Correio Braziliense
Luiz Carlos Azedo: Pintados para a guerra
A decisão de Fachin amplia o foco da Lava-Jato em relação ao MDB, que estava concentrado no Palácio do Planalto, mas agora chegou à cúpula do Senado
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Operação Lava-Jato, determinou a investigação dos repasses milionários de recursos da J&F para políticos do MDB, principalmente do Norte e Nordeste, na eleição de 2014, ou seja, na reeleição da presidente Dilma Rousseff, irrigando com recursos financeiros seus palanques regionais. São os mesmos políticos “golpistas” que depois apoiaram o impeachment da petista, mas já se reaproximaram do PT nas coligações regionais dos seus respectivos estados. Os repasses somam mais de R$ 40 milhões.
Segundo a procuradora-geral, Raquel Dodge, as investigações serão feitas com base nas delações premiadas do ex-senador Sérgio Machado, que presidiu a Transpetro, e de Ricardo Saud, ex-executivo da J&F, e miram os senadores Renan Calheiros (AL), Jader Barbalho (PA), Romero Jucá (RR), Eunício Oliveira (CE), Vital do Rêgo (PB), hoje ministro do Tribunal de Contas da União, Eduardo Braga (AM), Edison Lobão (MA), Valdir Raupp (RO), Dario Bergher (SC) e Roberto Requião (PR). Também serão investigados o ex-ministro da Integração Helder Barbalho (PA), o ex-ministro do Turismo Henrique Alves (RN) e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que teria determinado os repasses da J&F, a pedido do PT.
A decisão de Fachin amplia o foco da Lava-Jato em relação ao MDB, que estava concentrado no Palácio do Planalto, mas agora chegou à cúpula do Senado, hoje presidido pelo senador Eunício Oliveira. A Casa é um bunker para a legenda, cujo poder no Norte e Nordeste do país deriva muito dessa posição de força em relação ao Executivo, qualquer que seja o presidente da República. Nem mesmo o presidente Michel Temer tem ascendência sobre esse grupo de senadores, que é muito unido. A abertura do inquérito, às vésperas de uma eleição em que os envolvidos disputam a recondução ao Senado ou pretendem concorrer aos governos locais, fragiliza-os eleitoralmente e deve provocar alguma reação política contra o ministério Público Federal (MPF), em linha com a Câmara.
A mais provável retaliação será a tentativa de acabar com o foro privilegiado para juízes e procuradores, restringindo-o aos presidentes dos três poderes da República. Já existe uma articulação para isso na Câmara, que deve ganhar força com o engajamento dos senadores do MDB. Eles influenciam outras bancadas e, também, os deputados federais a eles ligados. A legenda funciona como uma federação de caciques regionais, que operam com maestria a política nos estados. A Lava-Jato é outro alvo desses senadores, que já tentaram inclusive retirar as garantias constitucionais que protegem os juízes em relação às suas sentenças. São todos políticos muito experientes, com grande capacidade de articulação e sobreviventes de várias crises políticas nacionais. Destacam-se, nesse aspecto, Renan Calheiros e Jader Barbalho, que já presidiram o Senado, e Romero Jucá, atual presidente da legenda, que foi líder dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Hoje, é o líder do governo Temer.
Lava-Jato
Há duas polêmicas envolvidas neste caso. A primeira é sobre o foro adequado, já que, no último dia 3, o Supremo decidiu que deputados federais e senadores só terão direito ao foro privilegiado em casos de crimes cometidos durante o mandato e em função da atividade parlamentar. Nesse caso, o Ministério Público argumenta que “há razão suficiente para, neste momento, reconhecer que os fatos ocorridos denotam especial interligação nas condutas atribuídas a parlamentares federais e aos demais envolvidos”. A segunda tem a ver com o fato de que as doações da J&F nas eleições de 2014 precisam ser caracterizadas, pelas investigações, como “solicitações de vantagens indevidas pelos agentes políticos, antes de serem definitivamente entregues, dependiam de prévios interlóquios entre o ex-executivo Joesley Batista e Guido Mantega, ministro da Fazenda à época dos fatos”.
Esses temas vão gerar grandes polêmicas no Supremo Tribunal Federal. De certa forma, o fim das doações privadas de pessoas jurídicas, determinada pela Corte, passou uma régua nesse assunto, mas o passado não pode ser revogado e a linha divisória entre doações legais e lavagem de dinheiro de propina pelos partidos ainda não foi traçada. Há depoimentos de testemunhas, delações premiadas e o fluxo financeiro das transações investigadas, mas a interpretação do Ministério Público Federal precisa ser aceita pelo Supremo, a quem caberá separar o joio do trigo. Ou seja, haverá uma longa batalha jurídica. No plano eleitoral, porém, o desastre é imediato, pois a Polícia Federal terá 60 dias para concluir as investigações e isso significa uma agenda muito negativa às vésperas das eleições.
Não é à toa que os caciques do MDB estão pintados para a guerra. As declarações dos principais investigados dão bem o tom da reação, na qual todos têm uma tribuna livre no Senado para se defender, a começar pelo presidente da Casa: “A narrativa dos delatores é falsa e caluniosa”, disse Eunício Oliveira, que negou ter recebido doações eleitorais de Sérgio Machado, “seu adversário político histórico”, ou do Partido dos Trabalhadores. Jader Barbalho chutou o balde: “Desafio esse marginal internacional, dono da JBS, a provar, de qualquer forma, que eu recebi algum dinheiro dele, por doação oficial ou não”. Todos argumentam que receberam doações legais, devidamente declaradas à Justiça Eleitoral.
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Luiz Carlos Azedo: A caixinha de surpresas
O Brasil tem 144 milhões de eleitores. É a maior democracia de massas do mundo, devido ao voto direto, secreto e universal e às urnas eletrônicas, que garantem a lisura do pleito
O imponderável do processo eleitoral é o voto direto, secreto e universal, ou seja, a vontade do eleitor. Quando a incerteza permanece a cinco meses das eleições, é um sintoma de que nossa democracia está viva, graças à possibilidade de alternância de poder. Se considerarmos a emenda constitucional da reeleição que possibilitou a renovação dos mandatos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o fato de o presidente Michel Temer não liderar a corrida eleitoral deste ano somente reafirma esse princípio basilar da democracia. Outro é o direito ao dissenso, ou seja, a oposição gozar de plena liberdade para exercer seu papel e disputar o poder.
No limite das regras do jogo, o impeachment foi um instrumento legítimo de a antiga oposição depor o governo por crime de responsabilidade. Foi o que aconteceu com a presidente Dilma Rousseff, afastada do poder com base no rito previsto constitucionalmente, sob a presidência insuspeita do ministro Ricardo Lewandowski, que comandou a sessão do Senado em nome do Supremo Tribunal Federal (STF). O PT pode espernear à vontade, mas Dilma foi deposta por incompetência no exercício do cargo (administrativa, econômica e política). Tanto que a narrativa do golpe é acompanhada do perdão aos aliados que a traíram. Com exceção de São Paulo, em todos os estados, nas disputas regionais, o PT já está se coligando aos “golpistas”. Pura ironia.
Grosso modo, se imaginava que o governo Michel Temer, na medida em que pôs fim à recessão, jogou a inflação abaixo da meta e baixou os juros aos mais baixos de sua história pós Plano Real, manteria unidas as forças que apoiaram o impeachment, o que possibilitaria uma candidatura robusta dessa coalizão de forças, quiçá a dele próprio. Entretanto, não é o que acontece. Temer amarga os mesmos índices de popularidade a que a presidente Dilma Rousseff havia chegado quando seu governo rolou ladeira abaixo. Os motivos não são exatamente iguais no plano econômico, com exceção do desemprego, mas são os de sempre no plano das políticas públicas (segurança, educação, saúde, transportes, etc.) e os mesmos quanto à ética na política. O presidente da República foi arrastado para o olho do furacão da Lava-Jato desde a fatídica noite do encontro com Joesley Batista, dono da JBS, no Palácio do Jaburu, no ano passado.
Com Temer inviabilizado eleitoralmente, o candidato natural dessa coalizão seria o senador Aécio Neves (PSDB-MG), que havia batido na trave nas eleições de 2014. Entretanto, o líder tucano também foi tragado pela Operação Lava-Jato, com outros caciques da legenda, arrastando consigo o prestígio de seu partido. O resultado é a desidratação da candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin, que não decolou até agora e perde capacidade de agregação de outras forças, ainda mais fora do poder. O sintoma mais grave dessa dificuldade é a coligação formada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em torno de sua candidatura, com a participação do Solidariedade, do PP e do PRB. Sem apoio dessas forças, Alckmin terá grandes dificuldades para chegar ao segundo turno.
Voto majoritário
Mesmo preso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda goza de enorme prestígio. Mas sua popularidade já está contingenciada pela prisão; além disso, não pode ser candidato. A incógnita é saber se PT está se recuperando do isolamento e da derrota eleitoral de 2016. O cenário nos estados de Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Norte mostram que o PT pode sobreviver às urnas. Apesar da Lava-Jato, manteve sua base histórica graças à narrativa do golpe, à vitimização de Lula e à resiliência de sua militância, que beira o fanatismo messiânico. O problema é que a manutenção da “candidatura” de Lula, mesmo inelegível, por causa da Lei da Ficha Limpa, pode ser uma armadilha: a transferência de voto para o seu substituto, provavelmente o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, não será uma operação fácil com seu padrinho político atrás das grades.
