Correio Braziliense

Luiz Carlos Azedo: Quem vai ganhar?

A conjuntura não é mais pautada pela crise econômica, mas pela ética na política, devido à Operação Lava-Jato, na qual caciques políticos, sobretudo dos grandes partidos, correm risco de ir para a cadeia

O lado bom das incertezas sobre as eleições de 2018 é a alternância de poder, um dos fundamentos de qualquer democracia digna desse nome. Muito da angústia e da insegurança que todos sentimos em relação ao futuro do país decorre de não sabermos quem vai ganhar as eleições, o que é natural, e do risco de que alguém com o qual não concordamos nem um pouco possa vir a ganhar a eleição, o que é compreensível, mas nem por isso deve alimentar pensamentos de viés antidemocrático. Além da alternância de poder, o outro pilar do regime democrático é o direito ao dissenso, ou seja, de ser oposição. Tantos os vencedores quanto os derrotados precisam se conformar com o resultado das urnas e respeitar as regras do jogo, pois a vitória não é um cheque em branco nem a derrota, o fim do mundo.

A primeira garantia de que estamos em pleno processo democrático é o calendário eleitoral. Ninguém fala em adiar as eleições e seria um completo contrassenso fazê-lo a essa altura do campeonato, com um governo de transição que resulta de um processo de impeachment e goza de baixíssima popularidade. O presidente Michel Temer perdeu o protagonismo reformista que lhe permitiu enfrentar a recessão, reduzir a inflação abaixo da meta e baixar a taxa de juros Selic a níveis inéditos. Quaisquer reformas macroeconômicas ou institucionais, doravante, dependerão do resultado das eleições e do programa de governo que sair vitorioso das urnas. O máximo que pode ser feito agora é a adoção de algumas medidas microeconômicas que melhorem o ambiente de negócios.

A conjuntura não é mais pautada pela crise econômica, mas pela ética política, devido à Operação Lava-Jato, na qual caciques políticos, sobretudo dos grandes partidos do país, estão diante do risco de ir parar na cadeia, como aconteceu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e talvez aconteça, ainda nesta semana, como ex-governador mineiro Eduardo Azeredo (PSDB). Não por acaso uma ampla coalizão de forças trabalha para mitigar a legislação que promove o expurgo de políticos corruptos que estão sendo impedidos de disputar as eleições com base na Lei da Ficha Limpa e da jurisprudência que possibilita a execução imediata da pena de condenados em segunda instância, como é o caso dos dois citados.

Agora mesmo, o Congresso acaba de aprovar uma lei de improbidade administrativa eivada de inconstitucionalidades, pois limita a atuação dos órgãos de controle do Estado, entre os quais os Tribunais de Contas (que são ligados ao próprio Poder Legislativo e não ao Executivo ou Judiciário), o Ministério Público, a Polícia Federal e a Receita Federal. De igual maneira, discute-se a limitação do foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal, o que pode ser uma boa iniciativa, desde que não haja mudança de jurisprudência quanto à condenação em segunda instância. Caso isso ocorra, a impunidade dos crimes de colarinho branco voltará a ser uma marca registrada do país.

Patrimonialismo
Esse debate sobre a impunidade é acompanhado com grande interesse pela opinião pública, o que dificulta retrocessos em relação à legislação contra corrupção. Até agora, por isso mesmo, todas as tentativas de acabar com a Lava-Jato fracassaram. Com a proximidade das eleições, essa situação ganhou tamanha importância que passou a ser a principal prioridade dos eleitores. É uma mudança de paradigma comparável ao que aconteceu com a inflação, depois do Plano Real. O problema é que a inflação crônica talvez tenha sido mais fácil de derrotar do que o velho patrimonialismo de nossas elites políticas e oligarquias, que substituiu a escravidão como fonte de acumulação de riqueza e privilégios, perpetuando as desigualdades em nosso país.

A propósito, nossas desigualdades regionais têm muitas causas, vão desde as limitações de natureza geográfica às condicionantes histórias da construção do Estado brasileiro. Talvez a principal seja exatamente o patrimonialismo. Com certeza, por isso mesmo, a aposta na industrialização diferenciou a elite paulista. Entretanto, muita água já rolou. O problema do desenvolvimento regional demanda uma política tributária que altere a relação entre estados produtores e estados consumidores na circulação das mercadorias. Essa é outra variável do processo eleitoral.

A terceira variável a iniquidade social, que está associada ao patrimonialismo e às desigualdades regionais. Também tem a ver com a igualdade de direitos e de oportunidades, no lugar do paternalismo; e com políticas sociais estruturantes, que levem em conta, simultaneamente, a necessidade de investir fortemente na educação e no empreendedorismo; e a prioridade do gasto no combate à miséria e na proteção dos mais vulneráveis.

O lado bom das incertezas sobre as eleições de 2018 é a alternância de poder, um dos fundamentos de qualquer democracia digna desse nome. Muito da angústia e da insegurança que todos sentimos em relação ao futuro do país decorre de não sabermos quem vai ganhar as eleições, o que é natural, e do risco de que alguém com o qual não concordamos nem um pouco possa vir a ganhar a eleição, o que é compreensível, mas nem por isso deve alimentar pensamentos de viés antidemocrático. Além da alternância de poder, o outro pilar do regime democrático é o direito ao dissenso, ou seja, de ser oposição. Tantos os vencedores quanto os derrotados precisam se conformar com o resultado das urnas e respeitar as regras do jogo, pois a vitória não é um cheque em branco nem a derrota, o fim do mundo.

A primeira garantia de que estamos em pleno processo democrático é o calendário eleitoral. Ninguém fala em adiar as eleições e seria um completo contrassenso fazê-lo a essa altura do campeonato, com um governo de transição que resulta de um processo de impeachment e goza de baixíssima popularidade. O presidente Michel Temer perdeu o protagonismo reformista que lhe permitiu enfrentar a recessão, reduzir a inflação abaixo da meta e baixar a taxa de juros Selic a níveis inéditos. Quaisquer reformas macroeconômicas ou institucionais, doravante, dependerão do resultado das eleições e do programa de governo que sair vitorioso das urnas. O máximo que pode ser feito agora é a adoção de algumas medidas microeconômicas que melhorem o ambiente de negócios.

A conjuntura não é mais pautada pela crise econômica, mas pela ética política, devido à Operação Lava-Jato, na qual caciques políticos, sobretudo dos grandes partidos do país, estão diante do risco de ir parar na cadeia, como aconteceu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e talvez aconteça, ainda nesta semana, como ex-governador mineiro Eduardo Azeredo (PSDB). Não por acaso uma ampla coalizão de forças trabalha para mitigar a legislação que promove o expurgo de políticos corruptos que estão sendo impedidos de disputar as eleições com base na Lei da Ficha Limpa e da jurisprudência que possibilita a execução imediata da pena de condenados em segunda instância, como é o caso dos dois citados.

Agora mesmo, o Congresso acaba de aprovar uma lei de improbidade administrativa eivada de inconstitucionalidades, pois limita a atuação dos órgãos de controle do Estado, entre os quais os Tribunais de Contas (que são ligados ao próprio Poder Legislativo e não ao Executivo ou Judiciário), o Ministério Público, a Polícia Federal e a Receita Federal. De igual maneira, discute-se a limitação do foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal, o que pode ser uma boa iniciativa, desde que não haja mudança de jurisprudência quanto à condenação em segunda instância. Caso isso ocorra, a impunidade dos crimes de colarinho branco voltará a ser uma marca registrada do país.

