Correio Braziliense
Bolsonaro protocola pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes do STF
O documento foi protocolado por um auxiliar do mandatário no final da tarde. O chefe do Executivo está em São Paulo, em visita a familiares. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, viajou para Minas Gerais, sua terra natal para passar o final de semana
Ingrid Soares / Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro protocolou nesta sexta-feira (20/08) o pedido de impeachment ao Senado do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O documento foi protocolado por um auxiliar do mandatário no final da tarde. O chefe do Executivo está em São Paulo, em visita a familiares. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, viajou para Minas Gerais, sua terra natal para passar o final de semana.
A entrega dos processo, além de um gesto político é ainda um aceno do presidente ao eleitorado ao ver cumprida sua promessa. Ainda hoje, o ministro da Corte, Moraes proibiu o cantor Sérgio Reis e outros oito investigados pela Polícia Federal de se aproximaram da Praça dos Três Poderes, dos ministros do Supremo e de senadores, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) que apura incitação a atos violentos e ameaças contra a democracia.
Na publicação, o presidente voltou a fazer ameaças contra a democracia. "Todos sabem das consequências, internas e externas, de uma ruptura institucional, a qual não provocamos ou desejamos", escreveu. "De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais"..
MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - STF
















O chefe do Planalto acrescentou: "Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal. Lembro que, por ocasião de sua sabatina no Senado, o sr. Alexandre de Moraes declarou: ‘Reafirmo minha independência, meu compromisso com a Constituição e minha devoção com as liberdades individuais".
O artigo 52 atribui ao Senado a competência para julgar crimes de responsabilidade de ministros do Supremo, o que pode levar à perda dos seus cargos por impeachment. Desde a promulgação da Constituição, esse dispositivo nunca foi aplicado pela Casa.
Bolsonaro concluiu a mensagem dizendo que "o povo brasileiro não aceitará passivamente que direitos e garantias fundamentais (art. 5º da CF), como o da liberdade de expressão, continuem a ser violados e punidos com prisões arbitrárias, justamente por quem deveria defendê-los".
Apesar de ter sido aconselhado por aliados a recuar, o presidente repetiu no dia 17 que apresentaria ao Senado os pedidos, mas alegou que não vai interferir na decisão dos senadores "cooptando-os". "Eu vou entrar com pedido de impedimento dos ministros no Senado, colocar lá. O local é lá. O que o Senado vai fazer? Está com o Senado agora, independência. Não vou agora tentar cooptar senadores, de uma forma ou de outra, oferecendo uma coisa para eles etc etc etc, para votar o impeachment deles".
Ainda em meio à crise entre os poderes, ao desembarcar em Brasília ontem após viagem a Cuiabá, o mandatário se reuniu ontem com o ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), Bruno Bianco, no Palácio do Planalto para acertar os detalhes dos pedidos de impeachment de Barroso e de Moraes. O encontro não estava previsto na agenda dos dois.https://075b04f0925d8f36cd3ae4d663c5dd94.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
No último dia 19, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que não é recomendável neste momento de retomada para o Brasil um pedido de impeachment de ministro do Supremo Tribunal Federal ou de presidente da República. Os ministros da Corte confiam que Pacheco não dê prosseguimento ao pedido.
Ainda ontem, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), o chefe do Executivo entrou com ação no Supremo Tribunal Federal, pedindo a suspensão do artigo 53 do regimento interno da Corte, que permite a abertura de investigações de ofício, sem aval do Ministério Público Federal. Foi por meio desse dispositivo que, em 2019, o então presidente do Supremo, Dias Toffoli, instaurou a investigação sobre fake news.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4944984-bolsonaro-protocola-pedido-de-impeachment-a-ministros-do-stf.html
Luiz Carlos Azedo: A crise não viaja
Bolsonaro está em guerra com o Judiciário, que pretende subjugar. Primeiro, nomeando aliados; segundo, pelo confronto com o Supremo, que pretende intimidar
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Toda vez que o presidente José Sarney viajava para o exterior, o então senador Fernando Henrique Cardoso dizia, maledicente: “A crise viajou”. Mais tarde, viria a exercer dois mandatos na Presidência, passando também por seus dissabores. Hoje, os ex-presidentes têm bom relacionamento, mas jamais se tornaram amigos. O presidente Jair Bolsonaro, porém, viaja muito pouco para o exterior. Ninguém o convida para compromissos bilaterais, e sua ida aos foros internacionais são puro desgaste, pela péssima imagem que tem no exterior. Com ele, a crise não viaja.
Políticas interna e externa não são assimétricas; quando isso ocorre, pode terminar muito mal, como no caso do governo de Jânio Quadros, cujo cavalo de pau no Itamaraty, ao condecorar Che Guevara em plena Guerra Fria, deixou-o em rota de colisão com os aliados, principalmente Carlos Lacerda, então governador da antiga Guanabara. Essa crise resultou na sua inopinada renúncia. A longo prazo, os eixos duradouros da política externa são as relações comerciais e a identidade nacional, muito mais do que a momentânea orientação política de governo. Hoje, a divisão internacional do trabalho nos reserva papel estratégico como produtor agrícola e de minérios e faz da China nosso principal parceiro comercial; em contrapartida, do ponto de vista identitário, o americanismo se amalgama à herança cultura ibérica, o que nos afasta do velho nacionalismo latino-americano.
Entretanto, politicamente, vivemos um ponto fora da curva no governo Bolsonaro. O presidente da República atua para nos colocar no eixo de países cujos governantes foram eleitos em pleitos manipulados, seja pelas regras do jogo, seja pelo controle dos meios de comunicação e/ou pela intimidação da oposição. Como o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, que ao assumir não tinha uma estratégia, Bolsonaro se movimenta exclusivamente para continuar no poder, com a diferença de que o líder russo sempre manteve alta popularidade, enquanto a sua derrete. Controle das Forças Armadas, dos serviços de segurança, do Ministério Público, do Judiciário; aliança com oligarcas amigos e
com a Igreja Ortodoxa Russa garantem a longa permanência de Putin no poder.
Controlar o Judiciário é uma via de passagem para o autoritarismo. Na Hungria de János Áder, no poder desde 2012, juízes foram forçados a renunciar, e o regime fez 1.284 nomeações políticas. Os que sobraram perderam autonomia. Aqueles que permaneceram em suas funções tiveram sua autonomia confrontada. Na Turquia, 4,5 mil juízes foram presos e espoliados, nos últimos cinco anos, pelo governo de Tayyip Erdogan. Centenas continuam presos.
O atual presidente da Polônia, Andrzej Duda, do Partido Lei e Justiça, para se reeleger, gastou 40 milhões de euros com uma rede de fake news contra o Judiciário, com apoio do Ministério da Justiça e do Ministério Público. Essas denúncias são do presidente da Associação Europeia de Juízes, José Igreja Matos, desembargador na cidade do Porto, em palestra virtual para magistrados brasileiros, segundo nos relata a jornalista Maria Cristina Fernandes, em sua coluna de ontem, no Valor Econômico.