Voltamos, pois, ao imponderável. Sem Lula e sem uma candidatura robusta de centro, a eleição está polarizada em Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), ambos sem tempo de televisão. Bolsonaro hoje estaria no segundo turno, tem forte articulação nas redes sociais e uma campanha de massas. Marina Silva, nas duas últimas eleições, mostrou notável resiliência, com pouco tempo de televisão, e pode chegar ao segundo turno. É nesse vácuo político que Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos) almejam chegar ao segundo turno, como candidatos à esquerda antiestablishment. À direita, é Bolsonaro.
O Brasil tem 144 milhões de eleitores. É a maior democracia de massas do mundo, devido ao voto direto, secreto e universal e às urnas eletrônicas, que garantem a lisura do pleito e a apuração do resultado no mesmo dia. Mas essas eleições foram contingenciadas por uma contrarreforma política, cujo objetivo foi salvar os mandatos de atual elite parlamentar. Esse objetivo pode ser alcançado nas eleições proporcionais, mas as pesquisas estão mostrando que nas majoritárias tudo pode ser diferente, principalmente para o Senado e a Presidência da República. No primeiro caso, porque as eleições ocorrem no primeiro turno; no segundo, porque o regime é presidencialista e a maioria dos eleitores ainda acredita que um presidente pode resolver tudo sozinho.
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Luiz Carlos Azedo: Ossos da abertura
Durante os governos Lula e Dilma, a Comissão de Verdade teve oportunidade de passar tudo a limpo, mas não revirou os porões do regime militar
A divulgação pelo pesquisador Matias Specktor, da Fundação Getulio Vargas (FGV), de memorando da CIA sobre reunião de 30 de março de 1974, entre o presidente Ernesto Geisel e três subordinados dos órgãos de segurança do Estado (generais Milton Tavares de Souza, Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe que sai e o que entra do Centro de Informações do Exército (CIE), e João Baptista Figueiredo, chefe do SNI) reabriu o debate sobre a anistia na opinião pública.
O documento teve grande repercussão no Brasil e no exterior. “Desconstrói” a imagem do general Geisel, o presidente militar que ampliou a estatização, apostou na exploração de petróleo em alto mar, criou o Proálcool, assinou o acordo nuclear com a Alemanha e reconheceu o governo de Agostinho Neto (MPLA), em Angola, até mesmo antes de a União Soviética fazê-lo. A “distensão” de Geisel permitiu a espetacular vitória do antigo MDB nas eleições de novembro de 1974, quando a oposição renasceu das cinzas, depois do fiasco eleitoral de 1970, momento em que a Arena, o partido do regime, venceu as eleições de ponta a ponta, menos no Rio de Janeiro. Em resposta, Geisel mudou as regras do jogo eleitoral com o Pacote de Abril de 1977, que criou o “senador biônico”, mas nem assim evitou nova derrota acachapante da Arena no pleito de 1978.
Àquela época, qualquer militante de esquerda engajado numa das organizações de oposição ao regime sabia que havia uma política de extermínio de líderes e dirigentes políticos da oposição, estivessem envolvidos com a luta armada ou não. O alto clero católico e a cúpula do regime militar, também, tanto que criaram uma comissão bipartite para tratar das violações de direitos humanos e dos sequestros praticados pelos órgãos de segurança, encabeçada pelo arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal Dom Eugênio Salles, e pelo general Antônio Carlos Murici, católico praticante. A comissão teve atuação discreta, mas cumpriu um papel relevante, salvando vidas.
O documento sobre a reunião é horripilante, mostra que o general Milton detalhou o trabalho do CIE durante o governo Médici, revelou a execução de 104 pessoas pelo CIE nos dois anos anteriores. Figueiredo apoiou e insistiu em sua continuidade. Geisel disse que pensaria sobre o assunto no fim de semana. No dia 1ª de abril, disse a Figueiredo para continuar com a política. Relatório da Comissão Nacional da Verdade constatou que 401 pessoas foram mortas ou desapareceram nos 21 anos de ditadura (1964-1985), a maioria no governo Emílio Médici (1969-1974). Já nos governos Geisel e Figueiredo morreram ou desapareceram 89 pessoas (1/4 do total desde o início do regime).
O jornalista Eumano Silva, que pesquisa a atuação dos órgãos de segurança durante o regime militar, pelo Twitter, destaca o impacto imediato da decisão: em 3 de abril de 1974, ou seja, dois dias depois da reunião, foram presos os dirigentes do Comitê Central do PCB João Massena Mello, Luiz Inácio Maranhão Filho e Walter de Souza Lima. Massena era metalúrgico e ex-deputado estadual cassado da antiga Guanabara, havia acabado de cumprir dois anos de prisão. Jornalista e professor universitário, Maranhão era ex-deputado estadual do Rio Grande do Norte, atuava junto ao clero católico, era amigo e interlocutor de Eugênio Salles. Ribeiro era jornalista e ex-tenente do Exército, expulso da Força por se opor ao envio de tropas brasileiras à guerra da Coreia; trabalhou com a equipe de Oscar Niemeyer na Terracap, na construção de Brasília, até o golpe de 1964. Era responsável pela montagem dos “aparelhos” da direção do PCB. Os três foram executados, seus corpos nunca foram localizados, como outros da lista.
Anistia recíproca
Diante dessas revelações estarrecedoras, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, que presidiu a Comissão da Verdade em 2013, cobra do Supremo Tribunal Federal (STF) a rediscussão da anistia dada aos agentes da ditadura: “A tortura era uma política de Estado, comandada pela Presidência, e Geisel foi coautor dos homicídios praticados”, argumenta, para concluir: “Neste momento em que corremos o risco de voltarmos à ditadura pelo voto, é importante demonstrar o que ela foi no Brasil”.
Esse é o ponto. A anistia recíproca foi a moeda de troca para a democratização, numa longa transição pacífica, iniciada em 1979 e somente concluída nas eleições diretas de 1989. Na Espanha, o acordo incluiu a restauração da Monarquia; na África do Sul, foi uma das condições para o fim do apartheid e a entrega do poder a Mandela. Aprovada pelo Congresso, fazia parte da estratégia de abertura do regime, que pretendia se institucionalizar via colégio eleitoral. À época, políticos exilados, como Leonel Brizola (PDT), Miguel Arraes, Luiz Carlos Prestes e Hebert de Souza (Betinho), o irmão do Henfil, voltaram ao Brasil.
A abertura de Figueiredo possibilitou o surgimento de partidos, inclusive o PT, mas não a legalização do PCB e do PCdoB. Viabilizou a transição, cujo ponto de ruptura com o regime foi a eleição de Tancredo Neves, um político liberal e moderado, que morreu sem assumir. Não foi à toa que os militares envolvidos nos assassinatos e torturas exigiram a anistia: as ordens vieram da Presidência. Durante os governos Lula e Dilma, a Comissão de Verdade teve oportunidade de passar tudo isso a limpo, mas não revirou os porões do regime militar, nem mesmo em relação à identificação dos ossos do cemitério de Perus nem sobre a atuação dos infiltrados nas organizações de esquerda. Sem embargo de que toda verdade é bem-vinda, e as famílias merecem toda reparação, por que mexer com a anistia recíproca?
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Luiz Carlos Azedo: O passado que assusta
Documento mostra que havia uma lista de condenados à morte, que foram executados com prévio conhecimento e autorização de Figueiredo e Geisel
Um documento divulgado ontem pelo pesquisador Matias Specktor, da Fundação Getulio Vargas (FGV), lança por terra todas as versões de que o então presidente Ernesto Geisel não endossou a tortura e os assassinatos de oposicionistas nos quartéis, em razão da demissão sumária do comandante do 2º Exército, Ednardo D’Ávila Mello, após morte do operário Manoel Fiel Filho nas dependências de uma unidade do Exército na Rua Tutóia, em São Paulo.
O metalúrgico morto vivia na capital paulista desde os anos 1950. Havia sido padeiro e cobrador de ônibus antes de exercer a função de prensista na Metal Arte, no bairro da Mooca. Em janeiro de 1976, foi preso por dois agentes do DOI-Codi, na fábrica, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). No dia seguinte à sua prisão, os órgãos de segurança emitiram nota oficial afirmando que Manuel havia se enforcado em sua cela com as próprias meias. Porém, de acordo com colegas, quando preso, usava chinelos sem meias.
As circunstâncias da morte são muito semelhantes às de Alexandre Vannucchi Leme e Vladimir Herzog, que geraram grandes protestos à época. Segundo relato da esposa, no dia seguinte à prisão, um sábado, às 22h, um desconhecido, dirigindo um Dodge Dart, parou em frente à casa e, diante dela, das duas filhas e de alguns parentes, disse secamente: “O Manuel suicidou-se. Aqui estão suas roupas”. Em seguida, jogou na calçada um saco de lixo azul com as roupas do operário morto. A mulher dele, então, teria começado a gritar: “Vocês o mataram! Vocês o mataram!”. A vida e a morte de Manuel são a base do documentário Perdão, mister Fiel — o operário que derrubou a ditadura no Brasil, dirigido pelo jornalista Jorge Oliveira, que mostra a atuação dos Estados Unidos na caça aos comunistas e nas ditaduras militares na América do Sul.
O episódio da demissão do comandante do Exército foi um momento de inflexão na repressão à oposição e, de certa forma, humanizou a passagem do general Geisel pela Presidência da República, tanto em razão da versão relatada no livro do jornalista Élio Gáspari, como também de sua entrevista autobiográfica a Maia Celina DÁraujo e Celso Castro, historiadores, na qual o episódio também é abordado.
Política de Estado
“Este é o documento secreto mais perturbador que já li em 20 anos de pesquisa”, comentou Matias Specktor. O memorando é um relato da CIA sobre reunião de março de 1974 entre o General Ernesto Geisel, presidente da República recém-empossado, e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Informações (SNI). O primeiro, o quinto e parte do sexto parágrafos do documento permanecem em sigilo:
“2. Em 30 de março de 1974, reuniu-se presidente do Brasil, Ernesto Geisel, com o general Milton Tavares de Souza (chamado de general Milton) e o general Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe que sai e o que entra do Centro de Informações do Exército (CIE). Também esteve presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do SNI.
