crise política

Merval Pereira: Governo paralisado

Dois fatos desta semana mostram como o governo de Michel Temer está paralisado, impossibilitado de assumir posições mínimas de coordenação política devido aos imensos passivos que assumiu para se livrar das acusações da Procuradoria- Geral da República.

São passivos na sua esfera direta de atuação, no ministério que ele mesmo montou, e não no âmbito do Legislativo, pois esses já são impagáveis, deixando o governo refém de um centrão político ao qual se integrou melancolicamente o PSDB, parte fundamental de um desses episódios.

A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, deveria ter sido demitida imediatamente, quanto mais não fosse por falta de discernimento, ao comparar seu trabalho como ministra ao trabalho escravo. Cometeu o mesmo erro do ministro do Supremo Tribunal Federal ( STF) Gilmar Mendes, mas em dimensões políticas distintas.

Mendes tentou ser agressivamente irônico ao dizer que seu trabalho era exaustivo, mas não escravo. O que ele queria naquele momento era desacreditar as críticas que se faziam à nova legislação sobre trabalho escravo, que era tão leniente com essa prática abjeta que acabou tendo que ser revista.

Gilmar Mendes revelou em sua ironia extemporânea uma insensibilidade política espantosa para a maior parte da população não ligada a esta face obscura do agronegócio. Já a ministra tucana, não. Ela queria mesmo acumular o salário de desembargadora aposentada com o de ministra, alegando que tinha necessidade de ganhar mais de R$ 60 mil por mês para sobreviver condignamente. Além de carro com motorista e outras mordomias ministeriais.

É acintoso que num país desigual como o nosso um governante, ainda por cima desembargadora, queira se beneficiar financeiramente utilizando como justificativa uma situação de trabalhadores em situação de miséria, explorados desumanamente.

Assim agindo demonstra também uma insensibilidade política que deveria inviabilizá- la para o exercício do cargo de ministra, mas o governo preferiu não agir diretamente, por impossibilidade de interferir na representação do PSDB em seu ministério.

E o PSDB, que agora está dividido não apenas por suas escolhas eleitorais, mas por questões ideológicas que o aproximam cada vez mais do PMDB fisiológico, do qual se afastou em tempos idos, não teve condições de intervir no caso, retirando da ministra, como deveria, a representatividade partidária.

O outro caso emblemático foi a declaração do ministro da Justiça, Torquato Jardim, sobre o conluio de políticos e policiais do Rio de Janeiro com o crime organizado. É certo que ele falou com base em informações de serviços de inteligência da Polícia Federal e da Abin, mas ficou claro também que não havia ainda condições de revelar as investigações que estão em curso.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que num primeiro momento reagiu como as demais lideranças políticas do Estado, criticando as declarações como se elas refletissem apenas ilações e deduções, como disse o governador Pezão, depois colocou as coisas em seus devidos lugares, criticando a antecipação das investigações sem que exista no momento condição de agir em função delas.

Com isso, o ministro Torquato Jardim pode ter ajudado os criminosos, alertando- os de que estão sob investigação, alega Maia. Existe, no entanto, a hipótese, bastante provável, de que o ministro tenha assim agido devido a manobras políticas justamente para abafar as investigações.

Além dos diversos fatos, ocorridos ano após ano, com policiais presos por trabalharem para o crime organizado, e a prisão de batalhões inteiros que estavam vendidos aos traficantes, há a recente entrevista do bandido Nem, o chefão do tráfico da Rocinha, que disse com todas as letras que no eleição para governador foi procurado por emissários do então candidato a governador Sérgio Cabral em busca de seu apoio eleitoral. O atual governador Pezão era o candidato a vice na chapa vitoriosa.

 

O ministro da Justiça, mesmo estando com a razão, criou uma crise política para o governo de Michel Temer que não deveria ter passado como se nada tivesse acontecido. O silêncio do presidente sobre o tema mostra como ele está impedido, por compromissos políticos que o constrangem, de intervir quando seus ministros saem da linha.

 


Fernando Gabeira: A máquina do tempo

O sistema apodrecido nos empurra para a nostalgia militar ou a estrada para a Venezuela

Que período é este em que entramos após a rejeição da segunda denúncia contra Temer? Imagino um remanso político até o fim do ano e entrada em cena da campanha de 2018.

Alguns analistas acham que os políticos se fortaleceram. Outros, que eles descobriram ser possível enfrentar com êxito a opinião pública. Esquecem que estão em confronto com a sociedade, logo, ela enfraqueceu.

O maior golpe nas expectativas positivas veio do Supremo. Há uma pressão contra o foro privilegiado. Ele foi amplificado com a decisão de submeter medidas cautelares contra parlamentares ao Congresso.

Nos três anos de Lava Jato, o Supremo manteve regularidade no seu índice de condenação dos políticos envolvidos: zero. Numa país onde algumas pessoas se colocam acima da Justiça, estamos, na verdade, sujeitos à lei da selva, isto é, à lei do mais forte.

As concessões que Temer fez para se preservar no cargo transformaram o esforço de reduzir os gastos numa tarefa de Sísifo. Os acertos da dívida das empresas com o governo ficaram mais flexíveis. Perda de arrecadação. Os políticos aliados barraram a privatização do Aeroporto de Congonhas.

Se o capital do Estado agoniza no vaivém de cortes e concessões, o capital político de Temer, que já era modesto, foi abalado por dois acordos.

Na primeira denúncia, Temer determinou a abertura de uma reserva mineral na Amazônia. Em outra, amenizou a lei de combate ao trabalho escravo. Ambos são temas passíveis de uma discussão racional. No entanto, o acordo com os ruralistas impunha uma decisão monocrática.

Um Congresso blindado e um presidente que apenas sobrevive no cargo são um peso morto. A semana foi marcada por relatórios indicando o crescimento da violência no País. Não se fala disso. O plano de segurança de Temer não saiu do papel. O tema passa ao largo de todo o universo político. Apenas Jair Bolsonaro trata dele, o que dá a impressão de que suas propostas são as únicas para enfrentar o problema. Naturalmente, os candidatos apresentarão as suas. Mas é evidente que, se não mergulham no tema desde agora, serão menos convincentes.

Nesta ligeira calmaria na política, a vida real não dá trégua. O ministro da Justiça nos colocou, os que vivem no Rio, numa situação delicada. Ele afirma haver conluio entre o governo e o crime organizado e que os comandantes da PM estão no esquema. Segundo Torquato Jardim, nem o governador nem o secretário de Segurança controlam a polícia e isso só mudará depois das eleições de 2018. Ainda estamos em novembro.

A generalização do ministro da Justiça é incorreta. Há bons comandantes e muitos policiais que perdem a vida nas ruas.

É um remanso perigoso este. Ele certamente vai influenciar o período que lhe sucede: as eleições.

A ainda débil retomada econômica e ligeira recuperação do emprego não bastam para evitar a tensão. No front cultural já é uma incômoda realidade, conflitos em torno de temas que poderiam ser tratados racionalmente terminam em insultos.

O próprio Supremo, de quem se espera frieza e serenidade, sobretudo neste momento do País, transmite ao vivo discussões agressivas como a travada por Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.

