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Ruy Castro: Por que só Bolsonaro?

O Tribunal de Haia deveria reservar um lugar também para os executores de sua política

O Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, recebeu as acusações contra Jair Bolsonaro de crimes contra a humanidade no contexto da pandemia. Foram levadas por entidades brasileiras que representam mais de um milhão de profissionais da saúde, responsabilizando-o pela morte de milhares no país por sua ação ou omissão. Matar não se limita a um tiro à queima-roupa.

Pode-se escolher entre as práticas de Bolsonaro desde a chegada da Covid: piadas com o vírus, minimização de seu perigo, desinformação deliberada sobre ações de prevenção, desprezo por medidas nacionais que amenizassem a quebra da economia, recusa em aceitar as orientações dos órgãos internacionais, instigação à desobediência dessas orientações, desmoralização dos encarregados por ele próprio de dirigir a saúde e sua substituição por estranhos à matéria, fazer propaganda falsa de remédio, debochar das vítimas da doença, indiferença quanto ao destino da população que jurou proteger. Com tudo isso ao alcance de seu poder, quem precisa de arminha?

Mas não nos iludamos. Os trâmites do tribunal são lentos e talvez só cheguem a uma conclusão quando um dos dois já tiver acabado, o mandato de Bolsonaro ou o Brasil --o que vier primeiro. Mas seria um consolo ver no banco dos réus, nem que fosse por uma sentada, os responsáveis pela maior calamidade pública na história deste país.

O que, como aconteceu em outros tribunais internacionais, deveria reservar lugar também a executores de sua política. Isso incluiria o general Eduardo Pazuello, que pôs a farda a serviço da farsa, estimulando o uso de medicamento impróprio e arriscado, sonegando informações sobre a evolução da crise, recusando-se a prestar contas diárias à sociedade e cercando-se de colegas de quartel, talvez para dividir sua responsabilidade.

Mas, você sabe, Haia é uma cidade pacata, com seu ritmo próprio.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Hélio Schwartsman: Estamos, afinal, numa República

Determinação de Alexandre de Moares impõe um veto prévio a mensagens independentemente do conteúdo

A pedidos, escrevo sobre o bloqueio de contas de bolsonaristas em redes sociais determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Evitei o assunto até aqui por considerá-lo desimportante. Sei que é uma idiossincrasia minha, mas, na condição de alguém que não participa de nenhuma rede social, o banimento do WhatsApp não me emociona.

Moraes exagerou. Não dá para afirmar que ele tenha silenciado os bolsonaristas, já que estes seguem livres para dizer o que quiserem por qualquer outro meio que não as plataformas citadas no despacho. Mas a determinação do magistrado é ampla demais, pois impõe um veto prévio a mensagens independentemente de seu conteúdo.

Pior do que isso é a própria existência do chamado inquérito das fake news, em que o STF atua ao mesmo tempo como vítima, autoridade policial e juiz. É a definição mesma de teratogenia judiciária. Mas, como na democracia quem tem sempre a última palavra em questões legais é o STF, não nos resta senão aceitar suas decisões mesmo que delas discordemos.

Quanto ao mérito, sempre advoguei por uma versão forte da liberdade de expressão. Filosoficamente, considero a abordagem dos norte-americanos, que aceitam até manifestações nazistas, racistas, homofóbicas, mais consistente do que a noção de democracia militante dos alemães, que se dispõem a criminalizar tudo o que soe como um ataque às instituições. Não vejo como distinguir ataques verbais de críticas contundentes, das quais as democracias precisam para aprimorar-se.

Daí não decorre, é claro, que o STF ou qualquer outra parte deva aceitar passivamente as agressões promovidas pelo gabinete do ódio. Até por serem burros e descuidados, bolsonaristas frequentemente incidem em crimes como os de ameaça e calúnia. É a esses tipos, na forma em que podem ser acionados por qualquer cidadão, que os ministros deveriam recorrer. Estamos, afinal, numa República.


Vera Magalhães: Antes de 22 vem 21

Sucessão no Congresso é lance vital para a eleição presidencial

Não adianta nada nomes como Luiz Henrique Mandetta queimarem a largada especulando sobre candidatura presidencial a essa altura do campeonato. Não bastasse haver um vírus à solta que terá matado 100 mil brasileiros até o início de agosto, ceifado milhões de empregos, virado o programa econômico de Paulo Guedes de cabeça para baixo e transformado as eleições municipais em nota de rodapé, isso para ficar só nos efeitos domésticos, outros acontecimentos em Brasília são pressupostos fundamentais para posicionar os corredores na linha de largada.

Eles começam agora, nesse segundo semestre que inicia oficialmente em agosto. Não à toa Rodrigo Maia saiu do silêncio que vinha mantendo para comandar uma dissidência no “blocão” de partidos da Câmara que deu suporte à sua presidência nesses quatro anos. Maia sabe que é vital não apenas para sua sobrevivência como líder político relevante, mas para a construção de qualquer projeto de centro dissociado do bolsonarismo e minimamente competitivo, manter o comando da Câmara no último biênio do governo.

Não que o Congresso tenha sido o protagonista nos atos de contenção a Bolsonaro nesse 2020 em que o presidente resolveu rasgar a fantasia. Esse papel, como se sabe, tem sido exercido pelo Supremo Tribunal Federal.

Mas é ali, na Câmara, que pode nascer um dos temores maiores da existência do presidente, maior que acabar a cloroquina no meio da noite: a abertura de um processo de impeachment, algo que Maia evitou alimentar nesses dois anos de convivência tensa, mas que é um trunfo à mão de qualquer presidente da Casa, a depender do impulso das ruas, de um motivo jurídico e de combustível dos setores econômicos.

Por ora nenhum desses fundamentos está dado. A pandemia tira a possibilidade de grandes manifestações de rua, Bolsonaro se segura ali no limiar dos 30% de aprovação, com um público que está trocando de pele da elite agora horrorizada com seus descalabros para as classes D e E conquistadas à base de auxílio emergencial. E o ainda bagunçado apoio do que restou do Centrão ao presidente pode lhe dar os votos necessários para evitar ter o mesmo destino de Dilma Rousseff.