Patrimonialismo
Esse debate sobre a impunidade é acompanhado com grande interesse pela opinião pública, o que dificulta retrocessos em relação à legislação contra corrupção. Até agora, por isso mesmo, todas as tentativas de acabar com a Lava-Jato fracassaram. Com a proximidade das eleições, essa situação ganhou tamanha importância que passou a ser a principal prioridade dos eleitores. É uma mudança de paradigma comparável ao que aconteceu com a inflação, depois do Plano Real. O problema é que a inflação crônica talvez tenha sido mais fácil de derrotar do que o velho patrimonialismo de nossas elites políticas e oligarquias, que substituiu a escravidão como fonte de acumulação de riqueza e privilégios, perpetuando as desigualdades em nosso país.

A propósito, nossas desigualdades regionais têm muitas causas, vão desde as limitações de natureza geográfica às condicionantes histórias da construção do Estado brasileiro. Talvez a principal seja exatamente o patrimonialismo. Com certeza, por isso mesmo, a aposta na industrialização diferenciou a elite paulista. Entretanto, muita água já rolou. O problema do desenvolvimento regional demanda uma política tributária que altere a relação entre estados produtores e estados consumidores na circulação das mercadorias. Essa é outra variável do processo eleitoral.

A terceira variável a iniquidade social, que está associada ao patrimonialismo e às desigualdades regionais. Também tem a ver com a igualdade de direitos e de oportunidades, no lugar do paternalismo; e com políticas sociais estruturantes, que levem em conta, simultaneamente, a necessidade de investir fortemente na educação e no empreendedorismo; e a prioridade do gasto no combate à miséria e na proteção dos mais vulneráveis.

 

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Luiz Carlos Azedo: Lula indica

A pesquisa DataFolha estimula a “candidatura” de Lula, mas fragiliza a legenda na hora de substituí-lo, pois seus votos não migram facilmente para os petistas

A juíza Carolina Moura Lebbos, da 12ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR), autorizou a visita, hoje, dos senadores da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado à Superintendência da Polícia Federal para verificar as condições da prisão de Luiz Inácio Lula da Silva e outros presos. O ex-presidente está preso na sede da PF desde o dia 7 de abril, quando se entregou em meio a manifestações de solidariedade de petistas e aliados de esquerda, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (SP).

Os senadores Regina Sousa (PT-PI), Paulo Paim (PT-RS), Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), Lindbergh Farias (PT-RJ, Gleisi Hoffmann (PT-PR), Roberto Requião (MDB-PR), Paulo Rocha (PT-AM), João Capiberibe (PSB-AP), Fátima Bezerra (PT-RN), Lídice da Mata (PSB-BA), Humberto Costa (PT-PE), José Pimentel (PT-CE), Telmário Mota (PTB-RR) e Ângela Portela (PDT-RR) estão em campanha eleitoral, a maioria pela reeleição ao Senado, e dão ao ex-presidente da República o status de preso político, embora Lula tenha sido condenado por crime comum: corrupção.

A última pesquisa DataFolha, na qual Lula aparece em primeiro lugar nas pesquisas em todos os cenários em que seu nome foi apresentado, só aparentemente corrobora a estratégia petista de politizar o processo judicial, com objetivo de tirar o maior proveito eleitoral possível. Repete-se uma velha tática da esquerda brasileira, adotada pelo falecido líder comunista Luís Carlos Prestes depois que teve seu mandato cassado e a legenda do PCB posta na ilegalidade: “Prestes indica”. Seguia-se a nominata de candidatos, que disputavam o pleito por outras legendas.

O expediente funcionou precariamente até 1964, mas foi particularmente desastroso naquele ano, porque a linha adotada pelos comunistas após o Manifesto de Agosto de 1950, de radical oposição ao governo Dutra e resistência à repressão às suas atividades, resultou na derrota de todos os candidatos indicados, com exceção do sindicalista Roberto Morena, que era um dissidente da política de confronto e radicalização, mas sobreviveu aos expurgos stalinistas em razão de sua trajetória romanesca.

Em 1924, ele ingressou no PCB. Preso em 1932 na Ilha Grande (RJ), em função de sua participação na organização da greve da São Paulo Railway, foi posto em liberdade em 1934, ano em que se exilou no Uruguai — lá foi detido duas vezes. De volta ao Brasil, assumiu em fins de 1935 um posto na direção do PCB. Foi preso novamente em 1936, sendo detido no Rio de Janeiro até a “Macedada” (anistia que serviu de armadilha para o Plano Cohen e o golpe do Estado Novo), em junho de 1937. Seguiu para a Espanha, para integrar as forças republicanas na Guerra Civil Espanhola. Com a vitória dos franquistas, refugiou-se na Argélia. Nesse mesmo ano, transferiu-se para a União Soviética, onde trabalhou em uma fábrica de tratores.

De volta ao Brasil, Morena assumiu, em 1943, o trabalho de reorganização do PCB, sendo novamente preso. Em 1945, tornou-se secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), fundada na ocasião. Com a repressão de Dutra (1946-1951) e o fechamento da CTB, exilou-se em 1947 no México. Retornando ao Brasil em 1950, elegeu-se deputado federal na legenda do Partido Republicano Trabalhista (PRT).

Erro estratégico
A situação do PT é diferente da descrita acima, a legenda não está proscrita nem existe guerra fria; em contrapartida, o PCB não estava envolvido em denúncias de corrupção, ao contrário do PT, que ocupa o vértice do “mecanismo” investigado pela Operação Lava-Jato, a ponto de Lula acabar indiciado em vários processos, entre os quais, o que o levou à condenação e à prisão. A semelhança principal, porém, está no discurso político radical e na tática de enfrentamento com a Justiça, que para o PCB foi um desastre maior que a guerra fria. Por incrível que pareça, há uma linha de continuidade de ideias cujo elo é a glamourização, pelos comunistas, do levante militar de 1935, comandado por Prestes, e da luta armada na resistência ao regime militar, liderada por Carlos Marighela, após o golpe de 1964, pelos petistas.

Mas onde está o erro estratégico? Na tática eleitoral. A “vitimização” de Lula e a tentativa de desmoralizar todos os magistrados que o condenaram até agora — o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba; os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4); e os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) — não têm a menor chance de dar certo. Lula está fora da disputa eleitoral por causa da lei da Ficha Limpa, é irreversível.

Manifestações como a de ontem, em Guarujá, quando militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo (FPSM) ocuparam o triplex atribuído a Lula no processo que o condenou, somente servem para agravar sua situação do ponto de vista jurídico. De igual maneira, o acampamento nas imediações da Superintendência Polícia Federal em Curitiba, que motivou um pedido da Prefeitura da cidade para que Lula seja transferido de local de prisão, somente serve para afrontar a Justiça.

Mas o maior erro estratégico é a tática de caracterização da prisão de Lula como um ato político da Justiça contra sua candidatura, que está sendo mantida. A pesquisa deste fim de semana estimula a permanência da “candidatura” de Lula, mas fragiliza a legenda na hora de substituí-lo, pois, seus votos não migram facilmente para os petistas Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, e Jaques Wagner, ex-governador da Bahia. O mesmo pode se dizer quanto aos parlamentares que acreditam que sua reeleição estará garantida à sombra da prisão de Lula, principalmente os enrolados na Lava-Jato.

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Luiz Carlos Azedo: Como um vídeo game

O clima de “guerra fria” é ainda mais perigoso porque as guerras, cada vez mais, precisam de menos soldados e mais tecnologia, apesar das crises humanitárias que provocam

O ataque combinado dos Estados Unidos, Inglaterra e França, principais potências do Tratado do Atlântico Norte, a supostos depósitos e uma fábrica de armas químicas da Síria, nos subúrbios de Damasco e na cidade de Horms, sexta-feira à noite, foi anunciado pelo presidente Donald Trump na semana passada pelo Twitter, como quem desafiava o presidente russo Vladimir Putin para uma partida de vídeo game. O motivo foi um suposto ataque do governo Sírio com armas químicas na cidade de Duma, em 7 de abril. O regime sírio nega o uso dessas armas, que são proibidas por convenções da ONU.