São fatores de instabilidade que tornam mais difícil o caminho da mudança, pois contribuem, indiretamente, para a polarização esquerda-direita, como se nos lançassem, na máquina do tempo, ao período da guerra fria. Uma intensa luta ideológica é inevitável. Mas se domina a cena morre com ela a chance de um diagnóstico mais próximo da realidade. E, consequentemente, ressalta fórmulas esgotadas como a do governo militar e a experiência lulopetista.

Para ser coerente com sua tática de negação dos seus crimes, o PT analisa que errou por não ser duro, não ter confrontado os conservadores. Daí a proposta de controlar os meios de comunicação, a ameaça de retaliar procuradores e juízes.

Bolsonaro sonha com a militarização das escolas no Brasil. Apoia-se no melhor rendimento dos colégios militares. E diz que a disciplina é a razão da boa qualidade do ensino. Talvez esteja pensando com os padrões da revolução industrial, do treinamento de trabalhadores fabris. No mundo complexo em que vivemos, a iniciativa, a criatividade são instrumentos de sobrevivência, assim como ser flexível para sobreviver diante da precarização do trabalho.

Isso não significa defender a indisciplina. Apenas afirmar que cada época demanda uma combinação de restrições e liberdades que preparem as pessoas para sobreviver nela.

Se erramos a mão, corremos o risco de formar um exército de desempregados, disciplinados, que se levantam quando entra o professor e cantam o Hino Nacional. Da mesma forma, se usarmos o método Paulo Freire, concebido para ser um instrumento de vanguarda para formar revolucionários, corremos o risco de incendiar a juventude com sonhos sepultados pela História. Esse é apenas um lance da polarização no setor mais importante para alavancar a mudança.

O colapso do sistema político-partidário não deixou pedra sobre pedra. O encastelamento, no fundo, é uma tática do tipo depois de nós, o dilúvio.

No Rio, parte da sociedade não achou o caminho para evitar o que lhe pareciam duas regressões: uma esquerda do século passado ou um mergulho na Idade Média, quando Igreja e Estado se confundiam. Houve um grande número de votos em branco, mas venceu uma das regressões.

Não creio que o Brasil caia na mesma armadilha: de um lado, a nostalgia do governo militar; de outro, a estrada para a Venezuela. Mas é preciso levar em conta que o sistema político apodrecido nos empurra para isso.

O período é favorável para refletir sobre alternativas. Uma corrente mais colada nos fatos pode até perder. Mas é uma chama que não pode se apagar. Um dia, escaparemos da máquina do tempo.

 


José Aníbal: A vocação da boa política

A ansiedade é péssima analista da realidade, especialmente da política. No afã de decretarem o fim de um governo 14 meses antes do prazo, alguns jornalistas e comentaristas políticos, além de roucas vozes do "quanto pior, melhor", correm para afirmar que nada relevante será aprovado até a posse do próximo presidente, em 2019.

Dá para levar a sério a hipótese de paralisia até lá?

Provar que as vivandeiras estão enganadas é dever não só do governo Michel Temer, mas de cada deputado e senador efetivamente dedicado ao Brasil, não só à extensão do próprio mandato.

A melhor forma de se fazer isso é retomar a agenda de reformas com a qual se comprometeram todos aqueles que apoiaram o impeachment, em especial o PSDB. Boas mudanças têm aval popular: em 1998, os partidos que apoiaram as propostas do governo FHC ampliaram suas bancadas.

Pela afoiteza e pelos interesses não esclarecidos de pretensos paladinos, apoiados por falsos arrependidos, desperdiçamos meses no avanço dessas medidas, quando deveríamos conciliá-las aos processos investigatórios.

Apesar disso, a economia apresentou performance louvável: inflação abaixo da meta, juros em queda e a volta do crescimento e do emprego após a recessão lulopetista. Imagine como não estaríamos se em maio tivéssemos começado a aprovar a reforma da Previdência...

Não podemos ignorar a necessidade de se garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário, acabar com regras que privilegiam os mais ricos e escolarizados, assim como a elite da burocracia, que consome bilhões nos Poderes Executivos e Legislativo, mas também no Judiciário e no Ministério Público.

Há igual urgência em mudar o sistema tributário, que cobra proporcionalmente mais impostos dos pobres que dos ricos, distorção total do papel do Estado.

São medidas essenciais para o Brasil recuperar os empregos destruídos pelo governo passado e oferecer melhores condições fiscais ao próximo presidente.

Superadas as análises das duas denúncias na Câmara, é hora de a classe política mostrar serviço à nação. No caso do PSDB, isso é ainda mais fundamental. Se a divisão foi inevitável nessas votações, ela é inconcebível em relação às mudanças na Previdência.

É obrigação de deputados e senadores tucanos aprovar uma proposta que acabe com inaceitáveis privilégios corporativistas, combata desigualdades e evite atrasos ou calote das futuras aposentadorias, como vimos em alguns Estados. É também uma forma de se redimirem pela equivocada extinção do fator previdenciário.

Não reformar de maneira ampla a Previdência, como previsto no relatório da comissão especial, é cair no proselitismo do PT, a quem só interessa paralisar o país e inviabilizar qualquer governo que não seja o seu.
A eles importa manter o statu quo e os privilégios, em especial da burocracia que lhe rende votos, e não corrigir iniquidades. Este tempo precisa ficar para trás, assim como ficaram para trás os governos de Lula e Dilma.

Por natureza, políticos começam a pensar na próxima eleição assim que as urnas se fecham. A diferença é o que cada um faz nesse meio tempo em prol da coletividade e seu caráter diante das intempéries e da grita das redes sociais.

Na linha do que afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a pacificação da base aliada precisa resultar em ativismo parlamentar a favor do Brasil. Isso se concretizará aprovando uma Previdência menos injusta e mais racional.

Max Weber (1864-1920) disse que "somente quem tem a vocação da política terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele lhe deseja oferecer". O Congresso tem a chance de mostrar vocação para a boa política.

* José Aníbal (PSDB-SP) é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela e senador suplente. Foi deputado, vereador e presidente nacional do PSDB

 


Murillo de Aragão: A carta de Churchill 

Era noite quando o trem chegou a Vladivostok, cidade portuária da Rússia. Havia nevado, mas a temperatura estava um pouco melhor. Fazia cerca de zero grau. O diplomata japonês Yosuke Matsuoka estava enfastiado da longa viagem que fizera, via Moscou, desde Berlim. Em Moscou, assinara um tratado de neutralidade com a Rússia.

Por meio de um emissário, Matsuoka recebeu uma carta de Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido. Estamos em abril de 1941 e o Japão ainda não havia entrado na Segunda Guerra Mundial. Mas Matsuoka tinha sido fortemente pressionado a aderir ao conflito durante sua visita à Alemanha. Em Berlim, Adolf Hitler pedira a ele que o Japão invadisse Singapura, possessão britânica no Sudoeste Asiático.

Porém, nem Matsuoka nem Hitler sabiam o que Churchill sabia. A inteligência britânica havia decifrado os códigos secretos dos alemães, dos italianos e dos japoneses. Assim, Churchill pôde mapear a visita de Matsuoka e as mensagens trocadas entre ele e Tóquio. Churchill conhecia os movimentos dos inimigos.