Mas não é esse o único poder que emana dos comandantes da Câmara e do Senado. Bolsonaro não teve êxito até aqui em avançar com sua pauta reacionária no Legislativo. O que conseguiu para “escancarar a questão das armas”, por exemplo, fez via decreto. Alguns foram, inclusive, derrubados pelos parlamentares. A tentativa de aprovar pautas obscurantistas como a tal Escola sem Partido nunca foi adiante, e os vetos do presidente a projetos aprovados ou alterados pelos deputados e senadores podem ser derrubados a qualquer momento.

Sem o controle da pauta dificilmente o presidente terá mais sorte nos dois últimos anos de seu mandato. Isso além dos obstáculos institucionais que enfrentará em outras searas, como o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral.

Por tudo isso, para chegar competitivo a 2022 Bolsonaro tem de sobreviver não só ao 2020 do vírus e do desastre econômico como a dois últimos anos com atores no comando que ainda não estão em cena. Dois deles são escolhas de deputados e senadores, mas outros dependem da caneta do próprio Bolsonaro, que vai indicar, entre outros postos, um ministro do STF, Corte hoje hostil a ele e unida como poucas vezes, em novembro.

Ignorar essas variáveis e como a economia vai se comportar só fará com que eventuais postulantes à Presidência se exponham ao sol sem protetor. Mandetta não é o único a se arriscar a uma queimadura. Deveriam ficar mais embaixo do guarda-sol organizando os exércitos, como Maia está fazendo, e procurar algum grau mínimo de coesão.


Rosângela Bittar: O errado perfeito

A grande aliança que solucionaria os problemas de Bolsonaro voou pelos ares

O DEM e o MDB eram a alma dupla do Centrão. Davam consistência, história, peso político, acesso ao empresariado e à sociedade, ao paquiderme dominante do espaço parlamentar, agora imbuído de uma nova missão, a de salvar Jair Bolsonaro. No entanto, estavam em baixa. Ao declararem independência do governo e se retirarem do bloco, na última segunda-feira, os dois partidos viraram o jogo e passaram a liderar novamente o processo.

Golpearam, ao mesmo tempo, o projeto do presidente Jair Bolsonaro de usar o grupo como principal braço da sua articulação política no Congresso. E derrubaram o arranjo do escolhido para representar o governo nas negociações, o líder Arthur Lira, que esperava ser premiado com a sucessão à presidência da Câmara, sem esforço.

Sucessão esta que também ficou incerta porque volta a colocar na disputa, com presença notável, o candidato que o presidente da Câmara vier a escolher para suceder-lhe. Não se sabe quem, nem quando será. Por experiência da sua própria eleição, Rodrigo Maia não tem pressa. Quando recebeu o apoio do DEM, seu próprio partido, já era véspera da disputa, e, quando o aliado PSDB se manifestou, já era a manhã do dia D.

Ao se enfraquecer com a saída dos dois principais partidos, o Centrão enfraquece o governo, que nunca acertou na articulação política. O presidente demorou a se decidir pela aliança e, quando o fez, depositou suas esperanças de sustentação em um homem só. A busca de atalhos, na negociação política, nem sempre dá certo.

Sua estratégia ficou clara: queria ganhar, sim, mas não bastava. Maia precisava perder. Uma rusga que atravessou o ano e ancorou na pandemia.

Errou também o presidente por desconhecimento das regras da articulação, dos princípios e dos ritos na relação entre os Poderes e entre estes e as unidades da Federação.

Numa conferência recente sobre a intrincada conjuntura política do País o ex-ministro e ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo fez uma paródia do jargão para cunhar outra expressão que define este tipo de confluência de desastres em uma mesma situação: “o errado perfeito”. Do manual do erro, Bolsonaro não deixou nada de fora, cumpriu todos. Tanto que, com um piparote, a grande aliança que solucionaria seus problemas voou pelos ares.

A primeira lição que o presidente deveria aprender com o revés é que a articulação política exige ciência, por mais que a palavra atinja seus brios. Não se coordena a relação do Poder Executivo com o Poder Legislativo apenas com um general afável, competente relações públicas, e alguns líderes neófitos e inexperientes membros do baixo clero parlamentar.

Os exemplos de fracassos e sucessos de governos anteriores ensinam também a quem quer aprender. Não é necessário ao governo ter um Luiz Carlos Santos que, segundo a lenda, dava nó em fumaça. Muitos depois dele, e sem a sua experiência e habilidade, saíram-se bem.

Uma segunda lição é que para se ter uma boa articulação política é preciso ter, primeiro, uma política. Representada em um projeto de governo a que se possa aderir, em torno do qual estabelecer negociação e dividir tarefas de execução. Sem isto não dá para fazer nada, a não ser acertos aleatórios e pontuais, geralmente descumpridos de parte a parte.

O articulador precisa contar com a total confiança do presidente e inspirar confiança e respeito dos seus interlocutores. Voz de comando não funciona: articulação política não é uma guerra nem uma campanha eleitoral. Ah, importante: tem de reconhecer a importância e respeitar a oposição.

Em um governo forte, com base no Congresso, plano de trabalho, unidade dos ministros, a articulação flui. Mas se é um governo desorientado, como o de Jair Bolsonaro, com um presidente que não tem autoridade além da conferida pelo cargo, assiste-se a uma derrota atrás da outra.


Ricardo Noblat: O congestionamento de candidatos do centro poderá marcar a eleição

A esquerda agradece. Bolsonaro se preocupa

No primeiro momento, a saída do DEM e do MDB do conglomerado de partidos conhecido pela alcunha de Centrão tem a ver com a eleição do próximo presidente da Câmara dos Deputados, em fevereiro do próximo ano.

Indica que DEM e MDB pretendem formar um bloco junto com o PSDB e partidos de oposição ao governo para eleger o sucessor de Rodrigo Maia. Ou reeleger Maia, caso se aprove uma emenda à Constituição para tornar possível o que hoje não é.

O Centrão aliou-se ao governo atraído pela oferta de cargos, liberação de dinheiros e outras sinecuras que o presidente Jair Bolsonaro dizia antes abominar. Conversa para enganar eleitor. Bolsonaro já foi filiado a quase todos os partidos do Centrão.

Está interessado, agora, em valer-se dos votos do Centrão para barrar a abertura de um processo de impeachment contra ele, aprovar projetos do governo e pôr no lugar de Maia um presidente da Câmara mais confiável. Foi aí que o bicho pegou.