Supremo
Esse é o eixo de extrema-direita ao qual pertence Bolsonaro, depois da derrota do ex-presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, e do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em Israel. Com nenhum desses países, inclusive a Rússia, o Brasil tem relações comerciais robustas para sustentar essa política externa. Mas o que importa é o modelo. Bolsonaro está em guerra com o Judiciário, que pretende subjugar.
Primeiro, nomeando aliados para cargos estratégicos, como o procurador-geral da República, Augusto Aras, que pretende reconduzir, e o ex-advogado-geral da União e pastor evangélico André Luiz de Almeida Mendonça, indicado para a vaga do ex-ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos serão sabatinados no Senado, que pode homologar ou não seus nomes. É do jogo.
Segundo, pelo confronto com o STF, que pretende intimidar com a ameaça de um golpe de Estado. Não é do jogo. A cassação de Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal pelo regime militar, que provocou a renúncia dos ministros Antônio Carlos Lafayette de Andrada e Antônio Gonçalves de Oliveira, é um trauma no Supremo até hoje. Em 1971, o ministro Adaucto Lúcio Cardoso abandonou o plenário ao ser o único contrário à lei da censura prévia, editada pelo governo Médici. A regra permitia que censores ocupassem as redações dos jornais e vetassem a publicação de textos. Votou contra e renunciou ao cargo.
Bolsonaro sobre Mendonça no STF: 'Deus se fará mais presente'
O presidente destacou que "um ou outro" ministro da Corte atrapalha o governo, mas que com a aprovação de Mendonça para uma das cadeiras, toda sessão começará com uma oração, o que deverá trazer "harmonia" para a tomada de decisões. Ele disse ainda que, por vezes, não é muito feliz nas declarações, mas "sempre fala a verdade"
Ingrid Soares / Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta quarta-feira (18/08) que caso a indicação de André Mendonça seja aprovada pelo Senado, "Deus se fará mais presente naquela instituição". A declaração ocorreu durante cerimônia alusiva ao Centenário da Convenção de Ministros e Igrejas Assembleia de Deus em Ananindeua, no Pará.
"Na vida militar, eu aprendi que, pior que uma decisão mal tomada, é uma indecisão. Tenho os meus conselheiros, procuro, ao tomar decisões, ouvir, em especial, os mais velhos, os mais experientes, porque bem sei que, da minha caneta, tudo pode acontecer. Sabia que a missão ia ser difícil. Sabia das dificuldades, sabia que quase tudo que nós fazemos passa pelo parlamento. Temos tido um bom retorno do parlamento", alegou.
Bolsonaro destacou ainda que "um ou outro" ministro da Corte atrapalha o governo, mas que, com a aprovação de Mendonça para uma das cadeiras, toda sessão começará com uma oração, o que deverá trazer "harmonia" para a tomada de decisões. O presidente da República tem sofrido reveses do Supremo e atacado os componentes, em especial os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
"Terrivelmente evangélico"
"Sabemos que o outro poder ao lado, o STF, uma ou outra pessoa iria nos atrapalhar. Mas acreditamos que este Supremo, assim como o parlamento, assim como o Executivo, aos poucos vai mudando. Mais que um compromisso com vocês, um compromisso com a minha consciência, em indicar para uma das duas vagas no STF um irmão nosso terrivelmente evangélico", comentou Bolsonaro.
"Tenho conversado muito com o pastor André Mendonça, porque a vida dele também vai mudar, as suas responsabilidades serão majoradas. Decisões difíceis ele tomará também. Mas fiz um pedido pra ele. Ou melhor, uma missão eu dei pra ele, e ele se comprometeu que irá cumprir. Toda primeira sessão da semana, no STF, ele pedirá a palavra e iniciarão os trabalhos após uma oração", acrescentou o presidente.
"Podem ter certeza, Deus se fará mais presente naquela instituição, onde entra a palavra de Deus entra harmonia, entra a paz, entra a prosperidade. Em 2023, quem, porventura, for eleito presidente em 22 indicará no primeiro semestre mais dois integrantes para aquela Corte. Tenho certeza de que nós vamos mudando o Brasil", acrescentou.
A exemplo do discurso feito pela manhã no Amazonas, o chefe do Executivo voltou a culpar governadores pela inflação. "Temos um governo que respeita a Constituição, em nenhum momento fechou comércio, decretou toque de recolher, não fechou igrejas, um governo que respeita as leis, ao seu povo e reafirma que o norte do destino da nossa pátria sempre tendo ele a frente vamos no sentido onde esse povo assim o desejar".
Bolsonaro assumiu também que, por vezes, "tropeça nas palavras" e "não é muito feliz em seus posicionamentos". Mas voltou a repetir indiretas a líderes estaduais. "Temos um presidente que pode, por vezes, tropeçar nas palavras. Pode, às vezes, não ser muito feliz nos seus posicionamentos. Mas vocês têm um presidente que fala a verdade, acima de tudo. Um governo que não engana seu povo, que não procura usar palavras macias, suaves para poder atingir objetivo que não interessa a sua nação", concluiu.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4944509-bolsonaro-sobre-mendonca-no-stf-deus-se-fara-mais-presente.html
'Eleições têm sido livres e justas', diz procurador Luiz Carlos Gonçalves
Procurador também comemora a retirada do distritão da PEC da Reforma Eleitoral. "Nós escapamos de um gravíssimo retrocesso"
Carlos Alexandre de Souza e João Vitor Tavarez* / Correio Braziliense
A pouco mais de um ano para as eleições, a reforma eleitoral, em tramitação no Congresso, prevê mudanças para o pleito, como a volta das coligações, aprovada em dois turnos na Câmara e que, agora, será avaliada pelo Senado. Para Luiz Carlos Gonçalves, procurador regional da República, o debate é normal na democracia. “Nós escapamos de um gravíssimo retrocesso, que era o distritão. Esse mecanismo acabaria com o sistema proporcional, como temos hoje, o que levaria ao fim do compartilhamento do poder”, comentou, em entrevista ao CB.Poder. Veja os principais trechos da entrevista.
Falta pouco mais de um ano para as eleições. No entanto, as regras do sistema vêm sendo questionadas reiteradamente. Isso não confunde os eleitores?
Sim, sobretudo as narrativas de que urnas eletrônicas são fraudulentas e que, por isso, as eleições correm risco. Esse tipo de comportamento é antidemocrático e contrário à Constituição. As eleições brasileiras têm sido livres e justas, e a urna eletrônica vem sendo desafiada e passando, com aprovação, por vários testes, inclusive diante de comissões internacionais. Os anos ímpares, normalmente, são usados para o aperfeiçoamento da legislação eleitoral e para celebrar mudanças.
