Correio Braziliense

Luiz Carlos Azedo: Os gastos da União

Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal do que a União, porque não podem fechar o ano no vermelho

O falecido historiador carioca José Honório Rodrigues, autor de Conciliação e reforma no Brasil, era um crítico da história focada na construção do Estado nacional e seus protagonistas. Era fã incondicional do cearense Capistrano de Abreu, autor de Caminhos antigos e povoamento do Brasil, obra que revolucionou a historiografia brasileira e motivou seus grandes intérpretes, de Euclides da Cunha, com os Sertões, a Jorge Caldeira, que acaba de lançar História da Riqueza do Brasil. Honório dizia que o grande problema das reformas no Brasil era o distanciamento entre a União e a sociedade brasileira. Formado em Direito pela Universidade do Brasil, em 1937, fez parte de uma geração que mudou o modo de olhar o Brasil, ao lado de Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Calmon, Américo Jacobina Lacombe, Nelson Werneck Sodré e Caio Prado, entre outros.

Liberal moderado, às vésperas do golpe militar de 1964, fez um diagnóstico sobre a política nacional que vem bem a calhar, embora o contexto seja completamente diferente: “As aspirações atuais do povo brasileiro crescem mais rapidamente do que os níveis de satisfação promovidos pelas minorias dominantes. A diferença entre o padrão de vida que possui e o nível de vida a que aspira aumenta sempre mais. Nem por isso ele busca soluções extremistas porque é, como convém repetir, infenso, por feitio, às ideologias. Sua posição não é engaiolada, doutrinária, fechada, dogmática, mas flexível, conciliável, personalista; ele aceita as mais esdrúxulas alianças, promovidas pelas cúpulas, e rejeita, de um ou de outro lado, as atitudes discriminatórias, fanáticas, indiscutíveis, extremas…”(Aspirações Nacionais, 1963).

Ao prefaciar a 4ª edição da mesma obra, em 1970, nos anos de chumbo do regime militar, Honório fez uma afirmação premonitória do que viria a ser a transição à democracia, com a eleição no colégio eleitoral de Tancredo Neves, em 1985: “A situação política atual se caracteriza pela existência de três minorias e uma maioria. Duas minorias exaltadas e neuróticas, uma liberticida e outra libertária, ação e reação conviventes, irmãs no extremo da conduta política, embora se apresentem como adversárias. A terceira minoria moderada pode e deve vencer as outras duas e trazer para o seu lado a maioria desprezada”. Diante do cenário de radicalização política e incertezas eleitorais que estamos vivendo, nada mais atual!

O divórcio

O secular divórcio entre a União e a sociedade permanece. Somente não é mais grave porque a maioria da sociedade preza a democracia e não endossa as narrativas de desestabilização, seja à esquerda ou à direita. Esse divórcio se reflete também no pacto federativo, acirra desigualdades e idiossincrasias regionais, esgarça a relação entre os entes federados. Basta examinar as contas da União de 2017. A arrecadação líquida do governo federal, depois das transferências de receitas para Estados e municípios, terminou 2017 com um aumento de 2,5%, em termos reais, na comparação com 2016.

O ex-secretário da Receita Everardo Maciel, em artigo publicado na sexta-feira, no Valor Econômico, destaca que estados e municípios registraram superavit primário de R$ 7,5 bilhões em 2017, de acordo com dados do Banco Central divulgados quinta-feira, ante uma previsão de deficit de R$ 1,1 bilhão. O governo controlou as despesas, que caíram 1% em relação a 2016, em termos reais, mas o deficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) ficou em R$ 118,4 bilhões, abaixo da meta de R$ 159 bilhões prevista em lei. Maciel indaga: “por que razão o setor público vai passar de um deficit primário de R$ 110,6 bilhões, registrado em 2017, para um deficit de R$ 161,3 bilhões, que é a meta fiscal definida em lei para este ano? Como isso será feito?”

Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, investem mais e melhor do que a União e têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal porque não podem fechar o ano no vermelho, ao passo que o governo federal pretende aumentar o rombo nas contas públicas em R$ 50 bilhões. “Além da generosa meta fiscal, o governo está autorizado, constitucionalmente, a aumentar os seus gastos deste ano em R$ 89 bilhões”, destaca Maciel. É obvio que essa “folga” existe para facilitar a vida da base do governo nas eleições, em vez de aproveitar a reforma ministerial para cortar na própria carne.

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Luiz Carlos Azedo: Cenários da incerteza

A saída de Lula da eleição não trouxe grande alteração nas pesquisas. A candidatura de Geraldo Alckmin, que seria o candidato do centro, continua estagnada. Colabora para isso a crise do PSDB

A pesquisa Datafolha de ontem, em seus noves cenários, mostrou que a situação de incerteza política aumenta com a saída de Luiz Inácio Lula da Silva, embora a polarização entre o ex-presidente e o deputado Jair Bolsonaro, que assumiu a liderança (de 15% a 20% de intenções de voto), deixe de existir, exceto para os petistas. Sim, porque a pesquisa eleitoral ainda alimenta a estratégia de manutenção da pré-candidatura de Lula até que seja declarado oficialmente inelegível. Entretanto, também revela que isso pode ser um erro desastroso para o PT. A rejeição de Lula está em 53% e tende a crescer com a agenda negativa do petista nos tribunais, puxando para baixo seus índices de intenções de voto, que variam entre 37% e 34%, dependendo do cenário.

Com Jair Bolsonaro firme na liderança, Marina Silva se mantém em segundo lugar em todos os cenários, oscilando entre 8% e 16% (sem Lula). A entrada em cena de Luciano Huck, que consta de três cenários (varia de 5% a 8% de intenções de votos), puxa Lula para baixo e todos os demais candidatos que disputam a segunda colocação. Com Lula candidato, o apresentador aparece empatado com Ciro Gomes, que tem de 7% a 13% de intenções de votos, e Geraldo Alckmin, de 6% a 11%, mas perde para Ciro no cenário em que o petista está fora da disputa. Álvaro Dias (de 3% a 6%) vem logo atrás em todos os cenários. João Doria (de 4% a 6%) e Joaquim Barbosa (de 3% a 8%) completam o terceiro pelotão quando são incluídos na pesquisa. Resumo da ópera: a saída de cena de Lula pulveriza o quadro eleitoral na largada.

A estratégia petista pode virar um tiro no pé do candidato mais cotado para substituir Lula, o ex-governador Jacques Wagner. Embora tenha muita identidade com os militantes petistas e um reduto eleitoral consolidado, a Bahia, o petista teria que aguardar a impugnação do registro da candidatura de Lula para se tornar candidato, o que é temerário. Primeiro, porque o desgaste do ex-presidente da República deve aumentar por causa da Operação Lava-Jato; segundo, porque o tempo para Wagner fazer campanha se reduzirá dramaticamente. O ex-governador baiano tem apenas 2% de intenções de votos, um a menos do que o ex-presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo. Sua substituição pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad não muda nada.

Centro órfão
A saída de Lula da eleição não trouxe grande alteração na pesquisa porque a candidatura do governador Geraldo Alckmin, que seria o nome do centro, continua estagnada. Colabora para isso a disputa interna do PSDB, na qual o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, vem fazendo duros ataques ao paulista, além das dificuldades que enfrenta para fazer a aliança com o PSB, do vice-governador Márcio França, que assumirá o governo e já anunciou que será candidato à reeleição, com ou sem apoio dos tucanos. O estranhamento com o presidente Michel Temer também atrapalha a candidatura de Alckmin, que não consegue ampliar suas alianças nacionalmente.

Essa situação estimula o surgimento de candidaturas de centro, que tentam ocupar o espaço vazio da eleição. O mais provável é que a pulverização se mantenha até o início do horário eleitoral, quando o volume de recursos partidários e o tempo de rádio e televisão começarão a fazer a diferença para os candidatos que conseguirem fechar coligações mais robustas. Essa é a aposta tanto de Alckmin como de ninguém menos do que o presidente Michel Temer se a reforma da Previdência for aprovada.

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Cristovam Buarque: Bola redonda, escola quadrada

O Brasil tem o maior número de grandes craques de futebol porque é um país com muitos habitantes, onde todos praticam o futebol quando crianças e a bola é redonda para todos. Desde pequenos, os meninos têm a oportunidade de desenvolver o próprio talento e a Seleção é escolhida entre os milhões de jogadores. Mas não temos até hoje um único Prêmio Nobel, porque milhões são impedidos de desenvolver o seu talento intelectual por falta de escola de qualidade. A bola é redonda para todos, mas a escola é quadrada para a maior parte dos brasileiros.

Ao mesmo tempo que faz o Brasil ser rico em futebol, a forma redonda de todas as bolas faz com que a maior parte dos craques tenham origem social humilde e sejam de origem racial africana. Se pobres e negros são maioria, os craques são pobres e negros também. Isso vai mudar porque já não basta bola redonda para fazer um jogador de futebol: é preciso também um campo onde a bola possa rolar, com duas barras para onde chutar.

