas de 17 setores da economia, até o final de 2021. É mais ou menos como convidar os perus para a festa de Natal, porque não é somente o presidente da República que está de olho na própria reeleição, os parlamentares federais estão com um olho nas eleições municipais e outro na preservação dos respectivos mandatos em 2022. Por essa razão, a apreciação do veto foi adiada para a próxima semana, numa articulação do líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO).

Os setores beneficiados pelas desonerações são os mais atingidos pela pandemia, entre os quais os de call center, tecnologia da informação, transporte, construção civil, têxtil e comunicação, que empregam em torno de 6 milhões de trabalhadores com carteira assinada. O objetivo das desonerações foi preservar os empregos do setor. Desde a aprovação da prorrogação, o governo manobra para evitar a votação do veto, que é muito difícil de ser mantido. Mais do que, por exemplo, o perdão das dívidas das igrejas evangélicas, que Bolsonaro vetou no domingo, pedindo ao mesmo tempo que seus aliados derrubassem o veto. A ambiguidade do presidente da República nessa matéria vale também para as desonerações, porque Bolsonaro já não consegue esconder as dificuldades que tem para contrariar seus eleitores em matéria de responsabilidade fiscal.

O veto só não foi derrubado ainda porque o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tem colaborado com o Palácio do Planalto, evitando pautar a matéria. Alcolumbre é candidato à reeleição no cargo, o que é vedado pela Constituição, mas trabalha para emendá-la. A reeleição não é permitida na mesma legislatura. Outros presidentes da Casa também tiveram a mesma ambição, sem sucesso, até mesmo o ex-presidente José Sarney, que foi o presidente do Senado o mais poderoso desde a redemocratização. No momento, o grande pretexto para o adiamento são as convenções eleitorais nos municípios, que de fato estão mobilizando senadores e deputados.

Impostos
A apreciação de vetos é prerrogativa da sessão conjunta do Senado e da Câmara. O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes, tenta rearticular a base para manter o veto, com o discurso de que é possível “um acordo que contemple aquilo que os vários segmentos querem: que o país tenha uma recuperação econômica segura e que a desoneração fique absolutamente resolvida porque isso mantém empregos”. No fundo, o governo está meio desesperado diante da ameaça de derrubada dos vetos, por causa do cobertor orçamentário curto. A equipe econômica precisa de caixa para bancar o Renda Brasil, programa de transferência de renda anunciado por Bolsonaro, no valor de R$ 300, para substituir o Bolsa Família, o legado social do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chega ao máximo de R$ 205 quando beneficia cinco pessoas na mesma família.

Por enquanto, não há dinheiro para viabilizar o projeto, que é a menina dos olhos de Bolsonaro para sua reeleição. Como o governo se recusa a cortar seus gastos na escala necessária — a reforma administrativa proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, tem pouco efeito de curto prazo —, a equipe econômica recorre a subterfúgios do tipo a volta da CPMF, o novo imposto sobre operações eletrônicas proposto por Guedes, ou a recorrente tentativa de transferir renda dos pobres para os mais pobres ainda, para usar as palavras de Bolsonaro, como o congelamento dos reajustes das aposentadoria por dois anos, intenção anunciada ontem: todos os velhinhos pagariam a conta da reeleição de Bolsonaro antecipadamente. A proposta é marota porque permitiria o aumento em setembro de 2022, ou seja, às vésperas das eleições.

São duas propostas com difícil passagem pelo Congresso, quando nada porque o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, se finge de morto, enquanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia(DEM-RJ), mais uma vez bate de frente com o ministro Paulo Guedes e anuncia que não apoia a criação do imposto: “Não dá para criar novos impostos a cada crise, a gente tem de olhar e voltar ao que estávamos discutindo”, referindo-se ao equilíbrio fiscal. “Pode ser mais fácil abrir um espaço fiscal no orçamento para aumentar o investimento púbico, mas isso é um ciclo vicioso”, completou. Segundo Maia, o país não foi capaz de resolver os problemas da economia quando criou novos impostos. Seria melhor debater “as reformas que melhorem a qualidade do gasto público.”