Como avalia as discussões em torno da reforma eleitoral, nesta semana, no Congresso?
Nós escapamos de um gravíssimo retrocesso, que era o distritão. Esse mecanismo acabaria com o sistema proporcional, como temos hoje, o que levaria ao fim do compartilhamento do poder. Hoje, um partido faz mais deputados, assim como seus adversários. Isso colabora para que todos os segmentos sociais estejam representados no Parlamento. A volta das coligações (aprovada pela Câmara), eu entendo que seja muito ruim.
Um dos pontos da reforma diz respeito a crimes eleitorais, no sentido de limitar o poder de ação da Justiça, assim como abrandar ilícitos. Como analisa esse movimento?
Está em tramitação um projeto de novo Código Eleitoral, que atende a uma necessidade real, visto que o atual dispositivo é de 1965. Está muito defasado, pois há trechos que atritam com a Constituição. Depois, houve o surgimento de um conjunto de leis eleitorais esparsas e desarmoniosas. A vinda de um novo Código é benfazejo. O novo regulamento trata de processo penal eleitoral. Inclusive, reduz o número de crimes e redimensiona para penas mais severas.
Existe muita desconfiança dos eleitores em relação ao processo eleitoral. A reforma do Código Eleitoral e outras iniciativas resolverão isso?
Acabei de elogiar o projeto do novo código, mas também preciso criticá-lo: ele diminui a transparência dos gastos partidários. Isto é, o espaço que a Justiça Eleitoral tem para verificar como os partidos usaram o recurso público. Então, o projeto, nesse sentido, vai muito mal. Ele cria um prazo inexequível para que a Justiça Eleitoral examine as contas, afrouxa a sanção para o partido que uso mal o recurso, enfim, dificulta a transparência em relação a esse tema tão importante. Outro aspecto que abala a confiança do eleitorado é a reintrodução da propaganda partidária. Esse horário foi extinto justamente porque os recursos usados para financiá-lo seriam aqueles contidos no Fundo Especial de Financiamento de Campanha.
Na sua avaliação, o projeto do novo Código Eleitoral atende bem a questão das notícias falsas. Por quê?
O projeto criminaliza esse comportamento do discurso de ódio e mentiroso e, portanto, abre espaço para atuação criminal em relação a isso. Também prevê multa para candidatos, partidos, coligações e apoiadores que promoverem mentiras, discursos de ódio e manipulação, ou seja, prevê medidas criminais e cíveis.
Quando o crime eleitoral começa a ser tipificado?
Como estamos tratando de uma disciplina eleitoral, a abrangência refere-se mesmo às eleições. Entretanto, alguns comportamentos ilícitos no âmbito eleitoral podem ocorrer a qualquer tempo. Por exemplo, o abuso de poder e o uso indevido de recursos. Tudo isso não tem tempo certo para ocorrer.
Isso tem relação com a live em que Bolsonaro ataca ministros e a legitimidade das eleições?
Prefiro não fazer referência a nenhum caso concreto. Até porque, no Ministério Público, há uma regra muito importante: a independência funcional. Portanto, há colegas que têm a atribuição legal e constitucional de, eventualmente, levar ao Judiciário condutas de altas autoridades. Mas o que se pode dizer, como regra geral, é que o uso de recursos públicos em prol de campanhas eleitorais não se permite.
* Estagiário sob supervisão de Cida Barbosa
Assista a íntegra da entrevista:
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4944348-eleicoes-tem-sido-livres-e-justas-diz-procurador-luiz-carlos-goncalves.html
Polícia Civil do DF abre inquérito contra Sergio Reis após áudio
PCDF irá investigar suposta associação voltada a cometimento de crime em manifestações previstas para setembro. Em áudio, cantor e ex-deputado disse que no dia 8 de setembro daria prazo para que Senado retirasse ministros do STF, e que se isso não acontecesse, país iria parar
Sarah Teófilo / Correio Braziliense
A Polícia Civil do Distrito Federal abriu inquérito para apurar suposta associação para cometimento de crimes em manifestações previstas para setembro. A apuração, que está com o Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor), teve início após a circulação de vídeos e de áudios de pessoas, dentre eles o cantor e ex-deputado federal Sergio Reis, manifestando-se no sentido de cometer os crimes de ameaça, dano e atentado contra a segurança de meio de transporte.
No último fim de semana, o cantor divulgou vídeo afirmando que caminhoneiros e agricultores estavam organizando um movimento "para salvar o país", entre os dias 4 e 6 de setembro, mas não no dia 7, para não atrapalhar o desfile tradicional do presidente na data, em Brasília. "Depois ficamos acampados. (...). Eles vão se assustar com o movimento, mas a gente é da paz. Estamos nos preparando judicialmente para fazer uma coisa séria, para que o Exército tome uma posição, o governo tome uma posição", afirmou.
Depois, um áudio do cantor passou a circular. Nele, o cantor fala de forma mais clara sobre o motivo do movimento, com ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Senado. No áudio, ele comenta ter participado de um almoço com o presidente Jair Bolsonaro, ministros de Estado e os comandantes das Forças Armadas. "São pessoas importantes que não tinham ideia do que estava sendo preparado pelos caminhoneiros", disse.
Sérgio Reis afirmou que estava se organizando para ir ao Senado no dia 8 de setembro, se encontrar com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para entregar uma "intimação" junto com dois líderes dos caminhoneiros e dois líderes do sindicato da soja. "Vão receber um documento com 72 horas para aprovar o voto impresso e para tirar todos os ministros do STF. Não é um pedido, é uma ordem. É assim que vou falar com o presidente do Senado", disse.
O cantor ainda pontuou que se não for cumprida a "intimação", darão mais 72 horas, mas que nesse período irão parar o país. No áudio, Reis diz que nada andará pelas estradas, nem carros, nem ônibus, apenas ambulâncias e polícias. "E se em 30 dias eles não tirarem aqueles caras (referindo-se aos ministros do STF), nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra", afirmou.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4944174-policia-civil-do-df-abre-inquerito-contra-sergio-reis-apos-audio.html
Luiz Carlos Azedo: Novos amigos de Cabul
As cenas dos afegãos despencando do avião da USAF durante a decolagem no aeroporto de Cabul são piores do que as da retirada dos funcionários da Embaixada dos Estados Unidos em Saigon
Alexander Burnes, agente da Companhia Britânica das Índias, em 1838, recebeu de Lord Auckland, o governador-geral de Calcutá, a missão de negociar com Dost Mohammed, o Emir do Afeganistão, um pacto com o Império Britânico. Ao chegar em Cabul, lá estava o Conde Vitkevitch, representante da Rússia. Era o “Grande Jogo” da Ásia, no qual a Rainha Vitória disputava com o Czar Nicolau I o controle da Eurásia. O pedregoso território afegão, entre o Cáucaso e a Índia, separando o Irã da Turcomênia, era estratégico para as duas potências. No ano seguinte, 16,5 mil ingleses, indianos e dissidentes afegãos da Army of the Hindus tomaram Cabul. Dost Mohammed rendeu-se em novembro de 1840 e foi encarcerado na Índia.