Em 2006, o grande jogador francês Thierry Henry explicou o sucesso brasileiro no futebol dizendo que, na França, os meninos iam à escola; no Brasil, eles ficavam na rua jogando. Mas isso acabou. Não porque nossos meninos ficam na escola, mas porque já não podem ficar na rua devido à violência e à urbanização desastrosa. Nossos pobres ainda têm a bola redonda, mas estão perdendo os campos de pelada nas ruas. A formação de nossos craques agora é feita em clubes, escolinhas ou em boas escolas com horário integral.

Daqui para a frente, jogar futebol vai ser um privilégio para poucos e a qualidade do futebol vai cair. Como na educação, haverá uma seleção social na base da pirâmide: o talento será impedido por falta do espaço apropriado. Mesmo que a bola continue redonda para todos, vamos eliminar os futebolistas pobres na infância por falta de lugar onde jogar. Faremos com o futebol o que desde sempre fazemos com as profissões intelectuais: será preciso pagar para jogar, como hoje se paga para estudar em uma boa escola.

Alguns anos atrás, uma professora da Finlândia me contou que seus alunos estavam nervosos porque iam enfrentar um time de futebol júnior de alunos brasileiros. Até que um dos colegas finlandeses disse para não se preocuparem, porque, se os brasileiros podiam pagar a viagem, eles não tinham sido escolhidos por serem os melhores, mas por serem ricos.

Em poucos anos, mudará a cor da pele e a origem de classe de nossos craques, que terão pais mais brancos e mais ricos. E o Brasil vai cair no ranking mundial, não porque rico joga pior que pobre, mas porque o número de ricos é menor; e a interdição dos pobres ao futebol vai impedir muitos craques de desenvolverem o talento. Além de que as classes média e alta orientam seus filhos a deixarem o futebol para disputar ingresso em faculdade no lugar de um time profissional.

Devido à violência nas ruas e à má urbanização, para oferecer a mesma oportunidade necessária ao aproveitamento do talento futebolístico de nossos jovens, será preciso redondear as escolas, todas com a mesma qualidade, para que eles desenvolvam a prática de esportes na escola, porque já não será possível nas ruas. Mas nada indica o desejo brasileiro de continuar sendo campeão em número de craques se isso exigir garantir campos de futebol para todos, em escolas de qualidade em horário integral.

Em algumas poucas décadas, vai mudar a cor da cara e a origem social de nossa Seleção, e cairá sua qualidade pela limitação no número dos que disputam um lugar nela. Hoje incineramos cérebros; vamos incinerar pernas também. Inconscientemente, nossas elites resistem a redondear todas as escolas. Afinal, pobres e negros tomaram o lugar dos filhos da elite na seleção de futebol, desde que, a partir dos anos 1930, os negros puderam entrar nas quadras.

Agora, haverá resistência, ainda que inconsciente, para que não tomem os lugares dos filhos dos ricos na seleção do conhecimento. Correremos o risco de ficarmos sem Taça do Mundo nem Prêmio Nobel, porque até hoje não deixamos as massas terem acesso ao conhecimento. Com menor número de jogadores, perderemos talentos, como perdemos na ciência e demais atividades intelectuais.

Nem Nobel, nem campeões, esse é o destino do país que não redondeia suas escolas em um tempo em que não basta bola redonda, precisa também de um lugar onde jogar, sem medo de bala perdida, de atropelamento ou assaltos, além de mosquitos carregando dengue, malária, Zika ou febre amarela.


Luiz Carlos Azedo: A galinha dos ovos de ouro

Todos os afastados eram indicados para os cargos por partidos, como os demais oito vice-presidentes da Caixa, e são investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal (MPF)

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, ficou pendurado no pincel, com a rebelião dos líderes da base por causa do afastamento dos quatro diretores da Caixa Econômica Federal e a nomeação de técnicos do próprio banco para responderem pelos cargos interinamente. Marun contava com o apoio dos afastados para mobilizar a base do governo na votação da reforma da Previdência. Chegou a anunciar essa intenção ao tomar posse, o que gerou forte reação dos governadores que estavam sendo pressionados a “enquadrar” suas bancadas federais com a ameaça de não receberem os financiamentos operados pelo banco.

Todos os afastados eram indicados para os cargos por partidos, como os demais oito vice-presidentes, e são investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal (MPF). Mas somente foram afastados quando a recomendação veio do Banco Central (BC) e o MPF advertiu que o presidente Michel Temer poderia ser responsabilizado pelo não afastamento. A Casa Civil e a própria diretoria da Caixa resistiram às recomendações.

A Caixa é uma espécie de galinha dos ovos de ouro para PR, PP, PRB e MDB, cujas bancadas agora não querem mais votar a reforma da Previdência, corroborando a avaliação feita pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que a votação em fevereiro havia subido no telhado. A rebelião na base decorre do fato de que provavelmente os demais diretores também serão afastados. A Caixa não cumpriu a lei que determina a nomeação de diretores por critérios técnicos e não políticos, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na Petrobras.

O presidente da Caixa, Gilberto Occhi, nomeou os substitutos por 30 dias, mas eles serão efetivados: Luiz Gustavo Silva Portela (diretor de Banco Corporativo) no lugar de Antônio Carlos Ferreira; Valter Gonçalves Nunes (diretor de Fundos de Governo) no lugar de Deusdina Pereira; Ademir Losekann (diretor de Clientes e Canais) no lugar de José Henrique Marques da Cruz; e Roberto Barros Barreto (diretor de Serviços de Governo) no lugar de Roberto Derziê de Sant’Anna.

O conselho da empresa é formado por sete integrantes, um indicado pelo presidente da República, cinco pelo ministro da Fazenda e um pelo ministro do Planejamento. O MPF e a Polícia Federal apontam irregularidades como corrupção e o favorecimento de grupos políticos e de empresas. Supostamente, dirigentes indicados por partidos atuavam para atender a interesses de políticos e de empresários em operações financeiras da Caixa.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, desconversou sobre a volta dos diretores afastados, que será examinada pelo conselho de administração, mas admitiu que a Caixa terá que passar por uma grande reestruturação administrativa: “A estrutura (da Caixa) é sempre objeto de discussão para tornar a empresa cada dia mais eficiente”, declarou

Lava-Jato
Todos os diretores da Caixa foram indicados pelos partidos. Occhi é um nome do PP. Um dos vices afastados, Antônio Carlos Ferreira, em depoimento na Lava-Jato, disse que sofria pressão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para fornecer informações semanais sobre as operações do banco superiores a R$ 50 milhões.

Desvio de recursos de fundos de pensão de bancos públicos e de estatais (Operação Greenfield), liberação de recursos do Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS) em troca de propina (Operação Sépsis); e fraudes na liberação de créditos da Caixa em troca de propina (Operação Cui Bono?, que significa “a quem interessa?” em latim) são alvos das investigações. Políticos, ex-diretores, empresários e operadores financeiros estão na mira dos investigadores.

Entre os nomes investigados estão os dos ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN); o do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) e de seu irmão, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA); o do operador Lúcio Funaro, o ex-vice-presidente do banco Fábio Cleto e seu ex-sócio Alexandre Margotto. Executivos dos grupos J&F, Constantino, Odebrecht, Marfrig e Bertin também estão enrolados. O presidente Michel Temer e o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) negam envolvimento no escândalo.

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Luiz Carlos Azedo: O medo ambiente

O medo é uma variável importante do processo eleitoral de 2018. Ele está sendo retroalimentado pela radicalização política

Um dos fatores de mal-estar na sociedade é o chamado “medo ambiente”. É um fenômeno do mundo contemporâneo, decorrente das mudanças geopolíticas, tecnológicas e econômicas, mas no Brasil ele tem a ver também com o atraso e as desigualdades. Isso faz com que as incertezas do tempo presente sejam agravadas pelas certezas do tempo passado. No mundo mais desenvolvido, houve uma troca consciente e individualista da segurança pela liberdade a partir da relação dos cidadãos com o Estado e o conjunto da sociedade. As utopias coletivas e as ideologias se esfarinharam.

Na periferia do mundo, a situação é diferente. O mundo socialista que protagonizou a guerra fria não existe mais. A China, o Vietnã, a Coreia e Cuba continuem sendo ditaduras comunistas, mas os dois primeiros estão plenamente integrados à economia mundial; enquanto os últimos mantêm-se em cena como heranças da guerra fria, para alegria dos falcões dos Estados Unidos, de Donald Trump. E o que seria o terceiro mundo agora é o segundo; sua periferia exporta uma crise humanitária para o primeiro mundo, que é o grande responsável pela desordem na nova ordem mundial. O choque de civilizações, no plano religioso, completa o cenário, levando o terrorismo paras capitais mais protegidas do mundo. O “medo ambiente” está em toda parte.

No Brasil, ele tem identidade nacional. Por exemplo, a urbanização acelerada teve como consequência a favelização nas grandes cidades; ao mesmo tempo, essas “comunidades” estão conectadas virtualmente com o moderno, enquanto fisicamente continuam presas ao atraso. O que vai resultar disso aí é uma incógnita, mas o saldo atual dessa mistura de modernização com iniquidade social é a violência cotidiana. Às incertezas subjetivas se soma o temor físico de perder a própria vida. O Rio de Janeiro que o diga.