Os mísseis foram lançados por volta das 22h, durante o pronunciamento de Trump na Casa Branca. A ação foi apoiada pela premiê britânica Theresa May e pelo presidente francês Emmanuel Macron, que ligou para o presidente russo Vladimir Putin para explicar que o ataque foi “restrito a capacidades do regime sírio de armas químicas”. Os sistemas de defesa da Síria atingiram 13 mísseis em Al Kiswah, nos subúrbios de Damasco, mas não conseguiram evitar a destruição de suas instalações militares. A Rússia afirmou que a defesa antiaérea síria interceptou 71 mísseis, mas o Departamento de Defesa dos EUA garante que nenhum dos 105 mísseis disparados sofreu interferência.

Como em toda guerra, há choque de versões. As primeiras avaliações são no sentido de que a ação foi calculada para evitar uma reação militar da Rússia, aliada do governo do presidente sírio Bashar al-Assad. O presidente russo solicitou uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU e aparentemente assimilou o golpe. Mas suas boas relações com o Trump foram para o espaço: “A Rússia precisa decidir se continuará nesse caminho sombrio ou se se unirá aos países civilizados como uma força de estabilidade e paz. Com esperança um dia nos daremos bem com a Rússia e talvez até com o Irã, mas talvez não”, disse o presidente norte-americano, que é investigado por suposto envolvimento com a Rússia na campanha eleitoral em que derrotou a democrata Hilary Clinton.

Putin acusa as três potências ocidentais de armarem uma grande farsa e sustenta que o suposto ataque químico é uma encenação patrocinada pelos serviços secretos britânicos. O contencioso vem numa escalada, desde a tentativa de envenenamento de um ex-espião russo na Inglaterra. A diplomacia russa compara a acusação àquela que motivou a invasão do Iraque, no regime de Saddam Hussein. Nunca se comprovou a existência de armas químicas, denúncia dos serviços secretos britânicos. Entretanto, o mais provável é que a reação russa seja semelhante às de outras crises: aproveitará a situação para reforçar sua presença militar, como aconteceu na Crimeia e na região ucraniana de Donets, que foram anexadas à federação Russa.

O grande jogo
O ataque tem muito significado para a opinião pública norte-americana e europeia em relação às suspeitas de envolvimento de Trump com os russos na campanha eleitoral, mas militarmente não tem o poder de alterar a correlação de forças internas na Síria. Com apoio da Rússia, do Irã e do Hezbollah, grupo xiita libanês historicamente ligado ao regime sírio, Assad controla quase todas as cidades do país. O ataque foi apoiado pela Alemanha, Japão, Turquia e Israel, mas condenado pela China. O mundo árabe, desde o fim do Império Otomano, é palco uma grande jogo entre as potências. A Rússia e a Inglaterra disputam influência na chamada Eurásia e no Oriente Médio há 200 anos. Afeganistão e antiga Pérsia, atual Irã, foram os centros dessa disputa.

A Síria é a ligação da Eurásia como o Oriente Médio para a Rússia, por causa da sua frota naval no Mediterrâneo. No fim do ano passado, a Síria assinou um acordo militar com a Rússia para ampliar a base de Tartus, que poderá abrigar até 11 navios militares russos, incluindo um de propulsão nuclear. O acordo vigorará por 49 anos com a possibilidade de seu prolongamento automático por períodos de 25 anos. Tão logo foi anunciado o ataque por Trump, os navios da Marinha russa deixaram o porto e foram para o mar, restando apenas um submarino da classe Kilo, apelidados de “buraco negro no oceano” pela Marinha dos EUA, porque eles são quase indetectáveis quando submersos. Tartus era apenas um posto de abastecimento e manutenção da frota do Mediterrâneo; será transformado numa base naval de verdade pelos russos. Os ataques ao regime de Assad reforçam sua dependência militar, econômica e diplomática em relação à Rússia e à China.

É preciso contextualizar o ambiente em que ocorre o conflito. Há uma disputa pelo controle do comércio no Pacífico, novo eixo da economia mundial, na qual Trump protagoniza uma guerra comercial com a China. O ataque de sexta-feira sinaliza para o mundo que as potências do Ocidente não vão abrir mão do controle militar e comercial do Mediterrâneo, espaço no qual a Inglaterra sempre teve forte influência. O clima de “guerra fria” é ainda mais perigoso porque as guerras, cada vez mais, precisam de menos soldados e mais tecnologia, apesar das crises humanitárias que provocam nos territórios onde ocorrem. Além disso, alimentam tendências autoritárias, que estão se fortalecendo no mundo inteiro, mesmo nos países democráticos. Nesse aspecto, pode ser que os russos é que estejam ganhando.

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Cristovam Buarque: Maioridade da faixa

Na semana passada, o Correio Braziliense dedicou uma página ao 21º aniversário da implantação da faixa de pedestre no Brasil, graças ao pioneirismo dessa iniciativa no Distrito Federal. Em entrevista, o professor Paulo Cesar Marques da Silva, da Universidade de Brasília (UnB), disse: “Foi uma conquista importante, é um marco de cidadania essa valorização das pessoas em relação aos veículos. Essa coisa de oferecer o espaço prioritariamente aos pedestres é boa. Mas é necessário dizer que não tivemos nenhuma mudança na lei. Essa sinalização já era prevista nos manuais. O que aconteceu foi uma conscientização, um conhecimento das pessoas. Todo esse trabalho foi muito benfeito, houve uma mudança de valores, é fato. Mas é importante lembrar que isso não aconteceu em todo o país. Nem todo mundo que dirige passou por isso 21 anos atrás. A população deve ser informada constantemente sobre a importância da faixa”.

Sem explicitar, ele percebeu que o “milagre de Brasília”, como os visitantes citam para se referir ao respeito dos brasilienses à faixa de pedestre, decorre da inversão da lógica com que o Governo do DF, entre 1995-1998, administrou a implantação desse programa que mudou a mentalidade da população. No lugar de ver a faixa como um assunto da engenharia e da legalidade de trânsito, o problema foi tratado pelo então governo como uma questão de educação. A engenharia (pintura, sinalização, escolha dos locais) e a legislação (leis e decretos) foram complementos auxiliares.

Ao tratar o problema de trânsito sob a ótica da educação, o Governo do DF, com a colaboração da mídia, especialmente do Correio Braziliense e da Rede Globo, deu um exemplo que o resto do Brasil não conseguiu reproduzir ao longo desses 21 anos, por continuar tratando o respeito ao pedestre como assunto de engenharia de trânsito.

Essa não foi a única inversão lógica no governo local, entre os anos de 1995 e 1998. No lugar de enfrentar o assunto da saúde pela engenharia para aumentar o número de leitos nos hospitais, buscou e conseguiu diminuir o número de doentes, por meio do programa Saúde em Casa, da universalização do saneamento, da redução de acidentes de trânsito, da melhoria da merenda escolar, da implantação da Bolsa Escola (permitindo às famílias mais pobres comprarem comida) e pelo pioneirismo na instalação dos kits ginástica nas quadras e praças.

Com isso, foi possível reduzir doenças e filas, simplificar atendimento, reduzir gastos e sofrimento, oferecer dignidade e garantir a todos um serviço que, hoje, está degradado. Para o mandato seguinte, que não ocorreu, a inversão da lógica na saúde estaria em garantir checape anual para qualquer pessoa, independentemente da renda. O resultado é que, sem grandes obras, o governo deixou leitos sobrando, pessoas saudáveis, um sistema funcionando.