3. O general Milton, que falou durante a maior parte do tempo, detalhou o trabalho da CIE contra os alvos subversivos internos durante a administração do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici. Ele ressaltou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista e que os métodos extralegais devem continuar sendo usados contra subversivos perigosos. A esse respeito, o general Milton disse que cerca de 104 pessoas nessa categoria foram sumariamente executadas pelo CIE durante o ano passado, ou pouco antes. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade.
4. O presidente, que comentou a seriedade e os aspectos potencialmente prejudiciais dessa política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana antes de chegar a qualquer decisão sobre sua continuidade. Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que muito cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que, quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe do CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O presidente e o general Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna e que o esforço geral do CIE será coordenado pelo General Figueiredo.
6. Uma cópia deste memorando será disponibilizada ao secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. [1½ linha não desclassificada]. Nenhuma distribuição adicional está sendo feita.”
Esse documento mostra que havia uma lista de condenados à morte, que foram executados com prévio conhecimento e autorização de Figueiredo e Geisel, ao mesmo tempo em que ambos operavam uma política de distensão cujo objetivo era a transferência do poder para um civil ligado ao regime e a retirada em ordem dos militares do poder para os quartéis. O primeiro objetivo foi frustrado pela eleição de Tancredo Neves, em 1985, mas o segundo foi alcançado plenamente, com a anistia recíproca.
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Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro e Lula
A tática do PT para evitar um desastre eleitoral em 2018 facilita a vida do ex-militar, que consolidou a imagem do antipetista
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ontem um pedido de liberdade apresentado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa votação virtual que está em 4 a 0. Votaram contra o pedido os ministros Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, e Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski. Falta votar o ministro Celso de Mello. Conhecida como Jardim do Éden, porque tem uma maioria de ministros garantistas, que frequentemente concede habeas corpus aos réus, a decisão de ontem é uma pá de cal nas pretensões do petista de concorrer à Presidência da República até que a sua inelegibilidade tenha transitado em julgado no Supremo. Sinaliza que não sairá da cadeia antes da eleição.
No mesmo dia em que Lula sofreu mais uma derrota acachapante na Justiça, seu principal concorrente, o deputado Jair Bolsonaro, foi entrevistado pelos colegas Leonardo Cavalcanti, editor de Política do Correio, e a colunista Denise Rothenburg (Brasília-DF), no programa CB Poder, da TV Brasília. Acompanhado em tempo real no Facebook, a entrevista teve 7,9 mil comentários, 1,7 mil compartilhamentos e 79 mil visualizações, a maioria esmagadora em apoio às declarações do ex-militar (veja o resumo na edição de hoje do Correio) e atacando os dois jornalistas. Qualquer declaração estapafúrdia do entrevistado era veementemente endossada por seus apoiadores. É um fenômeno semelhante ao que aconteceu na eleição de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos, que derrotou a democrata Hilary Clinton. Qualquer desatino de Trump fazia sucesso entre seus eleitores.
Tendo o ex-presidente Lula como inimigo principal, Bolsonaro construiu uma campanha cujas características principais são um discurso duro e reacionário, que agora começa a derivar contra a centro-esquerda, tipo todo mundo é farinha do mesmo saco; segundo, uma agenda focada na segurança pública e de conteúdo conservador nas questões de gênero; terceiro, uma base de apoio radicalizada, que se organizou nas redes sociais e tem poder mobilização onde quer que seu candidato vá. Bolsonaro é um gênio fora da garrafa; não volta mais. Os seus eleitores, digamos assim, não têm vergonha de ser feliz e pensam igualzinho ao seu candidato.
Há pelo menos duas razões robustas para o enraizamento da candidatura de Bolsonaro, ambas têm a ver com os governos Lula e Dilma Rousseff. A primeira é o hegemonismo petista no campo da esquerda, que passou a ser sinônimo de incompetência e corrupção. Quanto mais o PT desqualifica os demais partidos de esquerda, mais fortalece essa tendência. A segunda é a captura dos governos petistas pelo patrimonialismo, o fisiologismo e a corrupção, o que agora permite que o foco de Bolsonaro derive com força para a questão ética, no estilo do velho “udenismo”. De certa forma, a antiga oposição também preparou o terreno para isso, embora agora também esteja em chamas.
Alianças
De certa maneira, a tática desesperada adotada pela cúpula do PT para evitar um desastre eleitoral em 2018 com a inelegibilidade de Lula, mantendo sua candidatura inviável, mesmo que o líder petista já esteja preso, facilita a vida de Bolsonaro, que consolidou a imagem do anti-Lula. E acaba complicando a vida do próprio PT, porque abre espaço para a transformação de um dos demais candidatos no anti-Bolsonaro. Essa será a corrida do primeiro turno, entre Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), à esquerda, Geraldo Alckmin (PSDB) e Álvaro Dias (Podemos) e Rodrigo Maia (DEM), mais ao centro; descartada a candidatura de Joaquim Barbosa (PSB), que desistiu da disputa antes mesmo de entrar, embora já aparecesse nas pesquisas como um grande azarão da eleição.
O grande problema de Bolsonaro é que o discurso contra tudo o que está aí tem um preço: o isolamento político, que pode ser fatal por causa do tempo de televisão. Nas redes sociais, Bolsonaro vai muito bem, obrigado; na tevê aberta, porém, será um fiasco. Nesse aspecto, contudo, está no mano a mano com a Marina. O problema é o que pode acontecer se essa desvantagem estratégica, em termos de televisão, se mantiver como nas eleições passadas. Bolsonaro pode minguar e os candidatos com mais tempo de televisão, crescer.
Essas são as grandes apostas de Alckmin e Maia. O primeiro começa a se reaproximar do MDB, apesar do ônus que isso pode trazer num momento em que o presidente Michel Temer e seus principais auxiliares são a bola da vez da Operação Lava-Jato. O segundo tenta uma aproximação com o Solidariedade e o PP, o que lhe daria uma bancada numerosa e barulhenta na Câmara e paridade estratégica com Alckmin em termos de tempo de televisão.
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Luiz Carlos Azedo: Música para profissionais
Desta vez, a esfinge é que foi devorada. Com a saída de Barbosa, que seria o grande outsider nas eleições deste ano, o jogo voltou a ser exclusivamente dos políticos, com seus defeitos e qualidades
Já virou lugar-comum a frase famosa do compositor e maestro Antônio Carlos Jobim: “O Brasil não é para principiantes”. Serve como uma luva para a decisão do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa de não concorrer à Presidência da República. O ex-ministro, depois que se filiou ao PSB, apareceu em todas as pesquisas como um candidato competitivo, mas em nenhum momento anunciou a candidatura. Nem a cúpula do PSB. Ontem, pelo Twitter, comunicou a desistência; os governadores do PSB agradecem.
Barbosa é orgulhoso de ter chegado aonde chegou pelo esforço pessoal; nas peladas ou nas sessões do Supremo, não era de levar desaforo para casa. Notabilizou-se como relator do mensalão, a ação penal que levou à cadeia o ex-presidente do PT José Genoíno, o tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex-ministro José Dirceu, entre outros caciques da legenda. Entretanto, não era um antipetista de carteirinha. Não só havia votado no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como se manifestou contra o impeachment de Dilma Rousseff.
A candidatura de Barbosa empolgou os militantes do PSB, mas não seus governadores, principalmente o de Pernambuco, Paulo Câmara; muito menos o de São Paulo, Márcio França, o vice que assumiu o lugar de Geraldo Alckmin (PSDB) com o compromisso de apoiar o tucano à Presidência. No encontro que teve com a Executiva do PSB, ficou patente a falta de empatia entre os caciques do partido e o jurista cascudo. Fizeram um pacto de não-agressão: Barbosa saiu falando que não havia se decidido ainda e, a Executiva do PSB, que avaliaria a candidatura.
Mesmo assim, o suspense mexeu com o posicionamento dos demais candidatos. As candidaturas de Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Alckmin foram abaladas. Barbosa também era uma ameaça para Jair Bolsonaro. A seguir, o ex-ministro passou a ser fustigado na mídia e nas redes sociais como se fosse candidato. O questionamento era sobretudo em relação às suas ideias políticas. Grosso modo, Barbosa é um democrata com ideais liberais sobre o Estado, mas muito pouco se sabe sobre o que pensa em relação à economia e à política propriamente dita. Nesse período de lusco-fusco, comportou-se como um grande mudo. E foi muito cobrado por isso.
Barbosa permaneceu assaltado pelas dúvidas em relação à candidatura, em razão de certa ojeriza pela política tradicional, que exige muita inteligência emocional para administrar conflitos, fazer alianças complexas, suportar traições e frustrações de toda ordem. Desta vez, a esfinge é que foi devorada. Com a saída de Barbosa, que seria o grande outsider nas eleições deste ano, o jogo voltou a ser exclusivamente dos políticos profissionais, com seus defeitos e qualidades.
Novo cenário
Ainda há muita indefinição no cenário eleitoral. Até agosto, com uma Copa do Mundo no meio do caminho, muita coisa pode acontecer. Mas algumas tendências já estão mais ou menos definidas. A primeira é a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do pleito. Preso em Curitiba, dificilmente sairá da cadeia até as eleições. Isso significa que não possa transferir votos para outro petista? Não, ainda tem prestígio eleitoral e conta com a resiliência dos militantes do PT. A insistência em manter sua candidatura, porém, fragiliza a campanha de seu substituto. Aparentemente, Lula está mais preocupado com a sua imagem do que com o desempenho eleitoral do seu eventual substituto. Entretanto, tudo dependerá da cabeça do eleitor.