Filho de um empresário rico, Matsuoka fora educado na Universidade de Oregon, nos Estados Unidos. Era um homem refinado e de bons gostos, ocidentais e orientais. Durante o tempo que passou nos Estados Unidos converteu-se ao cristianismo e era conhecido como Frank. Mas, quando voltou ao Japão, não conseguiu usar seus créditos de Oregon para entrar na faculdade de Direito de Tóquio. Foi então para a diplomacia, onde chegou ao topo em 1940, ao se tornar ministro dos Negócios Estrangeiros do Império do Japão.

Uma de suas primeiras missões foi justamente visitar Adolf Hitler. Mesmo tendo um passado “americanizado”, Matsuoka era forte defensor da aliança entre o Japão, a Itália e a Alemanha. Enquanto aguardava os arranjos para voar de volta para o Japão, Matsuoka abriu o envelope com a carta de Churchill. Ali estava, em poucas páginas, um dos documentos mais importantes para uma análise política sobre o período.

De uma forma pragmática e humilde, Churchill pedia que Matsuoka refletisse sobre as suas perguntas e as respondesse a si mesmo. Sugeria que, em sendo pragmático, realista e sincero, o Japão não deveria entrar em guerra contra a Inglaterra. Ao invés de ameaçar com retaliações, Churchill simplesmente pedia que o chanceler japonês refletisse sobre algumas questões simples, mas fundamentais para o desenrolar da guerra.

Em que pese a carta não ter desestimulado o Japão a entrar na guerra, serviu, pelo menos, como uma espécie de “eu bem que avisei”. A Itália foi um peso para os alemães. O Japão provocou a entrada de vez dos norte-americanos na guerra e, de quebra, os japoneses foram alvejados por duas bombas atômicas. O Eixo foi derrotado.

O destino deu a Matsuoka uma janela de oportunidade para antever o que aconteceria com o seu país. E ele não soube aproveitá-la. Logo depois, caiu em desgraça. Do episódio fica a lição de que Churchill era um homem de visão que conseguiu exercer com pragmatismo uma das principais e mais difíceis qualidades do ser humano: a empatia. Churchill se colocou no lugar do líder japonês e, a partir daí, fez uma análise do que poderia acontecer.

Em tempo: a carta de Churchill chegou às mãos de Matsuoka, conforme nos conta Martin Gilbert em seu magistral livro sobre Churchill, A Study of Life, mas não tenho certeza se isso aconteceu em Vladivostok ou Moscou. Pouco importa. O que importa é a liderança de pragmatismo, humildade, empatia e inteligência que foi dada por Churchill. Qualidades que poucos possuem nos dias de hoje no Brasil e no mundo.

* Murillo de Aragão é cientista político

 


Luiz Carlos Azedo: Nada pelo social

 

“Tudo pelo social”, o slogan do governo Sarney, foi escolhido com base nas regras de ouro do marketing, mas deu tudo errado, com o fracasso do Plano Cruzado. Foi inspirado na Constituição de 1988, a carta cidadã de Ulysses Guimarães, que ampliou os direitos sociais dos brasileiros, contra a qual José Sarney se bateu, depois de embarcar no populismo voluntarista de sua política econômica de crescimento acelerado e fracassar. Acabou o mandato com governo na lona, em meio à hiperinflação, juntamente com seus aliados. Todos eles assistiram perplexos uma disputa de segundo turno entre os ex-presidentes Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, vencida pelo primeiro, que foi apeado do poder porque era um “outsider” na política. A crise econômica parecia imbatível.

Ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardozo fez o ajuste fiscal e um plano de estabilização da economia que deram tão certo que acabou presidente da República. Foi eleito graças ao fim da hiperinflação. Seu governo fez a reforma patrimonial do Estado (privatizações) e adotou uma política social liberal, que consistiu na focalização dos gastos sociais nos mais pobres. As políticas sociais universalistas enfrentaram grande restrição de recursos, mesmo assim, foram inovadoras em alguns aspectos, entre os quais a universalização do ensino básico, sob comando do ex-ministro da Educação Paulo Renato, já falecido, e alguns êxitos importantes na saúde pública, como o controle da epidemia de Aids e a produção de medicamentos genéricos, com a quebra de patentes internacionais, mérito do senador José Serra (PSDB-SP).

Lula deitou e rolou quando assumiu o poder, porque a cama estava arrumada. A crise cambial que enfrentou foi fruto de expectativas negativas, mas acabou facilmente superada quando anunciou na Carta aos Brasileiros que manteria o “mais do mesmo” da política monetária do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan: superavit fiscal, câmbio flutuante e meta de inflação. Na crise financeira internacional de 2008, porém, caiu no canto da sereia da chamada “nova matriz econômica” de Dilma Rousseff. Como o Brasil ainda surfava as altas taxas de crescimento da China e a expansão da economia mundial, Lula conseguiu manter taxas elevadas de crescimento na sua sucessão, chegando a 7% em 2010, quando Dilma foi eleita pela primeira vez.

Tudo parecia caminhar na direção da transformação do Brasil numa potência emergente, com uma classe média numerosa, mas o naufrágio era iminente. As manifestações de 2013 foram o recado dos jovens de que as coisas não estavam indo bem, apesar do oba-oba em torno da Copa do Mundo. Além disso, os sintomas de que a corrupção era sistêmica e fora organizada de cima pra baixo já eram aparentes. Mesmo assim, Dilma foi reeleita em 2014, quando a economia já mandava sinais de que o seu motor estava pifando.

Desemprego
Dilma ganhou o segundo mandato, mas não levou. O impeachment de Dilma Rousseff foi mais um ponto fora da curva, como o de Collor de Mello. Dilma não soube aproveitar as oportunidades, potencializou todas as ameaças, anulou os pontos fortes de seu governo e não conseguiu compensar nenhum de seus próprios pontos fracos. O que parecia impossível aconteceu: perdeu o mandato de presidente da República com o povo na rua pedindo sua cabeça, enquanto o PT, acuado, procurava preservar suas forças com a narrativa do golpe e a candidatura de Lula a presidente em 2018.

Chegamos ao governo de Michel Temer, que não somente articulou a queda de Dilma, como herdou seu sistema de alianças, expurgado do PT e seus satélites de esquerda. A antiga oposição se incorporou ao governo, dando-lhe legitimidade e base de apoio no Congresso para enfrentar as adversidades. No caso, foram duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, ambas rejeitadas pela Câmara, da qual Temer foi presidente três vezes. Soube neutralizar os pontos fracos e conter as ameaças para preservar o mandato.

Temer reverteu a recessão e retomou o crescimento; jogou a inflação abaixo de 3,5% ao ano, com uma taxa de juros que deve chegar a 7%. Teria tudo para ter o mesmo sucesso de Itamar Franco e emplacar um sucessor, mas está longe disso. Além do desgaste provocado pelo envolvimento do governo na Operação Lava-Jato, o governo parece não dar a menor bola para a questão social, haja vista a portaria sobre trabalho escravo, num país com 13 milhões de desempregados declarados. Não tem política de emprego, a face mais perversa da crise social, que cresce vegetativamente, a ponto de os indicadores de 2017 serem superiores aos de 2016, porque o ingresso de jovens no mercado de trabalho é superior à geração de novos postos de trabalho, que este ano atingiu 1 milhão de postos. O mais grave, porém, a crise de segurança, na qual a violência urbana, principalmente no Rio de Janeiro, escandaliza o país e o mundo.