A implantação do PAS (Programa de Avaliação Seriada), cuja ideia foi do professor Lauro Moure (UnB), é prova dessa inversão. No lugar de fazer o vestibular para eliminar os alunos que não aprenderam o básico ao longo do ensino médio, o governo de 1995 a 1998, em cooperação com a UnB, preferiu usar a universidade para incentivar os alunos a aprenderem o máximo, estudando ao longo dos três anos, e não mais apenas no último ano e em um cursinho.

A própria Bolsa Escola, que, de tanto êxito, espalhou-se pelo Brasil e pelo mundo, fazendo Brasília ser reconhecida como o berço dos programas de transferência de renda condicionada à educação, é um exemplo de inversão da lógica: no lugar de deixar as crianças pobres trabalhando e fora da escola, nosso programa utilizou o potencial das mães para garantir que seus filhos frequentassem as aulas. Assegurou uma renda básica à família e, ao mesmo tempo, educação para as crianças.

Já a Poupança Escola — implementada no governo entre 1995-1998 —, no lugar dos elevados custos na educação devido à repetência, preferiu garantir um prêmio para o aluno que fosse aprovado, tomando o cuidado de não entregar esse dinheiro ao fim de cada ano, mas depositá-lo em caderneta de poupança, para só ser retirado se o aluno concluísse o ensino médio. A faixa de pedestre foi um bem-sucedido projeto da lógica invertida criado pelo governo da época, mas apenas um deles; muitos outros até hoje continuam, 21 anos depois. (Correio Braziliense – 10/04/2018)

 


Luiz Carlos Azedo: Suprema encruzilhada

Até a noite de ontem, ninguém sabia ainda o que seria votado hoje no Supremo, exceto a intenção anunciada pelo ministro Marco Aurélio Mello de “levar à mesa” um polêmico pedido de esclarecimento sobre execução da pena em segunda instância, que animava os petistas a pressionar o Supremo a livrar Lula da cadeia. No começo da noite, Marco Aurélio recuou. Não se tratava de uma decisão sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas sobre o destino da Operação Lava-Jato e de todos os políticos que nela estão enrolados, o que envolve manobras de bastidor de grandes bancas de advocacia, partidos políticos e até mesmo ministros da Supremo.

Marco Aurélio tem em mãos dois pedidos de habeas corpus, um do ex-ministro Antônio Palocci, do PT, atualmente preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, e outro do deputado Paulo Maluf, do PP, em prisão domiciliar em São Paulo, cuja apreciação está prevista para hoje. Regimentalmente, esse tipo de pedido tem preferência, mas Marco Aurélio pretendia sugerir que a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, pusesse primeiro em apreciação a questão da execução da pena para condenados em segunda instância. Esse virou um tema recorrente da Corte, que parece um veículo obrigado a fazer todas as tesourinhas do Eixão de Brasília.

O pedido de liminar havia sido impetrado, em nome do Partido Ecológico Nacional (PEN), pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro. Ontem, porém, a legenda o destituiu da representação. Seu substituto, o advogado Paulo Fernando Mello, afirmou que o pedido de liminar foi apresentado sem anuência da direção do partido. Disse que a legenda é a favor da prisão em segunda instância e pediria a retirada da liminar da pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), esvaziando uma crise que se anunciava.

Almeida Castro também havia entrado com um pedido de liminar contra a prisão em segunda instância em nome do Instituto de Garantias Penais, que reúne advogados, na condição de “amicus curiae”, ou seja, parte interessada no processo. O desembarque do PEN levou Marco Aurélio a rejeitar o pedido do IGP. Uma semana depois de o Supremo negar um pedido de habeas corpus para Lula (negado em votação muito apertada: 6 a 5), o pedido enfrenta a oposição do Ministério Público, pois a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou contrária à concessão da liminar. Disse que o pedido se baseia na suposição de que haveria um voto favorável da ministra Rosa Weber.

Coerência
Mais uma vez, as pressões e contrapressões convergiam para a ministra Rosa Weber, que rejeitou o habeas corpus de Lula, mas questiona doutrinariamente a execução da pena a partir de condenação em segunda instância. Entretanto, a ministra aplica a jurisprudência vigente, com o argumento de que o respeito ao colegiado fortalece o Judiciário, o direito e a segurança jurídica. Para Weber, a mudança de composição do tribunal e da opinião de um dos seus integrantes, no caso o ministro Gilmar Mendes (que era a favor e agora lidera os ministros que são contrários à prisão em segunda instância), “não justificaria a mudança de entendimento da Corte em tão breve tempo”.

Esse é o busílis do adiamento do julgamento. Seu desfecho estará nas mãos de Rosa Weber se a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, resolver submeter o assunto aos seus pares. Nos bastidores do Judiciário, ontem, cresciam novamente as apostas de que Rosa Weber votaria a favor da liminar. No julgamento da semana passada, porém, a ministra disse que seria mais coerente não mudar a jurisprudência agora, sob impacto da prisão do ex-presidente Luiz Inácio da Silva e das denúncias contra outros políticos importantes.

A repercussão internacional da prisão de Lula favorece as pressões de outros políticos enrolados na Lava-Jato sobre ministros de suas relações e aprofunda a divisão no Supremo. Ontem, mais uma vez, o relator da Operação Lava-Jato, ministro Edson Fachin, ficou isolado na segunda turma do Supremo, que decidiu transferir o ex-governador Sérgio Cabral, que está preso em Curitiba, de volta para o Rio de Janeiro. Votaram a favor da transferência os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Antônio Dias Toffoli. O ministro Celso de Mello não participou da sessão.


Luiz Carlos Azedo: Seguro morreu de velho

A estratégia da cúpula petista agora mira as eleições proporcionais, ninguém acredita em projeto de poder sem Lula. A narrativa de candidato preso por razões políticas fragiliza sua defesa

As mudanças mais significativas da reforma ministerial do governo Temer foram a ida de Moreira Franco para o Ministério de Minas e Energia e a efetivação do general Joaquim Silva e Luna no Ministério da Defesa. O primeiro sinaliza para os investidores a intenção de levar adiante o programa de concessões do governo no setor mineral, a privatização da Eletrobras e a continuidade dos leilões de exploração de petróleo da camada pré-sal; o segundo, o ostensivo protagonismo dos militares numa conjuntura politicamente complicada, na qual o mais importante é a manutenção do calendário eleitoral, a realização de eleições sem violência e a garantia da lei e da ordem durante a campanha. As demais mudanças foram seis por meia dúzia, ou seja, na maioria dos casos, acabaram efetivados homens de confiança dos antigos ministros. Temer não agregou massa crítica na reforma.

Os investimentos estrangeiros e a tranquilidade nos quartéis são tudo o que o presidente Michel Temer precisa garantir até o fim do mandato, com a saída de Henrique Meirelles do Ministério da Fazenda (e o esgotamento do programa de reformas do governo no Congresso, por falta de base de sustentação). A economia está condenada ao “mais do mesmo”, apesar da inflação abaixo da meta e dos juros em seu menor patamar histórico, com a Selic em 6,5%. Embora não sejam conquistas nada desprezíveis, o governo perdeu substância na reforma ministerial, a ponto de o MDB ter sido o partido que mais defecções sofreu no troca-troca partidário: 10 deputados. A opção daqui para a frente será se preparar para a eventualidade de uma terceira denúncia contra Temer, que arrasta as correntes da Operação Lava-Jato.