O medo é uma variável importante do processo eleitoral de 2018. Ele está sendo retroalimentado pela radicalização política. As declarações da presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), sobre o julgamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 24 de janeiro, em Porto Alegre, são um belo exemplo dessa tendência. “Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar”, afirmou. Trata-se obviamente de um arroubo de oratória, como se dizia antigamente, mas é o tipo de discurso que revela um desejo. Ainda bem que não corresponde à correlação de forças políticas existente.

Gleisi está no cargo por indicação de Lula, para quem a retórica agressiva da senadora petista é uma mão na roda para politizar o julgamento e desqualificar a Operação Lava-Jato. Segundo ela, se a sentença do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal em Curitiba, for confirmada pelo TRF-4, significará que “eles (os juízes) desceram para o ‘play’ da política”. A arrogância da presidente do PT não tem limites: “No ‘play’ da política nós vamos jogar (…) E vamos jogar pesado”. Como ela própria é uma das enroladas na Lava-Jato, pode ser que sua agressividade seja também resultado do medo de ser condenada.

Pavor político
Aliás, há motivos de sobre para isso. Ontem, o Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal pediu a condenação dos ex-deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) à Justiça Federal na ação penal que investiga desvios no Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS), administrado pela Caixa Econômica Federal. Para Cunha, pediu pena de 386 anos de prisão por crimes de corrupção passiva e ativa, prevaricação (crime contra a administração pública) e lavagem de dinheiro; para Alves, 78 anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os dois políticos estão presos e são investigados em várias frentes. Ambos negam as acusações.

Depois de tentar empurrar a situação com a barriga, o presidente Michel Temer determinou o afastamento de quatro dos 12 vice-presidentes da Caixa Econômica por 15 dias: Antônio Carlos Ferreira (Corporativo); Deusdina dos Reis Pereira (Fundos de Governo e Loterias); Roberto Derziê de Sant’Anna (Governo); e José Henrique Marques da Cruz (Clientes, Negócios e Transformação Digital).

Acatou recomendação do diretor de Fiscalização do Banco Central, Paulo Sérgio Neves de Souza, à secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, em razão da suspeita do envolvimento deles em irregularidades. Ela é a presidente do Conselho de Administração do banco. Em dezembro, o Ministério Público havia recomendado a saída dos 12 vice-presidentes da Caixa, mas a Casa Civil e a Caixa decidiram não acatar a sugestão.

Os dois episódios são uma demonstração de que a Operação Lava-Jato estava no freezer por causa do recesso, mas não foi congelada. A reação dos políticos é buscar a blindagem no Congresso e a redenção nas urnas. É a estratégia de Lula, que tenta desmoralizar a operação e explorar o medo da população em relação às reformas do governo Temer, principalmente a da Previdência, para voltar ao poder. O problema é que a maioria da sociedade também tem medo da radicalização e discorda da retórica de confronto do PT. O medo é multifacetado.

 


Luiz Carlos Azedo: Bandeira amarela

O presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, passou o dia em Brasília reunido com autoridades para garantir a segurança dos magistrados que farão o julgamento de Lula

O desfecho do romance O amor nos tempos do cólera, de Gabriel Garcia Marques, que descreve a paixão de dois amantes já idosos, Fermina Daza e Florentino Ariaza, é uma viagem de barco que não teria fim pelo rio Grande Madalena. Para burlar as autoridades náuticas e navegar sem passageiros, cargas ou malotes de correio a bordo, o expediente adotado por Florentino, dono da companhia de navegação, foi mandar hastear a bandeira amarela, o sinal de peste a bordo, que impedia a subida ou descida de qualquer pessoa na embarcação. “E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho?”, indaga o rude comandante do navio. Florentino tinha a resposta preparada havia mais de 50 anos: “Toda a vida!”

A referência ao romance de Gabo obviamente tem a ver com o surto de febre amarela que chegou às regiões mais desenvolvidas e ricas do país, principalmente São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. O fracionamento das vacinas em cinco doses, com poder de imunização durante oito anos, é uma solução adotada com sucesso pela Organização Mundial da Saúde para enfrentar a epidemia nos países mais miseráveis da África. Do ponto de vista médico, é uma medida adequada para conter a epidemia, mas não para erradicá-la, pois somente a dose completa imuniza as pessoas por toda a vida. A febre amarela não tem nada a ver com a cólera, causada pela ingestão de água contaminada por fezes. É provocada pela presença crescente de macacos infectados nas áreas urbanas.

A remissão à bandeira amarela e ao ir e vir sem fim do final do romance é uma alegoria. O Brasil vive um eterno vaivém de problemas, alguns dos quais imaginávamos resolvidos. Como a sífilis entre os adolescentes, a febre amarela está de volta e já matou 21 pessoas em São Paulo, sendo três em Mairiporã, onde 90% da população já foi vacinada. Na verdade, o fracasso das políticas públicas é um caldeirão prestes a explodir novamente, como em 2013, quando os jovens foram às ruas protestar por causa das péssimas condições do sistema de transportes, das escolas sem qualidade e da péssima assistência à saúde.

É o caso da segurança pública, por exemplo, cuja crise se generaliza. O próprio comandante do Exército, general Villas Boas, chama a atenção para o fato de que as sucessivas intervenções das Forças Armadas nos estados, principalmente a longa operação de defesa da lei da ordem no Rio de Janeiro, podem levar a infiltrações do tráfico de drogas na tropa. O recrutamento de ex-soldados por traficantes já existe; o general sabe disso. O colapso do sistema prisional em alguns estados, como Goiás, e do próprio aparelho de segurança, como aconteceu no Rio Grande Norte, tem a ver com a crise fiscal do estado, que se agrava a cada dia. É uma espécie de efeito Orloff em relação ao Rio de Janeiro: “Eu sou você amanhã”.

Incertezas
É nesse ambiente que iniciamos um ano eleitoral decisivo e, ao mesmo tempo, cada vez mais incerto. O assunto político do momento é o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 24 de janeiro, em Porto Alegre, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que pode referendar ou não a condenação a 9 anos e meio de prisão sentenciada pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Caso o TRF-4 mantenha a decisão, Lula poderá ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e ficar de fora das eleições de 2018. Acusado de receber R$ 3,7 milhões em propina da empreiteira OAS, em decorrência de contratos da empresa com a Petrobras, o petista nega o fato. O valor refere-se à suposta cessão pela OAS de um apartamento tríplex no Guarujá (SP) ao ex-presidente, às reformas feitas pela construtora no imóvel e ao transporte e armazenamento de seu acervo presidencial.

Ontem, o presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, passou o dia em Brasília reunido com autoridades para garantir a segurança dos magistrados que farão o julgamento de Lula. É o fim da picada uma situação como essa, pois vivemos numa ordem democrática. Mas é resultado também do coro dos políticos contra a Operação Lava-Jato e as autoridades do Judiciário, principalmente procuradores e juízes de primeira instância que investigam os crimes de colarinho branco. Os principais partidos brasileiros estão envolvidos nos escândalos investigados pela Lava-Jato e seus líderes foram denunciados pelos executivos da Odebrecht, JBS e outras grandes empresas, que desviam recursos de obras e serviços públicos para financiamento de campanhas eleitorais e a formação de patrimônio de muitos políticos e seus operadores. Querem hastear uma espécie de bandeira amarela e deixar a Lava-Jato numa quarentena eterna. A eventual condenação de Lula em Porto Alegre é uma ameaça para todos os políticos enrolados na Justiça, pois significa que ninguém estará acima da lei.

 


Luiz Carlos Azedo: O pior já passou

O país tem estabilidade monetária e produção crescente, o que favorece os investimentos. Quanto à reforma da Previdência, melhor analisar sob a ótica do Barão

Apparício Torelly, o Barão de Itararé, era um eterno otimista, para quem tudo acabaria bem quando a situação parecia a pior possível. Vem daí uma conversa impagável do próprio Apporely (como também assinava) com o romancista Graciliano Ramos, um dos grandes de nossa literatura, relatada em Memórias do Cárcere (Record), na qual sustentava sua teoria das duas hipóteses. Fundava-se na demonstração de que todo fato gera duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. É o autor de Vidas Secas, o revolucionário ex-prefeito de Palmeira dos Índios, que nos conta a tese do Barão:

“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se, nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor, esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findaria aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela.”

Naquela época não havia delação premiada, nem tornozeleira eletrônica, mas a tese de Barão não deixa de ter serventia para quem hoje está em cana por causa da Lava-Jato, mesmo os que foram frustrados pelo indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer e suspenso pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia. Vale também para quem foi condenado ou está em prisão preventiva, ou mesmo no caso de uma condução coercitiva. E para os que aguardam julgamento em segunda instância em liberdade, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda pode entrar em cana se for condenado em segunda instância, logo depois do ano-novo, pelo Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. Ressalva importante: Graciliano e o Barão foram presos por fazer oposição à ditadura de Getúlio Vargas, não por crime comum.