Uma consequência imediata da não candidatura de Lula é o favoritismo de Bolsonaro (PSL), cuja campanha ganhou características de massa, embora não consiga ampliar suas alianças e tenha pouco tempo de televisão. A mesma coisa acontece, num quadrante à esquerda, com Marina Silva (Rede), que vive o mesmo dilema do isolamento político e da falta do tempo de televisão. Outra tendência é o fortalecimento da candidatura de Ciro Gomes (PDT), que herda os votos de Lula no Nordeste e pode vir a ser um candidato apoiado pelo próprio PT, como alguns petistas importantes já defendem nos bastidores. Álvaro Dias (Podemos) também se fortalece no Sul, avançando pela franja paulista da fronteira do Paraná.
E onde está o centro? A candidatura de Michel Temer à reeleição não passou de sonho de uma noite de verão. Encurralado pela Lava-Jato, o presidente da República não tem como manter o MDB unido em torno de seu nome por causa da impopularidade. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que também se lançou candidato, não vive o drama da rejeição astronômica, mas também não consegue emplacar a candidatura. Quem resiste é Alckmin, muito mais pelo estoicismo do que pela sua força eleitoral. Fora do Palácio dos Bandeirantes, dedica-se a montar os palanques do PSDB nos estados e tenta uma aproximação com o MDB. A vantagem estratégica que tem na eleição é o tempo de televisão e esses palanques; mas ninguém sabe se isso funcionará como rampa de decolagem na eleição.
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Luiz Carlos Azedo: Boff e a ideia
A narrativa glauberiana do ex-franciscano não é gratuita, mira a punição imposta pela Justiça. Lula é tratado como um messias, que surge para anunciar a boa nova
O teólogo Leonardo Boff, após visitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, comparou o petista a dois ícones mundiais, o indiano Mahatma Gandhi, que liderou a independência da Índia com sua “resistência pacífica”, e Nelson Mandela, que comandou da prisão a luta contra o apartheid na África do Sul, que teve um braço armado. Boff disse que Lula é candidatíssimo e se coloca “acima das brigas jurídicas”.
Boff havia tentado visitar o ex-presidente em 19 de abril, mas o pedido foi negado. Entretanto, Lula foi autorizado a receber “assistência espiritual” às segundas-feiras, além de visitas de dois “amigos” às quintas. Aproveita essas oportunidades para fazer campanha. “Se ganhar, vou não só repetir aquelas políticas sociais que fiz, mas fazer com que sejam políticas de Estado, que entrem no Orçamento, que sejam o centro do poder econômico e político orientado para aqueles que sempre foram excluídos”, disse Lula ao teólogo.
Ao sair do encontro, Boff afirmou que o petista está “muito bem” e “tem uma indignação justa, de quem sofre por causa de falsificações, distorções e mentiras com o objetivo de liquidar a candidatura dele e enfraquecer o mais possível o PT”. A narrativa é puro messianismo, do tipo “dragão da maldade” contra o “santo guerreiro”, corroborada por um teólogo da libertação. Como se sabe, na década de 1960, Boff exerceu grande influência na Igreja Católica, não somente no Brasil, mas em toda a América Latina.
A Teologia da Libertação se baseou em três correntes teológicas: o Evangelho Social, a Teologia da Esperança e a Teologia Antropo-política, que inspiraram o teólogo Harvey Cox, em 1965, a contestar a obra clássica de Santo Agostinho, De Civitate Dei. No lugar da clássica divisão entre a cidade dos homens (o mundo terreno) e a cidade de Deus (o mundo espiritual), a cidade dos operários oprimidos (o mundo proletário), a cidade dos donos do poder (o mundo geopolítico) e a cidade dos capatazes opressores (o mundo burguês).
Na obra Uma teologia da esperança humana (cujo título original era Em direção a uma Teologia da Libertação, sua tese de doutoramento no Princeton Theological Seminary), o então pastor presbiteriano e teólogo brasileiro Rubens de Azevedo Alves, no exílio, estabeleceu o que pode ser chamado de “afinidade eletiva” entre as teses de Cox e o marxismo: a dualidade mundo terreno/mundo espiritual teria sido superada pela dualidade mundo proletário/mundo burguês. O passo seguinte, a criação das chamadas “comunidades eclesiais de base”, teve grande apoio do alto clero católico latino-americano que fazia oposição aos regimes militares.
Na Igreja Católica, os principais teólogos latino-americanos foram o peruano Gustavo Gutiérrez, dominicano, recentemente recebido pelo Papa Francisco, numa espécie de “reabilitação”, e Leonardo Boff, que era franciscano. As críticas de Boff à hierarquia da Igreja, no livro Igreja, Carisma e Poder, acabaram provocando forte reação de Roma. Foi punido pela Congregação para a Doutrina da Fé, então dirigida por Joseph Ratzinger, mais tarde o Papa Bento XVI.
Sem batina
O próprio Cardeal Ratzinger concluiu que as opções de Boff “são de tal natureza que põem em perigo a sã doutrina da fé, que esta mesma Congregação tem o dever de promover e tutelar”. Em 1985, o franciscano foi condenado a um ano de “silêncio obsequioso”, perdendo sua cátedra e suas funções editoriais na Igreja Católica. Em 1986, recuperou algumas funções, mas sempre sob observação de seus superiores. Em 1992, ante novo risco de punição, pediu dispensa do sacerdócio. Uniu-se, então, à educadora e militante dos direitos humanos Márcia Monteiro da Silva Miranda, divorciada e mãe de seis filhos, com quem mantinha uma relação amorosa em segredo desde 1981.
A Igreja Católica dedicou dois documentos à Teologia da Libertação na década de 1980, considerando-a herética e incompatível com a doutrina católica, mas o movimento se manteve vivo, com reuniões a cada dois anos. No Brasil, sob a liderança de outro teólogo, Frei Beto, que é amigo de Lula e de Boff, as “comunidades eclesiais de base” derivaram para a construção do PT, o que garantiu ao partido sua base popular fora do âmbito do movimento sindical, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Sem esse apoio, o PT jamais seria um partido nacional e de massas; e Lula também não seria uma “ideia”, pois o petista nunca defendeu uma doutrina política, sempre se considerou “uma metamorfose ambulante”.
A narrativa glauberiana de Boff não é gratuita, mira a punição imposta pela Justiça. Lula é tratado como um messias, que surge para anunciar a boa nova e trazer a esperança de volta àqueles que não a têm, uma espécie de cristo dos desvalidos, em torno do qual os excluídos e oprimidos devem se reunir. A ideia de que o petista está “acima das brigas jurídicas” é perigosa, pois subordina o Supremo Tribunal Federal (STF) à ambição de poder do PT.
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Luiz Carlos Azedo: Revirando o lixo da História
A condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo agir e pensar politicamente, em regime de plena liberdade
Exumei das redes sociais um velho texto (lá se vão três anos) publicado nessas “Entrelinhas” para analisar o colapso do governo Dilma. O título da coluna era “A lata do lixo da História”, o nome de uma peça dos anos 1970 do sociólogo Roberto Schwartz, então professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP), na qual fazia uma sátira ao regime militar. A expressão “vai para a lata do lixo da História” era muito usada por setores de esquerda na época, servia para menosprezar o papel dos liberais na luta pela democracia; hoje, serve aos liberais que consideram toda a esquerda ultrapassada e não apenas os setores ligados ao PT. É um erro. O Brasil precisa de uma esquerda moderna que dialogue com os liberais para reconstruir o centro democrático.
Essa lembrança veio a propósito do discurso do presidente da China, Xi Jinping, ao comemorar o bicentenário do nascimento de Karl Marx, no Grande Palácio do Povo: “O marxismo, como um amanhecer espetacular, ilumina o caminho da humanidade na sua exploração das leis históricas e na busca da sua própria libertação”. Em resumo, disse que os comunistas chineses precisam voltar às origens. Entretanto, Karl Marx é um dos sujeitos mais mal interpretados de todos os tempos, por esta razão: seus escritos partem do princípio de que a ação política não pode estar descolada do pensamento intelectual.
Após sua morte, em 14 de março de 1883, a teoria de Marx foi simplificada e instrumentalizada para a luta política, inclusive por seu amigo Frederico Engels e seu genro, Paul Lafargue. Social-democratas, socialistas e comunistas usaram sua crítica como estratégia política, mas Marx nunca teve uma fórmula para construir um mundo diferente do capitalismo. Mesmo assim, os conceitos de “valor” e “fetichismo”, suas grandes contribuições à compreensão do capitalismo, perderam espaço e influência para o conceito de “luta de classes”.
Grande exemplo é um livro de Josef Stalin intitulado Problemas econômicos do socialismo na URSS, de 1953, com o qual o líder comunista puxou as orelhas dos economistas da Academia de Ciências: “Por isso, estão absolutamente errados os camaradas que declaram que, uma vez que a sociedade socialista não liquida as formas mercantis de produção, então todas as categorias econômicas próprias do capitalismo deveriam alegadamente ser restabelecidas no nosso país: a força de trabalho como mercadoria, a mais-valia, o capital, o lucro do capital, a taxa média de lucro etc.”
Stálin varreu para debaixo do tapete problemas que mais tarde levaram ao colapso a antiga União Soviética: “Além disso, penso que precisamos igualmente abandonar alguns outros conceitos, retirados de O Capital, no qual Marx procedeu à análise do capitalismo, e que são artificialmente apensos às nossas relações socialistas. Refiro-me, entre outros, a conceitos como trabalho necessário e sobretrabalho, produto necessário e sobreproduto, tempo necessário e suplementar. A conta chegou para Gorbatchov na década de 1990: quando o líder comunista quis retomar a discussão, na Perestroika, o socialismo real já era. Talvez Xi Jinping esteja diante do mesmo debate no seu país, onde os operários são superexplorados e florescem uma nova burguesia e uma robusta classe média.