Num segundo momento, o racha do Centrão tem a ver com a sucessão do próprio Bolsonaro. É remota a possibilidade do DEM e do MDB apoiarem a reeleição do presidente. É mais do que provável que se unam ao PSDB para bancar outro nome.

O governador João Doria (PSDB), de São Paulo, quer ser esse nome. O combate à pandemia do coronavírus ofereceu-lhe a oportunidade de se apresentar como um candidato de centro-direita capaz de enfrentar Bolsonaro daqui a dois anos.

A eleição presidencial de 2022 poderá assistir a um congestionamento de candidatos do centro – Doria, Sergio Moro, Ciro Gomes que parece caminhar nessa direção, e quem mais aparecer. O PT agradece desde já. Bolsonaro se preocupa.

Quanto aos partidos do Centrão de raiz, para esses tanto faz como tanto fez. O imediato é o que importa. De resto, são sensíveis à direção dos ventos. Sabem tirar vantagem de tudo. E, ao fim e ao cabo, sempre estarão com o governo, qualquer um.

A boiada de Ricardo Salles passou sobre a política ambiental

Bolsonaro deu ouvidos ao ministro
Resta comprovado que o presidente Jair Bolsonaro seguiu o conselho de Ricardo Salles, seu ministro do Meio Ambiente, e aproveitou os meses iniciais da pandemia do coronavírus para reforçar os maus tratos à natureza, marca do seu governo até aqui.

Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo em parceria com o Instituto Talanoa mostra que, entre março e maio deste ano, o governo publicou 195 atos no Diário Oficial, todos ligados ao tema ambiental. Nos mesmos meses de 2019, foram apenas 16.

Na reunião ministerial de 22 de abril último, Salles sugeriu a Bolsonaro que aproveitasse o momento em que a imprensa estava ocupada com a pandemia para “passar a boiada”, mudando “todo o regramento e simplificando normas” na área do meio ambiente.

E foi isso o que Bolsonaro autorizou que se fizesse como aponta a análise inicial das principais portarias, instruções normativas, decretos e outras normas baixadas ou alteradas. O processo de desmonte das políticas ambientais ganhou celeridade.

A instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), por exemplo, que trata da priorização de indenização para populações tradicionais em reservas ambientais, criou uma brecha para facilitar a expulsão de índios e quilombolas dessas áreas.

A portaria 432/2020 permitiu ao ICMBio centralizar a gestão de duas unidades de conservação em Roraima, cancelando a criação de mais duas bases avançadas. Ali, há registros recentes de invasão de garimpeiros e de aumento da derrubada de árvores.

Os defensores do meio ambiente estão furiosos com o que aconteceu. E com razão.


Vinicius Torres Freire: Começa a eleição da governança do país

Disputa pelo comando da Câmara move partidos e deve redefinir 'parlamentarismo branco'

O que existe de governança do Brasil é uma resultante do desgoverno de Jair Bolsonaro, de um anteparo na Câmara e de surtidas do Supremo contra desbordamentos do bolsonarismo. Diga-se “governança” por conveniência e brevidade, para dar um nome ao que resulta do salseiro. Não é governo, que inexiste, nem equilíbrio de Poderes. É uma bruxa inacreditável, mas que existe.

Esse esquema de governança improvisada, por informe, gelatinoso e variável que seja, deve mudar a partir do começo do ano que vem com a eleição dos novos (ou não) presidentes da Câmara, em especial, e do Senado. Vai definir se a Câmara continua como um anteparo das exorbitâncias do governo e dar uma medida mais precisa do apoio que Bolsonaro tem no Congresso (se é que quer mesmo algo assim, tão normal).

Essa eleição começou. Ou, melhor, começa o rearranjo de blocos partidários que vão apoiar este ou aquele candidato. O DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o MDB fizeram questão de se separar do bloco formal de partidos que incluía a geleia do centrão. Com eles, o PSDB deve compor uma troica, embora outras adesões sejam possíveis. Os três partidos juntam 74 dos 513 deputados.

Parece pouco, mas não é lá bem assim. O grupo de parlamentares tidos como mais à esquerda não tem o que fazer a não ser aderir a quem não seja bolsonarista ou ficar fora do jogo (uma estupidez sem sentido prático, político ou interesseiro, pois teriam ainda menos poder de ocupar qualquer posição de relevância na Câmara). Juntam uns 140 deputados, por aí. A troica e a “esquerda” somam, pois, mais de 210 parlamentares.

É o grupo que poderia levar adiante uma versão do “parlamentarismo branco” que colocou alguma ordem na política politiqueira de Brasília, negociou, relatou e aprovou projetos relevantes e rejeitou desmandos piores do Planalto. Foi o que restou de governança sensata do país, goste-se ou não de seus projetos e programas.

O que sobrou do blocão antes integrado por DEM e MDB é mais ou menos o que se chama de centrão, 158 parlamentares. Esse bloco ainda pode rachar, tendo em vista a eleição da Câmara (fevereiro de 2021), e deve contar com agregados do PSL (parte bolsonarista, parte não, parte talvez) e seus 41 deputados, e do Republicanos, 33 deputados, que vem a ser o partido da Igreja Universal. Esses partidos têm uns três candidatos a princípio viáveis.

Decerto essas continhas são demasiadamente certinhas no mundo ainda mais gelatinoso de uma Câmara em que inexiste uma coalizão de governo e no qual mais de 70% dos deputados se dividem ideologicamente entre conservadorismo, extremo conservadorismo e extrema direita. São continhas ainda mais precárias em um Congresso de fragmentação partidária recorde e de legendas que começam a pensar em fusões e aquisições tendo em vista a ameaça da cláusula de barreira, em 2022.

Mas é dessas danças do acasalamento infiel é que deve sair a cara do comando improvisado do país. Na disputa da Câmara vai ficar mais claro o tamanho do bloco da boquinha bolsonarista, instável, mas relevante para saber das possibilidades ora remotas de impeachment e dos riscos de serem aprovados projetos “passa a boiada” pelo país. A disputa está muito no começo. O governo mal passou a jogar o jogo da coalizão, do qual tenta participar desde abril. Na verdade, nem se sabe se vai ser esse o jogo, o de uma normalização política, business as usual. Mas as cartas estão indo para a mesa.