Otimismo
Mas, deixando esse assunto de lado, o pior já passou para a maioria da população por várias razões objetivas, que não têm nada a ver com essa teoria do Barão. Primeiro, do ponto de vista político, por mais confusa que seja a situação, ainda temos a certeza de que o calendário eleitoral está mantido e haverá eleições gerais em 2018. Assim, deputados estaduais e federais, senadores, governadores e o presidente da República serão eleitos ou reeleitos, o que depende da vontade popular. Ou seja, nossa democracia sobreviveu à crise do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff com galhardia, o que faz da narrativa do golpe, cada vez mais, uma simples retórica de quem perdeu o poder por várias razões, porém, a principal foi incompetência política mesmo.

Segundo, a Lava-Jato continua firme e forte, mas sem exageros. É o que podemos deduzir da aparente barafunda jurídica no Supremo Tribunal Federal (STF), que às vezes se comporta como biruta de aeroporto. Gradativamente, seja em razão da troca de guarda no Ministério Público Federal, seja por causa da mudança de composição da própria Corte, o equilíbrio entre os poderes e o respeito às prerrogativas dos réus estão sendo observados, apesar de muitas vezes certas decisões darem a impressão de que vão sepultar a operação. Não é o caso. A atuação de Raquel Dodge à frente da PGR está mostrando isso. Com os julgamentos dos políticos, surgirá uma luz no fim do túnel da crise ética.

Terceiro, a economia reage positivamente, num ritmo ainda lento, mas firme. A inflação caiu abaixo de 3%, os juros estão baixos e a atividade econômica voltou a crescer. Apesar da queda do nível de emprego de novembro, o saldo da geração de empregos em 2017 é positivo e as expectativas são de que o país tem um horizonte de estabilidade monetária e produção crescente, o que deve favorecer os investimentos. Quanto à reforma da Previdência, melhor analisar sob a ótica do Barão. Feliz ano-novo!


Luiz Carlos Azedo: A festa dos perus

O grande problema das eleições de 2018 é a disparidade de meios de campanha, em termos de tempo de televisão e recursos financeiros

Um velho ditado da política diz que não se convida os perus para a festa de Natal. É mais ou menos o que se tentou fazer na reforma política, por meio das redes sociais e dos movimentos políticos emergentes, com os grandes partidos brasileiros, sem sucesso. O que aconteceu no Congresso, pressionado pela crise ética, com centenas de políticos enrolados na Operação Lava-Jato, não foi um se salve quem puder, como muitos esperavam. O que houve foi uma verdadeira contrarreforma política, com a ajuda imprevidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ao proibir as doações de pessoas jurídicas sem que se modificasse antes o sistema eleitoral, com a adoção do voto distrital, simples ou misto.

Como naquele velho samba do Cláudio Camunguelo, Meu Gurufim — “eu vou fingir que morri, pra ver quem vai chorar por mim” —, as raposas do PMDB, PT, PSDB e DEM, principalmente, lideraram as modificações nas regras do jogo para beneficiar os grandes partidos e seus caciques. O surgimento de agremiações a partir dos movimentos de renovação política existentes nas redes sociais se tornou inviável, pois o sistema partidário foi congelado. Não há possibilidade do surgimento de um Emmanuel Macron, o novo presidente francês, à margem dos partidos já existentes. Mesmo entre eles, o grande problema das eleições de 2018 é a disparidade de meios de campanha, em termos de tempo de televisão e recursos financeiros.

A campanha no rádio e na TV, somados o horário eleitoral e as inserções, terá duas horas de duração por dia; os programas partidários, teoricamente criados para proporcionar o debate, foi reduzido de 50 minutos para 25 minutos, divididos em dois blocos de 12’30”, três vezes por semana, para presidente e deputado federal. O que fará a diferença são as inserções, cujo tempo total aumentou de 30 minutos para 70 minutos, em partes iguais para candidatos majoritários e proporcionais. A alocação do tempo das inserções entre os candidatos ficará a critério do partido ou da coligação. Dos 35 minutos destinados aos candidatos às eleições majoritárias, os partidos poderão alocar, por exemplo, 60% para o candidato a presidente e 40% para o candidato a governador.

Assim, o tempo máximo de propaganda no rádio e na TV alocado à campanha do candidato para presidente será de 7’22” nos dias com horário eleitoral para presidente (terças, quintas e sábados) e 4’18” nos dias sem horário eleitoral para presidente (segundas, quartas e sextas), se 100% do tempo das inserções para propaganda de eleições majoritárias for alocado para o candidato a presidente da República. Teoricamente, essa seria uma grande vantagem estratégica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato do PT.

Tamanho é documento
Somados, dez partidos ocupariam 73% do horário eleitoral. O PMDB teria até 7’03” de tempo se lançar candidato próprio. PSDB, 5’54”; PP, 4’3’’; PSD, 4’0’’; PR, 3’47’’; PSB, 3’47’’; PTB, 2’51”; DEM e PRB, 2’25”. Em contrapartida, Ciro Gomes, do PDT, teria 2’19”. O PPS, caso resolva lançar a candidatura de Cristovam Buarque, disporia de 1’16”. Marina Silva, da Rede, teria no máximo 13 segundos para campanha. Jair Bolsonaro, se resolver suas pendências com o Patriotas ou o Livres, teria 25 ou 19 segundos, respectivamente. Esses candidatos somente compensariam a desvantagem se coligando com alguns dos grandes partidos.

Pior é a distribuição dos fundos de financiamento público. O PT receberá R$ 118,7 milhões do fundo partidário e mais R$ 205 milhões do fundo eleitoral; PSDB, R$ 97,2 milhões mais R$ 179 milhões, respectivamente; PMDB, R$ 94,7 milhões mais R$ 238 milhões, respectivamente; PP, R$ 56,9 milhões mais R$ 132 milhões. Quem receberá menos, entre os grandes, será o PTB: R$ 35,2 milhões do fundo partidário e R$ 57 milhões do fundo eleitoral. Entretanto, a Rede, de Marina Silva, embora tenha sido a terceira colocada em duas eleições (na última, particularmente, foi inegavelmente prejudicada pelo abuso de poder econômico), contará com R$ 1,3 milhão do fundo partidário mais R$ 11 milhões do fundo eleitoral para todas as suas despesas de 2018, incluída a campanha eleitoral. É ou não é a festa dos perus?


Luiz Carlos Azedo: Fora de combate

No mesmo dia em que a Executiva do PSDB fechou questão a favor da reforma da Previdência, já sob o comando do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o governo jogou a toalha e desistiu da votação do substitutivo do deputado Arthur Maia (PPS-BA), que nem sequer chegou a entrar em pauta. O presidente Michel Temer, que muito batalhou pela votação, acabou fora de combate. Foi novamente internado na tarde de ontem no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde passou por novo procedimento cirúrgico para desobstruir a uretra.

Temer passa bem, mas terá que usar uma sonda. Entretanto, deve receber alta em 48 horas. Em outubro, o presidente da República passou por uma cirurgia no mesmo hospital. Na ocasião, ele foi internado com quadro de retenção urinária por hiperplasia benigna da próstata. Desde que recebeu alta, porém, voltou ao ritmo intenso de trabalho na Presidência, inclusive nos fins de semana. Não aguentou o tranco.

Com Temer no estaleiro, o esforço do governo para aprovar a reforma da Previdência não foi suficiente para convencer a base governista. Mesmo com as direções do PMDB, do PTB, do PPS e do PSDB fechando questão, as respectivas bancadas continuaram divididas. Além disso, o clima no Senado também não era dos melhores. Seu presidente, senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), ao dizer na terça-feira que não votaria a reforma neste ano, deu mais um argumento para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desistir de vez de pôr a polêmica matéria em pauta.

Coube ao líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), anunciar que a votação da proposta de reforma da Previdência ocorrerá somente em fevereiro do ano que vem. Ele próprio negociou um acordo para isso com Eunício e Maia. No Palácio do Planalto, alimenta-se a expectativa de uma eventual convocação extraordinária do Congresso para isso, mas o risco é virar outra Batalha de Itararé. O governo não tem os 308 votos de que necessita para aprovar a reforma, esta é a verdade dos fatos que se impôs à cúpula governista.

Quem não gostou nem um pouco do recuo dos governistas foi o presidente Michel Temer, que acabou surpreendido após sair da cirurgia. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, também ficou pendurado no pincel, pois havia dado entrevista anunciando o propósito de votar a reforma ainda neste ano: “Continuamos trabalhando para aprovar o mais rápido possível a reforma. O objetivo, como tenho dito, é votar na semana que vem”. Meirelles virou dublê de ministro e pré-candidato, pois pretende disputar a sucessão de Temer pelo PSD. Acredita na possibilidade de reeditar o desempenho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, caso a reforma seja aprovada e a economia comece a bombar em 2018.

Derrubada

O veto do presidente Michel Temer que liberava o autofinanciamento irrestrito de campanha foi derrubado ontem pelo Congresso, em sessão conjunta, com 302 votos de deputados e apenas 12 favoráveis. Na votação entre os senadores, o placar foi de 43 votos a 6.