Parêntesis: na teoria de Marx, valor é aquilo que permite comparar duas mercadorias. A quantidade de trabalho que foi incorporada à mercadoria é que determina o seu valor. Já o fetiche é uma consequência disso: uma cortina que nos impede de ver a mercadoria em si. No caso de um celular, por exemplo, não conseguimos perceber todo o processo produtivo que está por trás da sua fabricação — na China, por exemplo —, mas somente o produto final, como se o aparelho, em si, tivesse vida própria na loja.
Grande jogo
A gênese dos partidos operários é velha tese marxista da centralidade do trabalho na luta política, que parte da ideia de que a contradição entre o trabalho e o capital é o motor da história e o eixo de atuação política do partido, ou seja, a luta de classes. Vem daí o glamour perdido do PT e o fascínio de intelectuais e artistas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A filósofa alemã Hanna Arendt, uma democrata radical, via nessa concepção que absolutiza o trabalho uma das raízes do totalitarismo. Para ela, a condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo “agir e pensar politicamente”, em regime de plena liberdade, o que tanto o fascismo como o stalinismo não permitiram. Essa crítica “racionalista” hoje faz ainda mais sentido, porque o trabalho humano está sendo substituído pelo “não trabalho” dos robôs e sistemas de inteligência artificial.
A China hoje é o nosso principal parceiro comercial, seguida dos Estados Unidos. Ambos disputam o controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. O “grande jogo” da política mundial e a globalização, porém, para muitos setores da esquerda, continuaram sendo vistos na óptica dos velhos paradigmas, ou seja, o inimigo principal é o imperialismo norte-americano; o capitalismo de Estado, após a tomada do poder, é a antessala do socialismo. Não importa que os Estados Unidos sejam uma democracia e a China, uma ditadura. Nunca é demais lembrar que o colapso do governo Dilma se deveu às ideias políticas e econômicas fora de lugar, que apostavam numa aliança com a China, a Rússia, a África do Sul e a Índia como aliados principais, contra os Estados Unidos e a Comunidade Europeia, seguidas por práticas patrimonialistas estimuladas por Lula, que enlamearam toda a esquerda e jogaram as lideranças do PT na cadeia. Todas essas ideias velhas não morreram, estão vivíssimas nestas eleições de 2018. E não na lata do lixo da história.
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Correio Braziliense: 'Quando o Brasil tem problemas, chama o Meirelles'
Henrique Meirelles acredita que vai sair de 1% de preferência para a maior parte dos votos ao Planalto. Diz ter pesquisas que demonstram essa possibilidade. E vai pôr a mão no bolso para bancar a campanha
A semana passada foi um divisor de águas na vida do engenheiro Henrique Meirelles. Ele chegou de uma viagem internacional na terça-feira. Na quarta, mergulhou integralmente na pré-campanha para a Presidência da República. E concedeu ao Correio a primeira entrevista nesta nova fase.
Está despachando com assessores em salas da Fundação Ulysses Guimarães, do MDB, instalada em uma casa na Península dos Ministros, no Lago Sul. Desde 6 de abril fora do Ministério da Fazenda, ele passou as últimas semanas em uma série de compromissos no exterior.
Aos 72 anos, Meirelles já fez muita coisa na vida. Trabalhou no BankBoston, do qual se tornou o principal executivo mundial. Depois, foi presidente do Banco Central no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, voltou ao setor privado, onde atuou para o grupo J&F. E voltou a Brasília há dois anos para comandar a economia.
Ele já fez até campanha eleitoral — foi o deputado mais votado de Goiás em 2002 pelo PSDB, mas teve que renunciar ao cargo quando foi para o BC. Nada se compara, porém, ao próximo desafio, de chegar ao Planalto. Sobretudo quando se leva em conta que apenas 1% dos eleitores ouvidos nas pesquisas dizem que pretendem escolhê-lo.
A candidatura é vista com grande ceticismo no mundo político, inclusive em seu partido, a que se filiou depois de deixar o PSD. Nada que abale Meirelles, aparentemente. Ele sorri muito mais do que na época em que estava na Fazenda. E assevera que é possível vencer. “Testes qualitativos mostram com muita clareza que existe uma possibilidade de, com a devida informação, haver uma mudança muito grande na avaliação dos eleitores. Tenho minha estrutura de pesquisas mais profundas e, no meu caso específico, algumas coisas que são vistas por alguns como negativas são vistas pela população como positivas”. A seguir, ele explica por que acredita ser possível sair do atual patamar e convencer metade dos brasileiros de que é a melhor opção para o Planalto.
Qual é o diferencial da sua candidatura, aquilo que só o senhor pode entregar para a população?
Uma proposta baseada em realizações concretas e objetivas, desde a recuperação da economia, que ocorreu a partir do segundo semestre de 2016 e se consolidou em 2017 e em 2018. Isso envolve controle de inflação, que é fundamental para a economia e também para o padrão de vida das pessoas. Temos a menor inflação desde 1998 e, para as classes mais baixas, a menor da história do país. A velocidade da recuperação é uma discussão muito técnica, porque, na realidade, saímos de uma recessão de -3,5% (de queda do Produto Interno Bruto, PIB) e estamos crescendo a 1,17%. Só que esse número é uma média. Se pegarmos, na margem, o último trimestre de 2017 e compararmos com o último trimestre de 2016, o crescimento foi acima de 2% e entramos, neste ano, crescendo a um ritmo mais acelerado.
Mas e o desemprego? Os dados não são animadores: aumentou e já atinge 13,7 milhões de pessoas.
O emprego tem reagido. Existiu um período pior, no começo de 2017, quando chegamos a ter 89,5 milhões de pessoas trabalhando. No fim de 2017, eram 91,5 milhões, um aumento de dois milhões de postos de trabalho. Em janeiro e em fevereiro, houve a criação líquida. Os economistas ainda estão analisando março e talvez exista um ruído estatístico, com dados do mercado informal, que não são muito precisos. É preciso levar em conta que o desemprego atingiu o maior patamar da história, e não se corrige, em um passe de mágica, algo que levou vários anos para ser destruído. Não há uma recuperação do dia para a noite.
A explicação técnica é impecável. Mas, como candidato, o que o senhor vai falar para essas pessoas que ainda não conseguiram emprego?
É muito simples. O emprego que se destruiu em vários anos não se reconstrói rapidamente. O fato é que essa reconstrução está sim em um ritmo forte. Não existe nada melhor, na minha visão, para qualquer argumentação do que os fatos. Mas estamos vivendo ainda as consequências de uma recessão enorme, que foi a maior do país. Vamos colocar assim: alguém ficou doente, foi para a UTI, teve uma melhora e saiu do hospital, mas não está correndo ainda na mesma velocidade que corria. Está um pouco fraco, é verdade, mas houve um avanço extraordinário.
Se o país saiu do hospital, por que o presidente Temer tem uma rejeição tão alta e não consegue sequer circular pelas ruas?
É difícil avaliar a questão de popularidade. Acho que, no devido tempo, o trabalho dele será reconhecido.
Mas dá tempo de ser reconhecido até a eleição?
Não sei. Vamos ver. O país já está se recuperando e crescendo, as reformas estão produzindo efeito e o país está se modernizando etc. Historicamente, no Brasil, os governos são reconhecidos por controle de inflação, não tenha dúvida, e por crescimento. Demora um pouco de tempo para a pessoa absorver, a não ser que haja algo como o Plano Real, quando teve uma queda brusca da hiperinflação. A percepção foi imediata. Mas isso é raro na história.
Mas tem que perceber isso nos próximos dois meses, senão não dá para recolher os dividendos na campanha, certo?
Até o dia da eleição está bom.
O senhor tem um desafio político que é convencer o MDB a aprovar uma candidatura em uma onvenção. O senador Renan Calheiros (AL) nos deu uma entrevista dizendo que o senhor é a versão piorada do presidente Michel Temer. Diz que o senhor nem é político. O que tem a dizer?
(Olha no celular antes de responder e demora alguns minutos e pede para repetir a pergunta.) Em primeiro lugar, o senador tem todo o direito de ter sua própria opinião. Vivemos em uma democracia e seria surpreendente que, num partido tão grande e tão diversificado, com tantas forças políticas, houvesse opiniões unânimes. Eu discordo. Acho que ele está errado. O MDB tem a oportunidade histórica de ter um presidente da República na medida em que o partido está dirigindo o país em um momento em que ele sai da maior recessão da história, de uma crise maior que a de 1929. A população vai reconhecer isso no devido tempo. Testes qualitativos mostram com muita clareza que existe uma possibilidade de, com a devida informação, haver uma mudança muito grande da avaliação dos eleitores. Tenho minha estrutura de pesquisas mais profundas e, no meu caso específico, algumas coisas que são vistas por alguns como negativas são vistas pela população como positivas.
Por exemplo?
O fato de eu não ter um histórico político e ter um bom histórico de serviço público. O fato de ter sido presidente do Banco Central durante os oito anos do governo Lula, de ter controlado a inflação e o PIB do país ter voltado a crescer. O fato de eu ter saído no governo Dilma e o país ter entrado em recessão e em crise. E, agora, quando eu voltei ao governo com o presidente Temer, estamos fazendo o país voltar a crescer e a inflação cai de novo.
O senhor saiu e o desemprego dá uma subidinha.