 


Jose Roberto de Toledo: O tampão, o vazio e o antifrágil

O novo Ibope confirma que há muito espaço para mudanças na corrida presidencial até a eleição. Com 35% dos votos, Lula amarrou uma das pontas do eleitorado. Bolsonaro tomou a outra e avança dali para o centro – pelo menos 12% só votam nele. Pode parecer que está tudo encaminhado, mas ainda falta a outra metade dos eleitores: cerca de 10% têm algum outro candidato firme, e 17% não querem ninguém. Sobra 25% do eleitorado que pode embarcar praticamente em todas as candidaturas. Ou numa só.

Seria o bastante para levar um presidenciável de centro ao 2º turno contra Lula – ou contra Bolsonaro, se o petista for barrado pela Justiça. Os centristas apostam que seu candidato teria mais chances de vitória, seja quem for o adversário, pois pode crescer para qualquer dos lados do espectro ideológico. O problema é chegar no turno decisivo: ainda não apareceu nenhum nome que seja franco favorito para ocupar tal papel.

O vazio do centro é a fábrica de tantas especulações sobre novos candidatos. Balões já subiram e caíram, como o de Doria. Outros estão em fase de lançamento, como o de Luciano Huck. Sem contar a sombra permanente de uma candidatura com origem no Judiciário: os mais cotados são sempre Moro, Joaquim Barbosa ou ambos.

A temporada de balonismo eleitoral tem tudo para durar até a primeira semana de abril, quando se encerra o prazo para quem for ser candidato se filiar ao partido que lhe dará legenda. Se até lá Huck não estiver filiado ao PPS, ou se nenhum magistrado tiver assinado a ficha de algum partido, seus nomes sairão das pesquisas de intenção de voto e do mercado de candidaturas. Mesmo assim, não será o fim das especulações eleitorais.

Há uma chance alta de Lula ser ejetado da campanha presidencial por ordem da Justiça. Hoje, tende a zero a transferência de eleitores do ex-presidente para outro petista. Haddad tem 1%. Mas quanto mais tempo durar a candidatura-tampão de Lula, mais clamorosa será a eventual retirada do nome do ex-presidente da urna. Petistas tentarão transformar clamor em escândalo, o que for necessário para alavancar a candidatura do substituto. É um plano meio desesperado, mas não desprovido de fundamento.

Estudo do Ibope mostra que 13% só declaram voto em Lula e em mais ninguém. Não importa qual seja o cenário, não migram para Marina Silva, nem para Ciro Gomes, nem para Bolsonaro. São, potencialmente, a transfusão inicial que um candidato petista receberia de Lula – desde que esse eleitor fique sabendo da troca. Informá-lo disso não é tarefa trivial, porém: mais de 40% não acessam a internet, 60% moram no interior, principalmente no Nordeste, a maioria é pobre e tem escolaridade abaixo da média.

A candidatura-tampão de Lula pode durar até 20 dias antes do primeiro turno, que é o limite legal para troca de candidatos em uma chapa (salvo em caso de morte). Esse é o prazo máximo. O mínimo ninguém sabe, pois depende de um sem-número de recursos e apelações a tribunais regionais e superiores. Pode ser tanto abril quanto agosto ou, no limite, setembro.

A candidatura de Lula tampona as de quase todos os outros presidenciáveis. Se não impede, no mínimo dificulta seu acesso a esse eleitor mais difícil de alcançar. É ruim para Huck, é ruim para Marina e para Ciro, é ruim até para Alckmin. Quem menos perde com a candidatura-tampão de Lula é Bolsonaro.

Ele ganha alguns pontos com a saída do petista, mas não depende disso para se viabilizar. Ao contrário, Bolsonaro tem sido o mais resiliente rival de Lula. Cabe-lhe o termo que o best-seller Nassim Taleb cunhou para definir o oposto de fraco: antifrágil. É daqueles que se beneficiam com o caos.

 


Míriam Leitão: Mentiras convenientes na era da pós-verdade

Na era da pós-verdade, é bom o retorno a algumas realidades: a ex-presidente Dilma provocou surto inflacionário, recessão e desrespeitou as leis fiscais. Mereceu o impeachment que sofreu. Seu vice foi escolhido por quem formou a chapa e votou nela. Dilma e Temer são frutos da mesma escolha partidária e eleitoral. Criticar um não é apoiar o outro, e vice-versa.

O ex-presidente Lula, que escolheu Dilma sem ouvir o partido, usando seu poder majestático, diz agora que o povo se sentiu traído quando ela fez o ajuste fiscal e quando aprovou as desonerações para as empresas. Está querendo se descolar da ex-presidente, que deixou o governo com baixo nível de popularidade. Como a aprovação do presidente Temer é ainda mais baixa, muita gente esqueceu que ela chegou a ter apenas 10% de ótimo e bom.

Lula conhece esses números e estava esperando um bom momento e lugar para fazer essa separação de corpos entre ele e a sua sucessora. Escolheu um jornal estrangeiro, para ter menos contestações às suas invenções. Escolheu criticar dois pontos que acha que são antipáticos: o ajuste fiscal e a transferência de dinheiro para empresários. Ajuste, como as dietas, ninguém gosta de fazer. É apenas necessário quando há um descontrole como o criado pela Dilma. Ela recebeu o país com 3,5% do PIB de superávit primário, entregou com 2,4% de déficit e colocou a dívida pública numa rampa na qual ela continua subindo.

Parte desse desarranjo foi consequência das desonerações e subsídios para os empresários. Lula agora diz que foi um erro. Mas foi ele que começou a política junto com o seu ministro Guido Mantega. Dilma manteve o ministro e aprofundou as medidas. Foi no governo Lula que começaram as transferências para o BNDES, a ideia de recriar os campeões nacionais, os subsídios, o uso dos bancos públicos e tudo aquilo que favoreceu empresários em geral, e alguns em particular, como Joesley Batista, Eike Batista e Marcelo Odebrecht.

Temer conspirou abertamente contra Dilma, mas foi ela que criou o ambiente que desestabilizou seu governo, quando provocou um choque inflacionário e uma queda livre do PIB. É difícil um governo sobreviver a essa dupla. Foi eleita mentindo sobre a situação da economia, com a ajuda dos magos em efeitos especiais João Santana e Monica Moura, que montaram um país cenográfico. Quando a verdade apareceu, sua aprovação despencou e sua base se esfarinhou. Foi nesse ambiente que a conspiração de Temer teve espaço. E ocorreu dentro do grupo que estava no poder. A ex-presidente detestava o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, mas deu a ele acesso direto ao dinheiro do trabalhador, no FI-FGTS.

Geddel Vieira Lima e seus 51 milhões de “dinheiros” não traiu ninguém. Serviu a vários senhores. Esteve sempre perto dos governos, é íntimo do presidente Temer, mas teve cargos poderosos nos governos Dilma e Lula. Foi ministro de Lula e teve uma vice-presidência da Caixa no governo Dilma. As malas e caixas de Geddel apareceram mais de três anos depois de iniciada a mais ampla operação de combate à corrupção. É por isso que o juiz Sérgio Moro diz que não está julgando o problema da altura da saia, mas sim a corrupção. É com criminosos seriais que o país está lidando.

Vários deputados petistas votaram contra Temer afirmando estar fazendo isso porque são contra a reforma da Previdência. O ex-presidente Lula também fez uma reforma da Previdência, que levou inclusive um grupo a sair do partido e formar o PSOL. A ex-presidente Dilma prometeu fazer uma reforma e aprovou mudanças no pagamento das pensões das viúvas jovens. Qualquer um que governar o Brasil terá que enfrentar esse desequilíbrio. O relatório da CPI da Previdência dizendo que o déficit não existe é tão verdadeiro quanto uma nota de três reais.