Com a decisão, os candidatos não poderão bancar a própria campanha com recursos próprios além do limite previsto para cada cargo. Serão enquadrados na regra de pessoas físicas, que podem fazer doações até o limite de 10% dos seus rendimentos brutos no ano anterior. A questão, porém, ficará sub judice, porque as regras precisam ser aprovadas um ano antes da eleição. O mais provável é que as dúvidas sobre o assunto sejam dirimidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O clima no Congresso quanto ao veto tem muito a ver com o desequilíbrio provocado pelas novas regras de campanha eleitoral, que acabaram com financiamento de pessoas jurídicas. Há uma interpretação generalizada de que as novas regras vão favorecer candidatos ricos, celebridades e políticos ligados às igrejas evangélicas.

 


Luiz Carlos Azedo: O passado e o futuro

Os elos entre o passado e o presente no Brasil são cheios de surpresas e singularidades. Vejamos, por exemplo, o caso do populismo. As forças que resistiram ao regime militar somente tiveram êxito porque recusaram a centralidade do Estado e buscaram reforçar e organizar a autonomia da sociedade civil na luta pelo restabelecimento da democracia. Feita a transição, porém, mesmo após a Constituinte, o patrimonialismo, o clientelismo e o fisiologismo, que sobreviveram a duas modernizações autocráticas, continuaram firmes e fortes e o velho populismo renasceu das cinzas depois do fim da “guerra fria”.

Tanto um quanto outro, porém, entraram em crise com a globalização e as novas relações do Brasil com o mundo em transformação, que cobram uma mudança nas relações entre o Estado e a sociedade. Um novo ciclo está se fechando, mas o novo ainda não se abriu, seja por causa desses laços com o passado, seja em razão de que a nova agenda do país não foi construída. Por onde passa essa agenda? Em primeiro lugar, pela transnacionalização das nossas cadeias produtivas e integração competitiva à economia mundial; em segundo, por um novo pacto entre o Estado, o mercado e a sociedade, no qual a modernização não se dê à custa de mais exclusão e desigualdades regionais; terceiro, pela renovação política e fortalecimento da nossa democracia representativa, o que não é uma tarefa fácil diante das mudanças em curso e da emergência das redes sociais e a crise ética dos partidos.

Esse novo cenário faz com que os sinais sejam trocados. Forças que desempenharam um papel democrático e transformador, com as mudanças em curso, ao se oporem a elas, não no sentido da sua forma específica apenas, mas ao rumo geral, acabam se colocando no papel de elementos reacionários e conservadores, num contexto delicado da vida nacional, em que estamos saindo com êxito de uma das mais graves recessões da nossa história, graças a um governo eficiente do ponto de vista da economia e das relações com o Congresso, mas que opera mais uma modernização sem ser moderno e não goza de popularidade por causa da crise ética.

É neste contexto que vamos às eleições de 2018. Por circunstâncias muito singulares, a coalizão que aprovou o impeachment da presidente Dilma Rousseff, formada por forças que participavam do antigo governo e da oposição, não consegue se reproduzir como uma alternativa unificada de poder. É curto o prazo que lhes resta para isso. As alternativas postas com mais vigor para a sucessão do governo Michel Temer representam uma recidiva de tendências populistas de direita e de esquerda, um anacronismo em relação não ao futuro próximo, mas ao próprio presente. Tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o deputado Jair Bolsonaro (que está de saída do PSC para o Patriotas) defendem modelos que se baseiam no fortalecimento do capitalismo de Estado e em velhas teses nacional-desenvolvimentistas. Ambos desdenham da democracia representativa, da liberdade de imprensa e da autonomia da sociedade civil.

Diferenças históricas

Por que será, então, que propostas mais comprometidas com a democracia e as mudanças que o país exige não conseguem se apresentar novo processo como alternativa de poder, ainda? Por dois motivos. Um é a crise do PSDB, que somente agora vê uma luz no fim do túnel, com a eleição do governador Geraldo Alckmin à presidência da legenda, mas que não conseguiu ainda se impor ao conjunto das forças que apoiaram ao impeachment como alternativa real de poder. De certa forma, muito mais do que unir um partido fragilizado pelo envolvimento de alguns de seus líderes mais expressivos na Operação Lava-Jato, com forte repercussão eleitoral em alguns estados, falta ao virtual candidato do PSDB à Presidência da República um projeto político de modernização do país que combata as desigualdades e a exclusão e seja capaz de empolgar a sociedade.

O segundo motivo é o governo de transição. Não somente devido ao enorme desgaste causado pelo envolvimento de alguns dos seus principais ministros na Operação Lava-Jato, mas por causa das divergências entre Temer e seus aliados e os tucanos paulistas, que acabam de desembarcar do governo. Por mais cordiais e cavalheirescas que sejam as relações entre o presidente e o governador paulista, essas divergências são de natureza histórica: em princípio, o PSDB nasceu para negar o PMDB. Mas também não é isso que impede a aliança. É a vontade de Temer e seus aliados de terem seu próprio candidato em 2018, de preferência o próprio, bafejado pelo sucesso de suas reformas, quiçá a da Previdência, por indicadores econômicos como as menores taxas de inflação e de juros em décadas.


Correio Braziliense: "Eu não criminalizei a política. Criminalizei os bandidos", diz Janot

Na primeira entrevista depois de deixar o comando da Procuradoria-Geral da república, Rodrigo Janot relata ao Correio os bastidores dos momentos mais importantes da Lava-Jato

Ana Dubeux , Ana Maria Campos , Helena Mader
No quarto andar da sede da Procuradoria-Geral da República, funcionários trabalham para adaptar um amplo gabinete ao novo ocupante, que acaba de chegar. Um arco e flecha pendurado à parede divide o espaço com uma escultura de tuiuiu e com uma coleção de canetas — uma delas, em destaque, foi usada para assinar a delação premiada de executivos da Odebrecht.

De camisa polo e com visual despojado, Rodrigo Janot parece alheio ao bombardeio que vem recebendo há meses. O mineiro, de Belo Horizonte, deixou o posto de procurador-geral da República no mais conturbado momento de seus 33 anos de carreira. Até a transmissão de cargo à sucessora, Raquel Dodge, foi controversa: Janot não compareceu à cerimônia de posse. Na entrevista exclusiva ao Correio, Janot explica a ausência: “Quem vai em festa sem convite é penetra”.

O procurador revela que não foi convidado nem mesmo para transmitir o cargo. Se fosse ao auditório, teria de procurar um assento. Ele conta que não havia sequer uma cadeira reservada. Mas garante que não se sentiria constrangido em dividir a cena com políticos que denunciou, como o presidente Michel Temer. “As pessoas que têm de se sentir constrangidas”, aponta.
Em duas horas e 20 minutos de conversa, o ex-chefe do MP relata os bastidores de momentos importantes que marcaram a Lava-Jato: o pedido de prisão do então senador Delcídio do Amaral, a morte do ministro Teori Zavascki, a “escolha de Sofia” na imunidade concedida ao empresário Joesley Batista em troca de provas contra Temer e as suspeitas envolvendo integrantes do próprio Ministério Público.

Janot deixou o cargo, mas não se afastou da turbulência. Pelo contrário. Ele sabe que, agora, começam de verdade os ataques, principalmente na CPI da JBS, comandada por aliados de Temer. “Vão tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar desconstituir a figura do investigador”, diz. E já se defende: “Não levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em apartamento”. Para quem acha que o ex-procurador-geral exagerou, ele rebate: "Não criminalizei a política. Criminalizei os bandidos".

Por que o senhor não foi à posse da sua sucessora, Raquel Dodge?
Na minha terra, se diz o seguinte: a gente não vai a festa sem convite. Quem vai em festa sem convite é penetra.

O senhor não foi convidado?

Para a posse, definitivamente, não fui convidado. A gente tratou como seriam colocados os termos no convite. A primeira proposta foi com meu nome: “O procurador-geral da República convida”. Mas o pessoal da transmissão pediu para sair em nome do Ministério Público da União, por e-mail. Eu é que expedi esse e-mail.  Mas não recebi convite nenhum. Os convites para chefes dos poderes pediram para que eu fizesse nominalmente. Mandei aos presidentes do Supremo, da Câmara, do Senado, da República, aí sim, um ofício meu, enquanto procurador-geral. Meu mandato terminou domingo, dia 17, até lá eu era procurador-geral. Perguntei se queriam uma transmissão de cargo, mas me informaram que eu não posso transmitir aquilo que eu não tenho mais. Por isso que não fui, porque não fui convidado.

Não seria constrangedor sentar à mesa com pessoas que denunciou?

Não sentaria à mesa. Mas eu estou na minha casa, as pessoas que têm que se sentir constrangidas, não sou eu. Fiz o meu trabalho. Se tivesse sido convidado, iria, com certeza. Outro detalhe: também não tinha lugar reservado para mim no auditório, não. Eu teria que chegar e bater cabeça para achar uma cadeirinha.

Por que a rivalidade com Raquel Dodge chegou a esse ponto?

Não sei. Nunca houve uma rivalidade a esse nível, claro que não.

Substituições de equipe podem comprometer o trabalho em andamento na Lava-Jato?

Em tese, todos estão preparados para esse tipo de trabalho. É claro que as pessoas têm que trabalhar com quem têm afinidade. Isso é normal. Eu me espantei porque havia ofício formal, com convite para que toda a equipe da Lava-Jato continuasse. Existia um ato formal dela. Houve uma conversa com o pessoal da equipe, em que ela disse novamente que todos estavam convidados. Depois, ela começou a desconvidar.