Burnes transformou sua residência oficial num harém, enquanto os demais invasores profanavam os lares afegãos. Em 1841, os humilhados afegãos se revoltaram, invadiram a casa de Burnes e o esquartejaram. Veterano das Guerras Napoleônicas, o general Elphinston negociou com Akbar, o filho de Dost Mohammed, em 2 de janeiro de 1842, a retirada das tropas britânicas, que estavam sitiadas. Ao atravessarem o passo de Khoord-Cabool, a montanha desabou: pedras em avalanches, tiros de jezails (o fuzil de cano longo afegão), flechas e lanças dizimaram as tropas britânicas. Somente restou vivo o Dr. Brydon, o médico, que escapou a cavalo dos altos do Hindu Kush.
Na Terceira Guerra Anglo-Afegã, em 1919, num acordo com os ingleses, o Afeganistão tornou-se um Estado-tampão na fronteira da Índia. A partir de 1926, uma monarquia sobreviveu até 1973, quando o rei Zair foi derrubado pelos republicanos. Em 1978, com apoio de tropas soviéticas, um golpe de Estado implantou um regime socialista, sob forte resistência dos rebeldes mujahedins, armados e financiados pelos EUA. Em 27 de setembro de 1996, as forças talibãs, constituídas de ex-estudantes fundamentalistas, derrubaram o presidente, capturaram Cabul e passaram a controlar grande parte do país, formando um governo de coalizão.
Mas houve o atentado da Al-Qaeda às Torres Gêmeas, os EUA invadiram o Afeganistão e retiraram os talibans do poder. Hamid Karzai foi escolhido presidente por George W. Bush. Nas eleições de 2004, a maioria dos 17 candidatos da oposição alegou fraude e não reconheceu o governo de Karzai, que incluía membros da Aliança do Norte, um grupo político formado pela majoritária etnia Pashtun. Em 2014, Asharaf Ghani foi eleito e empossado presidente do país no lugar do corrupto Karzai, mas seu destino já estava traçado. O governo Trump decidiria retirar as tropas norte-americanas do país. O novo presidente, Joe Biden, manteve a decisão e ordenou a saída até setembro, uma de suas promessas de campanha. Houve o desastre: o Talibã avançou rapidamente, as tropas governistas não resistiram e abandonaram Cabul. Ghani escafedeu-se.
Rota da Seda
A história se repete como tragédia. A Casa Branca nega comparações com a retirada do Vietnã, mas as cenas dos afegãos despencando do avião da USAF durante a decolagem, ontem, são piores do que as da dramática retirada dos funcionários da embaixada norte-americana em Saigon. Essa conta ficou para Biden. Entretanto, no “Grande Jogo” da Eurásia, não é a Rússia que leva vantagem. A China tem 80 quilômetros de fronteira com o Afeganistão e contratos bilionários, que já negocia com o Emirado Islâmico do Afeganistão. Com 38 milhões de pessoas, o país possui reservas de minérios avaliadas entre US$ 1 trilhão e US$ 3 trilhões, incluindo o segundo maior depósito inexplorado de cobre do mundo.
Em julho, o ministro de relações internacionais da China, Wan Yi, recebeu a comissão de assuntos externos do Talibã, liderada por Abdul Ghani Baradar, na cidade chinesa de Tianjim. O resultado parece ter sido positivo para a China. Além de cobre, o Afeganistão tem reservas de ferro estimadas em US$ 420 bilhões e US$ 81 bilhões de nióbio, cruciais para a indústria chinesa. Em troca, Pequim oferece a infraestrutura necessária para o Afeganistão entrar na Nova Rota da Seda, megaprojeto mundial de construção de portos, estradas e ferrovias ligando três continentes: Ásia, África e Europa, bancado pelo governo chinês. O problema será estabilizar o país e moderar o fundamentalismo islâmico talibã.
Ayres Brito: ‘Só se passa o Brasil a limpo observando a Constituição’
Ana Dubeux / Correio Braziliense
Há um ano e cinco meses, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, segue rigorosa quarentena. Só sai de 15 em 15 dias para uma volta de carro, com máscara e sem descer do carro. “Pra isso é que serve o dever da responsabilidade individual e coletiva. Se, em tema de saúde pública, a Constituição brasileira é de primeira qualidade, por que eu vou ser de quinta?”, compara, nesta entrevista ao Correio.
De casa, o magistrado, poeta, árduo defensor da Constituição, Ayres Britto continua a refletir sobre o país e acompanhar os desdobramentos de uma crise sem precedentes na história do Brasil.
“Há muitas lições a colher de uma crise que, no fundo, é de quatro conteúdos: o sanitário, o político, o econômico e o social. Tudo imbricado. E quando os problemas são assim tão graves quanto imbricados, é necessário recorrer à única lei que tem resposta de qualidade para tudo. É a Constituição. Que governa quem governa. Que governa permanentemente quem governa transitoriamente”, explica.
Para ele, a Constituição é o que faz da democracia o “princípio dos princípios”, o que faz a vida coletiva gravitar em torno de instituições, e não de pessoas. “Por isso que, entre nós, não se pode impedir a imprensa de falar primeiro sobre as coisas, nem o Judiciário de falar por último. Por isso, se cuida de único regime a nos aquinhoar com uma antecipada certeza: nenhum eventual governante central subjetivamente autoritário vai conseguir nos impor um governo objetivamente autoritário”, defende.
Ayres Britto defende que é preciso fazer da Constituição mesa redonda para, em torno dela, buscar a saída da crise que já se aproxima de 570 mil mortes. Diz que a cidadania tem sido objeto de boicote e que a “Administração Pública não tem seguido uma trilha virtuosa” ao observar o tema saúde da população na Constituição.
“Mais uma vez, o que é preciso enfatizar é isto: somente se passa o Brasil juridicamente a limpo com a irrestrita observância da Constituição”, conclui.
Como a Justiça e o Direito se adaptaram às novas demandas da sociedade brasileira diante da pandemia?