É. Deu uma subidinha (risos). No momento em que essas informações são levadas à população, pelos testes que eu estou fazendo, ela tem uma reação boa. Algumas coisas que alguns políticos veem como negativas, na verdade, na avaliação que nós fizemos, têm um efeito muito positivo.
O senhor acha que Lula vai ser candidato?
Olha, não sou jurista. Mas o que leio e vejo de opiniões é que o ex-presidente não terá condições de ser candidato pela Lei da Ficha Limpa, independentemente do julgamento do processo penal.
O senhor já tentou conversar com o PT e ter um contato com o ex-presidente?
Não. Tem algum tempo que não converso, até porque estava no Ministério da Fazenda. Só agora que eu estou retomando as atividades políticas.
O senhor pensa em visitar o ex-presidente Lula?
Não cheguei a pensar nesse assunto. Eu estava 100% do tempo dedicado ao Ministério da Fazenda. E, depois que saí, entrei em uma agenda muito intensa com viagens ao exterior, porque já tinha compromissos. Cheguei ontem (terça-feira). Hoje é o primeiro dia de fato em que estou iniciando a campanha e conversas políticas.
A rejeição aos políticos é muito grande, talvez a maior da história. Como associar seu nome e sua candidatura ao momento político?
Em primeiro lugar, meu histórico. Em segundo, é inegável o fato de que eu trabalhei de uma forma muito eficaz e bem-sucedida com o presidente Temer e os resultados são muito bons. Trabalhei com outra estrutura no governo Lula, em que eu tinha independência no Banco Central, com muito sucesso. Acredito que tenho um histórico a apresentar que, quando eu testo nos programas de pesquisa qualitativa, é muito bem recebido.
Mas o MDB está muito desgastado pela corrupção, que é justamente um tema que vai ser forte na campanha. Como o senhor vai trabalhar o fato de vários integrantes do partido estarem envolvidos em escândalos e investigados durante a campanha?
É muito simples: existem membros de todos os grandes partidos brasileiros sendo acusados. Isso não é uma exclusividade do MDB. Inclusive, o líder do PT está detido. O PSDB tem também acusações extensas.
O senhor também já trabalhou para a JBS. Como vai responder a isso?
Exatamente como tenho respondido. Com serenidade e tranquilidade. Esse assunto já está devidamente esclarecido, já foi investigado suficientemente. Está desaparecendo.
Mas o senhor não teme que isso seja usado contra o senhor?
A maior parte da minha carreira profissional foi no BankBoston, uma instituição internacional, em que eu trabalhei 30 anos. Fui presidente mundial. Essa foi a minha principal carreira. Fui primeiro e último brasileiro numa posição dessas. Fui presidente do Banco Central no governo Lula. Saí e, depois de cumprir quarentena, fui presidente do Conselho do Lazard, um dos maiores bancos internacionais. Além disso, prestei serviço de orientação para a montagem da plataforma digital do Banco Original (da holding J&F), que é, aliás, bem-sucedida. Foi um trabalho essencialmente técnico.
Olhando para campanha, analistas falam que a candidatura do Temer estaria inviabilizada com uma terceira denúncia da Procuradoria-Geral da República, o que aumentaria as chances de o senhor ser o candidato do MDB. Se houver resistências, o senhor aceitaria ser vice de outra chapa?
O MDB fez uma pesquisa interna e a maioria dos membros do partido, mais de 60%, optou por ter uma candidatura própria. Caso, por alguma razão, o presidente decida que não deve concorrer, certamente, nessa hipótese, eu deverei ser o candidato do partido. Não se justifica, portanto, uma aliança com outros partidos na medida em que a grande história de sucesso no Brasil hoje é do MDB. Nada impede o PSDB de aceitar a candidatura de vice-presidente. Por que não? (risos)
O senhor vai financiar a própria campanha? Como está a definição do uso do fundo partidário?
Não há uma definição clara sobre o uso do fundo. A princípio sim, eu tenho condições para isso.
O senhor tem condições de se financiar integralmente?
Eu tenho que analisar os custos da campanha, preliminarmente, e ver qual a definição dos limites de autofinanciamento. Com tudo definido, eu vou olhar isso, mas não é um assunto que me preocupa.
O senhor pretende levar o que fez na economia para outros setores? Nas áreas que mais preocupam os brasileiros, como segurança e educação, qual é o seu projeto?
Vamos começar com segurança. Em primeiro lugar, temos que ter um país crescendo, gerando aumento de arrecadação para os estados, que são os responsáveis primários pela segurança no pacto federativo. A crise do Rio de Janeiro tem origem primária no estado de calamidade financeira decretada pelo governo estadual. A recuperação fiscal é fundamental, assim como um plano de integração de polícias e sistemas de planejamento e informação. Depois, temos que ter também todo um projeto de melhora de proteção de policiamento de fronteiras terrestres e aéreas. Em resumo, acho que é um plano nacional, abrangente, que envolve um país em recuperação econômica. Um país com a União e os estados quebrados não enfrenta os problemas nas áreas de segurança e de educação, nem de saúde.
E o plano para a educação?
A questão da educação brasileira é a seguinte, principalmente, para quem cursa o ensino médio: houve um aumento grande de número de estudantes na escola e no número médio de anos de cada estudante nas escolas, mas a qualidade caiu. E isso foi resultado de uma abordagem ideológica dos governos anteriores, de não priorizar o desempenho, a qualidade. A busca do desempenho é o próximo passo na educação. Para isso, a reforma do ensino médio é fundamental. Tem que mudar a estrutura, remuneração, treinamento e focar o desempenho. Eu já tive a oportunidade de ir para Coreia do Sul para estudar esse assunto. É um exemplo claríssimo para o Brasil. O segredo do crescimento de longo prazo foi educação.
Precisa de mais verba para educação?
Também, mas de olho na qualidade e com foco na meritocracia. Sou a favor da escola sem partido. O estudante tem que ter provas que vão aumentando a exigência ao correr do tempo, com todo um processo voltado para o desempenho. O estudante estará melhor se ele aprender, e não, simplesmente, se passar de ano. Estamos fazendo bem ao jovem no momento em que se qualifica melhor, para ganhar mais, para produzir mais para si, para a família e para o país.
E sobre temas polêmicos como a liberação de aborto e união homoafetiva? Qual o seu posicionamento?
O segundo o que é?
União homoafetiva.
Evidentemente, tenho uma posição liberal, em geral, nos costumes, preservando os valores da família etc. Eu acredito na liberdade individual das pessoas, preservando, no entanto, os valores das diversas religiões. Respeito o direito daquelas religiões que são contra o aborto e o casamento de homossexuais. Por outro lado, sou liberal e acredito na liberação de costumes.
Portanto, o Estado não deve proibir?
Ele não deve intervir. Acredito nisso, sim.
Mas existem possibilidades de retrocesso nessas duas questões, principalmente, em relação ao borto, que é permitido em determinadas situações, mas há grupos políticos que querem retirar isso. Como o senhor vê isso?
Olha, acredito que, em determinadas circunstâncias específicas, ele deve, sim, ser permitido. Por outro lado, eu respeito aqueles que têm uma opinião religiosa absolutamente contra. Eu vim de uma família extremamente religiosa, bastante conservadora. Sempre respeitei isso integralmente.
E a reforma da Previdência? Seus adversários dizem que, se o senhor for presidente, voltaria à proposta inicial, considerada muito dura. Vai refazer o projeto?
Acho que essa fase já foi ultrapassada. Discutimos isso no Congresso extensamente, com todas as bancadas e todos os partidos. Estamos em uma etapa onde existe um substitutivo como projeto de consenso.
No próximo governo, o que alguns críticos dizem é o contrário, que esse projeto consensual é comedido em relação ao que é necessário. Viria algo mais ousado?
Temos que seguir a partir desse acordo que foi feito. Esse projeto que ali está dá um bom horizonte por 10 anos ou mais.
Há quem critique muito o Ministério Público e a Polícia Federal em relação às delações e outras coisas. O senhor acha que houve exagero por parte deles nessa onda de denúncias e nessas investigações da Lava-Jato?
(Outra pausa para olhar o celular e pede para repetir a pergunta) Em primeiro lugar, sou absolutamente favorável à independência do Judiciário e sou contra a politização da Justiça. Em qualquer atividade humana, seja na política, seja na religião, seja na medicina, seja no jornalismo, você está sujeito a exageros, a erros e a problemas que devem ser corrigidos normalmente. Sou sujeito a críticas desde o primeiro dia em que assumi o Banco Central, em janeiro de 2003. E sempre achei muito positivo, porque vou examinando e vendo exatamente o que eu posso aperfeiçoar, principalmente, no serviço público.
Sobre a prisão do ex-presidente Lula, qual é a sua avaliação?
É uma decisão da Justiça. Do ponto de vista pessoal, trabalhei com ele, tinha uma relação boa. É sempre triste. Eu não entro em decisão judicial. Não se deve politizar ou personalizar a Justiça.
O senhor passou oito anos com o ex-presidente Lula. Em algum momento, imaginou que teria ssa confusão toda na Petrobras?
Não.
Como um governante pode se precaver desse tipo de malandragem?
Olha, nas instituições que dirigi, isso não houve. Estava no Banco Central, que teve uma conduta durante todo aquele período, e, até hoje, é irrepreensível. A nova lei das estatais está ajudando muito nesse processo. Essa é uma questão de critério de escolha dos dirigentes e de formação de estrutura de governança dentro das empresas.
Teria sido possível evitar?
A Petrobras hoje está sendo bem administrada. É só observar.
Como voltar a crescer se as contas públicas estão em frangalhos?