Muitos dos deputados que foram ao microfone gritar contra a corrupção de Temer sustentam que as acusações feitas ao ex-presidente Lula e outros petistas são falsas e fruto da perseguição que eles sofrem do juiz Sérgio Moro e dos procuradores. A mentira e a manipulação passaram a ser a ordem do dia. São a pós-verdade dos tempos atuais ou a velha mentira conveniente.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 


Cristovam Buarque: Filosofia da construção

Até recentemente, havia filosofias que empolgavam os debates políticos

Todo político sem causa é um corrupto em potencial: usa o poder para enriquecer ou para ficar no poder. Por isso, a escassez de bons filósofos é tão grave quanto o excesso de maus políticos.

Até recentemente, havia filosofias que empolgavam os debates políticos: capitalismo, socialismo, comunismo, liberalismo, desenvolvimentismo, nacionalismo, oferecendo bases filosóficas que justifiquem as causas das lutas dos políticos.

Com a globalização, robotização, comunicação instantânea, crise ecológica, pobreza persistente, desigualdade crescente, migração em massa, fracasso do socialismo e injustiças do capitalismo, essas filosofias ficaram ultrapassadas, sem bandeiras claras no horizonte filosófico e político.

Neste vazio de propostas, surgem três alternativas possíveis para orientar o comportamento político. A “filosofia do conformismo”, justificando aqueles que assistem sem reação nem alternativa à marcha da História em direção à modernidade técnica descontrolada, aceitando o progresso global provocar desemprego estrutural, separar as pessoas por “mediterrâneos invisíveis”, muros e cercas, desequilibrar a ecologia, assistindo à generalização das drogas e da violência, crianças sem futuro.

Por esta filosofia, o caminho seguido nas últimas décadas é inexorável e não caberia à política controlar o rumo social. A “filosofia da resistência” é praticada por aqueles que não aceitam a marcha do avanço tecnológico, mas não buscam propostas alternativas: limitam-se à luta para impedir o progresso técnico e fechar as fronteiras nacionais; defendem direitos adquiridos no passado, sem buscar entender quais destes direitos ficaram obsoletos, quais amarram o futuro, e que novos direitos precisam ser conquistados.

A “filosofia da construção” aceita o progresso em marcha, mas não se acomoda aos desastres sociais e ecológicos que ele provoca. Comemora o avanço técnico e a globalização, mas ao mesmo tempo busca definir regras para manter o equilíbrio ecológico, salvaguardar as diversidades, inclusive nacionais, educar as novas gerações para um futuro com emprego reduzido e proteger os que ficam desempregados, mas com tempo livre bem ocupado e com renda mínima assegurada.

Tenta propor um progresso que respeite a natureza, substitua o PIB pelo bem-estar, promova atividades culturais, seja responsável com as finanças públicas. Que estabeleça um Piso Social que assegure a todos o atendimento dos bens e serviços essenciais e também um Teto Ecológico acima do qual ninguém poderá consumir.

A formulação desta “filosofia da construção” é um desafio para aqueles que desejam fazer política com causa, sem ignorar nem naufragar nas vertiginosas transformações que ocorrem no mundo contemporâneo.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Base azeitada

A bandeira do ajuste fiscal acabou de ser enterrada pelo Palácio do Planalto, que somente este mês liberou R$ 687 milhões em emendas individuais para os parlamentares. A farra não foi para cooptar ninguém da oposição: foi para domar a própria base parlamentar. Como o orçamento é impositivo desde 2015, o governo é obrigado a liberar os recursos das emendas, mas decide o fluxo de pagamentos, o que serve para administrar os humores dos parlamentares, premiando aliados e retaliando a oposição. Em razão da votação da denúncia contra o presidente da República, entretanto, para desespero da equipe econômica, a liberação de recursos quase dobrou em relação a setembro (foram R$ 273 milhões) e mais que quadruplicou se compararmos com agosto (R$ 138 milhões).

Para aumentar o rombo nos cofres do governo, Temer acelerou a sanção do Programa de Regularização Tributária, o novo Refis, que será publicado nesta quarta-feira, no Diário Oficial da União, sem vetos, o que contraria o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que havia proposto nove vetos. A rebelião na base, estimulada pelo lobby dos maus pagadores, forçou a decisão. Uma nova medida provisória também deverá prorrogar o prazo de adesão. A Receita deve regulamentar as novas regras até quinta-feira. O prazo de adesão termina em 31 de outubro, mas deve ser prorrogado. Com a medida, haverá perda de receita da ordem de R$ 3 bilhões, de um total previsto de R$ 13 bilhões a serem arrecadados.

Deputados da base transformaram o Refis em moeda de troca, assim como fizeram em relação à redução das multas ambientais e às novas regras do combate ao trabalho escravo, estabelecidas por simples portaria do Ministério do Trabalho. Ontem, por medida liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a portaria. A ministra acolheu o pedido da Rede Sustentabilidade, porque houve desvio de poder na edição da medida, ao alterar conceitos que devem ser usados pelos fiscais para identificar um caso de trabalho forçado, degradante e em condição análoga à escravidão, além de exigir, por exemplo, que o fiscal apresente um boletim de ocorrência com o seu relatório.

A operação para azeitar a base do governo foi complementada por um esforço do presidente Michel Temer a fim de melhorar a relação com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi chamado ao Palácio do Planalto para uma reunião. Na saída, Maia disse que está tudo bem entre os dois, com a ressalva de que “em política não tem amiguinho, muito menos para sempre”. A declaração é mais um sinal de que Maia pretende manter distância regulamentar de Temer, mas não deseja o lugar do presidente. Tanto que decidiu pôr em votação as denúncias contra Temer e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco (Secretaria-geral da Presidência) em bloco, e não separadamente. Mais cedo, liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, havia rejeitado um recurso do PSol contra a votação em bloco, com o argumento que a decisão cabia à Câmara.

Outro reforço para Temer foi a declaração do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), defendendo a sua permanência na Presidência até o final do mandato. A decisão aparta o governador paulista dos deputados tucanos que pretendem votar a favor da aceitação da denúncia, o que aumentará a pressão dos ministros tucanos Bruno Araújo (Cidades), Antônio Imbassay (Secretaria de Governo) e Aloysio Nunes Ferreira (Relações Internacionais) sobre os integrantes da bancada. Temer e Alckmin são velhos aliados, mas o namoro do presidente da República com o prefeito de São Paulo, João Doria, que ameaçava deixar o PSDB para ser candidato a presidente da República, havia provocado um distanciamento entre os dois.

Lacrou
O presidente do Conselho de Ética do Senado, João Alberto Souza (PMDB-MA), decidiu ontem arquivar a representação do PT que pedia a cassação de Aécio Neves (PSDB-MG), o que pôs um ponto final no caso. Formalmente, não existe mais nada contra o senador mineiro, o que fortaleceu sua posição na queda de braços com o presidente interino da legenda, senador Tasso Jereissatti (PSDB-CE), que, desde a semana passada, vinha defendendo a saída definitiva de Aécio da presidência da legenda.

