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Crédito: Maurenilson Freire

Nas entrelinhas: Corrida para pagar o Bolsa Família de R$ 600

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

O Senado deve apreciar, hoje, a chamada PEC da Transição, aprovada ontem pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com três mudanças que deverão ser consolidadas em Plenário: o espaço adicional (extrateto) de gastos caiu dos R$ 175 bilhões iniciais para R$ 145 bilhões, para acomodar o Bolsa Família (atual Auxílio Brasil); o prazo de vigência dessas regras foi reduzido de quatro para dois anos; e o tempo para o governo Lula encaminhar ao Congresso uma proposta de nova âncora fiscal passou de um ano para oito meses.

Tudo está dentro do script das negociações no Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), está empenhado na aprovação da proposta e lidera pessoalmente as negociações de bastidor. O relator da matéria, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), propôs também mais R$ 23 bilhões para investimentos fora do teto em caso de arrecadação de receitas extraordinárias. Na prática, o gasto extra será de R$ 168 bilhões com o aumento de arrecadação, fenômeno previsível por causa da inflação.

Com a PEC da Transição, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva também poderá cumprir a promessa de parcela adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos na família. Como o novo governo pretende passar um pente-fino na concessão do Auxílio Brasil e restabelecer os padrões de cadastramento do Bolsa Família, é possível que a folga orçamentária possibilite também honrar outros compromissos eleitorais: Farmácia Popular, reajuste da merenda escolar e do salário mínimo, e retomada dos programas de moradia popular.

A PEC precisa de pelo menos 49 votos favoráveis, em dois turnos, para ser aprovada no Senado. Estima-se que Lula já tenha garantido de 54 a 55 votos no Plenário, ou seja, cinco ou seis a mais do que os 49 necessários. Aprovada hoje, a proposta seguirá para a Câmara dos Deputados, onde a resistência será maior, principalmente com relação à vigência da proposta por dois anos. A base do atual governo está dividida: os bolsonaristas raiz não querem conceder o extrateto; o Centrão pressiona para que a medida tenha vigência por um ano, para obrigar Lula a fazer nova rodada de negociações sobre o valor das emendas orçamentárias no final do seu primeiro ano de mandato.

É uma corrida contra o tempo, porque a PEC precisa ser aprovada antes da votação do Orçamento da União de 2023. A emenda constitucional é importante porque a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) proíbe criar despesa ou expandir políticas públicas sem antes apontar uma fonte de financiamento para isso. No projeto de Orçamento da União elaborado pelo governo Bolsonaro, há recursos para pagar apenas R$ 405 mensais do Auxílio Brasil, uma despesa da ordem de R$ 105 bilhões. Para conceder os R$ 600 e mais R$ 150 por criança, prometidos por Lula na campanha eleitoral, são necessários mais R$ 70 bilhões.

Dar e receber

O busílis da aprovação da PEC é a liberação das emendas do orçamento secreto, cujo pagamento foi suspenso por Bolsonaro, em retaliação ao acordo do Centrão com Lula para aprovar a emenda — o texto garante a liberação de R$ 23 bilhões em investimentos já neste ano, ou seja, pagar as “emendas do relator”. Bolsonaro abriu as burras do governo para vencer as eleições, ampliou o espectro de atendidos pelo Auxílio Brasil, a concessão de aposentadorias e a liberação de empréstimos da Caixa Econômica Federal nos meses que antecederam as eleições.

O presidente pretendia fazer um ajuste fiscal e queimar ativos, como a venda da Petrobras, para cobrir o rombo das contas públicas no seu governo. A cada dia que passa, a equipe de transição vem se dando conta da real situação em termos de financiamento das políticas públicas. O cenário é desolador e exigirá escolhas difíceis para Lula. A principal delas, porém, já foi feita com a PEC da Transição: ouvir o clamor das ruas e não os conselhos dos que defendem a manutenção do teto de gastos como âncora fiscal.

Com exceção dos bolsonaristas raiz, que são contra a PEC para sabotar o novo governo, e dos ultraliberais, que defendem o arrocho fiscal a qualquer preço, a maioria dos deputados pretende aprovar a PEC e liberar recursos para suas emendas. Mas não por dois anos. O Centrão prefere negociar o financiamento dos programas sociais do governo Lula a cada ano, na aprovação do Orçamento da União, na base do “é dando que se recebe”. O princípio de São Francisco de Assis, em sua famosa oração, porém, não se refere a bens materiais, mas espirituais: “Ó Mestre,/ fazei que eu procure mais:/ consolar, que ser consolado;/ compreender, que ser compreendido;/ amar, que ser amado./ Pois é dando, que se recebe./ Perdoando, que se é perdoado e/ é morrendo, que se vive para a vida eterna!/ Amém”.