Com as privatizações como a da Eletrobras, o país poderá sim crescer a taxas próximas de 4%. Nossos cálculos indicam que o país pode crescer 3% em 2018 e depois aumentar. Temos plenas condições de resolver o desemprego no Brasil, sem dúvida. E isso vai além da questão do desemprego, é a qualidade do emprego, o nível de renda. Para aumentar o nível de renda, precisamos aumentar as taxas de crescimento, e isso será feito com todas as reformas.
Mas e a questão fiscal? A perspectiva do ano que vem é não conseguir cumprir sequer a regra de ouro. Como o senhor vê isso?
Para cumprir a regra do teto nos próximos anos, será muito importante a reforma da Previdência, não há dúvida. A norma mais séria é o teto, porque está na Constituição, com mecanismos autocorretivos muito fortes. Se não for cumprida, serão aplicados, automaticamente, congelamento nominal de salários, de subsídios, tudo. A decisão de manter ou não o teto não é política, mas fiscal. A despesa da Previdência Social, como está, é insustentável. Hoje, todos os benefícios, incluindo os assistenciais, representaram 57% do Orçamento da União. Se não fizer nada, vão para 80%. Daqui um pouco de tempo, se o Brasil não fizer a reforma (da Previdência), não vai ter dinheiro para segurança, para educação, para saúde, nem para emenda parlamentar.
O senhor tem uma trajetória bem-sucedida. Foi testado por vários governos. Por que a Presidência da República agora? É um desejo antigo?
É uma evolução natural e é uma manifestação que comecei a ver em um grande número de pessoas. É normal eu ir nos mais diversos eventos no Brasil e no exterior, e as pessoas me procurarem dizendo: “Precisamos de um homem como o senhor”, exatamente por todas as minhas características e trajetória. Nos testes qualitativos que nós fizemos, uma das perguntas é: “Quais são as características que você acha que deve ter o próximo presidente da República?”. “Competência, seriedade, experiência e honestidade” são as quatro características que as pessoas apontam no país inteiro. Depois de contar minha história, mostrar vídeos e publicações, essas pessoas atribuem essas características a Henrique Meirelles. Acho que isso é o que o país está esperando. Eu hoje, simplesmente, coloquei meu nome à disposição. Não tenho essa posição voluntarista de tentar ser candidato há várias eleições. Aliás, já fui convidado duas vezes para ser vice-presidente e não aceitei porque achei que não era o momento.
E não aceitará de novo se não for agora?
Não é uma decisão do momento.
Dos pré-candidatos que estão aí, qual o senhor considera mais difícil para enfrentar no segundo turno?
Tem vários, cada um com sua característica. Vai polarizar, seja o candidato da direita, que é o Jair Bolsonaro, sejam os três possíveis da esquerda, o Fernando Haddad, o Ciro Gomes ou a Marina Silva, que está se colocando também. O próprio Joaquim Barbosa, que não está claro para mim qual é a posição dele, parece que está se colocando também no campo da esquerda. Vamos aguardar o pronunciamento dele.
O senhor está preparado para golpes baixos?
Faz parte da vida pública, não só de campanha política.
Qual será o seu slogan?
A frase que eu mais tenho ouvido é: “Quando o Brasil tem problemas, chama o Meirelles”. Pode ser esse, mas ainda estamos discutindo.
Relação com Brasília
Apesar de ter passado boa parte da vida no exterior, ter casa e votar em São Paulo, o pré-candidato Henrique Meirelles, nascido em Anápolis (GO), conta que a capital da República é onde mais gosta de viver. “Gosto muito de Brasília. Eu prefiro Brasília. E sinto uma coisa meio atávica com o Planalto”, confessa. Quando adolescente, presenciou a inauguração da capital federal ao lado dos pioneiros. “Assisti à primeira missa. Tenho uma relação bem longa com Brasília, mas morei aqui só a partir de 2003”, afirma. Para ele, a relação com a cidade é anterior à construção dos projetos de Oscar Niemeyer. “A fazenda do meu bisavô era em Brasília, antes da desapropriação. Tenho um antepassado enterrado aqui. A família do meu pai é de Luziânia. Tenho uma história longa com a região”, completa.
Uma tristeza
Ao ser questionado sobre a cadelinha Trica, da raça cavalier king charles spaniel, que apareceu no colo dele em uma foto na sua página pessoal da rede social Instagram, Meirelles se emociona. “Não gosto de falar de coisa triste”, confessa cabisbaixo. A cachorrinha tinha 15 anos e morreu no último dia 30. “Há aproximadamente dois anos, Trica foi diagnosticada com câncer e estava com metástase. Não podíamos interná-la porque tinha insuficiência cardíaca. E o veterinário de São Paulo aconselhou que não a trouxéssemos para Brasília porque ela não iria aguentar a viagem”, explica. “Mas ela veio e aguentou quase dois anos. Carinho, afeto e convívio ajudaram”, emenda o ex-ministro. Agora ficaram quatro: a mãe, dois irmãos e uma irmã. O pai de Trica, o Buca, já falecido, morou até em Nova York e teve certidão na prefeitura com nome e sobrenome registrados: Bucaneiro do Planalto Central Meirelles.
Luiz Carlos Azedo: O sítio e o privilégio
O foro por prerrogativa de função é como coração de mãe: beneficia deputados, senadores, ministros, chefes de missão diplomática, governadores, prefeitos, magistrados, conselheiros de tribunais de contas e procuradores
Nove entre dez advogados de Brasília avaliam que o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, está sendo emparedado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. É uma espécie de cerco e isolamento da Operação Lava-Jato. Seus desdobramentos podem ser progressivamente desmembrados e retirados da alçada da força-tarefa de Curitiba, cuja atuação ficaria restrita aos processos diretamente relacionados ao escândalo de Petrobras. O poder do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, também está sendo esvaziado pela maioria de seus colegas da Segunda Turma, também chamada de Jardim do Éden, onde quase sempre é derrotado pelos “garantistas”.
Ontem, Toffoli foi sorteado relator do pedido para retirar da Justiça Federal do Paraná o processo ao qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva responde por causa de um sítio em Atibaia (SP). O petista é acusado de receber o imóvel e obras de melhoria na propriedade como propina de empreiteiras por contratos na Petrobras. O laudo da perícia feita pela Polícia Federal, porém, reúne provas ainda mais robustas do que as do caso do tríplex de Guarujá, pelo qual o ex-presidente da República está preso na Polícia Federal em Curitiba, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a 12 anos e 1 mês em regime fechado.
Lula nega as acusações. O pedido de seus advogados será apreciado por Toffoli, que já tem um antecedente de revisão de decisões tomadas por Fachin (no caso do ex-prefeito Paulo Maluf, que recebeu um habeas corpus humanitário). Como relator do pedido, Toffoli poderá decidir monocraticamente, a pedido da defesa, ou remeter o caso para a Segunda Turma, que recentemente determinou que as provas relativas à delação premiada da Odebrecht no caso do sítio de Atibaia fossem remetidas por Moro para a Justiça Federal de São Paulo. A tese dos advogados de Lula é de que Moro não seria o juiz natural, e sim, um” juiz de exceção”, porque o caso do sítio de Atibaia não teria relação direta com a Petrobras. A interpretação da força-tarefa da Lava-Jato é contrária, ou seja, de que há ligação com o escândalo da estatal e que a decisão da Segunda Turma não retira o processo da alçada de Moro.
Toffoli foi autor do voto vencedor no julgamento que decidiu, na semana passada, enviar para a Justiça Federal de São Paulo os trechos das delações premiadas de ex-executivos da Odebrecht sobre o sítio e sobre suspeitas de irregularidades na instalação do Instituto Lula. A defesa de Lula requereu uma liminar para suspender o processo do sítio até que o STF decida se a ação penal deve ou não ser remetida para São Paulo, assim como foram enviados os depoimentos da Odebrecht. A condenação de Lula por Moro no caso do sítio é dada como quase inexorável, razão pela qual os advogados querem anular o processo com o argumento de que tanto as provas como o próprio julgamento seriam ilegais.
Prerrogativas
Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir o julgamento sobre a restrição do foro privilegiado de deputados e senadores. Dez dos 11 ministros já votaram a favor, mas com entendimento diferente sobre seu alcance: sete são a favor de retirar do Supremo casos cometidos fora do mandato e também aqueles não ligados ao exercício do mandato parlamentar, tese defendida pelo ministro Luís Roberto Barroso; três ministros votaram na proposta do ministro Alexandre de Moraes, de manter no STF todos os processos de crimes cometidos durante o mandato, independentemente da relação com a atividade parlamentar.
O foro por prerrogativa de função, o chamado “foro privilegiado”, é como coração de mãe para a elite política e a alta burocracia do país: beneficia 513 deputados, 81 senadores, 28 ministros, 139 chefes de missão diplomática, 27 governadores, 5.570 prefeitos, 14.882 juízes, 2.381 desembargadores, 476 conselheiros de tribunais de contas e 13.076 integrantes do Ministério Público.
Somente o ministro Gilmar Mendes ainda não votou. O julgamento começou no ano passado, foi interrompido em maio e em novembro, sendo retomado ontem. A proposta de Barroso estabelece que o processo não mudará mais de instância quando alcançar o final da instrução processual, a última fase antes do julgamento, na qual as partes apresentam as alegações finais. Nesse caso, o político que responder a processo no Supremo por ter cometido o crime no cargo e em razão dele deixará automaticamente o mandato após a instrução e será julgado pela própria Corte, para não atrasar o processo com o envio à primeira instância. Mendes destacou que o assunto não pode ficar restrito aos parlamentares, teria que alcançar também os demais beneficiados. Seu voto será longo.