Merval Pereira: Caminho do meio

Faz sentido o PSDB, PSD e DEM, partidos ideologicamente muito próximos, tentarem se unir em nova alternativa

Se não houvesse outras indicações, a saída de DEM e MDB do bloco do Centrão que apóia o governo seria, por si só, uma importante inflexão parlamentar em busca de “independência regimental”. Isso quer dizer que os dois partidos não querem estar formalmente ligados às decisões da liderança do governo no Congresso.

Na prática, já estavam distanciados, o que a votação do Fundeb demonstrou, impondo uma derrota acachapante ao Governo e a seu líder oficioso Arthur Lira. Os movimentos de aproximação do novo PSDB sob o comando do governador de São Paulo João Doria, e o DEM se tornaram evidentes desde a escolha do relator da reforma da Previdência, com os tucanos ganhando um posto chave na questão mais central da política daquele momento, uma decisão que coube ao presidente da Câmara Rodrigo Maia, do DEM.

As conversas entre PSDB e DEM têm a participação também do PSD de Kassab, para se fundirem um único partido, ou trabalharem em conjunto na direção da centro-direita e se opor aos radicalismos de esquerda e de direita. Maia, embora se dê muito bem com a esquerda parlamentar, não quer uma coligação “de centro- esquerda”. Muito menos o governador Dória, que levou o PSDB para a centro-direita.

Kassab foi secretário do governador Doria, e agora ganhou espaço maior no governo Bolsonaro, que um dia o chamou de “desgraça”, com a indicação de Fabio Faria para o ministério das Comunicações, que tem ligação forte com o presidente da Câmara. A aproximação de Bolsonaro com o Centrão, que parecia lhe dar suporte político no Congresso, foi fragilizada com a saída de DEM e MDB, ao mesmo tempo em que se fortaleceu uma antiga ideia de formação de um bloco de centro-direita que possa se opor aos extremos políticos, PT e bolsonarismo.

A disputa pela presidência da Câmara faz parte dessa estratégia de longo prazo, que se consolidará caso se confirme a possibilidade legal de reeleição de Maia e Alcolumbre no Senado. Nessa questão Rodrigo Maia está agindo com mais cautela do que Alcolumbre, que assumiu a frente da luta pela reeleição na mesma legislatura, que hoje é proibida pelo regimento interno.

Já houve exceções na história do Congresso, com Antonio Carlos Magalhães se reelegendo na própria legislatura com base em uma interpretação da advocacia da Casa aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. Também Rodrigo Maia recebeu permissão do Supremo Tribunal Federal para ser reeleito, pois o ministro Celso de Mello decidiu não contar o mandato-tampão que exerceu substituindo Eduardo Cunha.

Uma tendência é o STF decidir que esta é uma questão interna da Câmara e do Senado, permitindo reinterpretações ou mudanças dos regimentos internos. Caso isso aconteça, o mais provável é que Rodrigo Maia, docemente constrangido, aceite mais um mandato à frente da Câmara, o mesmo acontecendo com David Alcolumbre no Senado, sem nenhum constrangimento.

O Centrão ganhou força no Palácio do Planalto, mas não politicamente, pois a Câmara está tendo mais influência na gestão dos assuntos mais importantes, como as reformas, começando pela da Previdência, o Fundeb e o marco regulatório do saneamento básico sem precisar do Palácio do Planalto.

A popularidade do presidente Bolsonaro está estável em bom patamar, depois de ter dado sinais de queda, devido ao auxílio emergencial, e se o governo conseguir arranjar dinheiro para ampliar o Bolsa Família, transformando-o em Renda Brasil, é possível que consiga manter a vantagem que hoje as pesquisas lhe dão para 2022.

Mas o panorama econômico de curto prazo não é favorável, e ainda há muitas questões políticas para Bolsonaro ultrapassar no caminho para a reeleição. Por isso, faz sentido o PSDB, PSD e DEM, partidos hoje ideologicamente muito próximos, tentarem se unir em uma nova alternativa de centro-direita. Depois que as lideranças tucanas mais identificadas com a centro-esquerda perderam a influência, inclusive diante das investigações da Lava Jato eleitoral, esse caminho está aberto.


MDB e DEM afastam-se do Centrão e enfraquecem candidatura de Lira

Atuação de líder do PP na votação sobre o Fundeb antecipou decisão

Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto, Valor Econômico

BRASÍLIA - Adeptos de uma postura independente em relação ao Palácio do Planalto, as bancadas do MDB e do DEM na Câmara decidiram ontem desembarcar do bloco comandado pelo líder do PP na Casa, deputado Arthur Lira (AL), que vem atuando como representante informal do governo.

Além da proximidade de Lira e de outros partidos do Centrão com o presidente Jair Bolsonaro, a corrida pela presidência da Câmara, que terá eleição em fevereiro de 2021, também contribuiu para que as legendas batessem o martelo sobre o desembarque. A expectativa é que DEM e MDB costurem uma aliança com partidos da oposição para a disputa pela principal cadeira da Câmara. Nos bastidores, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) tem sinalizado que não apoiará um nome que desagrade as siglas da esquerda.

Cada vez mais próximo do Planalto, Lira, que pretende concorrer ao comando da Câmara, já é visto com resistência por parlamentares da oposição. Com o esvaziamento do bloco, o líder do PP pode ter novos obstáculos para fortalecer sua candidatura.

O líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), afirmou que pretende formalizar a saída hoje. De acordo com ele, o partido seguirá votando a favor de pautas que sejam necessárias para a retomada da atividade econômica, mas seguirá com a postura independente e não irá “a reboque de ninguém”.

Com o desembarque do MDB e do DEM, o grupo liderado por Lira diminuirá de 221 para 158 deputados. Ao deixarem o grupo, as siglas terão autonomia para apresentar requerimentos de urgência, de retirada de pauta e para que emendas em projetos de lei sejam apreciadas.

Antes desse movimento, PSL, PSDB e Republicanos já deixaram a composição. PTB, Pros e Solidariedade também avaliam sair do bloco e formar um novo grupo, para ter mais competitividade na disputa por relatorias de propostas relevantes. De acordo com parlamentares dessas siglas, o líder do PP tem sido protagonista nas negociações mais importantes e os partidos menores acabam não tendo voz.