O que houve?

Não sei. No sábado, fiz uma feijoada para a despedida da minha turma. A turma dela ligou para dois colegas meus, o Fernando (Alencar) e o Rodrigo Telles, desconvidando-os. Com relação ao Rodrigo Telles (que auxiliou Janot na investigação contra Agripino Maia), o que disseram é que havia muita resistência ao nome dele, não disseram de quem, e sobre o Fernando, disseram que ele ultrapassava o percentual que o Conselho (Superior do Ministério Público) estabeleceu para o recrutamento de pessoas. Esses foram desconvidados no sábado.

Fora do MP, o senhor foi muito questionado, sobretudo por causa do processo relacionado à JBS. Saiu de uma posição de herói e, de uma hora para outra, passou a ser apontado como vilão...

Existem estratégias de defesa. Quando o fato é chapado, quando o fato é mala voando, são R$ 51 milhões dentro de apartamento, gente carregando mala de dinheiro na rua de São Paulo, gravação dizendo “tem que manter isso, viu?”, há uma dificuldade natural para elaborar defesa técnica nesses questionamentos jurídicos. E uma das estratégias de defesa é tentar desconstruir a figura do acusador. É assim que eu vejo. De repente, passo a ser o vilão da história, o dito vilão da história, porque há necessidade de desconstituir a figura do acusador. O que fizeram comigo vão fazer com outros. Tenha certeza absoluta.

Mas o senhor enfrenta críticas de acusados desde o início. O senador Collor, por exemplo, já soltou impropérios contra o senhor... 

Mas numa proporção muito menor… Ele só xingou minha mãe várias vezes (risos). Mas agora cheguei ao poder real. No núcleo de poder, no centro dessa Orcrim (organização criminosa), e a reação é essa mesmo. Eu já imaginava que isso aconteceria, mas não imaginava que seria nessa proporção. Não imaginava como viria o coice. A orquestração é visível.

Ao se despedir, na sexta-feira, o senhor falou em sofrimento…

É um desgaste danado, você catalisar tudo sozinho… Eu tinha que manter a equipe funcionando até 17 de setembro. Foi tudo muito intenso. Investigações importantes foram chegando maduras nas duas ou três últimas semanas do meu trabalho. Essas investigações dependiam de atos de terceiros também. Para a denúncia da organização criminosa do PMDB da Câmara, tive que aguardar a conclusão do inquérito. O delegado só relatou o inquérito na segunda-feira, um excelente relatório, de mais de 400 páginas, que mostra um retrato da atuação dessa organização criminosa. De um lado, eu tinha que manter a equipe funcionando e tirando deles a pressão para que trabalhassem com eficácia e eficiência. Eu tinha que absorver tudo isso sozinho, não é para criança, não. Não é brinquedo, não. Só pancada. Não é para amador.

Na delação de Joesley, houve questionamentos com relação ao fato de ele revelar crimes tão graves e ir embora de avião particular para os EUA. Como lidou com a revolta que isso suscitou?

Eu tinha uma escolha de Sofia. Ele chega, nos traz uma demonstração, que foi um pequeno take do áudio, que revelava crimes em curso praticados pelo alto escalão da República. O presidente da República, um senador importante que teve 50 milhões de votos na eleição anterior, um deputado federal, a prova fazia menção a um colega meu infiltrado. Eram crimes gravíssimos e em curso. Tomo conhecimento disso, vejo que tem indicativo de prova. Eles disseram: “A gente negocia qualquer outra coisa, menos a imunidade”. A minha escolha de Sofia era: se eu não pego o material que eles tinham, eu não poderia investigar, eu teria que ficar quieto vendo esses crimes acontecerem ou então eu tinha que negociar a imunidade.

O fato de Joesley ir para a cadeia é de certa forma um alívio para o MP depois de tantas críticas? 

Ele foi mais esperto que ele mesmo. A esperteza capturou ele próprio. A gente tem que deixar muito claro: a colaboração premiada é um instituto novo para a gente, já aprendemos muito. Quando a gente faz um acordo desse, é de natureza penal, a gente está negociando com bandido, bandi-dê-ó-dó. O cara, porque é colaborador da Justiça, não deixa de ser bandido. As coisas têm que ser muito claras. A mesa de negociação é um lugar muito duro, um ringue mesmo. O colaborador tem que vir de coração aberto, tem que vir para o lado do Estado. Tem que falar tudo. Quem faz juízo sobre a prática ou não de delito é o MP, não o colaborador, ele tem que entregar tudo. A gente tem muito anexo que não tem nada de palpável, mas a gente recebe e analisa. O juízo nós que fazemos. E o que eles fizeram? Eles esconderam fatos. Trouxeram “A” mas não nos trouxeram “B”. Porque não trouxeram “B”, está contaminado todo o acordo. Só que o fato de ele não trazer o “B” não influencia nem tangencia o “A”. Não contamina. A rescisão me permite continuar usando a prova. Mas dá um gosto amargo, o sujeito não pulou o lado, continuou ao lado da bandidagem.

E as denúncias envolvendo o ex-procurador Marcelo Miller? O fato de ele ter negociado com o grupo JBS quando ainda fazia parte da equipe da PGR compromete a validade das provas?

Existe uma investigação em curso, mas, se ele fez isso, foi sem o nosso conhecimento. E se fez sem o nosso conhecimento, ele não pode contaminar um ato que é nosso. Se ele fez, não está comprovado ainda, vai ter que responder por isso.

O fato de ele ter abdicado de uma carreira como ao MP não despertou dúvidas na sua equipe?

No último um ano e meio, cinco colegas saíram.
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

É o salário?

É dinheiro. Também é muita responsabilidade, muita restrição. O fato de ele ter saído não suscita nenhuma suspeita. O Marcelo trabalhou forte na colaboração da Odebrecht. Ele já tinha voltado para o Rio de Janeiro havia um ano e continuou na força-tarefa como colaborador, eventualmente era chamado a fazer alguma colaboração aqui. Mas não estava no núcleo.

O senhor se sente traído?

Eu quero ver a conclusão da investigação para fazer algum juízo. O caso do Ângelo (Goulart) está investigado, ali eu me senti traído, com certeza.

O procurador Ângelo Goulart criticou sua forma de atuação, disse que o senhor agia rapidamente para chegar ao presidente Temer…

É engraçado isso, ele não trabalhou comigo. O Ângelo trabalhava no eleitoral, nem no mesmo prédio ficávamos. Quando foi chegando ao fim do mandato, como tinha interesse de permanecer em Brasília, ele perguntou se poderia ser designado para a força-tarefa da Greenfield, da PRDF.

É verdade que o senhor vomitou quatro vezes ao tomar conhecimento desses fatos relacionados ao procurador Ângelo Goulart?

Sim. É muito triste isso de prender um colega. Tem um crime militar que a gente chama de perfídia. Perfídia é o sujeito que é do teu grupo e que vende esse grupo para o inimigo. Ele passa a ajudar o inimigo a te dar tiro. Esse é o sentimento que deu na gente. A situação é muito ruim, sentir que contaminou.

O procurador Ângelo alega que atuou para tentar encabeçar as tratativas da eventual delação. Ele agiu motivado por dinheiro?

Essa linha de defesa ele já adotou no processo administrativo disciplinar aqui dentro. Ele tentou se passar por herói. Como se ele tivesse se oferecido a eles para poder derrubá-los. Como se fosse o mocinho, o super-homem. Mas como faz um trabalho desses de atuação infiltrada sem falar com os russos? Ele faz isso sem falar com os colegas, com ninguém? Não falou com o Anselmo (Lopes, coordenador da Operação Greenfield). Agora vamos ver os fatos. Houve uma reunião em que o Anselmo fez um desenho à mão da estratégia da investigação. Esse papel foi aparecer com um advogado da JBS. A troco do quê? Ele foi pilhado numa ação controlada em que conversa com desenvoltura. Depois, ele tem gravada a conversa com o advogado. Tudo isso ele bolou sem avisar ninguém? É fantasioso. E acertou dinheiro, sim, R$ 50 mil por mês.

Há provas de que ele recebeu dinheiro?

Tem relato do Francisco (de Assis, advogado), tem advogado acertando, dizendo que tinha dinheiro, tem o croquis do planejamento, tem gravação, visitas. A expressão que a gente usa é “batom em certo lugar”.

Ainda citando o que ele diz, o senhor se referia a sua sucessora como a bruxa?

Não. É aquela coisa, como se faz para desconstruir o acusador.

Essa campanha que o senhor menciona para tentar atacar o acusador como foi?

O nível é muito baixo, chegaram à minha família, à minha filha.

Saindo do cargo, acredita que vai diminuir?

Pelo contrário. A notícia que tive é: vai aumentar. A pressão para cima de mim só vai aumentar.

Teme que a CPI da JBS vire instrumento de vingança?

A CPI não é da JBS. O relator já afirmou que o escopo da CPI é investigar os investigadores. O escopo da CPI não são os empréstimos da JBS no BNDES. Ninguém falou sobre isso. Estão falando em convidar também o Ângelo, o Eugênio Aragão.