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Adriana Fernandes: A corrida política pelo auxílio

Congresso precisa retomar os trabalhos. A agenda do País é urgente demais para esperar

Cacique do MDB, o senador Renan Calheiros chamou pelas redes sociais de “pasmaceira que não resolve nada” o quadro atual em que problemas pendentes se acumulam exigindo resposta do Congresso para o plano de vacinação contra a covid-19, o auxílio emergencial e o Orçamento deste ano. 

A cobrança do senador e de um número cada vez maior de parlamentares é pelo fim do recesso parlamentar para o enfrentamento da situação de calamidade que passa o País e que não terminou com a virada de 2020 para 2021. Já há requerimento para uma convocação extraordinária do Congresso para discutir um novo decreto de calamidade e a prorrogação do auxílio.

Era de se esperar que isso de fato fosse acontecer para o Congresso acompanhar de perto e pressionar o governo a correr com as medidas necessárias nesse janeiro tenebroso.

Vamos lembrar que no início da pandemia o Congresso teve papel fundamental na aceleração da ação do governo Bolsonaro para a adoção das medidas que impediram um desastre ainda maior. Mais uma vez, porém, uma eleição está no caminho das decisões urgentes. 

Como aconteceu, no ano passado, na campanha eleitoral municipal, a eleição do Congresso empurra com a barriga os problemas. É por isso que o ano entrou sem uma solução para o fim do auxílio. O mês de fevereiro virou o novo mote da salvação. Mas é para depois da eleição, viu leitor!

De um lado, Renan, o presidente Rodrigo Maia, o candidato Baleia Rossi e tantos outros parlamentares da Câmara e do Senado que têm o interesse de acabar com recesso parlamentar por estratégia eleitoral para seus candidatos.  

Candidato à presidência da Câmara, Baleia Rossi já defendeu a prorrogação do auxílio emergencial e a convocação do Congresso para a aprovação das medidas.

Do outro lado, Jair BolsonaroDavi Alcolumbre, lideranças governistas, o candidato Arthur Lira e aliados não querem dar palco para os opositores.  Mas e daí? 

Daí que o presidente Bolsonaro já editou uma Medida Provisória que traz medidas excepcionais relativas à compra de vacinas, insumos, bens e serviços de logística e que trata do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação. Outras MPs podem ser adotadas e têm vigência imediata.

O governo federal também tenta impedir ações de combate à pandemia pelos Estados e municípios, como a de requisitar seringas e agulhas compradas pelo governo João Doria, destinadas à execução do plano estadual de imunização, o que já foi impedido pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que está de plantão e deferiu medida cautelar solicitada pelo Estado de São Paulo.  

O cálculo político do primeiro grupo é o de que na data da eleição, no início de fevereiro, a pandemia estará mais forte e com a vacinação (na melhor das hipóteses) apenas começando. Essa piora da pandemia terá impacto na eleição.

No governo, a expectativa é que o seu candidato ganhe as eleições e lidere essa agenda. Por isso, prefere esperar para agir depois do resultado da eleição, no início de fevereiro.  

Baleia Rossi acenou com a prorrogação do auxílio. E Arthur Lira falou, logo em seguida, que é preciso cuidar dos mais pobres reorganizando os programas de renda mínima, “mas sem abrir mão da austeridade fiscal e do teto de gastos”.  

Lira disse que a “demagogia fiscal sempre custa caro para o País e em especial para os mais pobres”. O mais provável, porém, é que o discurso fiscalista de agora caia por terra daqui a pouco com os números do avanço da pandemia. Não vai demorar muito porque a pressão dos parlamentares e governadores é crescente também para o seu lado. 

Como na disputa política entre o presidente Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, pela vacina, a corrida pela prorrogação do auxílio e medidas urgentes para a vacinação vão dar o tom da campanha. Não tem como ser diferente. 

O mercado financeiro tem reagido às declarações de apoio à prorrogação do auxílio como um risco fiscal que piora os indicadores econômicos. A fala de Baleia em apoio ao benefício esta semana, no dia da formalização da sua candidatura à sucessão de Maia, causou apreensão. Fato comemorado pelo governo. Baleia, inclusive, já teve que fazer ajustes no seu discurso ao pregar também responsabilidade fiscal. Estranhamente houve uma inversão de papéis.

Não deve adiantar, porém, a reação do mercado. Chega uma hora que não dá para brigar com os acontecimentos.  É o mesmo script do início da pandemia. O auxílio deverá ser prorrogado e decretada nova calamidade. A questão agora é saber quem vai comandar essa agenda, controlar o seu alcance e timing: antes ou depois das eleições.

Independentemente dos interesses que cercam as eleições do Congresso, é preciso prontidão máxima que o controle da doença exige neste momento. Não só pelo auxílio, mas, sobretudo, pela vacinação dos brasileiros o mais rápido possível. O Congresso precisa retomar os trabalhos. Esse recesso é totalmente despropositado. A agenda é urgente demais pra esperar. O uso político que se pode fazer de uma convocação desse tipo é efeito colateral. Não se pode deixar de fazer a coisa certa por receio do efeito colateral. Porque aí significa o rabo abanando o cachorro.