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Luiz Carlos Azedo: A carestia de volta

“Quanto tudo parecia dominado na política, o presidente Jair Bolsonaro sentiu o bafo quente do dragão da inflação, com a alta generalizada dos preços dos alimentos”

Poderia intitular a coluna com a frase famosa de James Carville, o marqueteiro do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. Em 1991, após vencer a Guerra do Golfo e resgatar a autoestima dos americanos depois da dolorosa derrotar no Vietnã, o presidente George Bush era o favorito absoluto nas eleições de 1992, ao enfrentar o desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. Carville apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e cunhou a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!” Deu Clinton!

Quanto tudo parecia dominado na política, o presidente Jair Bolsonaro sentiu o bafo quente do dragão da inflação, com a alta generalizada dos preços dos alimentos, atribuída aos efeitos da pandemia na economia e ao câmbio, com o dólar cotado a R$ 5,31. Sua reação foi a de quase todos os governantes que subestimam a importância do equilíbrio fiscal e acreditam que podem controlar a alta dos preços com a mão pesada do Estado. Mandou o ministro da Justiça, André Mendonça, tomar medidas contra os supermercados. Deveria ouvir mais as ponderações da equipe econômica quanto aos gastos do governo, em vez de fritar em fogo alto o ministro da Economia, Paulo Guedes, que está virando um zumbi na Esplanada dos Ministérios e, agora, quer aumentar os salários dos ministros em plena crise fiscal. R$ 39 mil, fora as mordomias, considera muito baixo.

Ontem, Guedes disse que não vai mais negociar as reformas administrativa e tributária com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), porque o eixo da negociação agora é político, se referindo ao general Luiz Ramos, ministro da Secretaria de Governo, e aos líderes do Centrão, que compõem o dispositivo parlamentar de Bolsonaro. A frase tem até certa dose de ironia, diante da notícia de que a Secretaria Nacional do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, notificou representantes de supermercados e produtores de alimentos para pedir explicações sobre o aumento no preço dos alimentos da cesta básica.

“O aumento de valores foi notado, especialmente, em relação ao arroz que, apesar dos positivos volumes produtivos da última safra, sofreu diminuição da oferta no contexto global, o que ocasionou elevação no preço”, diz a nota da secretária do Consumidor, Juliana Domingues. Já vimos esse filme em outros momentos da vida nacional, como no Plano Cruzado, durante o governo José Sarney. A manipulação da economia com os objetivos eleitorais sempre cobra um preço muito alto. O problema é que emitiu sinais de que a conta pode vir antes das eleições de 2022.

Para a população, porém, chegou a galope. A inflação oficial divulgada, ontem, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi de 0,24%, mas revela uma alta de 2,44% em 12 meses, segundo o Índice de Preços para o Consumidor Amplo (IPCA). A inflação dos alimentos, porém, foi de 8,83%. O feijão preto, que subiu 28,9%; o arroz, 19,2%; e o óleo de soja, 18,6% no período, lideram a volta da carestia. A alface subiu 18,1%; o tomate, 12,3%; o feijão carioca, 12,1%; a batata inglesa, 9,7%; os ovos, 7,1%; o frango, 6,9%; a carne de porco, 4,2%. Outros produtos subiram até mais: manga, 61,63%; cebola, 50,40%; abobrinha, 46,87%; tainha, 39,99%; limão, 36,56%; morango, 31,99%; leite longa vida, 22,9%, atingindo em cheio o bolso da classe média.

Reação
O governo tenta reagir. Ontem, zerou a cobrança de impostos para importação de arroz. O presidente da Associação Brasileira de Supermercados, João Sanzovo Neto, foi chamado para uma conversa pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Na saída, disse que os supermercados não são os vilões da inflação da cesta básica, e que a margem de lucro das empresas é baixa por causa da grande competitividade do setor. “Nós temos todos os relatórios. Inclusive, as associações dos produtores têm informado o que oscilou de cada produto”. A previsão é de que os preços somente caiam em 2021, por causa da entressafra.