Em um texto divulgado na internet, o procurador Aragão defendeu Ângelo, e disse que ele apenas atuava com métodos heterodoxos para conseguir acordos de colaboração...

Sabe por quê? Quem trouxe o Ângelo para atuar no eleitoral foi o Dr. Eugênio Aragão.

Como vai se proteger desses ataques que o senhor já prevê?

Primeiro, quero descansar, vou tirar 20 dias, viajar. Depois, vou ver as estratégias. A imprensa tem que ser muito atuante agora. Essa CPI não pode ser a CPI dos investigadores. Essa CPI tem que seguir o escopo dela. Não é a CPI dos empréstimos do BNDES? E querem investigar quem? Eu? Eu não participei de empréstimo nenhum da JBS. O acordo da JBS foi judicial. Foi homologado pelo Supremo e foi reafirmado pelo Supremo. Como o Congresso pode querer desconstituir isso?

Vão tentar usar o Miller contra o senhor na CPI?

Vão tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar desconstituir a figura do investigador. Não levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em apartamento.

Acredita que a população vai aceitar uma atuação como essa da CPI?

O brasileiro é honesto. Espero que a cidadania seja ativa para enxergar esse tipo de manobra. Outra estratégia também é usar a imprensa estrangeira, já começaram a falar lá fora, e a falar forte. Quando começaram as alterações no grupo de trabalho da Lava-Jato, saiu uma notinha com a chamada "It begins" (“Foi dada a largada”, em tradução livre). O título diz tudo.

O que achou do fato de Dodge não ter citado nenhuma vez a Lava-Jato no discurso de posse? Foi pelo fato de a operação ter se tornado a marca do senhor?

A Lava-Jato não pertence ao MP, pertence à sociedade, ao mundo. Não é uma marca minha. Eu dei as condições necessárias para que outros colegas pudessem trabalhar, em Curitiba, no Rio, em São Paulo. A Lava-Jato não pertence mais ao Ministério Público. É um patrimônio da sociedade brasileira. Ela corre o mundo.

A Lava-Jato corre risco real?

Está cedo para avaliar. É preciso aguardar para ver como a coisa evolui. Se houver risco, não acredito que isso contamine nem Curitiba, nem Rio, nem São Paulo, que já têm investigações com pernas próprias.

O senhor foi flagrado conversando com o advogado Pierpaolo Bottini, que representa Joesley, em um bar. Não foi um encontro impróprio, dadas as circunstâncias?

Não era um bar, era uma distribuidora de bebidas. Vou àquele lugar todo sábado. Chego ali, tomo uma cerveja e vou embora para casa. Conheço todo mundo, conheço o dono, o César, desde a época em que ele vendia minhocas, conheço todos os frequentadores. A gente conversa, passa ali meia hora, uma hora. Abriu uma feijoada ali do lado aos sábados que é ótima.

Disseram até que essa reunião era comparável ao encontro de Joesley com Temer no Palácio…

Meio dia, em um lugar público, frequentado por um zilhão de pessoas? A conversa não durou 10 minutos, não falamos de trabalho, de nada disso. Falamos de cerveja. Aconselho passearem por lá, tem tudo quanto é cerveja artesanal.

O advogado Willer Tomaz, também denunciado, recebia em sua casa  figuras importantes, inclusive o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bessa. Causa suspeição?

Relacionamento da gente com advogado é uma coisa normal. Dos meus amigos que fiz em Brasília quando cheguei há 33 anos, a maioria é advogado. Todo mundo se conhece. E advogado de bandido não é bandido, a gente tem que ter esse relacionamento.

O senhor teve embates duros também com o ministro Gilmar Mendes. O STF vai enfrentar o tema da suspeição do ministro?

Vão ter que enfrentar, claro. Quando alguém argui suspeição, esse é um termo técnico normal. A arguição de suspeição é para garantia da atividade da magistratura e dos jurisdicionados. O magistrado tem que ser isento. Eles vão enfrentar, sim. O resultado, não sei.

Fazendo uma comparação com a Operação Mãos Limpas, na Itália, o senhor teme pela sua vida?

Temer, não! (risos).

Acredita que o MP estará com o senhor?

Acho que sim, não só o federal, o Ministério Público do Brasil inteiro. O Ministério Público brasileiro hoje está em outro patamar.

Durante sua gestão, onde errou?

Com certeza, erros aconteceram, mas não consigo fazer esse juízo agora. Preciso de um afastamento para poder enxergar.

A Lava-Jato é uma sucessão de delações. Como isso começou?

Tem um momento para mim que foi um divisor de águas. O que deu impulso danado nas colaborações foi a decisão do STF, que disse: condenou em segundo grau, vai para a cadeia. Os caras começaram a fazer conta. A estratégia era empurrar, agora não tem mais jeito. Esse foi, na minha leitura, um dos pontos que gerou essa mudança. Grandes delações também chamaram todas as outras.

O Supremo vai rever alguma delas?

Não acredito que o STF vai recuar. Seria um prejuízo enorme.

A delação do Delcídio, com a prisão de um senador no exercício do mandato, foi decisiva?

Sim. Divisor de águas foi a colaboração do senador. Ele gravou, os fatos eram gravíssimos, e era um senador, líder do governo. Quando fiz o pedido de prisão, sabia que tinha cruzado o rubicão e que tinha queimado a única ponte atrás da tropa, que não tinha mais recuo. Era só para a frente. Foi um momento de muita tensão, era uma novidade e eu não sabia o que aconteceria.

Com a morte de Teori, temeu pelo fim das investigações?

Temi, sim. Eu sou agnóstico, eu creio muito pouco. Com a morte dele, eu passei a crer ainda menos. Eu dizia: não é possível.

Suspeitou de assassinato?

No começo, claro. Mas a investigação foi feita por nós, pelo MPF, em Angra dos Reis, e estamos seguros de que foi acidente mesmo.

Foi o momento mais difícil?

Esse foi um dos mais difíceis, com certeza, foi devastador para todo mundo. Ele era muito firme. Ainda bem que o ministro Fachin também é.

Como avalia a atuação de Moro?

A gente está no meio de um lamaçal, no meio de bandidos, cheiro de podre para todo lado, só tem uma maneira de não se contaminar, a gente tem que ser reto. O Moro é duro, eu fui duro, e tem que ser mesmo.

O que foi essencial na Lava-Jato?

O grupo de Curitiba foi muito importante. O juiz foi muito importante. Uma parte que pouca gente fala, mas que permitiu chegar até agora, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que manteve com firmeza todas as decisões.

O Brasil mudou com a Lava-Jato?

Está mudando. Na minha terra, quando a gente fazia muita traquinagem, apanhava com vara de marmelo, aquela bem flexível. Aquilo na perna dói para caramba. Nós envergamos essa vara e temos que ter cuidado para ela não soltar, senão volta batendo em todo mundo e vai ficar em pé. Estamos nesse ponto de inflexão, a vara foi dobrada, mas não foi quebrada. E essa vara tem que ser quebrada.

Ainda tinha muita flecha?

Sim, tenho ainda algumas ali (aponta para arco e flecha que recebeu de índios).

Mesmo depois do início da Lava-Jato, muitos atos de corrupção prosseguiram. Gim Argello, por exemplo, negociava convocações para a CPI da Petrobras…

Com três anos e meio de Lava-Jato, vimos várias conversas não republicanas, malas para cá, malas para lá. Mas seria mais grave sem a Lava-Jato. A vara está envergada, mas não foi quebrada. Tem que ser quebrada.

O senhor falou de egoístas e escroques ousados. Eles estão em todas as instituições?

Sim, até na minha tem.

Como será julgado pela história?

Quero ser julgado de maneira isenta. Se eu errei, que apontem os erros. Se eu acertei, que mostrem os acertos. Só isso.

Uma das críticas é a forma como o MP consegue as delações, que os acusados falam só para fugir da cadeia. Um dos casos levantados é o do ex-ministro Palocci...

Essa história de que a gente prende para ter colaboração, muita gente falava isso, e a gente só mostrava a estatística: 85% são com pessoas soltas. A pessoa só tem medo de ser presa quando comete crime. É crime e castigo, tem até um livrinho com esse nome. A lei diz que a colaboração tem que ser espontânea, voluntária, se não for assim, não pode ser homologada. A iniciativa tem que ser do colaborador, com advogado. Não posso ter conversa escondida com colaborador. A negociação é dura. Concluído isso, a gente faz o contrato do acordo, o magistrado chama o colaborador, sem a nossa presença, e pergunta se foi instigado, incentivado, obrigado, ameaçado. Existe toda essa preocupação para que o colaborador possa falar. Quando ele fala, não basta imputar algo a alguém, tem que dar o caminho da prova. Diziam que era coisa de X9, de dedo duro. Ele tem que dizer o crime que cometeu, o comparsa dele, como participou desse crime e revelar o caminho da prova. Se imputa falsamente, ele comete crime. E não acabou a colaboração. Ela é homologada e, no fim do processo, o juiz analisa a eficácia dessa colaboração. O colaborador tem que ajudar a acusação na obtenção das provas. Se não fizer isso, ele perde a premiação. Se o colaborador der causa à rescisão, como acontece agora com Batista e Ricardo Saud, ele perde toda a premiação, responde pelos crimes que cometeu e toda a prova que ele deu para a acusação é válida. É uma situação muito delicada a do réu colaborador.