As viagens de Temer, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira na sexta-feira e no sábado, porém, são sinais de normalidade política. O presidente da República estará na Cúpula das Américas; o presidente da Câmara viajará ao Panamá e o presidente do Senado, ao Japão. Com isso, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, terceira na linha de sucessão, assumirá a Presidência da República, interinamente. As condições em que isso ocorrerá, de certa forma, dependerão da ministra. Na quarta-feira, o STF terá que lidar com a rebordosa da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois o ministro Marco Aurélio Mello pretende pôr “em mesa” para votar um novo pedido de habeas corpus em favor de Lula, na esperança de que a prisão seja revista com o voto da ministra Rosa Weber. Cármen Lúcia decidirá se o plenário apreciará ou não. Como diria Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes.

Desde a intimação para se apresentar voluntariamente à Polícia Federal, na sexta-feira passada, por determinação do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, o “jus esperneandi” do petista se tornou o maior espetáculo da Terra. Lula transformou a prisão numa produção midiática, com criação de imagens para a campanha do PT, nas quais divide a cena com candidatos do partido e seus aliados às eleições deste ano. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), que também está enrolada na Lava-Jato e deve se candidatar a deputada federal, comanda a “resistência” petista. Ontem, à frente dos manifestantes que protestam contra a prisão de Lula nas imediações da Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, onde ele está detido, anunciou que a sede do PT será transferida para a capital paranaense enquanto o ex-presidente estiver na cadeia.

Escracho
Um balanço das manifestações mostra o isolamento político do PT e a baixa capacidade de mobilização social. O ato de São Bernardo, defronte ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, nem de longe lembrou as históricas assembleias metalúrgicas da greve de 1978, no emblemático Estádio da Vila Euclides, nas quais Lula emergiu para a história como sindicalista. Antigos aliados deram as costas ao ex-presidente, que contou com a solidariedade de corpo presente de apenas dois presidenciáveis, Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSol), ambos de olho nos votos dos órfãos eleitorais de Lula. Apesar da agressividade dos protestos e da repercussão internacional, a escala de solidariedade a Lula foi baixa, reforçando a tese de que é a competência dos advogados que deve orientar a defesa, e não o fervor ideológico petista.

A estratégia da cúpula petista agora mira as eleições proporcionais, ninguém acredita em projeto majoritário sem Lula. Essa posição é reforçada pela preocupação de construir a imagem de ex-presidente injustiçado por razões políticas. Do ponto de vista jurídico, porém, essa postura vem colecionando fracassos, pois afronta todo o Judiciário. A sessão do Supremo de amanhã pode ser a última chance de libertar Lula antes do fim do prazo de registro de candidaturas, porém, o constrangimento criado para o STF pode pôr tudo a perder.

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Luiz Carlos Azedo: À sombra da Lava-Jato

É impressionante a presença da Operação Lava-Jato como vetor do processo político, a oito meses das eleições. Toda movimentação em curso, seja no Executivo seja no Legislativo, e até mesmo no Judiciário, tem como pano de fundo as investigações sobre os elos escusos entre políticos e empreiteiras para desvio de recursos públicos e financiamento ilegal de campanha. Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) escapa do redemoinho, por causa da iminente prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem mesmo, a Corte foi palco de uma batalha de Itararé, aquela que foi muito anunciada e não ocorreu, nas proximidades da divisa entre São Paulo e Paraná, durante a revolução de 1930.

No começo da próxima semana, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) deverá julgar o embargo de declaração da defesa de Lula contra a condenação de 12 anos e 1 mês de prisão, com execução imediata da pena. A confirmação da sentença pelos desembargadores federais de Porto Alegre resultará na decretação da prisão do ex-presidente da República por determinação do juiz federal Sérgio Moro, em razão de jurisprudência do Supremo que determina a execução da pena após condenação em segunda instância. É assunto de repercussão internacional.

Fora da disputa eleitoral de 2018, por causa da Lei da Ficha Limpa, que somente pode ser revogada por emenda constitucional, Lula concentra os esforços no sentido de evitar a própria prisão. Seus advogados pleiteiam no Supremo que o ex-presidente não seja encarcerado antes de o processo transitar em julgado em todas as instâncias da Justiça. Para isso, precisa modificar a jurisprudência, forçando um novo julgamento que coloque em xeque o entendimento de que a pena comece a ser cumprida após decisão em segunda instância.

A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, em entrevistas quase diárias, tem afirmado que não colocará em votação no plenário da Corte a revisão da jurisprudência. Mesmo assim, não é levada a sério por alguns de seus pares, que começaram a acolher pleitos de advogados que podem servir de paralelo para revisão do entendimento também em relação a Lula. Nas conversas de bastidor, a aparência frágil da presidente do Supremo alimenta especulações de que acabaria por ceder às pressões.

Políticos enrolados na Lava-Jato, de todos os matizes, intensificaram as articulações junto a ministros do Supremo de suas relações para pôr a mudança em votação. Todos querem Lula fora da disputa eleitoral, mas não desejam que o petista seja preso, pois todos correrão o mesmo risco quando forem julgados. É o chamado efeito Orloff, aquele da propaganda de vodca: “Eu sou você amanhã!” Urdiu-se a manobra perfeita: acabar também com o foro privilegiado para crimes cometidos antes do mandato. Assim, ao mesmo tempo em que Lula não seria preso, com a mudança de jurisprudência, os que aguardam julgamento no Supremo ganhariam logo fôlego para prescrição de pena, voltando a ser julgados a partir da primeira instância.

Fora de pauta

Não se falava outra coisa em Brasília na manhã de ontem, com a expectativa de que o ministro Celso de Mello, decano da Corte, convencesse Cármen Lúcia a pôr o assunto em pauta, depois de uma reunião reservada com seus pares. A reunião foi anunciada aos quatro ventos, mas não aconteceu. Supostamente, a ministra é tão mineira quanto os políticos de sua terra. Consultada pelo decano da Corte sobre uma reunião informal para tratar do assunto, aquiesceu, mas não chamou ninguém pra conversar. Noticiado nos jornais, o encontro não aconteceu porque ninguém foi convidado.

Sabe-se, porém, que toda sorte de manobra já foi pensada para pôr a matéria em pauta no Supremo contra a vontade de Cármen, que não recua. Ministros contrários à mudança da jurisprudência também ameaçam fazer retaliações. À sombra da Lava-Jato, o Supremo vive dias de muito estresse, às vésperas da prisão do ex-presidente Lula. Quem já foi rei não perde a majestade, diz um velho ditado popular. Na contramão das expectativas, porém, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, ontem rejeitou embargo de declaração contra decisão de 2016 na qual a Corte decidiu pelo cumprimento da pena de prisão após uma condenação em segunda instância. Fachin considerou que uma mudança nesse sentido só será possível em um novo julgamento da ação, de “mérito”, a ser marcado por Cármen Lúcia. Também rejeitou o pedido para que levasse o recurso a julgamento no plenário, diretamente, sem passar pela presidente do Supremo.  


Cristovam Buarque: A ineficiência é injusta

Uma economia pode ser eficiente e injusta, mas uma economia ineficiente não consegue ser justa. Sem democracia os sistemas políticos não têm mecanismos de correção de erros e reorientação de rumos. Dentro do PT repeti isso inúmeras vezes e volto nisso ao assistir a programas na televisão sobre os pobres imigrantes que chegam em Roraima, vindos da Venezuela. Dois repórteres diferentes falaram da extrema pobreza dos venezuelanos, mas também de não haver analfabetos entre eles. Esse fato é a prova de que não se constrói sociedade justa sobre economia ineficiente.