Bolsonaro acredita que pressão sobre os atacadistas e varejistas pode segurar os preços. “Tenho apelado para eles. Ninguém vai usar a caneta Bic para tabelar nada, não existe tabelamento, mas pedindo para eles que o lucro desses produtos essenciais nos supermercados seja próximo de zero. Acredito que a nova safra começa a ser colhida em dezembro, janeiro, de arroz em especial. A tendência é normalizar o preço”, avalia o presidente. Os especialistas veem de outra maneira: o dólar alto, a recuperação da economia chinesa, o auxílio emergencial e a entressafra são fatores objetivos que influenciam diretamente os preços. Mas há outros aspectos que exercem influência indireta, como as indefinições em relação às reformas tributária e administrativa, a dívida pública de 100% do PIB e o deficit fiscal de R$ 1 trilhão previsto para esse ano.

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Luiz Carlos Azedo: Verde, amarelo, branco, azul anil

“Crise sanitária, recessão econômica, crise fiscal, desemprego em massa e sinais da volta da inflação nos preços da cesta básica. Entretanto, Bolsonaro está cada vez mais populista”

Tivemos um inédito Dia da Independência sem desfiles militares, por causa da pandemia. O presidente Jair Bolsonaro desfilou em carro aberto, cercado de crianças, no velho Rolls-Royce presidencial, comprado pelo presidente Getúlio Vargas em 1952, em si uma atração à parte. A Esquadrilha da Fumaça, como sempre, riscou o céu de Brasília. Estamos a dois anos do Bicentenário da Independência. Quem tiver mais certezas do que dúvidas sobre o futuro estará errado. São tempos de mudanças vertiginosas em meio a grandes adversidades.

Olhando para metade do caminho percorrido, a década de 1920, houve um turbilhão de coisas que deixaram de pernas para o ar a chamada República Velha. O mundo saía da maior carnificina até então ocorrida na História, a I Guerra Mundial. Pode-se dizer que tudo o que ocorreu depois, no século passado, de alguma forma, foi marcado pelo conflito. Há 110 anos, havia uma grande inquietação cultural e artística, além da radicalização ideológica na qual se confrontaram o comunismo e o fascismo, como alternativas à social-democracia e ao liberalismo, respectivamente. A II Guerra Mundial foi quase uma consequência inevitável, cujo grande ensaio no teatro europeu foi a Guerra Civil espanhola.

No Brasil, havia uma profunda crise de identidade; as instituições republicanas, que constituíam um sistema federativo e a nossa democracia representativa, eram contestadas. Dizia-se que eram estruturas artificiais, não se coadunavam com a realidade social e cultural do país. A Semana de Arte Moderna questionaria os padrões culturais tradicionais, impostos por uma elite formada por ex-senhores de escravos e seus descendentes, propunha a busca de uma identidade nacional moderna, “digerindo” as novas correntes filosóficas e artísticas europeias para produzir uma cultura nacional autêntica. O tenentismo eclodiria com o heroísmo dos 18 do Forte Copacabana, questionando o coronelismo, as fraudes eleitorais, o sistema político. Na mesma época, surgia o Partido Comunista, formado por intelectuais e operários de origem anarquista, cristãos-novos do marxismo. Eram prenúncios de uma crise que iria desaguar na Revolução de 1930 e no Estado Novo.

Muitas incertezas
Olhando para o futuro, o que nos aguarda nos próximos dois anos? É difícil a resposta, já mergulhamos num turbilhão das incertezas. Qualquer análise precisa partir da constatação de que estamos vivendo uma crise múltipla, cuja origem difere de todas as anteriores, em razão da pandemia da covid-19: contabilizamos até ontem 126 mil óbitos e 4,137 milhões de casos desde o início da pandemia, com uma taxa de 60,5 mortos por 100 mil habitantes. Estado mais rico e mais populoso, com o melhor sistema de saúde, São Paulo registra 855.722 casos e 31.353 mortes, o que explica a profundidade da recessão econômica, com a queda na produção industrial de 17,7% no segundo trimestre, em relação a igual período de 2019. O único setor com resultado positivo foi o agronegócio, que cresceu 1,2% no trimestre passado, por causa da recuperação chinesa e do aumento do consumo de alimentos, cujos preços dispararam.