Ontem, senadores do PMDB chegaram a se reunir para discutir a questão, mas não chegaram a conclusão alguma. Tasso disse que a reunião serviu para que os tucanos fizessem uma “avaliação da situação”, mas deixou claro que Aécio decidirá se vai concluir o mandato ou não: “dentro do seu livre arbítrio, analisando a situação”. Uma saída salomônica foi proposta pelo líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer (SC): esperar a convenção partidária, marcada para dezembro, quando acaba o mandato de Aécio, que continuaria licenciado. “A liderança do partido continua sendo Tasso, no pleno exercício do mandato de presidente, com plena liberdade e solidariedade de todos os membros da bancada”, explicou.

– Correio Braziliense


Míriam Leitão: O acerto não abona

Nesta quarta-feira, o presidente Michel Temer estará diante do melhor e do pior do seu governo. Na política, responderá à segunda denúncia de crime em três meses e usando as armas que usou da primeira vez: políticas e recursos públicos. Na economia, o Banco Central deve levar a 7,5% a taxa de juros que estava em 14,25% no começo do seu governo. O acerto na economia não abona o erro no resto.

Como na primeira denúncia, o presidente tem usado o seu poder de comando do país para socorrer-se dos apuros em que entrou. No fim de semana, um dos seus decretos perdoou 60% das multas ambientais das empresas. E o que não foi perdoado poderá ser usado pelos empresários em investimentos para recuperação ambiental. O temor é que eles acabem usando os recursos que terão que pagar em projetos do seu interesse ou que eles tenham mesmo que fazer para respeitar as leis ambientais. De novo, o governo estará premiando quem desrespeitou a lei.

Em artigo intitulado “Riqueza Ambiental”, publicado na “Folha de S.Paulo”, o presidente distorce o que acabou de acontecer e afirma que assinou “a maior e mais inovadora iniciativa ambiental do governo”. Desconto do valor de multas e dívidas de empresas sempre foi concedido. Entra governo e sai governo. A atual administração reduziu e parcelou dívidas previdenciárias do setor rural. Não há nada de inovador em dar um desconto de 60% em multa ambiental. Usar os restantes 40% em projetos ambientais também não é novo. “Tal volume de recursos, que não dependerá do Tesouro Nacional, é uma verdadeira revolução no setor”, escreveu Temer, em outro argumento sem sentido. Ora, se as multas fossem pagas, os recursos, 100% deles, iriam para o setor público, ou seja, para o Tesouro. Temer tenta dourar a pílula de mais uma concessão feita pelo seu governo.

O momento mais estranho do artigo, contudo, é quando ele afirma que seu governo tem uma lista extensa de realizações na área ambiental. “Ampliamos áreas de reservas e parques nacionais...” O governo reduziu a área da Floresta Nacional de Jamanxin. No mesmo decreto, ele ampliou uma área de proteção ambiental com menor poder de proteção, mas o que se perdeu na Flona perdido ficou.

O pior do toma-lá-dá-cá que o governo conduz para manter o presidente no cargo foi o decreto que muda o conceito de trabalho escravo. O presidente tem dito que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, negocia modificações no texto com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Se a procuradora-geral está nessa negociação com o ministro do Trabalho acabará sendo usada mais uma vez. A primeira foi quando ela aceitou encontrar-se com o presidente fora do expediente. Isso virou argumento da defesa de Temer, para dizer que nada houve de errado quando ele recebeu o empresário Joesley Batista fora de hora e agenda. Seria “hábito” da sua gestão. Se ela aceitar agora fazer consertos numa portaria sem conserto, acabará virando coautora de algo que deveria ser simplesmente revogado.

Usando de forma desabrida as mais variadas moedas de troca o presidente caminha para ter mais uma vitória na sua faina para permanecer no poder. Na quarta-feira, ele terá os votos necessários para ficar na cadeira. Seu governo, no entanto, permanecerá sendo um mandato instável, impopular, e sujeito a novas surpresas como as que o levaram às duas denúncias da PGR.

Na mesma quarta-feira, o Copom fará o nono corte na taxa de juros. Ela começou a cair em outubro do ano passado, quando estava em 14,25% e deve ir para 7,5%. Para se ter uma ideia de como mudou para melhor: há uma ano a previsão do mercado financeiro era de que se chegaria ao fim de 2017 com 11% de Selic. Nos últimos 12 meses, o custo de carregamento da dívida brasileira caiu dois pontos percentuais segundo os dados divulgados ontem pelo Tesouro Nacional, de 12,5% para 10,5%, isso é uma redução de R$ 80 bilhões, segundo a coluna publicada pelo jornalista Ribamar Oliveira do “Valor”, citando estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI). Esse custo vai continuar caindo, porque é gradual o repasse das novas taxas ao estoque da dívida. Os juros em queda mostram os acertos da política econômica. Esses acertos, no entanto, não são um salvo-conduto para o presidente tomar as decisões que tem tomado na condução do país.

O Globo

 

 


Merval Pereira: 2018 começa quarta 

Com a mais que provável vitória da maioria governista na votação de amanhã na Câmara, livrando o presidente Temer da segunda denúncia remanescente da era Janot, começa a tomar corpo a disputa sucessória, com uma novidade fundamental: dificilmente se repetirá a polarização entre PT e PSDB que marcou as últimas seis eleições presidenciais. Temer ainda sonha um sonho improvável: presidir uma recuperação econômica de tal porte que lhe dê condições de ser um eleitor de peso na sua sucessão.

Os dois partidos que dominaram a cena política desde 1994 chegam a mais uma eleição presidencial feridos de morte, buscando alternativas às principais lideranças, dentro ou fora de suas legendas.

O ex-presidente Lula, se conseguir disputar a eleição em 2018, chegará provavelmente sub judice, depois de condenado em segunda instância, pelo TRF-4, e em primeira instância pelo menos mais uma vez. Pode criar um impasse jurídico-político de amplas consequências, pois pela legislação um candidato pode ser impugnado mesmo depois de eleito e diplomado. Mas seria improvável a impugnação de qualquer candidato nessa situação, ainda mais sendo Lula.

O PSDB, sem seu candidato natural, o senador Aécio Neves, derrotado em 2014 por diferença mínima, quase certamente escolherá saída tradicional, que seria o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

O prefeito João Doria seria uma novidade fora dos quadros ortodoxos do partido, mas parece estar perdendo fôlego ao tentar queimar etapas nessa maratona, que tem características diferentes das demais disputas presidenciais, mas exige resistência que o veterano Alckmin está mostrando ter.

A deterioração da política tradicional faz com que surjam nomes fora dos partidos políticos, como o apresentador de TV Luciano Huck e ex-ministros do Supremo como Ayres Britto e Joaquim Barbosa. A legislação brasileira, porém, que não permite candidaturas independentes ou a criação de siglas novas a meses da eleição, como aconteceu com Emanuel Macron na França, ajuda a manter limitações na apresentação dos candidatos.

O jurista Modesto Carvalhosa mantém esperanças de que o STF aprove as candidaturas independentes, caso em que pretende se apresentar como alternativa aos eleitores. Não é por acaso que ele planeja um encontro com Huck, para realçar a necessidade de surgimento de candidaturas fora dos quadros tradicionais da política.