O Direito está a serviço da vida, assim como a Justiça está a serviço do Direito. Por isso que, diante da emergência de uma vida coletiva sob gravíssima crise sanitária, ele, Direito, passou a se traduzir em leis declaratórias de um estado de emergência em todas as unidades da Federação brasileira. Estado de emergência, a seu turno, justificador de medidas administrativas de vacinação em massa, lockdown, distanciamento social e uso de máscaras, por exemplo. Com um mais expressivo financiamento público em toda a rede hospitalar do País e como pronto-socorro financeiro à população mais economicamente débil. Tudo, por sinal, conforme o disposto no art. 196 da Constituição, que impõe ao Estado a adoção das políticas econômicas e sociais que se fizerem necessárias à administração da saúde como direito de todos e dever do Estado mesmo. Já a Justiça, como termo sinônimo de Poder Judiciário, ela cuidou de otimizar as dimensões do real e do virtual da nossa vida em sociedade, com ênfase para esta última dimensão. Com o que está dando conta da efetivação da regra igualmente constitucional de que o acesso à jurisdição é o maior dos direitos adjetivos ou instrumentais brasileiros. Donde ela, Constituição, sentando praça do dever estatal de não-negação de justiça, enunciar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (inciso XXXV do art. 5º).
Por que a pandemia, aqui no Brasil, se faz acompanhar de uma crise política do mais forte acirramento de ânimos?
Bem, é que vivemos numa democracia, e o fato é que democracia é o regime de ativação da cidadania. Cidadania que é fundamento do nosso Estado Democrático de Direito – nos termos do inciso II do art. 1º da Constituição de 1988 — e que se traduz em espírito público. Abertura para o coletivo. Interesse por tudo que é de todos. Cidadania é isso. O que faz da democracia a ambiência ou atmosfera ideal para um intercâmbio de ideias que tanto leva à formação de consensos quanto de dissensos. Tudo civilizada ou respeitosamente, porque o campo das ideias é totalmente objetivo. Tão objetivo em si quanto racionalmente fundamentado. O problema é que essa ambiência cidadã tem sido objeto de boicote. De turbação por grupos de interesses que intencionalmente confundem um objetivo dissenso com um subjetivo confronto. Com uma queda-de-braço ou um cabo de guerra, já sabendo da impossível conciliação de posicionamentos. Esta a crise política, porquanto ocorrente do lado de fora das ideias e das instituições, mesmo as partidárias. Reino da mais sectária e até caricata fulanização das coisas, enfim.
Que ensinamento este momento nos deixa?
Há muitas lições a colher de uma crise que, no fundo, é de quatro conteúdos: o sanitário, o político, o econômico e o social. Tudo imbricado. E quando os problemas são assim tão graves quanto imbricados, é necessário recorrer à única lei que tem resposta de qualidade para tudo, praticamente. Essa lei é a Constituição, aqui no Brasil. Que governa quem governa. Que governa permanentemente quem governa transitoriamente. Uma Constituição que faz da democracia aquele princípio-continente de que tudo o mais é conteúdo. O princípio dos princípios, então. O que mais favorece a formação de consensos e dissensos em clima político-social tão objetivo quanto civilizado. Além de fazer a vida coletiva gravitar muito mais em torno de instituições que de pessoas. Por isso que, entre nós, não se pode impedir a imprensa de falar primeiro sobre as coisas, nem o Judiciário de falar por último. Por isso que se cuida de único regime a nos aquinhoar com uma antecipada certeza: nenhum eventual governante central subjetivamente autoritário vai conseguir nos impor um governo objetivamente autoritário. Assim como demonstrou a sociedade estadunidense no governo Trump.
Qual a saída para a crise?
Em suma, o de que precisamos é fazer da Constituição mesa redonda para, em torno dela, buscar a saída dessa multitudinária crise que já se aproxima de 570 mil mortes em nosso território. Sem nenhum culpa dela própria, Constituição, que faz da saúde um dever de toda pessoa estatal e um direito social-fundamental de cada indivíduo. Além de criar o SUS, priorizar os serviços e ações preventivas e ainda obrigar todo e qualquer Presidente da República, junto com o seu Vice, a prestar o compromisso de mantê-la, defendê-la e cumpri-la, quando do ato das respectivas posses. É como está no seu art. 78, ao lado de outros deveres funcionais também diretamente constitucionais.
Se é assim, estamos vivendo o paradoxo de um Direito bom e uma prática administrativa ruim?
Sim. A Constituição é muito boa, em tema de saúde da população, porém a Administração Pública não tem seguido na mesma virtuosa trilha. Principalmente a Administração Federal. Daí o número altíssimo de contaminações e de morte em escala nacional. O que tem faltado é o claro entendimento de que, em tema de saúde pública, a Constituição adota políticas de Estado que se impõem às políticas de governo. Esstas são transitórias, por definição, tanto quanto aquelas são permanentes. É como dizer: as políticas públicas de governo somente serão juridicamente válidas se compatíveis com as políticas públicas de Estado. Mais uma vez, o que é preciso enfatizar é isto: somente se passa o Brasil juridicamente a limpo com a irrestrita observância da Constituição. Tanto é assim que atentar contra o exercício dos direitos sociais (saúde é direito social da espécie fundamental) é crime de responsabilidade. É só ler o inciso III do artigo constitucional de nº 85.
No mesmo tema, o STF tem embaraçado o funcionamento da Administração Pública Federal?
Não! Em absoluto! O que disse o Supremo, acertadamente, foi isso: a) é competência material de todas as pessoas federadas cuidar da saúde da população; b) também é da competência legislativa comum ou concorrente de cada unidade federada brasileira legislar sobre… saúde, justamente. É como está no inciso II do art. 23 e no inciso XII do art. 24, combinadamente com os incisos I, II e VII do art. 30, todos da Constituição. Com o que deixou assentado a liderança, sim, da União, mas não a exclusividade de cuidar de um setor de atividade estatal que é direito de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país.
Como é ser jurista e um poeta a um só tempo?
É conciliar emoção e razão, nessa ordem. Ou quociente emocional e quociente intelectual, também nessa ordem. O primeiro a abrir os poros do segundo, e não o inverso. Isso na perspectiva da costura de uma unidade que talvez mereça o nome de… consciência.
O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?
Estou há um ano e cinco meses sob ortodoxa quarentena. Isso porque somente saio de casa para uma voltinha de carro, a cada quinze dias, ou para uma eventual consulta médica. Sempre com os elementares cuidados com o uso de máscara, com o distanciamento físico possível e com as palavras de ordem “álcool em gel em mim”. Pra isso é que serve o dever da responsabilidade individual e coletiva. Ah, também já tomei as duas doses da vacina Astrazeneca. Se, em tema de saúde pública, a Constituição brasileira é de primeira qualidade, por que eu vou ser de quinta?
Fonte: Eixo Capital / Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/cbpoder/ayres-brito-so-se-passa-o-brasil-a-limpo-observando-a-constituicao/
Entenda o que está por trás do fim do Bolsa Família
Programa social criado no governo Lula deverá ser substituído pelo Auxílio Brasil, mas benefício ainda não tem valor nem recursos definidos
Israel Medeiros / Correio Braziliense
O Bolsa Família, uma das principais bandeiras do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é considerado por muitos especialistas um dos programas de transferência de renda mais bem-sucedidos do mundo. Em breve, deixará de existir e dará lugar ao Auxílio Brasil, novo benefício do governo Jair Bolsonaro (sem partido), que pretende dar uma turbinada nas parcelas e ampliar a base de beneficiados.