Isso me lembra quando estive em Caracas, em 2006, para o lançamento da versão em espanhol de Um Livro de Perguntas, de minha autoria. Na ocasião, fui convidado pelo então presidente Hugo Chávez para a solenidade em que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) declarava a “Venezuela Território Livre do Analfabetismo”. Antes do evento, em horas livres da minha agenda, percorri as ruas do centro da cidade com um pequeno papel no qual escrevi o nome e o endereço de uma livraria, que eu mostrava a vendedores ambulantes, pedintes, pessoas que pareciam vagar nas ruas, perguntando como chegar lá. Todos foram capazes de ler o texto.

À noite, em um jantar na casa dos editores do livro, contei o resultado dessa minha experiência ao ex-ministro da Educação de Chávez, Aristóbulo Istúriz, mas disse também o que eu ouvira de diversos críticos ao chavismo: benefícios sociais esbarrariam na irresponsabilidade com as finanças públicas, nas interferências estatais na economia e no desprezo à democracia.

O primeiro compromisso de quem deseja construir uma sociedade justa é manter compromisso com a eficiência econômica: responsabilidade fiscal; não gastar mais do que o arrecadado; manter o endividamento público dentro dos limites prudenciais; não interferir, irresponsavelmente, no mercado, tabelando preços ou manipulando taxas de juros.

Em 1998, defendi que, se eleito, Lula deveria manter o ministro Malan, na Fazenda, ao menos por 100 dias. Fui muito criticado dentro do PT, mas depois o ex-presidente entendeu a importância da eficiência econômica e fez um governo responsável, com base em sua “Carta ao Povo Brasileiro”.

A partir de 2004, os governos Lula e Dilma ficaram longe do compromisso de Chávez para abolir o analfabetismo que chegou a aumentar no ano 2012. A partir de 2011, especialmente com a proximidade das eleições de 2014, apesar de muitos alertas, o governo brasileiro, assim como o da Venezuela, passou a descuidar do seu dever para sustentar uma economia eficiente. Os partidos de esquerda chegaram a afirmar que a economia era uma questão de vontade política, sem necessidade de seguir regras técnicas.

Apesar da triste realidade que vemos na Venezuela, políticos que se consideram de esquerda continuam até hoje, seja por ilusão ideológica, defendendo a ideia de que a justiça social pode ser construída sem necessidade de uma base econômica eficiente, seja por incompetência técnica, achando que a economia será eficiente mesmo que suas bases sejam desrespeitadas.

Foi essa visão que levou a Venezuela ao estado em que está, apesar de toda a riqueza petrolífera. Foi a corrupção, o descuido com as contas públicas e a ilusão com o pré-sal que levaram o Rio de Janeiro ao seu colapso. Isso estava levando o Brasil ao desastre em 2014 e 2015, e ainda pode levar se descuidarmos da regra de que “economia ineficiente não constrói justiça social”.

Se não quisermos olhar para o desastre na Venezuela, basta compararmos os resultados do populismo argentino com a responsabilidade chilena para percebermos o valor dessa regra e sua consequência: os pobres são os primeiros a pagar pelos desastres da ineficiência econômica. Eles podem até ganhar no primeiro momento, com os gastos estatais sem base sólida, com os deficits fiscais para financiar despesas sociais, com o aumento das dívidas, mas são os primeiros a pagar com o desemprego e a inflação.

Por isso, entre os venezuelanos que chegam, não há analfabetos; mas também não há ricos. Estes se beneficiam da economia eficiente e injusta nos governos ditos de direita e se protegem na economia ineficiente e demagógica nos governos ditos de esquerda.

A justiça social não se faz mais por dentro da economia ineficiente, mas usando os recursos criados pela economia eficiente para investir especialmente na construção de um sistema educacional de igual qualidade para todos, na velocidade que a responsabilidade fiscal permitir. (Correio Braziliense – 13/03/2018)

* Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF e professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)


Luiz Carlos Azedo: O drama dos bons políticos

Os eleitores estão de partida. Mas não sabem para onde. Querem que alguém aponte um caminho no qual acreditem. É aí que mora o perigo do senso comum

O Brasil está mais ou menos como aquele cavaleiro descrito pelo escritor tcheco Franz Kafka, no conto A Partida:

— Para onde cavalga, senhor?
— Não sei direito — eu disse —, só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar; só assim posso alcançar meu objetivo.
— Conhece então o seu objetivo? — perguntou ele.
— Sim — respondi — Eu já disse: “fora daqui”, é esse o meu objetivo.

É mais ou menos assim que vamos às eleições de 2018. As pesquisas mostram uma desorientação muito grande da maioria dos eleitores. Não é por causa da inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem em razão da liderança resiliente do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). O percentual de indecisos na eleição varia de 38% a 42%, considerando-se todos os candidatos pesquisados. Numa eleição relâmpago, com 45 dias de campanha, qualquer coisa pode acontecer, inclusive nada de extraordinário.
Comecemos, pois, pelo extraordinário.

Os projetos mais radicais à mesa são os de Bolsonaro e de Guilherme Boulos, o líder dos sem-teto lançado pelo PSol. Radicais de direita e esquerda, respectivamente. Ambos são regressistas do ponto de vista do papel do Estado e da relação do Brasil com o mundo. São projetos excludentes entre si, mas que têm em comum o anacronismo ideológico de direita e de esquerda. Eleitoralmente falando, Bolsonaro tem muito mais densidade do que Boulos. É beneficiado por uma certa reação conservadora de parcelas da sociedade à violência, ao desemprego e à corrupção, principalmente, o eleitorado evangélico. Boulos busca os órfãos de Lula com o antigo radicalismo petista, que não cola mais, por causa da Operação Lava-Jato.

Fora esses dois extraordinários, temos Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Álvaro Dias (Podemos), Geraldo Alckmin (PSDB) e Rodrigo Maia (DEM) com candidaturas formalizadas. O presidente Michel Temer ainda costeia o alambrado, como diria o falecido Leonel Brizola. E o PT não sabe ainda quem será o substituto de Lula, embora o nome mais cotado seja o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Os eleitores de esquerda, centro-esquerda, centro-direita e direita estão sendo disputados por essa turma. Por enquanto, todo mundo pode virar ou continar japonês.

O que pode fazer diferença na campanha para esses candidatos? Em primeiro lugar, o recall de campanhas anteriores. Casos de Marina, Ciro e Alckmin. Em segundo, os recursos financeiros e o tempo de televisão. Vantagens para Haddad, Alckmin e Maia. Em terceiro, as estruturas de poder e capilaridade partidária, idem. Quarto, a imagem do candidato em relação à Lava-Jato e às propostas que seduzam os eleitores. É aí que o jogo pode haver muita diferença. Finalmente, a proposta política. Nesse quesito, ninguém apresentou ainda um programa exequível. E, ademais, como diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a proposta precisa ser traduzida e “fulanizada” para seduzir os eleitores.

O rumo
De volta ao cavaleiro kafkiano, os eleitores estão de partida. Mas não sabem para onde. Querem que alguém aponte um caminho no qual acreditem. É aí que mora o perigo do senso comum. A saída pode ser um não caminho, um precipício. O ambiente facilita a vida dos demagogos e dos populistas, que oferecem soluções fáceis para uma situação difícil e complexa. Na eleição, todos são tentados a isso. Mas há os que acreditam nesse tipo de narrativa, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que deu com os burros n’água, e os que sabem que não é por aí. O caminho a percorrer é pedregoso, difícil, e não dará vida fácil para ninguém.