O detalhamento da mais recente pesquisa de opinião do Datafolha ajuda a desmascarar a tese de que o ex-presidente Lula seria imbatível junto ao eleitorado mais pobre. Embora continue na frente nas pesquisas, o eleitor tem posições heterodoxas quando escolhe candidatos sem que Lula apareça na lista. Desde as mais radicais, como escolher Bolsonaro para substituir Lula (6%) ou Lula para substituir Bolsonaro (13%), até as mais lógicas, como Marina Silva ou Ciro Gomes, escolhas que parecem ter mais força de proximidade ideológica, mas que também podem significar mera identificação com ex-ministros dos governos Lula.

Mas, quando se vê que Luciano Huck aparece como opção de 40% a 60% dos eleitores de Lula, fica claro que a questão ideológica tem muito pouco a ver com a escolha. Aqui, a identificação é com medidas assistencialistas de Lula e Huck, sejam elas bolsas governamentais de vários tipos ou presentes dados em programas de televisão.

Assim como o populismo de direita, com Collor, derrotou Lula e Brizola em 1989, e hoje o ex-presidente e o atual senador são farinha do mesmo saco, na eleição de 2018, a mesma tendência política tem candidatos fortes para disputar com Lula ou Ciro Gomes, seja Doria ou Alckmin, Huck ou Bolsonaro.

O governador de São Paulo, com características de ação política de gestos moderados e conservadores, tende a repetir erros já cometidos pelo PSDB em eleições passadas, assumindo posições mais à esquerda, como se isso fosse preciso para derrotar Lula ou seu preposto, que pode ser o ex-prefeito Fernando Haddad ou o líder do MTST Boulos.

O perfil conciliador de Alckmin pode ser atropelado por uma campanha radicalizada, que facilitaria a tarefa de Bolsonaro ou Doria. Uma radicalização de Alckmin soaria tão falsa como o ridículo colete antiprivatizações que usou em 2006 e levou-o, junto com outros erros, a ter menos votos no segundo turno do que no primeiro.

A radicalização política provavelmente dará o tom da campanha e poderá ser ultrapassada pelo populismo. Mas, se o eleitorado se cansar dessa radicalização que transformou a política numa guerra incessante, pode ser que a leveza política de Alckmin ou Marina Silva sirva de contraponto aos radicais de esquerda e direita.


BBC: Jogos que exploram escândalos da política ganham adeptos no Brasil

Doria
Desenvolvedores ironizam personagens políticos

 

Na vida real, aprende-se desde cedo que dinheiro não cai do céu. Mas, na realidade virtual, o dinheiro pode cair do alto de um prédio enquanto você tenta recolher todas as notas para encher sua mala com milhões de reais. Só tem uma questão: se não pegar a grana toda, você acaba em cana. Para seu alívio, neste caso, o xadrez também é virtual.

O jogo "Recupere o dinheiro de Gededel" tem como inspiração a intrincada situação jurídica do ex-ministro Geddel Vieira Lima, acusado pela Polícia Federal de ser o responsável por manter R$ 51 milhões em espécie em um apartamento em Salvador. Geddel nega envolvimento com esquema criminoso.

O game, lançado no final de setembro para o sistema Android e em breve para IOS, é criação de três jovens baianos: o analista de sistemas Ricardo Schimid, o designer Victor Hugo Castro e o músico Daniel Castro Barbosa.

Na aventura eletrônica, depois de ser informado que a polícia descobriu seu "bunker" monetário, o personagem Gededel corre para tentar salvar o dinheiro. Start.

Para evitar a prisão de Gededel, o jogador deve resgatar todo o dinheiro, que cai em montantes variados, começando com moedas que valem R$ 5 mil e chegando até malotes com R$ 3 milhões. Além disso, é preciso desviar de objetos arremessados por vizinhos indignados com a corrupção - até um gato vira projétil.

As referências políticas não acabam aí: a trilha sonora em 8 bits, típica de games antigos, lembra a melodia do jingle de Geddel Vieira Lima, ecoado à exaustão na Bahia em todas nas suas candidaturas à Câmara. O original versava que o ex-ministro era "um nome forte no cenário nacional". O criminalista Gamil Foppel, advogado de Geddel, atualmente preso, afirmou que enviaria uma nota sobre o game, o que não ocorreu até o fechamento da reportagem.

"Sou ligado em games desde criança. Na faculdade, comecei a criar jogos. Agora, estávamos desenvolvendo outro game quando surgiu esse caso. Paramos tudo pra fazer isso e a recepção foi ótima", conta Ricardo Schimid, que tem 27 anos e diz que, até pouco tempo atrás, jamais dera muita atenção à política.

Agora ele dá - e acha que a sátira é a melhor forma de tratar do tema. "A política no Brasil virou comédia. É só ver como os programas de humor abordam a política. Nem precisam criar grandes roteiros, as histórias já são piada", opina.

Política virtual
O game inspirado pelo imóvel-cofre atribuído a Geddel Vieira Lima, que em pouco tempo foi baixado por aproximadamente 5 mil usuários, é apenas um exemplo recente de jogos que ironizam personagens da política nacional, boa parte deles envolvida em denúncias de corrupção.

Entre aplicativos para dispositivos móveis e jogos para navegador da web, existem opções de games a mirar políticos das mais diversas legendas e ideologias.

Um exemplo de diversidade surgiu da parceria entre os pequenos estúdios Nebulosa e Black Hole. Em 2016, eles lançaram o jogo de navegador "Super Impeachment Rampage", que passou da marca de 500 mil jogadas.

Corre companheiro
Jogos usam estética de games antigos

 

Em oito fases, o jogador controla um avatar da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), saltando repórteres, coxinhas humanas e manifestantes pelas ruas de Brasília na missão de evitar o impedimento, coisa que Dilma não conseguiu na vida real. Dilma foi afastada do cargo ainda em maio do ano passado, em um processo de impeachment.

Neste ano, após a delação premiada dos executivos da J&F, os mesmos criadores lançaram o "Super Impeachment Rampage Apocalypse": enquanto no Planalto de verdade o presidente Michel Temer negocia com deputados para barrar a segunda denúncia contra si, nesta nova versão do game o pequeno simulacro de Temer percorre cenários sombrios a fim de evitar a renúncia.

Na última fase, ele enfrenta o "boss", ou chefão: em vez de Koppa, do Mario Bros., um mega-pato amarelo em chamas que solta raios incendiários - uma referência ao mascote da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), que adotou o animal como símbolo de uma campanha contra o aumento de impostos.

Na versão anterior, o boss encarado por Dilma é um supercaranguejo com cara de Eduardo Cunha, numa alusão ao codinome que, apontam os investigadores, era atribuído ao ex-presidente da Câmara nas planilhas de propina da Odebrecht.

"A criação dos dois jogos políticos foi um acaso. Fizemos o primeiro inspirado no 'Leo's Red Carpet Rampage', lançado na época do Oscar de 2016 (em uma brincadeira com o ator Leonardo DiCaprio). Cerca de um ano depois, a situação política estava tão caótica que decidimos criar a versão Apocalypse como continuação", diz Mariana Salimena, sócia do Nebulosa Studio, com sede em Juiz de Fora (MG).

Em 2015, quando a sombra do impeachment começou a rondar Dilma, suas diferenças com Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, já poderiam ter sido resolvidas no game "Vale Tudo", que segue o modelo de clássicos como Mortal Kombat e Street Fighter.