O bloco comandado por Lira foi formalizado no ano passado para fortalecer as legendas na disputa por cargos importantes em comissões, entre elas a Comissão Mista de Orçamento (CMO). A composição determinou que o Centrão fosse responsável por 18 indicações no colegiado. O DEM compunha esse grupo por um acordo que garantiria o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) na presidência da CMO.

Segundo fontes, a postura de Lira durante a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que aumenta o aporte do governo federal no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e torna a política permanente foi determinante para que MDB e DEM decidissem formalizar a saída do bloco.

Atuando como líder informal do governo, Lira ensaiou obstruir a análise do texto para que propostas da equipe econômica fossem consideradas no projeto. O movimento desagradou partidos aliados, que queriam que o texto avançasse. A iniciativa não surtiu efeito e o líder do PP se viu obrigado a desistir da ofensiva e apoiar a votação da proposta.

Lira minimizou o desembarque do MDB e do DEM do bloco e afirmou ver o desmembramento com naturalidade, já que a composição ocorreu para garantir espaços na CMO. “O bloco de partidos que é chamado de Centrão tem como objetivo manter o diálogo e a votação das pautas importantes para o país. O chamado bloco do Centrão foi criado para formar a comissão de Orçamento.

Não existe o bloco do Arthur Lira. O bloco foi formado para votar o Orçamento e é natural que se desfaça. Ele deveria ter sido desfeito em março, o que não aconteceu por conta da pandemia”, escreveu nas redes sociais.

O governo considera a votação do projeto de lei que estabelece o combate às fake news o próximo teste de fogo da base comandada por Lira. Como o Planalto é contra, o líder do PP terá que articular com ex-aliados para evitar um revés para Bolsonaro no plenário.


Luiz Carlos Azedo: A desagregação do Centrão

“Os líderes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do DEM, Efraim Filho (PB), também são potenciais candidatos ao comando da Câmara, mas é muito cedo para se lançarem à disputa“

O MDB e o DEM anunciaram, ontem, que deixarão o Centrão, bloco de 221 parlamentares formado pelos seguintes partidos: PTB, PP, Solidariedade, PRB, PSD, MDB, PR, Podemos, Pros e Avante. Com a saída das duas legendas, a bancada comandada pelo líder do Progressistas, Arthur Lira (AL), nome de preferência do presidente Jair Bolsonaro para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Presidência da Câmara, passará a contar com 158 deputados. Ocorre que o PSD, com 35 deputados, e o PTB, com 11, também estão se preparando para desembarcar do Centrão. A candidatura de Lira ao comando da Casa virou suco.

Um dos artífices da aproximação do bloco com o Palácio do Planalto, Lira se lançou à sucessão de Maia antes da hora e acabou no sereno. Seu principal concorrente era o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP- PB), líder da maioria e relator da reforma tributária, que agora está cotado para ser o líder do governo na Câmara, no lugar do Major Vitor Hugo (PSL-GO). A operação é comandada pelo ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Ramos, como uma forma de acomodar a situação dentro do Progressista, mas a necessidade da troca de líder ainda não convenceu Bolsonaro.

A candidatura de Lira, porém, se tornou tóxica, por causa da Operação Lava-Jato, na qual é acusado de ter recebido R$ 1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão. De acordo com a denúncia, teria recebido o dinheiro em troca do apoio do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras. Costa foi preso em março de 2014, quando a Lava-Jato foi deflagrada. Segundo a defesa do parlamentar, o delator fez a denúncia porque Lira teria afastado Costa da legenda. Mas acontece que a ex-mulher de Lira, Jullyete Lins, no fim do ano passado, ao cobrar na Justiça R$ 600 mil de pensões em atraso, acusou o parlamentar de ocultar patrimônio no valor de R$ 40 milhões, construído por meio de propina. Lira nega.

O desembarque do PSD, de Gilberto Kassab, e do PTB, de Roberto Jefferson, do Centrão sinaliza um realinhamento de forças na Câmara. Esses partidos, que agora ocupam espaços na Esplanada dos Ministérios, se movimentam por conta própria. Aparentemente, Kassab e Jefferson não têm interesse que o novo presidente da Câmara seja um “pau mandado” do presidente Jair Bolsonaro. Isso reduziria o poder de barganha que ambos têm hoje, tanto na estrutura da Câmara como nas negociações com o Palácio do Planalto. Kassab e Jefferson, cada qual com o seu estilo, são raposas velhas da política. Operam nos bastidores defendendo seus próprios interesses na Câmara, para depois negociar com o governo numa posição de força.

Trocando em miúdos, o Palácio do Planalto deve esquecer o jogo de damas, precisa jogar xadrez na Câmara. Isso ficou claro na votação do Fundeb, na semana passada, que Artur Lira tentou adiar, a pedido do governo, mas acabou atropelado por Maia. Os líderes do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), e do DEM, deputado Efraim Filho (PB), também são potenciais candidatos ao comando da Câmara, mas ainda é muito cedo para se lançarem à disputa. O grande beneficiado pela desconstrução do Centrão, por enquanto, é o presidente da Câmara. Maia estava sendo tratado como “pato manco” por Bolsonaro, o que é um erro crasso.

Aviões de carreira
Há mais coisas entre o céu e o cerrado do que os aviões de carreira, diria o Barão de Itararé, a propósito da saída de integrantes da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Depois do secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, deixaram a equipe, nos últimos dias, o presidente do Banco do Brasil, Rubens Novaes, e o secretário especial de Fazenda, Caio Mengale, que anunciou sua decisão ontem. Todos alegaram motivos pessoais, mas o ex-presidente do BB deixou no ar uma interrogação, ao revelar incômodo com o “compadrio”. Pode ser uma referência às pressões para manter a publicidade do banco nos sites e blocos que estão sendo investigados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por causa das fake news.