O Brasil precisa da estabilidade da moeda, de taxas de juros baixas, de crédito acessível e de investimentos maciços em infraestrutura. Mas não pode garantir um cenário dessa ordem com o governo gastando mais do que arrecada e sem a reforma da Previdência. O país precisa crescer e gerar empregos, mas não tem como fazer isso sem aumentar a produtividade. Para isso, precisa melhorar a qualidade da educação, de saúde da população e de segurança dos cidadãos. O rol de necessidades de um ciclo virtuoso de desenvolvimento não se resolve com mágica. Entretanto, é difícil vencer as eleições com esse discurso, depois de uma recessão que gerou 14 milhões de desempregados. Esse é o problema dos bons políticos.

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Luiz Carlos Azedo: Candidato a Messias

A pesquisa MDA/CNT desta semana continua alimentando cenários eleitorais. Os principais mostram que o deputado Jair Bolsonaro, que ontem se filiou ao PSL, tem quase assegurada uma vaga no segundo turno das eleições. Essa afirmação é controversa porque alguns analistas acreditam que seus votos estão consolidados e ele estará mesmo numa segunda rodada de votações. Bolsonaro é o candidato de extrema-direita, com um discurso contra a corrupção e a criminalidade, a favor dos “valores da família”, como anunciou o senador Magno Malta (PSL-ES).

Na pesquisa, Bolsonaro tem de 20% a 20,9%, dependendo do adversário. Qualquer um deles enfrentará dificuldades para derrotá-lo, seja Marina Silva (Rede), seja Ciro Gomes (PDT), seja Geraldo Alckmin (PSDB), que estão embolados na disputa para enfrentá-lo. Corre por fora Álvaro Dias (Podemos), que cresce no Sul do país. Marina Silva se mantém no páreo, apesar da crise na Rede. Cresce de 7% para 12% quando Lula sai da disputa, mas Bolsonaro sobe de 16% para 20%.

Os dois estão herdando os votos do petista. No caso de Marina, essa é uma deriva natural da parcela do eleitorado petista que se identifica com a ex-seringueira e ex-senadora que se elegeu pela legenda no Acre. No caso de Bolsonaro, desloca-se o eleitor de mais baixa renda que acredita em salvador da pátria. Ontem, na cerimônia de filiação ao PSL, Bolsonaro não se fez de rogado: “Eu sou o messias. Jair Messias Bolsonaro”, discursou.

A palavra “messias” deriva do termo hebraico almashita, significava “ungido”, ou seja, alguém marcado na testa com óleo sagrado para realizar cerimônias religiosas. Com o passar do tempo, passou a descrever uma figura semidivina que deveria vir à Terra para resgatar seu povo. Para os judeus, “o salvador” deveria ser um rei descendente de Davi (que reinou no antigo Israel entre 1000 a.C. e 962 a.C.), com a missão de livrá-los da opressão estrangeira e implantar um mundo de justiça e salvação.

Quando o Novo Testamento foi escrito, em grego, no primeiro século da era cristã, a expressão mashiah foi traduzida como christos e se tornou o título de Jesus — ou seja, “Jesus Cristo” é o mesmo que “Jesus, o Messias”. Entretanto, o “messianismo” não se limita ao judaísmo e ao cristianismo, todas as grandes religiões do mundo têm uma figura messiânica, que virá para combater o mal e a injustiça, restaurando o paraíso sobre a Terra. Esse foi o sentido dado por Bolsonaro. No Brasil, tem a ver também com o “sebastianismo”, a crença de um salvador da pátria inspirado em Dom Sebastião, “O Desejado”, o jovem rei português que foi morto na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578.

Eleição aberta

De onde vem a consolidação dos votos de Bolsonaro? Da extrema-direita saudosista do regime militar e dos evangélicos, mas também desse nosso “sebastianismo” lulista. Entretanto, Bolsonaro enfrenta dificuldades para seduzir os setores conservadores e liberais, que buscam uma alternativa mais moderada. A chamada direita progressista deseja modernizar a economia e aceita as mudanças dos costumes. Esses setores ainda estão em busca de uma alternativa. Marina não tem capacidade de seduzi-los, muito menos Ciro Gomes ou Álvaro Dias. A eleição está aberta, dependendo do cenário, de 38,7% a 42,1% dos eleitores não têm candidatos.

Quem pode atrair esses eleitores é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que sobe de 6,4% para 8,7% com Lula fora da disputa. O governador paulista, porém, enfrenta um cenário muito pior do que o das eleições de 2006, quando disputou com o petista e foi para o segundo turno, mas teve menos voto do que no primeiro. Naquela ocasião, o senador Aécio Neves foi acusado de cristianizá-lo para se eleger governador de Minas. Agora, a situação é pior ainda, pois o petista Fernando Pimentel lidera as pesquisas e Aécio respira de canudinho por causa da Lava-Jato. Alckmin está sem palanque em Minas porque o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) não quer ser candidato ao governo.

Do outro lado do espectro político, a situação do PT é de quem vai pro mato sem cachorro. A legenda insiste na candidatura de Lula mesmo sabendo que ele está inelegível por causa da Lei da Ficha Limpa, que é autoexplicativa. Essa estratégia tem muito mais o objetivo de evitar a prisão de Lula do que viabilizar um candidato substituto. Em todos os cenários pesquisados, o ex-prefeito Fernando Haddad, que seria a alternativa petista, não passa de 2,4% das intenções de votos. Numa campanha curta, deixar a escolha para a última hora pode ser um haraquiri político, ainda mais se Lula estiver preso. (Correio Braziliense – 08/03/2018)


Luiz Carlos Azedo: O candidato oficial

O Palácio do Planalto pressiona a cúpula do MDB para que a legenda assuma compromisso com uma candidatura própria. Esse é o desejo do presidente Michel Temer, que pretende mesmo ser candidato à reeleição se o ambiente econômico, social e político for minimamente favorável a que possa chegar ao segundo turno das eleições. A primeira condição está dada, com a queda dos juros e a inflação baixa. A segunda dependerá do nível de emprego e dos resultados da atuação do governo na área de segurança. A terceira está relacionada às outras duas e à operação em curso para montagem do novo ministério, cuja composição está sendo condicionada ao apoio a uma “candidatura oficial” do governo.

Temer não precisa se desincompatibilizar do cargo para ser candidato. E tem até o dia 15 de agosto para se decidir ou lançar outro candidato. Desse ponto de vista, leva vantagem em relação ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que precisa se desincompatibilizar do cargo e entregar o Palácio dos Bandeirantes ao vice-governador Márcio França, sem nenhuma garantia de que será apoiado pelo PSB (uma hipótese cada dia mais improvável). No cronograma tucano, Alckmin será lançado no domingo, mas o governador paulista tem até o dia 7 de abril para se desincompatibilizar do cargo.

Para embaralhar as cartas da eleição, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), lançará sua candidatura a presidente da República na quinta-feira, quando o prefeito de Salvador, ACM Neto, assumirá o comando da legenda, no lugar do senador Agripino Maia (DEM-RN). As relações entre Temer e Maia andam muito agastadas por causa de sua movimentação agressiva. Além de se lançar candidato, ampliou a bancada na Câmara de 21 deputados para quase 40 parlamentares. A próxima adesão anunciada por Maia é do relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), que estaria de malas prontas para trocar de legenda (a conferir). O presidente da Câmara também não precisa se desincompatibilizar do cargo para ser candidato.

A chave da estratégia de Temer é a montagem da nova equipe ministerial. O que acontece normalmente, quando os governos se aproximam das eleições, é as pastas serem ocupadas por secretários executivos, com o antigo titular mantendo forte influência nas decisões administrativas. É tudo o que Temer não pretende fazer. A permanência de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) no Ministério das Relações Exteriores, de Blairo Maggi (PP) na Agricultura e de Raul Jungmann na Segurança Pública é comemorada no Palácio do Planalto como uma sinalização nessa direção. Temer abandonou a reforma da Previdência para evitar uma derrota que sinalizaria o fim do governo. A agenda da segurança pública deu nova vida ao que lhe resta de mandato, e pode ajudar a melhorar os índices de aprovação.