O novo programa, que já teve outros nomes, como Renda Brasil e Renda Cidadã, no ano passado, vinha sendo elaborado para desvincular a política social da imagem dos governos petistas. Após o lançamento, no entanto, analistas veem problemas no desenho do Auxílio Brasil, que ainda não tem recursos garantidos na Medida Provisória enviada ao Congresso Nacional nesta última semana. Um dos motivos é a falta de espaço no Orçamento, que, para ser ampliado, depende da aprovação da polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe o parcelamento de precatórios — dívidas judiciais da União.
O Bolsa Família teve sua origem em programas de transferência de renda do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Logo, foi resultado da fusão de quatro benefícios sociais existentes até então: o Bolsa Escola, o Auxílio-Alimentação, o Cartão-alimentação e o Vale-gás. Em 2003, esses programas foram unidos, por meio do Cadastro Único, que foi a base de dados para os cadastros do auxílio emergencial.
O objetivo do Bolsa Família sempre foi dar auxílio àqueles em situação de extrema pobreza. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em 2019, nos primeiros 15 anos do programa, a iniciativa foi responsável pela redução da pobreza em 15% e da extrema pobreza em 25%. O número de beneficiários passou de 6 milhões de famílias, em 2004, para 13,3 milhões de famílias, em 2017, quando 3,4 milhões de pessoas deixaram a situação de pobreza extrema, e outras 3,2 milhões superaram a pobreza.
Hoje, o programa tem mais de 14 milhões de beneficiários e uma extensa lista de espera. Wanda Engel, secretária de Estado de Assistência Social do governo FHC e figura importante na implementação dos programas sociais na época, explica que, no Brasil dos anos 1990, a assistência era voltada para as consequências da pobreza, como a fome. Era necessário, portanto, dar condições para que os beneficiários pudessem ter uma melhoria de vida, atacando a causa do problema: a renda.
“Veio a concepção de que a pobreza pode ser superada, então, começam programas de transferência de renda da transferência condicionada”, conta. “Ninguém aprende a pescar com fome. Para aprender a pescar, precisa de condições mínimas de garantia de vida, condições básicas. Essas condições são dadas por esses programas. Mas não pode ser só isso, precisa ter frequência na escola, programa de capacitação, saúde”, afirma. Ela aponta que o grande desafio dos auxílios dados à população de baixa renda é garantir a sustentabilidade após a saída da linha da pobreza, evitando que os beneficiários voltem ao ponto de partida. “Isso necessariamente passa pela educação, por toda uma oferta de serviços. A gente precisaria de uma política 2.0, dando conta da extrema pobreza e garantindo a saída com sustentabilidade”, sugere.
Entraves
Para Wanda Engel, a ideia do governo federal de aumentar o número de beneficiários do Bolsa Família no novo programa é boa, mas alerta que, se o programa estiver sujeito ao teto de gastos —emenda constitucional que limita ao aumento de despesas à inflação do ano anterior —, há grandes chances de entraves. “Era preciso um aumento da cobertura, e esse aumento talvez nem atenda a quantidade necessária de famílias. Mas, com o teto de gastos, quanto mais você aumenta a bolsa, menos beneficiados. E vice-versa. É uma relação inversamente proporcional. Agora, o valor pago estava totalmente defasado. Deveria estar em cerca de R$ 415. Qualquer coisa menos do que isso não atenderia às necessidades básicas de uma família”, completa.

José Luis Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), destaca a necessidade de auxiliar aqueles que estão abaixo da linha da pobreza. “São pessoas que desempenham atividades não remuneradas ou com baixíssima remuneração e não têm perspectiva de sair dessa situação de pobreza. Isso nos leva à conclusão de que, em um país civilizado, é possível destinar uma parte dos recursos da sociedade para retirá-los da miséria absoluta”, pontua.
Nesse sentido, aponta o professor, o Brasil foi um pioneiro, ao colocar o foco dos benefícios naqueles que estavam em situação de miséria, possibilitando, através das contrapartidas — como a frequência escolar que as gerações seguintes tivessem mais oportunidades. Com os valores sendo revertidos em consumo pelas famílias, o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) é uma consequência natural. “O programa (Bolsa Família) retira muita gente da miséria, gera aumento do PIB e retorna em arrecadação de impostos. É um programa extremamente bem-sucedido, tanto na redução de pobreza quanto no estímulo ao consumo”, comenta Oreiro.
Felipe Queiroz, economista e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que há um efeito multiplicador dos programas de transferência de renda. “Quando você tem uma política de distribuição de renda, há uma propensão maior de consumo, os recursos retornam ao Estado por meio da economia, que começa a circular, e o efeito multiplicador é total. Esse tipo de política é totalmente positiva e contribui para o desenvolvimento econômico do país”, esclarece. Ele acredita, no entanto, que o Auxílio Brasil, não traz novidades e corre o risco de ser descontinuado por falta de recursos a médio prazo e de, a partir de 2023, ser interrompido por falta de espaço orçamentário.
Medida eleitoreira
O economista Otto Nogami, professor do Insper, também demonstra preocupação com o fato de o programa não ter recursos para ser mantido posteriormente. Ele destaca que, no caso da PEC do parcelamento dos precatórios — que o governo deseja aprovar no Congresso —, haverá recursos a curto prazo para pagar um Bolsa Família mais robusto. Contudo, a situação das contas públicas exige uma atenção maior de longo prazo, com cortes de gastos, exatamente o contrário do que o Executivo está tentando fazer às vésperas das eleições de 2022.
“Essa iniciativa é eleitoral, o governo não teria condições de se aventurar numa coisa dessas hoje”, afirma. O economista opina, ainda, que o novo programa social deveria ter foco em melhorar a vida dos beneficiários como um todo, fornecendo condições para que as famílias possam se sustentar e deixar de ser dependentes do governo. “É preciso um programa de geração de renda, mas o governo só pensa no benefício e pronto. Ele está dando um impulso para aumentar o consumo das famílias, o que infla o PIB, em uma tentativa de criar atalhos para o crescimento econômico”, conclui.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/08/4943755-entenda-o-que-esta-por-tras-do-fim-do-bolsa-familia.html
Ribeiro, do MEC, diz que alunos com deficiência 'atrapalham' demais estudantes
Milton Ribeiro afirmou que crianças com deficiências "atrapalhavam" alunos sem a mesma condição
Nathalia Galvani / Correio Braziliense
Uma nova declaração polêmica do ministro da Educação Milton Ribeiro está repercutindo nas redes sociais. Em entrevista ao programa 'Sem Censura', da TV Brasil, na última segunda-feira (9/8), o político disse que crianças com deficiências "atrapalhavam" os demais alunos sem a mesma condição quando colocadas na mesma sala de aula.