No mercado financeiro, comenta-se que estaria havendo divergências na equipe econômica em relação ao programa Mais Brasil, que o governo prepara para substituir o programa Bolsa Família. O governo caminha para aumentar impostos e fazer mais transferências de recursos para a população de baixa renda, contrariando tudo o que Guedes pretendia inicialmente. Ou seja, a pandemia e a recessão puseram em xeque o projeto ultraliberal de Guedes e sua equipe.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-desagregacao-do-centrao/

O Estado de S. Paulo: 'Governo saiu da política de sindicato e virou república da caserna', diz Elmar Nascimento

Líder do DEM e de bloco que reúne 301 deputados na Câmara, Elmar Nascimento diz que Bolsonaro precisa da classe política 

Vera Rosa, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O protagonismo dos militares no governo de Jair Bolsonaro está incomodando potenciais aliados. Para o líder do DEM na Câmara, deputado Elmar Nascimento (BA), o presidente precisa melhorar muito sua relação com o Congresso, se não quiser ter problemas em votações consideradas prioritárias, como a reforma da Previdência.

“O governo saiu da política de sindicato e passou para a república da caserna”, afirmou o deputado, em uma referência ao número de militares no primeiro, segundo e terceiro escalões da máquina federal, em contraposição à quantidade de sindicalistas nas gestões petistas.

Além de comandar a bancada do DEM, Elmar é líder do “blocão”, grupo que reúne 301 dos 513 deputados e ajudou a reconduzir Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara. Na avaliação do deputado, Bolsonaro precisa chamar a classe política para ser “sócia” de seu projeto. Nesta entrevista, ele negou, porém, que isso signifique um toma lá, dá cá. Confira os principais trechos:

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, disse que o DEM só não entrou na base aliada por uma questão burocrática e pediu que o partido ajude o presidente. O senhor concorda?
A agenda econômica converge com a nossa, mas um casamento só se faz quando se é pedido em casamento. Até agora não teve pedido do presidente. O governo está saindo de uma república de sindicato para uma república da caserna. Eu respeito muito os militares, são patriotas, dedicados ao Brasil, mas na política tem gente tão honesta quanto eles. É preciso se estabelecer qual o tipo de relação que o presidente quer com a classe política.

É ruim Onyx Lorenzoni (Casa Civil) ser o único ministro civil a ocupar um posto no Palácio do Planalto?
É bom. Ele é do ramo, é político. Agora, acho que para a articulação política, o presidente tem de escolher um: seja o Onyx, seja o general Santos Cruz (Secretaria de Governo). Quando o presidente escolheu o (Luiz Henrique) Mandetta para o Ministério da Saúde, não foi pela capacidade política dele. Foi porque, tecnicamente, ele (que é médico) estava preparado para ser ministro. Na política, para que inventar? Sou contra se botar um general (como articulador).

O que se diz é que um general foi nomeado para a Secretaria de Governo (Santos Cruz) porque nenhum parlamentar teria coragem de fazer pedidos impróprios a ele. Um general intimida?
Se um ministro aceitar que alguma proposição desse tipo seja feita, e não denunciar, está prevaricando. O presidente tem de partir do pressuposto de que nenhum aceita (pedidos impróprios), não é só o militar.

Quantas vezes o senhor já foi na Secretaria de Governo?
Nenhuma, eu não conheço o general. Eu não tenho nada contra o general, mas acho que ele não foi escolhido pelo governo para ser articulador político porque, se foi, começou muito mal. No lugar dele, a primeira coisa que eu teria feito era visitar a Câmara e cada uma das lideranças para me apresentar, me colocar à disposição e saber as demandas de cada partido.

O pacote do ministro Sérgio Moro vai ficar para depois?
O pacote do ministro Sérgio Moro é um pouco imprudente. Quem no Congresso não é a favor da lei do crime hediondo, de impedir progressão de pena para quem comete homicídio qualificado, como estuprador? Só que a nossa Constituição não permite, e isso o STF já decidiu reiteradas vezes. Seria mais prudente ele enviar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) e cada deputado que votar contra esse tema que assuma a responsabilidade perante seus eleitores.

A investigação da Receita Federal preocupa o Congresso?
Se fizeram isso com um ministro do Supremo Tribunal Federal e com a mulher do presidente do STF, o que se pode fazer com qualquer cidadão? É preciso muito cuidado. Aí é que se pressiona às vezes pela votação de projeto de abuso de autoridade. Em certos casos, é preciso ter. Não pode um grupo formado sair escolhendo a dedo, sem qualquer tipo de critério quem vai investigar.

Quais as insatisfações dos deputados com o Planalto?
O governo precisa de votos. Nos Estados, o presidente precisa compor o governo dele, em cargos de direção. Nessa composição ele vai ouvir quem: aliados ou adversários? Sou favorável a estabelecer critérios. O sujeito tem de ser ficha limpa e ter capacidade técnica. E isso tem de valer do quinto escalão ao primeiro. Com Michel Temer tínhamos o que há de melhor em termos de tratamento, a despeito de sua impopularidade. A gente ligava para o presidente e ele retornava a ligação. Hoje, a gente tem de se identificar, alguém lá em cima autorizar, colocar um crachá.

Mas a ideia que passa para a população não é a de que o Congresso só vota se receber emendas e cargos?
Não, porque o Congresso vai votar. Só não sei se vai votar como o governo quer. Temos a obrigação de votar sobretudo a pauta econômica.

Onde o governo está errando?
É preciso mais diálogo. Se agora, na reforma da Previdência, tivesse sido feito um diálogo mais aprofundado com os líderes talvez se ganhasse tempo e se evitasse alguns equívocos que terminam contaminando a comunicação da reforma. O nosso mandato não vai servir para prejudicar o trabalhador rural mais pobre, quem precisa do Benefício de Prestação Continuada.

O DEM não vai votar enquanto esses itens não forem retirados?
Nós vamos apresentar emendas e vamos tirar isso da proposta. É o nosso papel aperfeiçoar o projeto. Até porque temos três ministros lá (Casa Civil, Saúde e Agricultura), nós queremos que o governo dê certo. Os pontos que julgamos equivocados, já que não fomos chamados para opinar, nos sentimos à vontade para mudar.

Ter três ministros não torna desconfortável um movimento contra a proposta do governo?
Em nenhum momento pensamos em compor com o governo em troca de cargos. O governo que dava cargos e outras ‘coisitas’ mais a gente sabe no que deu. Os nossos estão lá porque são da cota pessoal.