Hoje, a 135ª Pesquisa CNT/MDA será divulgada no final da manhã, com cenários de primeiro e segundo turnos de votação para as eleições de 2018. O levantamento também aborda a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo TRF-4 e a opinião dos entrevistados sobre a sua participação nas próximas eleições. Além disso, traz avaliações do governo federal e do desempenho pessoal do presidente Michel Temer; avaliações dos governos estaduais e municipais, bem como a opinião dos entrevistados sobre emprego e renda, saúde, educação, segurança e imigrantes venezuelanos. O cenário político entrou em movimento. Mas isso não significa vida fácil para o presidente da República. Ontem, o ministro Luís Roberto Barroso autorizou a quebra de seu sigilo bancário num inquérito que investiga o esquema de propina da Odebrecht.

Animal ferido
A quinta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará hoje o habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O recurso é contra a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, que condenou o ex-presidente a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado. Agora será julgado o mérito da ação, cujo pedido de liminar já havia sido negado pelo vice-presidente do STJ, Humberto Martins, em 30 de janeiro. O PT está pianinho, não convocou nenhuma manifestação; Lula trabalha nos bastidores do tribunal, por intermédio do ex-presidente do STF Sepúlveda Pertence, seu novo advogado, para evitar ser preso.

O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, Guilherme Boulos, sentiu o cheiro de animal ferido. Filiou-se ontem ao PSol para ser candidato a presidente da República. Principal aliado do PT em São Paulo, incensado pelo líder petista como liderança emergente dos novos movimentos sociais, a candidatura de Boulos deve ser oficializada sábado, tendo como vice a líder indígena Sônia Guajajara.

 


Luiz Carlos Azedo: Convergência democrática

A fragmentação das forças políticas de campo democrático pode resultar na vitória de soluções autoritárias para os nossos problemas, como em outros momentos de crise que demandavam reformas

Tudo o que foi feito para ultrapassar o regime militar e construir uma democracia duradoura, que servisse de alicerce para garantir o crescimento econômico, reduzir as iniquidades sociais e garantir o exercício pleno da liberdade em nosso país, num prazo relativamente curto, está meio que de pernas para o ar: um vice na Presidência em razão de um impeachment enrolado na Lava-Jato; o Congresso desmoralizado pela corrupção e o fisiologismo e a Justiça atabalhoada, atuando como poder moderador. A crise tríplice (econômica, política e ética) ainda não atravessou o túnel das incertezas, e tudo o que foi feito para criar e aperfeiçoar nossos mecanismos democráticos está sendo posto em xeque pela sociedade. Entretanto, a democracia brasileira resiste, graças à mobilização da sociedade e ao amadurecido e inédito compromisso dos militares com o Estado de direito democrático.

Não é um fenômeno isolado que possa ser atribuído apenas aos nossos desgovernos, muito pelo contrário. Estamos diante de um cenário que tem muitos paralelos com as crises em outros países, e que faz parte da crise das instituições, governos, parlamentos, partidos, sindicatos e movimentos da democracia Ocidental. Com a particularidade de que são agravados por nossos ingredientes nacionais, entre os quais velhas tradições políticas de origem ibérica, como o sebastianismo e o patrimonialismo. E um fato novo em pleno curso: a Operação Lava-Jato, que flagrou políticos, empresários e executivos de estatais e órgãos públicos, a elite dirigente do país, num monumental assalto aos cofres públicos.

Em meio a tudo isso, o governo Michel Temer, fruto do impeachment de Dilma Rousseff, operou com sucesso uma política econômica que nos possibilitou sair da recessão e estabilizou a economia, que hoje apresenta as menores taxas de inflação e de juros desde a redemocratização. Mas isso não significa a superação da crise brasileira, porque as velhas estruturas políticas que a provocaram e estão no centro dos escândalos de corrupção foram blindadas pela recente reforma política e se encastelaram no poder Executivo e no Legislativo. Entretanto, não estão sendo capazes de estabelecer alternativas nas eleições majoritárias, principalmente para presidente da República.

Entretanto, as eleições que se avizinham estão polarizadas por uma direita e uma esquerda de viés autoritário, populista e fiscalmente irresponsáveis, que se digladiam e se retroalimentam nas redes sociais. O que resta de alternativa é a fragmentação do campo democrático, dos setores liberais aos social-democratas. Podemos elencar muitas causas políticas e econômicas desse processo, mas a principal delas é irreversível: a grande mudança em curso na estrutura da sociedade, em decorrência da introdução das novas tecnologias nas estruturas produtivas, entre as quais, a robotização e a inteligência artificial, e a crescente segmentação das classes sociais. Essas mudanças estão no centro da desorganização e da crise da democracia representativa. No mundo!

Pós-liberalismo
Há uma corrida entre o Ocidente e o Oriente para reinventar o Estado, em decorrência da globalização e das mudanças tecnológicas. Enquanto as democracias ocidentais dão sinais de incapacidade de enfrentar sua crise, regimes autoritários do Oriente operam a modernização de suas economias com mais eficiência, a começar pela China, hoje o nosso principal parceiro comercial. As principais respostas políticas a isso foram as eleições de Donald Trump nos Estados Unidos, preocupantemente regressiva, e a de Emmanuel Macron, na França, que é uma promessa de avanço no sentido democrático. São dois projetos distintos para enfrentar as consequências negativas da globalização.

Com o fim da sociedade industrial, caminhamos preocupantemente na direção de uma sociedade pós-liberal, na qual os valores da igualdade, fraternidade e solidariedade perdem funcionalidade; agravam-se as tendências de exclusão social e as desigualdades. Cada vez mais, menos pessoas serão necessárias à produção, devido à robotização, à automação e à informatização da agricultura, da indústria e do setor de serviços; numa sociedade como a brasileira, tão desigual, os novos padrões de modernização da economia agravarão a exclusão e as desigualdades sociais. Vêm daí as dificuldades para recuperar a geração de emprego, num momento de reaquecimento da economia.

Nesse contexto, a fragmentação das forças políticas de campo democrático pode resultar na vitória de soluções autoritárias para os nossos problemas, como em outros momentos de crise que demandavam reformas no Estado, na política e na economia. Como lidar com isso? As velhas soluções à esquerda foram tentadas e fracassaram, principalmente em relação às políticas fiscal e industrial, lançando o país na maior recessão de sua história. A alternativa que surge, a partir de uma direita esclarecida, busca resolver os problemas do país a partir das demandas e da lógica do mercado, sem considerar as desigualdades sociais. Construir uma nova maioria da sociedade a favor da modernização da economia, sem considerar a parcela excluída da produção e do consumo, é um projeto politicamente inviável. Mesmo que tenha compromisso com a democracia, não será capaz de sensibilizar a grande massa de deserdados da modernização e barrar o populismo, seja de direita, seja de esquerda.

Do outro lado do centro democrático, a esquerda mais arejada e reformista tropeça nas próprias pernas, ao não romper com velhos dogmas programáticos do desenvolvimentismo e uma visão positivista do Estado. Esses setores também não têm a menor chance de reverter a radicalização política nas eleições se não forem capazes de dialogar e buscar a convergência programática com os liberais, focada no fortalecimento da democracia representativa e no combate às desigualdades. Não é fácil o diálogo entre a esquerda democrática e a direita liberal, que são as forças mais progressistas nesta crise. Mas não há outro caminho viável que não seja a união dessas duas tendências, numa convergência democrática. Separadas,em busca da sua própria hegemonia, serão derrotadas.

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