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Simone Tebet | Foto: Agência Senado

Nas entrelinhas: PSDB ainda negaceia apoio a Simone Tebet

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

Ao lado dos presidentes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do Cidadania, Roberto Freire, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) disse, ontem, que contará com apoio do PSDB para consolidar sua candidatura de “centro democrático”, como preferiu denominar a chamada terceira via. O presidente tucano, Bruno Araújo, grande artífice da retirada da candidatura do ex-governador João Doria, não participou da entrevista coletiva. Há tensões ainda no PSDB, embora o grupo responsável pela remoção de Doria da disputa, encabeçado pelo governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, apoie Simone.

A Pesquisa CNN/RealTime Big Data para as eleições presidenciais, divulgada ontem, sem o nome de Doria entre os candidatos, foi um banho de água fria nas articulações internas da legenda a favor da emedebista. O levantamento mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 40% das intenções de voto no primeiro turno, seguido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), com 32%; e por Ciro Gomes (PDT), com 9%. Depois aparecem André Janones (Avante) e Simone Tebet (MDB), com 2%, e Luciano Bivar (União Brasil), com 1%.

Na pesquisa com todos os candidatos, Doria aparecia com 4%. Esses votos foram redistribuídos entre Lula (1%), Bolsonaro (1%), Ciro Gomes (1%) e Simone (1%). Não pontuaram os pré-candidatos Vera Lúcia (PSTU), Pablo Marçal (Pros), Sofia Manzano (PCB), Felipe d’Avila (Novo), Leonardo Péricles (UP) e José Maria Eymael (DC). Brancos ou nulos somam 9%. Os indecisos e os que não responderam são 5%. Foram ouvidas por telefone três mil pessoas entre segunda-feira (23) e a terça (24). A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Com esses números, a ala do PSDB que defende uma candidatura própria ganhou novo fôlego, com o argumento de que seria preciso aguardar mais algumas semanas para decidir os rumos da legenda, apesar das expectativas das cúpulas do MDB e do Cidadania de que o apoio a Simone Tebet se consolide logo. O adiamento dessa decisão reforça a percepção de que o objetivo principal da maioria dos deputados tucanos seria cuidar da própria reeleição e da manutenção dos governos estaduais, principalmente o de São Paulo.

O presidente do MDB, Baleia Rossi, é o grande patrono da candidatura de Simone, não apenas porque controla 20 dos 27 diretórios regionais do partido, mas porque também tem um papel importante nas eleições em São Paulo. O governador Rodrigo Garcia está numa situação difícil, em quarto lugar nas pesquisas, atrás de Fernando Haddad (PT), que lidera, Márcio França (PSB) e Tarcísio Freitas (Republicanos). Precisa do apoio do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), para garantir uma base de apoio robusta na maior metrópole do país. Sem isso, corre o risco de não ir sequer ao segundo turno.

São Paulo

Garcia é a principal âncora da candidatura de Tebet no PSDB, mas isso pode não se traduzir em intenções de votos. É o que as pesquisas estão mostrando. No momento, a prioridade dele é construir uma aliança pirata com Márcio França, que passou a ser o principal obstáculo para que chegue ao segundo turno. O ex-governador divide mais votos com o tucano do que com Haddad. Isso explica a razão de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de o próprio PT não se esforçarem para remover a candidatura de França ao Palácio dos Bandeirantes.

A situação é tão dramática que a eventual candidatura de França ao Senado, na chapa de Haddad e na aba do chapéu do vice de Lula, o ex-governador Geraldo Alckmin, já seria de grande serventia para Garcia, pois amplia as condições para que ultrapasse Freitas, o candidato de Bolsonaro, o que está sendo muito difícil. A verdade é que o xadrez eleitoral paulista continua sendo um vetor decisivo das articulações da terceira via, porém, não é a prioridade dos tucanos de São Paulo. A preocupação maior é manter o controle do Palácio dos Bandeirantes. Doria pagou por isso.

Em contrapartida, bem ao estilo dos caciques do MDB, a cúpula da legenda endossou a candidatura de Simone Tebet. Nem os que apoiam Lula, a maioria do Nordeste, nem os que estão defendendo a reeleição de Bolsonaro, no Sul do país, têm força para impor suas orientações ao partido. A candidatura de Simone se equilibra nessa igualdade dos contrários, numa sigla que tem tradição de cristianizar candidatos, como aconteceu com Ulysses Guimarães, em 1989; Orestes Quércia, em 1994; e Henrique Meirelles, em 2018.

Simone Tebet é uma novidade na disputa eleitoral, por seu perfil liberal progressista e por carregar a bandeira do empoderamento das mulheres, além de um olhar feminino sobre os problemas nacionais. Sobretudo a agenda dos direitos humanos e do combate à exclusão e às desigualdades sociais.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-psdb-ainda-negaceia-apoio-a-simone-tebet/

Cora Rónai: Tecnologia e ignorância, combinação fatal

O que deve ser combatido é a maneira como as redes são usadas e, sobretudo, as causas que levam ao seu mau uso, como a insegurança e a falta de educação

A matéria mais horripilante que li este fim de semana - em que, como de hábito, não faltaram notícias horripilantes - contava o linchamento de dois homens inocentes num povoado mexicano, depois que boatos espalhados via Facebook e WhatsApp os denunciaram como sequestradores de crianças. Ricardo Flores, de 21 anos, e seu tio Alberto, de 43, haviam ido à cidade para comprar material de construção, e morreram sem saber do que eram acusados.