Ninguém sabe quanto tempo a pandemia permanecerá, pois há sinais de uma segunda onda na Itália e na Espanha, mas há esperança de que quatro das vacinas em desenvolvimento no mundo estejam liberadas para aplicação em massa até o final do ano: a americana, a inglesa, a russa e uma das chinesas. O Brasil corre atrás delas, mas é improvável que possamos imunizar a população em menos de um ano. Enquanto a vacina não vem, é melhor ter juízo e manter o isolamento social; porém, não é o que acontece no Brasil. O mau exemplo vem de cima. O presidente da República naturaliza a pandemia e mantém uma ocupação militar no Ministério da Saúde que entrará para os anais da nossa história sanitária, repetindo o triste papel que tiveram na epidemia de meningite, durante o regime militar.

Crise sanitária, recessão econômica, crise fiscal, desemprego em massa e sinais da volta da inflação nos preços da cesta básica. Entretanto, Bolsonaro está cada vez mais populista, para desespero da equipe econômica, que agora lida com uma anistia fiscal no valor de R$ 1 bilhão para as igrejas evangélicas, que o presidente da República quer sancionar. Ou seja, todos os contribuintes terão de pagar o calote dos pastores na Receita Federal. Na política, Bolsonaro só pensa na eleição; nos bastidores, trabalha para liquidar com a Operação Lava-Jato, moeda de troca para livrar os filhos das investigações sobre o caso Fabrício Queiroz. Com o ministro Luiz Fux na presidência do Supremo (tomará posse na quinta-feira), será muito difícil.

Pasmem! A anulação da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silvia, que ontem fez um pronunciamento nas redes sociais com pompa de estadista e cara de candidato, para emular com o de Bolsonaro em cadeia de radio e tevê, passou a ser vista com bons olhos pelos estrategistas do Palácio do Planalto. Já consideram os petistas fregueses de carteirinha e sonham com uma polarização com o petista Lula para reeleger Bolsonaro, sem risco de ter de enfrentar uma candidatura de centro no segundo turno. Até o Bicentenário da Independência, teremos dois anos emocionantes. Oremos!

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Luiz Carlos Azedo: Witzel, o brevíssimo

“O governador teve uma carreira meteórica, acreditou que o caso Queiroz inviabilizaria a reeleição de Bolsonaro e levaria à cassação o senador Flávio Bolsonaro”

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve, ontem, o afastamento de Wilson Witzel do cargo de governador do Rio de Janeiro por ampla maioria, por suspeitas de envolvimento direto em corrupção. O relator do processo, ministro Benedito Gonçalves, que havia decidido pelo afastamento monocraticamente, convenceu a maioria dos pares de que havia tomado a decisão acertada, com o argumento de que existem provas suficientes para justificar o afastamento e que a medida era “menos gravosa” do que a prisão preventiva do governador fluminense, solicitada pelo Ministério Público Federal (MPF).

Dificilmente Witzel voltará a ocupar o cargo, porque seu impeachment na Assembléia Legislativa (Alerj) é uma questão de tempo. O vice-governador Cláudio Castro, de 41 anos, que já exerce o cargo, também é investigado. Filiado ao PSC, é o segundo vice-governador mais novo da história do Rio, atrás, apenas, de Roberto Silveira, eleito com 32 anos de idade, nos anos 1950.
Cantor gospel, começou na política em 2004 como chefe de gabinete do então vereador Márcio Pacheco (PSC), denunciado pelo Ministério Público do Rio por integrar um suposto esquema de rachadinhas na Alerj. Castro tem o apoio de Jair Bolsonaro e de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado no caso Fabrício Queiroz, amigo de seu pai e seu ex-assessor parlamentar. O senador está enrolado no caso das rachadinhas da Assembléia Legislativa. Witzel elegeu-se no rastro eleitoral de Bolsonaro, em 2018, mas rompeu com o presidente e nunca escondeu o desejo de morar no Palácio da Alvorada. Agora, é mais um governador fluminense que pode parar na cadeia.