Como veio à tona esse novo áudio de Joesley?

Quando foi feito esse acordo, contrataram um grupo para fazer levantamentos dentro do grupo empresarial para identificar as provas para a orientação da colaboração. E, aos poucos, iriam fazendo os novos anexos e indicação dos fatos criminosos. Pediram 120 dias para fazer isso. No acordo, constaram aqueles anexos que trouxeram no primeiro momento e, no período de 120 dias, trariam complementos. Um pouco antes, pediram a prorrogação por mais 60 dias. A gente concordou com a prorrogação. Com medo de perderem o prazo e ter rescindida a colaboração, eles empurraram tudo para cá. Vieram muitos anexos e muitos áudios. Para agilizar, a gente dividiu tudo entre os colegas. No grupo da Lava-Jato, ficou todo mundo ouvindo os áudios. A Carol (procuradora Ana Carolina Rezende) ficou com um grupo de áudios. Tinha um anexo que envolvia uma pessoa cujo processo está em sigilo, o codinome era Piauí, com quatro áudios. O maldito áudio Piauí 3 não tinha nada a ver com esse anexo. O Piauí 1, 2 e 4 tinham a ver, eram conversas com determinado senador. A Carol, domingo de manhã, manda mensagem no nosso grupo dizendo que tinha um áudio jabuti, contrabando, de quatro horas, falando de Miller, de várias coisas. Viemos para cá, passamos a tarde aqui. Era um jabuti, um anexo de contrabando colocado sem nenhuma remissão de que não tinha nada a ver com Piauí. A PF disse que tinha recuperado 7 áudios, que estão sob sigilo, porque o advogado dos colaboradores disse que boa parte é conversa entre advogado e cliente. E que a perícia da PF teria recuperado mais 11 áudios.

 Joesley tinha apagado e a PF conseguiu resgatar?

Isso. Na leitura que fizemos, isso não poderia ter sido um equívoco, foi uma casca de banana mesmo. O ministro Fachin lacrou os 11 áudios, nem nós conhecemos. Eles, com medo de um dos 11 áudios ser um dos que estão recuperados pela polícia, colocaram um jabuti. Lá na frente, quando estourasse o negócio, diriam que entregaram e nós ficamos calados. É óbvio que foi uma armadilha. E como desarma uma armadilha? Coloca luz sobre ela. Santa Carol! Se ela não fosse tão CDF, poderia ter passado.

Há alguma possibilidade de o desfecho da segunda denúncia contra Temer ser diferente no Congresso?

Acho que não. Mas a solução política não me interessa. Tenho que fazer o meu trabalho. A Câmara não rejeita a denúncia, ela autoriza ou não o processamento.

O senhor virou carrasco dos políticos corruptos?

Cada um tem que fazer o seu trabalho. O corrupto tem que entender que acabou a era de que nada acontece com ele. Grandes empresários, o poder econômico e o poder político, está todo mundo respondendo igualmente, não é mais a justiça dos três pês.

Como vê as acusações de que age com interesses partidários?

Primeiro eu era petista, indicado pela Dilma. Quando viram o meu radar, virei perseguidor de político. Não estou criminalizando a política, estou criminalizando bandido.

Como responde a críticos que dizem que o MP sai menor?

O MP sai gigante, pois é reconhecido fora do Brasil. Aonde você vai, os colegas de fora reconhecem nossa atividade, na França, na Suíça, nos EUA, todos os ministérios públicos do Mercosul reconhecem nossa atividade.

Depois dos 20 dias de descanso, como vai refazer a vida?

Tenho projetos que quero tocar, não quero sair dessa área de combate à corrupção. As pessoas de fora me pedem para não sair dessa área. Nossa atividade virou paradigma. O Brasil deu um passo gigantesco no combate à corrupção. Mas isso, para o bloco, não é suficiente. Se o Brasil continua esse caminho, e acho que vai continuar, pode começar a exportar corrupção. O bloco tem que caminhar de forma harmônica e as pessoas pedem que eu seja uma voz no combate à corrupção. Na PGR, vou atuar na área criminal do STJ.

Na eleição de 2018, como garantir renovação?

A cidadania vem com força para 2018. Ninguém aguenta mais ser enganado dessa forma. Agora, é importante também que a política faça a sua parte. Temos que ter reforma política profunda.

Como fazer isso com um Congresso contaminado?

Vamos imaginar que os novos políticos de 2018 recebam da cidadania uma cobrança muito forte para que haja essa mudança. Não podemos ter senador que teve zero votos, um deputado federal que teve 15 votos, que ninguém sabe quem é.

Com a saída de Dilma, a corrupção ficou mais explícita?

A cada dia que passa, a gente está jogando mais luz sobre a corrupção. É isso.

Cristovam Buarque: Aliança para salvar Brasília

Muitas vezes, a política promove alianças eleitoreiras e em outras, patrióticas. Não é fácil reunir em um mesmo projeto políticos com divergências anteriores. Quando isso ocorre, em geral, estão sacrificando princípios, programas e ideias em função de interesses puramente eleitorais.

Em ocasiões distintas, políticos adversários deixam de lado as divergências para se unirem em defesa de interesses maiores do país ou da cidade. São alianças para salvar a comunidade da crise que atravessa.

O Brasil viu isso quando Prestes, depois de anos preso e sabendo que sua esposa fora enviada para a morte na Alemanha, se uniu a Getúlio Vargas para trazer de volta a democracia; ou quando Mandela se uniu a De Klerk para acabar com o apartheid na África do Sul. São alianças salvadoras. Brasília está precisando de uma dessas.

Governos anteriores do Distrito Federal deixaram uma imagem negativa na política e um desastre fiscal nas finanças. O último governo, além de péssima imagem moral, deixou as contas públicas absolutamente falidas, diante dos compromissos assumidos, irresponsavelmente, para obter votos e se reeleger.

O Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha é o símbolo perfeito desse desastre. Uma obra sem sintonia com as necessidades da população, foco de corrupção de dirigentes, tanto nas prioridades, quanto no comportamento. Gastos de quase R$ 2 bilhões no estádio, no lugar de escolas, saneamento e saúde. Apropriou-se de parte disso sob a forma de propina, segundo a Polícia Federal.

Lamentavelmente, o estádio é uma entre dezenas de outras medidas imorais que destruíram o bom funcionamento da nossa cidade e a credibilidade de nossos políticos. O governador atual assumiu uma cidade com compromissos que não tem como cumprir, sejam aqueles determinados por seu antecessor, sejam alguns que ele prometeu na campanha eleitoral de 2014.

O resultado é que seu governo se arrasta há dois anos e meio no pântano das dificuldades fiscais — todos recursos são para pagar salários e outros poucos custeios. Apesar de receber mais de R$ 13 bilhões do Fundo Constitucional, que o resto do Brasil, inclusive estados pobres, nos transferem anualmente, agora não temos como pagar os salários de nossos servidores em dia.

Quando o governador assumiu, em 2015, deveria ter chamado todas as lideranças políticas, inclusive, os seus opositores, para tentar encontrar um caminho, com apoio de todos, e enfrentar as dificuldades. No lugar disso, preferiu se isolar com um pequeno grupo de auxiliares, que se consideram em condições de resolver todos os problemas. Fracassaram.

Brasília precisa superar sua dupla tragédia: fiscal e moral. Equilibrar suas contas, usar seus recursos para servir à cidade e ao seu povo e recuperar a credibilidade de seus dirigentes. Isso não será tarefa de nenhum líder carismático, de nenhum partido. Exige uma aliança de todos que tenham sentido de responsabilidade e respeito aos interesses públicos.

A aliança para salvar Brasília não deve abrir mão de convicções e não pode ter preconceitos: deve unir todos os políticos, independentemente de suas posições no passado, desde que respeitem princípios como:

— Não estarem sob suspeitas de corrupção;

— Terem responsabilidade no uso dos recursos públicos, não apenas pela ética no comportamento, mas também na responsabilidade do respeito pelas contas do erário;

— Entender que a gestão pública eficiente é um dos maiores compromissos necessários para servir bem à população;

— Não aparelhar e usar a máquina governamental para beneficiar seus partidos;

— Respeitar o mérito dos escolhidos para cargos e comprometer-se com a austeridade que elimine as chamadas mordomias e vantagens pessoais;

— Em nenhum momento cair na demagogia de prometer mais do que poderá fazer. Não se submeter às reivindicações de grupos corporativos, seja de empresários, seja de igrejas, seja de sindicatos de servidores;

— Definir um programa claro para corrigir os graves problemas na saúde, no emprego, na educação, na mobilidade, na segurança, no crescimento da economia e, obviamente, no equilíbrio fiscal.

Em termos políticos, os últimos que governaram Brasília contribuíram para que a população tivesse uma visão negativa do Distrito Federal. É preciso que nossas lideranças tenham grandeza e se unam pela cidade em uma aliança patriótica.