"O jogador escolhe com quem quer lutar e cada personagem é dotado de poderes criados a partir das notícias da época. Dilma vira a Mulher Sapiens e tem o poder da mandioca. Cunha, por sua vez, tem os panelaços a seu favor", explica Alex Leal, criador do jogo e CEO da Lizards Games, de Brasília. "Mulher sapiens" e saudação à mandioca são trechos de dois famosos discursos da ex-mandatária, ainda no cargo.

Então candidata ao Planalto, em 2010 Dilma já havia inspirado o primeiro jogo político desenvolvido por Leal, o "Dilma Adventure", que teve aproximadamente 1,5 milhão de partidas ao ser lançado.

Mais recentemente, quando o prefeito de São Paulo, João Dória Jr. (PSDB), esteve em Salvador para receber o título de cidadão da capital baiana e acabou levando uma ovada na cabeça, o time da Lizards Games não perdeu tempo. "Em coisa de quatro, cinco horas, nós criamos o 'Dória Ovacionado'", conta Alex Leal.

Feito para navegadores da web, "Dória Ovacionado" segue o modelo do sucesso mundial "Angry Bird". Num cenário que exibe o casario colonial de Salvador e o Farol da Barra, o usuário tem que acertar ovos nas caricaturas de Dória e do deputado federal Jair Bolsonaro, que terminou inserido no game porque, no mesmo período, também foi atingido por um ovo a jato.

Em uma semana, foram mais de 450 mil jogadas. Depois do episódio do ovo, Dória afirmou que "não é esse o caminho que desejamos para o Brasil. Esse é o caminho do Lula, o caminho do PT, das esquerdas que querem isso. A intransigência, a agressividade e a tentativa de amedrontar. A mim não intimida".

 

Angry STF
STF também inspira jogos

 

"Ficamos torcendo pra virar febre, com ovadas em políticos de todos os partidos. A gente poderia sempre lançar uma versão atualizada do game", caçoa Leal, que se diz "sem lado" e acha possível brincar com todas as vertentes políticas. "Com nossos políticos, o que não falta é inspiração. Ainda não brinquei com o Judiciário, mas bem que estão pedindo".

Companheiros virtuais
Também na linha do "Angry Bird", a Icon Games lançou em 2012 o "Angry STF", que fez sucesso no período de julgamento do Mensalão. Neste, a munição é o próprio ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa. O objetivo é alvejar bonecos dos acusados de então, como Marcos Valério, José Genoino, Duda Mendonça e José Dirceu.

Reintegrado ao Congresso e livre para sair à noite depois que seus pares rejeitaram as medidas cautelares impostas pelo STF, o senador Aécio Neves também já serviu de inspiração para um game.

Em 2016, o Dashbits Studio lançou "Tempere o Político", cujo mote é uma das gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Em conversa com o senador Romero Jucá, Machado afirma que Aécio seria "o primeiro a ser comido".

No joguinho, o usuário é o chef que cozinha um avatar com as feições de Aécio. No caldeirão efervescente, adiciona ingredientes como alho, carne, pimenta, folhas de louro, maços de dinheiro, etc.

Geddel
Políticos como Geddel Vieira Lima inspiram jogos para celular

 

O ex-presidente Lula, condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão no caso do Tríplex do Guarujá e réu em mais quatro processos, também não escapou dos criadores de games.

Para navegadores, a Icon já produziu os jogos "Pixuleco" e "Jarareco". No primeiro, o controlador deve evitar que o boneco inflável com a caricatura do ex-presidente seja furado, enquanto recolhe uma boa grana no caminho.

O segundo joguinho, por sua vez, é inspirado pelos clássicos games de cobrinha e aproveita uma deixa do próprio Lula, que já se colocou como uma jararaca difícil de ser abatida. No jogo, a cobrinha come dinheiro enquanto tenta escapar do juiz Sergio Moro e do Japonês da Federal.

O objetivo é o mesmo de "Corre companheiro", da Tempero Studio. Neste, o jogador foge com o avatar de Lula pelas ruas de São Paulo, desviando do boneco de Moro, de um agente com traços nipônicos e até de tucanos em voos rasantes. Consultada, a assessoria do Instituto Lula afirmou que não comentaria o assunto.

Newsgames
O jornalista Pedro Zambarda, criador e editor dos portais Drops de Jogos e Geração Gamer, aponta que empreitadas do tipo são cada vez mais comuns, dentro daquilo que o mercado classifica como "Newsgames".

"São jogos inspirados por fatos contemporâneos, que circulam na mídia e demonstram grande senso de oportunidade dos criadores. São feitos para consumo rápido, quando o tema está quente, e dificilmente darão grande retorno financeiro, mas ajudam muito a popularizar os estúdios", comenta Zambarda.

Ricardo Schimid confirma que o retorno pelo game "Gededel" tem sido mais a abertura de espaço no mercado do que em faturamento. Segundo ele, a inserção de publicidade no jogo rendeu para os criadores, até agora, US$ 6. Entretanto, já surgiram convites para desenvolver outros games.

Compartilhando da mesma visão, Alex Leal, da Lizards Games, levanta outra característica dos newsgames: "O problema é o timing. É preciso fazer rápido para o assunto não morrer, por isso muitos não tem uma qualidade técnica muito elevada. No entanto, muito jogo grande não consegue o mesmo espaço de divulgação que uma boa sátira política ou social consegue".

Professor universitário, Alex Leal enfatiza que fatos políticos e sociais sempre serviram de inspiração para a criação da arte e do entretenimento em suas mais diversas expressões e que os games seguem esse caminho.

"Todo jogo tem algo relacionado à política, no roteiro ou nos personagens. Esses impasses entre Estados Unidos e Coreia do Norte, ou entre Espanha e Catalunha, por exemplo, viram jogos facilmente", comenta Leal.

Angry STF
Games são inspirados em jogos que já existem, como Angry Birds

 

Lynn Alves, pesquisadora da área de games e professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e do Senai Cimatec, acredita que os newsgames ajudam na difusão das notícias, pois atuam de forma lúdica na recepção de informações.

"O jogo muitas vezes é um disparador. A pessoa joga sem ter conhecimento do fato político e depois vai em busca de mais dados. A imersão no jogo e a interatividade são capazes de despertar o interesse por qualquer assunto", afirma.

Ela lembra que, em 2010, após o lançamento do jogo para videogames "Dante's Inferno", aumentou bastante a procura pelo livro A Divina Comédia, poema épico escrito pelo italiano Dante Alighieri no século 14.

"O crescimento da indústria digital e a popularização dos suportes para desenvolvimento de games eletrônicos aumentam a velocidade com que os newsgames surgem, mas eles sempre existiram, nos mais variados formatos", comenta Lynn Alves.

O primeiro newsgame de que se tem registro, aponta a pesquisadora, é de 1890. Trata-se do jogo de tabuleiro "Round the World with Nellie Bly", inspirado pela aventura da jornalista americana Elizabeth Jane Cochran, que realizou, na vida real, a viagem do livro A Volta ao Mundo em 80 dias, de Julio Verne.

Sobre os jogos, a BBC Brasil também enviou perguntas para as assessorias da ex-presidente Dilma Rousseff, do senador Aécio Neves, do deputado Jair Bolsonaro e do prefeito paulistano João Dória. Não houve resposta. O advogado do ex-deputado Eduardo Cunha não atendeu nem retornou as ligações.