Não se pode dizer que houve uma mudança de rumo no Rio, porque o sistema de poder que controla a política fluminense continua o mesmo, balizado pelo Palácio do Planalto e pela Prefeitura carioca. Com a consolidação de Cláudio Castro no cargo, um santista sem nenhuma tradição política no estado, o poder da Alerj, que sempre foi muito grande, aumenta ainda mais. Entretanto, o deputado André Ceciliano (PT), que comanda o processo de impeachment de Witzel, também é investigado. Se a cassação de Witzel for aprovada neste ano, pela legislação, teriam que se realizar novas eleições. Nesse caso, sim, haveria um realinhamento de forças políticas no estado. A outra hipótese é uma alteração na correlação de forças em razão das eleições municipais. Marcelo Crivella (Republicanos) concorre à reeleição, mas enfrenta forte oposição: está ameaçado pelo ex-prefeito Eduardo Paes, derrotado por Witzel nas eleições passadas, mas que agora lidera as pesquisas eleitorais na disputa pela Prefeitura do Rio.

Meteoro
O caso Witzel é jogo jogado. O governador teve uma carreira meteórica, acreditou que o caso Queiroz inviabilizaria a reeleição de Bolsonaro e levaria à cassação de mandato de Flávio. Eleito na onda eleitoral provocada pela crise ética, com um discurso de duro combate à criminalidade (a tese do “tiro na cabecinha”), durante a pandemia da covid-19 entrou em confronto aberto com o governo federal. Não contava, porém, com o monitoramento da execução financeira de verbas federais pelos órgãos de controle do Estado, que, hoje, operam com inteligência artificial para cruzamento de dados. Assim, foram detectadas operações fraudulentas na Secretaria Estadual de Saúde. Em delação premiada, o ex-secretário Edmar Santos denunciou Witzel.

Edmar foi preso em julho, durante operação do MP-RJ que investigava fraudes na compra de respiradores. No mesmo dia, os promotores encontraram R$ 8,5 milhões em dinheiro vivo. O ex-secretário fez acordo e denunciou Witzel, o que fez o processo passar à esfera federal, por decisão do STJ. A partir daí, os acontecimentos precipitaram-se. Segundo o governador afastado, teria havido interferência de Bolsonaro, com objetivo de tirá-lo do cargo para influenciar a nomeação do novo procurador-geral do Estado, que deverá ocorrer em novembro. Marcelo Lopes, atual ocupante do cargo, seria aliado de Witzel e é responsável pela investigação do caso Queiroz. O governador nega, veementemente, as acusações e diz que a denúncia do ex-secretário é mentirosa.

Segundo a PGR, Witzel está envolvido no esquema de propina para a contratação emergencial e para liberação de pagamentos às organizações sociais (OSs) que prestam serviços ao governo, especialmente nas áreas de saúde e educação. Há a suspeita de que o governador tenha recebido, por intermédio do escritório de advocacia da mulher, Helena, R$ 554,2 mil em propina. Uma transferência de R$ 74 mil dela para a conta pessoal do governador reforçou as suspeitas. O esquema criminoso foi investigado a partir da apuração de irregularidades na contratação dos hospitais de campanha, respiradores e medicamentos para o enfrentamento da pandemia, logo no seu começo. O afastamento de Witzel também pôs os governadores de oposição com as barbas de molho, porque há muitas investigações sobre suspeitas de irregularidades na compra de respiradores, equipamentos de proteção individual e montagem de hospitais de campanha em outros estados. Ou seja, uma paúra do chamado efeito Orloff: “eu sou você amanhã”.

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Luiz Carlos Azedo: Auxílio emergencial e recessão

“Para a oposição, é melhor manter o auxilio de R$ 600 até o final do ano, com Bolsonaro contra, em vez de gastar em obras que miram apenas os aliados do presidente”

O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem a prorrogação do auxílio emergencial por mais quatro meses, no valor de R$ 300; metade do que estava sendo concedido nos últimos cinco meses. O valor é resultado das conversas entre o presidente da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e os líderes da base do governo. A medida provisória que renova o abono será examinada pelo Congresso e ainda pode sofrer modificações. A oposição pressiona para que seja mantido o valor de R$ 600. O próprio Bolsonaro gostaria que isso ocorresse, porque sua popularidade aumentou devido ao abono, mas o governo não tem recursos para isso. A dívida pública deve chegar a R$ 1 trilhão e projeta um déficit fiscal que deve perdurar por 13 anos.