A aposentadoria rural e o BPC são bodes na sala?
Se são (bodes), têm de sair muito rapidamente porque os mais pobres são usados como bois de piranha pelas corporações. São massa de manobra. O ganho que tem para o governo é muito pouco para poder defender esse tipo de coisa.

Para o que há consenso?
É consenso que a questão da idade mínima precisa ser verificada, que todas as classes precisam contribuir. A bancada está reclamando muito do não envio da Previdência dos militares. A maioria enxerga que não há razão para qualquer tipo de privilégio. Não vemos a questão do serviço militar como algo que imponha sacrifícios a ponto de ter tratamento diferenciado.

O vereador Carlos Bolsonaro usou as redes sociais para dizer que deputados não estão defendendo a reforma. Os filhos do presidente podem colocar as redes sociais contra o Congresso?
Eu não vejo autoridade no filho do presidente (Carlos)de estar dando pito sequer nos seus companheiros da Câmara Municipal, quanto mais em deputado federal. A gente vai votar não é porque o filho do presidente pediu. Vamos votar pelo Brasil. O Brasil precisa da aprovação dessa reforma.

 


Merval Pereira: As trapaças da sorte

DEM passou a presidir as duas Casas, mais uma vez por virtudes individuais do que por estratégias de sua direção

O DEM é o caso mais curioso de empoderamento político dos últimos tempos, pois aparentemente tem o controle das presidências da Câmara e do Senado, e a liderança do maior bloco na Câmara, mas, na prática, não teve interferência nessa composição. Vale-se, no entanto, dessas “trapaças da sorte” para posicionar-se no tabuleiro político como se forte fosse.

O partido que um dia o então presidente Lula desejou “extirpar” da vida política brasileira representa hoje, teoricamente, o mais forte grupo na arena política, sem ter, no entanto, a maior bancada, nem na Câmara nem no Senado.

Ocupa três ministérios importantes: Gabinete Civil, com Onyx Lorenzoni; Agricultura, com Tereza Cristina; e Saúde, com Luiz Mandetta. Nenhum dos três, no entanto, deve sua indicação ao partido. Lorenzoni foi escolha pessoal do presidente Jair Bolsonaro, e não tinha uma relação tranquila com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também do DEM.

Os outros dois foram indicados pelas bancadas temáticas: Tereza Cristina, pelo agronegócio, e Mandetta pela bancada da saúde. Elmar Nascimento, deputado baiano do DEM, é líder do maior bloco da Câmara, com 301 deputados, pertencentes a 11 partidos, entre os quais o PSL.

Fazem parte do bloco, além do partido do presidente Bolsonaro, o PP, PSD, MDB, PR, PRB, DEM, PSDB, PTB, PSC e PMN. Para demonstrar o que quer, ele organizou ontem um almoço com lideranças de partidos do bloco, mas nem o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo, nem o do PSL, Delegado Waldir, foram convidados.

Nas urnas, a composição da Câmara já tinha dado ao PSL uma votação correspondente ao que a candidatura de Jair Bolsonaro representou de mudança política. O PT encolheu de 69 para 56, e o PSL passou de 1 para 52 deputados.

O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, aumentou de 52 para 55 o número de parlamentares na Câmara dos Deputados, empatando com o PT, cada um com 55 parlamentares. Nas urnas, o PT havia conseguido 56 deputados federais, se tornando a maior bancada na Casa. Mas perdeu uma vaga na Bahia por cassação do mandato de Luiz Caetano.

O PSL, por seu turno, elegeu a segunda maior bancada, com 52 cadeiras, mas passou para 55 com a filiação dos deputados Bia Kicis, que era do PRP, e Pastor Gildenemyr, do PMN. A terceira vaga foi preenchida pelo suplente do ministro-chefe do Gabinete Civil Onyx Lorenzoni, do DEM. Na correlação de forças dentro do Congresso, o DEM passou a presidir as duas Casas, mais uma vez por virtudes individuais do que por estratégias de sua direção. O deputado Rodrigo Maia foi reeleito para presidir a Câmara numa negociação política que envolveu praticamente todas as correntes políticas relevantes, inclusive o PT.

Já no Senado, a derrota de Renan Calheiros deveu-se a um sentimento generalizado de mudança, bem captado pelo ministro Onyx Lorenzoni, que montou uma estratégia pessoal para eleger Davi Alcolumbre.

Num Congresso tão fragmentado quanto este, que abriga nada menos que 30 partidos políticos, montar blocos de apoio exige uma sutileza maior das lideranças, coisa que nem o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo, nem o do PSL, Delegado Waldir, têm. Talvez por isso o deputado Elmar Nascimento, do DEM, tenha conseguido se destacar para presidir o bloco governista, que, como admitiu com um sincericídio que revela sua inexperiência, o líder do governo na Câmara ainda não representa uma base de apoio sólida.

Já o deputado Elmar Nascimento mostrou todo o seu pragmatismo político ainda durante a eleição. No primeiro turno, apoiou o candidato do PT e disse que Jair Bolsonaro era “um louco”. Em entrevista à Rádio Metrópole, disse que não poderia exigir do “cidadão brasileiro desinteligência para deixar de votar numa pessoa equilibrada, por mais que a gente discorde do ponto de vista ideológico do partido, para votar em um louco”.

Desenhada a vitória de Bolsonaro, Elmar mudou de lado com desenvoltura no segundo turno: “Estamos aqui externando apoio ao futuro presidente que vai nos ajudar a exterminar o PT na Bahia, que está fazendo muito mal ao nosso estado”.


El País: Davi Alcolumbre, o aspirante do baixo clero que desbancou o MDB no Senado

Renúncia de Renan Calheiros facilita caminho e candidato do ministro da Casa Civil é novo presidente do Senado. Apesar da tensão, Governo Bolsonaro anota vitória na estreia do Legislativo

Errou quem achou já ter visto de tudo em uma sessão do Senado brasileiro na sexta-feira. No sábado a confusão e a tensão foram ainda maiores na longa jornada para escolher o senador que vai comandar a Casa e o Congresso pelos próximos dois anos. Depois de recorrer ao Supremo Tribunal Federal e garantir que o voto da eleição interna fosse sigiloso, Renan Calheiros (MDB-AL), um dos mais experientes operadores políticos da redemocratização, um atingido pela Operação Lava Jato que sobreviveu nas urnas, capitulou. O senador alagoano decidiu renunciar de sua candidatura para presidir o Senado - seria a quinta vez dele no cargo - no meio do processo eleitoral e acabou facilitando e jogando a vitória no colo do até então inexpressivo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Sem Renan, a votação acabou assim: 42 votos para Alcolumbre, 13 votos para Espiridião Amin (PP-SC), 8 para Álvaro Coronel (PSD-BA), 6 para José Reguffe (Sem partido – DF) e 3 para Fernando Collor (PROS-AL).