"Parece que esses criminosos estão envolvidos com o tráfico de órgãos. Nos últimos dias, crianças de quatro, oito e 14 anos desapareceram e algumas foram encontradas mortas com sinais de que seus órgãos foram removidos" dizia, segundo a BBC, uma das mensagens compartilhadas.

Os dois foram agredidos com fúria, seus corpos encharcados em gasolina e incendiados. A foto da reportagem mostra uma multidão diante da fogueira. O que a distingue dos quadros e ilustrações que mostram multidões medievais diante do suplício de feiticeiras são os braços erguidos segurando smartphones e filmando as chamas.

Cenas parecidas aconteceram na Índia diversas vezes este ano, através de incitações semelhantes: crianças sequestradas e mortas, seus órgãos removidos. Foram tantos casos de linchamento que o WhatsApp teve que restringir o número de grupos para os quais mensagens podem ser compartilhadas no país.

É fácil atribuir a culpa pela violência à tecnologia, mas é preciso resistir a essa facilidade. Desde a eleição de Trump, as redes sociais vêm sendo sistematicamente demonizadas. São um bode expiatório conveniente para tudo o que seres pensantes entendem estar errado com a humanidade, de escolhas políticas incompreensíveis a explosões de violência gratuitas.

É verdade que nunca, em momento algum, pessoas mal equipadas intelectualmente tiveram acesso a ferramentas tão poderosas de comunicação; mas essas ferramentas são menos culpadas pelos acontecimentos do que a ignorância dos seus usuários. Propor a sua censura ou a sua pura e simples proibição é bem mais simples do que encarar a realidade -- ou as reais raízes da violência.

Para governos ausentes e populistas, que nunca se preocuparam com a educação ou a segurança da população, é muito conveniente poder apontar para a tecnologia, essa força misteriosa e mal compreendida que, ainda por cima, está nas mãos de meia dúzia de capitalistas bastante vilanizáveis.

Na verdade, estamos diante de um problema para lá de complexo. A beleza do WhatsApp é dar a pessoas comuns, como eu, você e, sim, até os linchadores mexicanos e indianos, uma forma de comunicação rápida, barata, eficiente e segura, com um nível de criptografia imbatível.

Abrir essa criptografia pode ajudar a polícia a solucionar alguns crimes, mas ao custo de tirar de milhões de pessoas em situação vulnerável a possibilidade de manter as suas comunicações em sigilo total. O estrago que um governo mal intencionado pode fazer tendo acesso irrestrito às mensagens da população é incalculável.

O que deve ser combatido não são as redes, mas a forma como são usadas -- e, sobretudo, as causas que levam ao seu mau uso, como a insegurança e a falta de educação. Não é à toa que episódios horrendos como os recentes linchamentos aconteceram em regiões de baixíssimo nível educacional, onde a população desistiu, há tempos, de confiar na polícia.

 


Bernardo Mello Franco: Revisionismo de toga

O novo presidente do STF resolveu reescrever a História. “Eu me refiro a movimento de 1964”, disse Dias Toffoli, descartando a palavra “golpe”

O presidente do Supremo Tribunal Federal resolveu reescrever a História. Em seu 19º dia no cargo, ele decidiu que não houve golpe militar no Brasil. “Eu não me refiro mais nem a golpe, nem a revolução de 1964. Eu me refiro a movimento de 1964”, informou.

Ao expor a sua visão particular dos fatos, Dias Toffoli citou o historiador Daniel Aarão Reis. Foi uma surpresa desagradável para o professor da UFF. “Chamar o golpe de movimento é uma aberração. Rejeito categoricamente a paternidade dessa ideia, com a qual eu não concordo”, ele afirma.

Em palestra na USP, Toffoli atribuiu ao historiador a avaliação de que a “tanto para a esquerda, tanto para a direita passou a ser conveniente culpar o regime militar de tudo”. Para Aarão Reis, o ministro distorceu suas palavras e fez uma “interpretação vesga da História”.

“Esse tipo de análise sustenta que os dois lados cometeram excessos. É uma forma de lavar as mãos sobre o que aconteceu. Ao igualar o que não é igual, acaba legitimando a ditadura”, critica.

O professor lembra que o “movimento” de Toffoli rasgou a Constituição, derrubou um governo legítimo e submeteu o país a um estado de exceção. “Ao dizer isso, o ministro recupera uma triste atitude do ministro Ribeiro da Costa, que era presidente do Supremo e apoiou o golpe. Depois ele se arrependeu, mas já era tarde demais”, afirma.

A ditadura instaurada em 1964 cassou três ministros do STF e forçou a aposentadoria de outros dois. Ao assumir o comando do tribunal, Toffoli surpreendeu ao nomear um oficial da reserva para sua assessoria direta. O general Fernando Azevedo e Silva participou do grupo de militares que formulou propostas para o presidenciável Jair Bolsonaro.

Para a crônica eleitoral da Lava-Jato: a 11 dias do primeiro turno, a Polícia Federal acusou o ex-ministro Antonio Palocci de arrecadar propina para o PT. Aconteceu em 2016, às vésperas da disputa municipal.