Os beneficiados pelo auxílio, no total, receberão R$ 4,2 mil do governo federal. Muitos nunca viram tanto dinheiro. Esses recursos explicam em parte o bom desempenho da agricultura, único setor positivo do PIB deste segundo trimestre do ano, principalmente da cultura do arroz (7,3%), porque o café (18,2%) e a soja (5,9%), embora tenham também grande consumo interno, foram beneficiados principalmente pelas exportações. O abono ajudou a manter os níveis de consumo de alimentos pela população. O Brasil, porém, está vivendo a maior recessão de sua história, segundo o IBGE, com uma retração de 12,3% no segundo trimestre e de 12,7% na comparação com igual período do ano passado; o agronegócio foi o único setor, pelo lado da produção, a ter números positivos, de 0,4% e 1,2%, respectivamente. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O problema principal é a indústria parada. A queda de produção na indústria de transformação foi de 17,5%, na comparação com os primeiros três meses do ano, e 20% em relação ao mesmo período do ano passado. Os setores mais atingidos foram: automotivo, máquinas e equipamentos, transporte, metalurgia e têxtil. Na indústria têxtil, a queda foi 93%, o que aponta uma retração de 23% neste ano. O ministro da Economia, Paulo Guedes, minimizou a queda do PIB e voltou a defender a tese, inverossímil, de que haverá uma recuperação em V da economia no curto prazo, o que não coincide com a avaliação do mercado financeiro. Comparou os números do PIB à luz das estrelas, que viajam milhões de ano para chegar até nós. Segundo ele, os dados refletem o passado e não a situação real da economia. A narrativa pode convencer Bolsonaro; no mercado, quase ninguém acredita.

Crise fiscal
O problema de Guedes é que os agentes econômicos estão de olho na crise fiscal. O custo do abono é quase de 1% do PIB por mês. Embora Guedes tente reduzir isso pela metade, não será muita surpresa se o Congresso decidir manter os R$ 600 até o fim do ano. O raciocínio da oposição é muito simples: é melhor aumentar o abono, com Bolsonaro contra, do que deixar o governo com saldo para gastar em obras dos ministérios da Infra-Estrutura e do Desenvolvimento Regional, que miram apenas os aliados do presidente. A relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) deve superar o patamar de 95% neste ano. Em 2019, o endividamento do Brasil foi de 75,8%. Se o abono de R$ 600 for mantido, a dívida pública ultrapassará 100% do PIB. O xis da questão para o mercado financeiro é o “teto de gastos”, que Guedes quer manter, mas Bolsonaro não faz muita questão. Se ele for ultrapassado, haverá retração ainda maior nos investimentos privados, sem que o governo possa compensar com recursos públicos.

A decisão de reduzir o abono emergencial de R$ 600 para R$ 300 tem um cálculo eleitoral de Bolsonaro. A ideia é absorver o desgaste inicial e, mais na frente, faturar a manutenção desse auxílio para as famílias de baixa renda por meio do novo programa de transferência de renda que substituirá o Bolsa Família, denominado Renda Brasil. Esse abono é 50% maior do que o programa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chega no máximo a R$ 205, quando beneficia cinco pessoas, e atenderá a um número maior de pessoas de baixa renda. Com ele, o presidente da República pretende pavimentar sua reeleição. O abono ajudou o governo a mitigar o desgaste com a pandemia de Covid-19 e abriu as portas desse eleitorado para Bolsonaro, deslocando a oposição de boa parte desse segmento, inclusive no Nordeste.

O outro lado da moeda é a forma como esse déficit fiscal será administrado por Guedes. No mercado financeiro há duas hipóteses: aumento de impostos ou inflação. Qualquer um dos dois é péssimo para a economia. Preocupado com as expectativas negativas, Guedes disse que a reforma tributária ainda não está madura — na verdade, não há clima político para aumento de impostos – e anunciou que pretende mandar a proposta de reforma administrativa para o Congresso amanhã, o que sinalizaria o empenho do governo no sentido de reduzir os gastos com a sua própria máquina administrativa.

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