“O que é inclusivismo? A criança com deficiência é colocada dentro de uma sala de alunos sem deficiência. Ela não aprendia, ela ‘atrapalhava’ — entre aspas, essa palavra eu falo com muito cuidado – ela atrapalhava o aprendizado dos outros, porque a professora não tinha equipe, não tinha conhecimento para dar a ela, atenção especial”, declarou o ministro.
Outras declarações feitas por Milton Ribeiro na mesma entrevista também causaram irritação em parte da população. Entre elas, o ministro disse que a "universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade".
"Tenho muito engenheiro ou advogado dirigindo Uber porque não consegue colocação devida. Se fosse um técnico de informática, conseguiria emprego, porque tem uma demanda muito grande", completou.
Além disso, ele também afirmou que reitores das universidades federais não podem ser 'esquerdistas, nem lulistas'. “Alguns optaram por visões de mundo socialistas. Não precisa ser bolsonarista. Mas não pode ser esquerdidas, nem lulista. Reitor tem que cuidar da educação e ponto final. E respeitar todos que pensam diferente. As universidades federais não podem se tornar comitê político, nem direita, muito menos de esquerda”, disse.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/2021/08/4944022-ministro-da-educacao-alunos-com-deficiencia-atrapalham.html
Luiz Carlos Azedo: Agosto em marcha
Bolsonaro escala a crise como STF e aposta na deterioração das relações entre os Poderes. Ameaça dar um golpe de Estado
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense / Estado de Minas
Riobaldo, o jagunço de Grande Sertão Veredas, a odisseia cabocla de Guimarães Rosa, dizia que “viver é muito perigoso”. Em agosto, na política, mais ainda. Para os políticos, com certa razão, trata-se de um mês aziago, porque crises e tragédias ocorreram nesta época do ano. “Comandante supremo das Forças Armadas”, como agora gosta de se apresentar, o presidente Jair Bolsonaro escala a crise com o Supremo Tribunal Federal (STF) e aposta na deterioração das relações entre os Poderes, com o claro propósito de impedir a realização das eleições, nas quais pode ser derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ameaça dar um golpe de Estado.
Tudo pode acontecer em agosto. Em 1954, após voltar ao poder pelo voto, Getúlio Vargas sofria com pressões do Congresso. A oposição mais radical era da UDN, liderada por Carlos Lacerda, que sofreu um atentado na Rua dos Toneleiros, no Rio de Janeiro, no qual faleceu o major da Aeronáutica Rubens Vaz; Lacerda foi ferido na perna. As investigações apontaram Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial, como autor do crime. A situação se tornou insustentável. Getúlio acabou cometendo suicídio, com um tiro no peito, na madrugada de 24 de agosto.
DESFILE MILITAR NA ESPLANADA


















Jânio Quadros presidia o Brasil desde janeiro de 1961. Surpreendentemente, aproximou-se da antiga União Soviética e da China. Em plena guerra fria, condecorou Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana, com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Carlos Lacerda, líder da UDN, passou à oposição. Sete meses depois de assumir, em 25 de agosto de 1961, Jânio renunciou. Imaginava voltar nos braços do povo; quem assumiu foi seu vice, João Goulart.
Em 1969, o general Costa e Silva teve uma trombose cerebral, no final de agosto. O vice-presidente, Pedro Aleixo, um civil, foi impedido de assumir a Presidência por uma Junta Militar, que governou o país até 30 de outubro, quando assumiu o general Emílio Médici. Costa e Silva faleceu em dezembro.
O ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu em um acidente de carro em 22 de agosto de 1976; seu motorista, Geraldo Ribeiro, também. O veículo colidiu com um caminhão, na rodovia Rio-São Paulo. A Comissão Nacional da Verdade concluiu que sua morte foi um acidente ocasional.
Depois da entrevista de seu irmão Pedro Collor à revista Veja, denunciando um esquema de lavagem de dinheiro no exterior co- mandado por PC Farias, o Congresso Nacional criou uma CPI para investigar as denúncias contra o presidente Fernando Collor de Mello. Foram descobertos empréstimos fraudulentos e contas suspeitas. O famoso Fiat Elba foi comprado com esse dinheiro. Collor convocou uma manifestação verde-amarela para 16 de agosto. A população foi às ruas vestida de preto. A CPI confirmou a transferência irregular de US$ 6,5 milhões para financiar gastos do presidente. Collor derreteu: em setembro, foi afastado; em dezembro, renunciou ao cargo.
Ruptura institucional
Candidato à Presidência da República em 2014, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos decolava nas pesquisas de opinião. Em 13 de agosto daquele ano, morreu após a queda do jato particular em que viajava. O avião havia decolado do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, com destino ao aeroporto do Guarujá (SP). Sete pessoas faleceram.
Por causa das chamadas “pedaladas fiscais” e decretos de abertura de crédito sem a autorização do Congresso, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi aberto pela Câmara dos Deputados em abril de 2016, decisão confirmada pelos senadores em maio. Em 29 de agosto, Dilma Rousseff compareceu ao Congresso para se defender. Dois dias depois, os senadores aprovaram seu impeachment por 61 votos favoráveis e 20 contrários.
Ontem, Bolsonaro participou de uma cerimônia na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Rezende (RJ). Escreveu no Twitter: “Todos sabem das consequências, internas e externas, de uma ruptura institucional, a qual não provocamos ou desejamos. De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais. Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal”. Agosto está só começando; a crise está em marcha.
Luiz Carlos Azedo: Ninguém morre de véspera
Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Todas as vezes que se discutem reformas eleitorais na Câmara, o que determina o seu desfecho são os cálculos eleitorais da maioria dos deputados, empenhados na própria sobrevivência, muito mais do que os projetos partidários. Não são as contas do Palácio do Planalto nem dos donos dos partidos, ainda que controlem os recursos financeiros das legendas. É como naquela fábula já citada algumas vezes: “Não se convida os perus para participar da ceia de Natal, eles sabem que vão morrer”.
Talvez seja essa a explicação da resiliência das eleições proporcionais e das dificuldades para acabar com as coligações partidárias nas eleições para o Legislativo, aprovadas na noite de quarta-feira. Ontem, mais uma decisão importante foi tomada: a criação das federações partidárias. Nesse desfecho, um personagem muito importante foi o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que manobrou nas votações para impedir a aprovação do Distritão, que seria uma solução radical para salvar os mandatos da maioria dos atuais deputados. A moeda de troca foi a volta das coligações proporcionais, que haviam sido proibidas na reforma eleitoral passada, apesar de terem sido testadas nas eleições municipais de 2020.
Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger, mesmo estando entre os mais votados e com o balaio cheio de emendas parlamentares. A expressão “Mateus, primeiro os teus”, de origem bíblica, parece ter mobilizado Lira. A pressão de sua base para
derrubar a proibição das coligações foi irresistível. Usada como derivação popular, por causa da rima, a expressão faz todo o sentido. Cobrador de impostos em Cafarnaum,
na Judeia, pelo fato de ser judeu e servir aos romanos, Mateus sofria muita hostilidade. O conselho de Jesus ao discípulo teria sido o seguinte: “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão”. Trocando em miúdos, o presidente da Câmara sabe que precisa liderar a Casa. A maioria de seus aliados está em risco eleitoral.
A saída foi aprovar a federação de partidos, para facilitar a montagem das chapas de candidatos a deputados federais. Aprovado por 304 votos a 119, o projeto de lei agora vai à sanção. Permite a duas ou mais legendas se unirem em uma fe- deração partidária e atuarem de maneira uniforme em todo o país. O texto já tem aval do Senado e segue para o presidente Jair Bolsonaro. Se não houver vetos, a federação de partidos permitirá a união de siglas com afinidade ideológica e programática, sem que seja necessário fundir os diretórios. A regra deve ajudar partidos menores a alcançar a chamada “cláusula de barreira”, criada para extinguir legendas que não tenham um desempenho mínimo a cada eleição.
Montagem de chapas
Com isso, a cláusula de barreira seria calculada para a federação como um todo, e não para cada partido individualmente. Entretanto, uma vez constituída a federação, os partidos a ela filiados deverão permanecer juntos por pelo menos quatro anos. Após registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a federação atuará como se fosse uma única agremiação partidá- ria. Ou seja: seguirá as mesmas regras que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária; os partidos terão a identidade e a autonomia preservados; e a aliança terá abran- gência nacional.
A ideia de acabar com as coligações partidárias, mantendo a cláusula de barreira, para reduzir o número de partidos, tem amplo apoio na opinião pública e nos meios acadêmicos, mas esbarra na realidade eleitoral dos estados, nos quais houve ampla fragmentação nas eleições municipais. Os grandes partidos, com muitos recursos, e os governadores, principalmente, passariam a dar todas as cartas na montagem das chapas. A realidade eleitoral nos estados, porém, foi mais forte. Está sendo difícil montar as chapas completas, devido à necessidade de grande número de candidatos, mesmo nos grandes partidos. A vantagem estratégica daqueles que já tem mandato, devido aos recursos do fundo eleitoral e às emendas parlamentares, espanta os candidatos competitivos, que não querem disputar uma eleição sem paridade de meios. Veio daí a rebelião dos perus. Ninguém quer morrer de véspera já tendo mandato.
Luiz Carlos Azedo: O sapo barbudo
Bolsonaro explora o descontentamento dos militares com o Supremo, cuja verdadeira causa é a anulação das condenações de Lula e seu favoritismo nas pesquisas
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Derrotado, o presidente Jair Bolsonaro não se deu por vencido. Continua a cantilena contra a urna eletrônica, dessa vez anunciando que pretende provar que Aécio Neves (PSDB-MG) venceu as eleições contra Dilma Rousseff, em 2014. O tucano deu a deixa para isso, ao se abster na votação que sepultou a proposta de emenda constitucional da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que restabelecia o voto impresso. Como se sabe, Aécio tentou anular a eleição da petista e alegou abuso de poder econômico, além de pedir recontagem de votos, inconformado com a derrota.
As declarações de Bolsonaro, ao reiterar as acusações sem provas de que as urnas eletrônicas não são confiáveis, provocaram reação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para quem o assunto está encerrado e o “esticar de cordas” já ultrapassou “todos os limites”. Será? Bolsonaro havia prometido aceitar o resultado da votação. Lira virou muitos votos contra a proposta, para evitar uma derrota acachapante do presidente da República, que cairia no seu colo e no do Centrão. Resultado: o placar de 229 votos a favor da emenda (44,83%) contra 218 (42,49%), com 64 ausências, derrotou a emenda constitucional, que precisava de 308 votos, mas não liquidou a narrativa de Bolsonaro, porque a maioria dos deputados que votaram endossou a proposta.
A votação expôs as contradições do Centrão e da própria oposição. A maioria da bancada do PSDB foi a favor do voto impresso — isto é, 14 dos 26 deputados, sendo que cinco se ausentaram e Aécio se absteve. O inverso aconteceu com o PL, partido da ministra Flávia Arru- da, secretária de Governo, que contou com o apoio de apenas 11 dos 41 deputados da legenda (sete se abstiveram). Os únicos partidos que votaram monoliticamente foram do PCdoB, com oito votos contra a proposta, e o PSC, com 11 votos a favor. Em todas as demais bancadas houve dissidências e muita tensão, em razão das emendas ao Or- çamento e da pressão dos seus eleitores bolsonaristas.
Bolsonaro também tentou mobilizar seus aliados no Senado para reabrir a discussão sobre o voto impresso, mas o movimento foi prontamente esvaziado pelo presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para quem o assunto foi encerrado com a votação na Câmara. “Eu quero reiterar a minha confiança na Justiça Eleitoral brasileira, para que possa se desincumbir dos caminhos da eleição de 2022 com o máximo de lisura, sem qualquer tipo de fato que possa ser apontado em relação à fraude ou qualquer coisa que o valha”, disse. Com essa decisão, agora o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) estão alinhados em relação à segurança da urna eletrônica, mas a dúvida sobre a aceitação do resultado das eleições por Bolsonaro, caso seja derrotado, mais do que nunca, permanece no ar. Por quê?
Favoritismo
Ora, porque existe uma grande insatisfação na cúpula das Forças Armadas com o STF, que Bolsonaro explora com obstinação. Ontem, o novo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, fez gestões junto ao tribunal para tentar restabelecer o diálogo entre o ministro Luiz Fux, presidente da Corte, e o presidente da República. É um gesto importante, mas de pouca credibilidade, porque Bolsonaro trabalha em outra direção. Aproveita-se do descontentamento dos militares com o Supremo, cuja verdadeira causa é a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu favoritismo nas pesquisas de opinião para a Presidência, em 2022.
O petista fez mais pelo reaparelhamento das Forças Armadas do que qualquer outro presidente da República. Financiou projetos e reorganizou programas da indústria de Defesa: submarino nuclear, novos aviões de caça, satélites de comunicações e observação, caminhões e caros blindados, monitoramento da Amazônia. Entretanto, Bolsonaro trouxe-as de volta ao centro do poder e promete restabelecer a tutela militar sobre a nação, além de ter melhorado os soldos e preservado privilégios na reforma da Previdência. Num regime democrático, as Forças Armadas devem se manter apartadas da política. Caso Lula seja eleito, portanto, terão que engolir o sapo barbudo outra vez, como diria o falecido governador Leonel Brizola. Bolsonaro trabalha dia e noite para impedir que isso ocorra, com um golpe de Estado, caso perca eleições para o petista. Esse é o busílis do estresse da República.