Com o resultado deste sábado, o MDB perde todos os nacos de poder que tinha nacionalmente, assim como a hegemonia no Senado – desde 1985 em apenas três ocasiões o Senado não foi presidido por um emedebista. E o DEM ganha um protagonismo inédito ao presidir as duas casas do Congresso Nacional simultaneamente, mesmo sem ter a maior bancada em nenhuma delas. Na Câmara, na sexta-feira, o eleito foi presidente em primeiro turno foi Rodrigo Maia (DEM-RJ). No caso de Maia, ele teve o apoio explícito do PSL do presidente da República, Jair Bolsonaro. Enquanto que no caso de Alcolumbre, o Governo foi mais discreto –só quem agiu com maior dedicação com o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS).

O novo presidente foi ungido em uma conturbada eleição em quatro atos. O primeiro foi na sexta, quando a sessão, presidida por Alcolumbre, aprovou instaurar voto aberto provocando um impasse que obrigaria o adiamento da eleição. O segundo foi o judicial, quando o presidente do STF, Antonio Dias Toffoli, decidiu, já às 3h45 deste sábado, que o voto aberto estava proibido para a escolha do comando do Senado e que a sessão deveria ser presidida por José Maranhão (MDB-PB), um renanzista. O terceiro foi o da organização de uma tropa de choque contra Renan, com três dos nove pleiteantes à presidência (Simone Tebet, Álvaro Dias e Major Olímpio) renunciando a suas candidaturas em favor de Alcolumbre. E o quarto, a fraude eleitoral ocorrida na primeira votação em cédula de papel – na hora em que se abriu a urna havia 82 cédulas, mas há 81 senadores. Ocorreu, então, uma segunda votação. Foi nessa que Renan decidiu renunciar e facilitou o caminho para o representante do DEM.

“Este processo não é democrático. Tudo o que havia na primeira votação poderia ter acontecido na segunda. O que não podia era o PSDB, na segunda, abrir o voto”, disse Renan ao abandonar o plenário. Pelas suas contas, ele teria quatro votos entre os tucanos que acabaram virando para Alcolumbre, a partir do momento em que o PSDB orientou os seus parlamentares a votarem no adversário.

Outra razão para o cacique emedebista abdicar da candidatura foi porque o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), também acabou abrindo o seu voto, algo que não fez na primeira votação. Em seu Twitter, Flavio justificou, primeiro, que queria “evitar especulações com intuito de prejudicar o Governo”. Foi massacrado por boa parte de seus seguidores e acabou abrindo o voto no segundo pleito, num dos lances mais explícitos da lógica imediata de cobrança de políticos via redes sociais. Pivô da primeira crise do Governo, por estar sendo investigado pelo Ministério Público do Rio no chamado caso Queiroz, o senador dos Bolsonaro parece não ter querido ampliar a lista de problemas com apoiadores.

Um irritado Renan não escondeu a frustração diante da situação. Disse que Alcolumbre e seus apoiadores estavam atropelando o regimento e a Constituição. E acabou fazendo uma comparação com a história bíblica entre Davi e o gigante Golias “Eu retiro a postulação porque entendo que o Davi não é o Davi, é o Golias. Davi sou eu. Ele é o Golias, atropela o Congresso. O próximo passo é o Supremo Tribunal Federal sem o cabo e sem o sargento", declarou Renan, alfinetou o emedebisma, citando a inglória frase de desdém do deputado Eduardo Bolsonaro sobre a mais importante corte do país.

Pouco quisto entre militares
A mágoa de Renan deixa no ar a pergunta sobre que tipo de resistência ele estará disposto a impor ao Governo Bolsonaro após ser obrigado a capitular. Mas esse não é o único problema de Alcolumbre. Apesar de ser o candidato do chefe da Casa Civil, o senador pelo Amapá não era o favorito do braço militar da gestão Bolsonaro, nem de parte dos técnicos do Governo. O motivo é que ele responde a dois processos no STF por caixa dois e falsificação de documentos na eleição de 2014, quando se elegeu senador.

Aos 41 anos, o novo presidente do Senado está na política desde o ano 2000. Foi vereador em Macapá até 2002. Entre 2003 e 2014, foi deputado federal, sempre no baixo clero, com pouquíssima projeção nacional. “Esse é o maior desafio da minha vida”, disse ele após o resultado da eleição ser anunciado. Ele foi derrotado nas duas eleições para o Executivo que disputou, em 2012, quando tentou ser prefeito de Macapá, e em 2018, quando perdeu o Governo do Amapá.

No Congresso Nacional, ficou marcado, principalmente, por retirar assinaturas de duas CPIs. Em 2005, desistiu de apoiar a CPI dos Correios, que investigava o mensalão petista e em outra que investigaria os contratos do time Corinthians com a empresa MSI. Pesou a favor de Alcolumbre a juventude, a pouca ligação com antigos caciques políticos e um movimento nas redes sociais contrário à candidatura de Renan Calheiros. Entre seus apoiadores, apenas Tasso Jereissatti (PSDB-CE) é da velha guarda. Os demais ou são neófitos ou nunca tiveram posição de comando no Congresso. Entre eles estavam três que desistiram de suas candidaturas na última hora: Simone Tebet (MDB-MS), Major Olímpio (PSL-SP) e Álvaro Dias (PODE-PR). Agora, o desafio de Alcolumbre será se descolar o quanto possível do ministro Onyx, o articulador político de Bolsonaro, para ganhar trânsito mais amplo na Casa e sanar sequelas da turbulenta sessão. Seja como for, somados os resultados de Câmara e Senado, o Governo de neófitos no Executivo passou sem maiores sobressaltos pelo primeiro para valer no Legislativo.