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Luiz Carlos Azedo: A torre e o palacete
O prédio era uma das joias da coroa do movimento dos sem-teto de São Paulo, que cresceu verticalmente durante a gestão do ex-prefeiro Fernando Haddad e se beneficiou do corpo mole da União
O incêndio do edifício Wilton Paes de Almeida é emblemático da degradação das cidades brasileiras e seus conflitos sociais, tendo como epicentro a ocupação predatória do espaço urbano. Tombado desde 1992, era considerado o pioneiro das novas tendências arquitetônicas da década de 1960. Projeto do arquiteto Róger Zmekhol para a sede da Cia. Comercial Vidros do Brasil (CVB), a torre de 24 andares, com lajes de concreto, estrutura metálica e fachadas de vidro, contracenava com a velha Igreja Luterana em estilo neogótico no Largo do Paissandu, no Centro de São Paulo, também parcialmente destruída pelas chamas. Juntos, o moderno e o tradicional dividiam o mesmo espaço público na maior metrópole do país, cuja Centro entrou em decadência, inclusive aquela região da confluência da Rua Antônio de Godói com a Avenida São João, vizinha à Cracolândia.
Quando ficou pronto, em 1966, era um dos edifícios mais modernos de São Paulo. Para projetá-lo, o arquiteto Róger Zmekhol, nascido em Paris, filho de refugiados cristãos da Síria, formado na primeira turma de arquitetura da FAU-USP, se inspirou no minimalismo do alemão Mies van der Rohe, um dos mestres da escola de design Bauhaus. Com sistema de ar condicionado embutido, pisos de ipê e divisórias móveis nos escritórios, seu hall de mármore e aço inoxidável era grandioso, assim como sua belíssima escada caracol, que utilizava os mesmos materiais. O projeto encantou a geração de arquitetos paulistas dos anos 1960.
Suas características arquitetônicas foram copiadas em centenas de prédios comerciais das grandes cidades brasileiras, inclusive Brasília, com banheiros, circulação vertical, infraestrutura hidráulica e elétrica na parte central, com ampla possibilidade de distribuição dos espaços internos até sua “pele de vidro”. Antes de abrigar o INSS, serviu como sede da Polícia Federal em São Paulo, de 1980 a 2003. Ali, o falecido delegado e senador Romeu Tuma anunciou a prisão do mafioso italiano Tommaso Buscetta e a descoberta da ossada do nazista Josef Mengele. Em 13 de dezembro de 1982, levou para o prédio todo o Comitê Central do antigo PCB, que tentara realizar um congresso no centro de São Paulo na semilegalidade. Vazio há 16 anos, o prédio de 11 mil m², desde setembro de 2002, pertencia à União. Por ironia do destino, o responsável pelo Patrimônio da União em São Paulo é Robson Tuma, seu filho.
No governo Dilma, em 2015, com o Brasil em recessão, o ministro Nelson Barbosa autorizou que a propriedade fosse a leilão, mas ninguém quis pagar R$ 21,5 milhões ao governo, que gostava de arbitrar a taxa de lucro de seus parceiros em operações desse gênero, o que geralmente resultava em fracasso. O Sesc, uma organização francesa e o governo federal ainda tentaram transformá-lo num centro cultural, mas a iniciativa não vingou. Em 2012, a Secretaria de Patrimônio da União cedeu o prédio para a Unifesp, que instalaria ali o Instituto de Ciências Jurídicas. O projeto também não foi à frente.
Joia da coroa
O prédio era uma das joias da coroa do movimento dos sem-teto de São Paulo, que cresceu verticalmente durante a gestão de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo e se beneficiou do corpo mole da União quanto à situação dos edifícios públicos federais abandonados. Dezenas de imóveis públicos e privados no Centro de São Paulo estão invadidos e reproduzem a mesma situação do Wilson Paes de Almeida, com a diferença de que não são uma torre de vidro. Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que cadastrou 248 pessoas de 92 famílias que morariam no prédio incendiado. Após a tragédia, o jogo de empurra entre as autoridades é o de praxe: o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), argumenta que o município não podia obrigar as famílias a sair nem pedir a reintegração de posse porque o prédio é da União.
O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão alegou que o prédio “foi cedido provisoriamente pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU/MP) à prefeitura do município de São Paulo, em 2017, e a previsão é que seria utilizado para acomodar as novas instalações da Secretaria de Educação e Cultura de São Paulo”. O ex-prefeito João Doria, em campanha para o Palácio dos Bandeirantes, disse que o imóvel havia sido controlado por pessoas ligadas a uma facção criminosa, o PCC, com a conivência do movimento de moradores, supostamente ligado do PT.
Os moradores que sobreviveram ao incêndio, cujo número de vítimas é baixo, mas ainda desconhecido, se recusam a ir para albergues da prefeitura e têm um discurso pronto: alegam não que não vivem na rua e reivindicam um lugar para morar. No Centro de São Paulo, onde a força da grana ergue e destrói coisas belas, como diz a canção Sampa, de Caetano Veloso, verdadeiras joias da arquitetura e do urbanismo estão abandonadas, como o centenário palacete em estilo art nouveau que pertenceu ao presidente Rodrigues Alves, em Higienópolis. O imóvel serviu de sede do Dops paulista e pertence ao INSS. Está desocupado desde 2003 e pode ser invadido em qualquer madrugada fria.
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Correio Braziliense: "O legado é o MDB continuar grande", diz Renan
Eleitor de Lula, o senador diz que as candidaturas de Meirelles e Temer são ruins para o partido, que precisa se recuperar nas urnas
Por Alessandra Azevedo e Denise Rothenburg, do Correio Braziliense
Conhecido nos últimos tempos mais pelos embates que protagoniza do que por consensos, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) se prepara para mais uma batalha dentro do partido que representa há praticamente quatro décadas, salvo o curto período em que apostou no PRN, de Fernando Collor, no início da década de 1990. Depois de ter feito, em várias oportunidades, duras críticas à atuação do presidente Michel Temer, ele não poupa palavras para dizer que o MDB não tem nenhum candidato viável para disputar a Presidência da República em 2018.
Os dois nomes discutidos hoje, de Temer e do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, numa campanha, defenderiam “o legado do governo, não do partido”, sustenta, em entrevista ao Correio. “Meirelles é a versão piorada do Michel”, diz. Renan não apenas descarta a possibilidade de apoiar algum deles, como defende que o MDB; em vez de investir recursos em uma candidatura própria, precisa “sobreviver à hecatombe que o governo Michel Temer provocou no partido”.
Enquanto busca um projeto alternativo para apresentar na convenção do MDB, em julho, o senador elogia Joaquim Barbosa (PSB), desacredita o futuro de pré-candidaturas, como a do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), alerta quanto ao potencial de votos de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e comenta sobre alguns dos nomes que fazem parte do quadro fragmentado que espera para a eleição de 2018. Mas reforça que o apoio dele é ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tentará visitar na prisão nos próximos dias “para conversar sobre a conjuntura atual”.
O senador acredita que, embora Lula ainda esteja preso, conseguirá se candidatar em agosto. Mas sem plano B. Outra opção, como o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, seria “trocar o lulismo pelo petismo” — na visão do senador, má ideia. Renan fala também sobre o fim do foro privilegiado e a Operação Lava-Jato, e critica a atuação de alguns investigadores, que classifica como “abuso de autoridade”. Confira os principais trechos da entrevista:
O senhor começou a preparar um projeto alternativo à candidatura do presidente Michel Temer ou do Henrique Meirelles para a convenção de julho. Por quê?
Na verdade, não é uma preparação, é uma compreensão que se generaliza no partido. O MDB é um partido plural, com muitas correntes, e precisa sobreviver à hecatombe que o governo Michel Temer provocou no partido. Acabamos de perder 15 deputados federais e sete senadores. O MDB não tem vantagem com a candidatura do Michel.
O presidente diz que seria uma forma de defender o governo, de tentar resgatar um legado, como ele se refere às melhorias na economia, por exemplo.
Se existe legado do governo Michel Temer, certamente não é do MDB.
Como assim?
O MDB sempre foi o partido das massas, dos trabalhadores, da defesa do interesse nacional, da estabilidade democrática e econômica, dos avanços sociais. O maior legado que precisa sair dessa eleição é o MDB continuar grande. Nós temos excelentes governadores, bons candidatos a deputados. Uma aliança meramente para defesa do legado do Michel significaria a derrota dessas pessoas.
Por que você tem tanta convicção disso?
Porque o Michel faz um governo estreito, com opção pelo mercado. Flexibilizou direitos trabalhistas em plena recessão, ampliou desemprego, não retomou os investimentos públicos nem privados. O país vai ter deficit até 2025.
Mas já seria difícil. Seria pior se tivesse ficado a Dilma?
Na verdade, a crise se agravou. Ainda no mês passado, tivemos um aumento do desemprego, com aumento da informalidade. O que, aliás, aconteceu em todo país que, na crise, flexibilizou direitos, modernizou legislação ou, de uma forma ou de outra, incentivou o custo da produção. O Brasil vive muitas dificuldades porque, além da crise econômica, nós temos uma crise política sem fim, com dificuldades cada vez maiores na separação dos poderes. Isso tudo torna esta eleição de 2018 uma eleição única, com a política desgastada e com um número de candidatos que remonta à eleição de 1989.
O senhor falou que ia defender um projeto alternativo. Qual é esse projeto?
O projeto alternativo significa que é diferente da candidatura do Michel ou do Meirelles, porque elas não acrescentam nada ao MDB. São candidaturas preocupadas em defender uma prática que não está sendo aceita na sociedade.
E não tem nenhum outro nome no MDB?
O sonho do MDB é ter um candidato a presidente competitivo, que agregue nos estados, que some. Essa candidatura é imbatível numa convenção. É o que sempre quisemos, o problema é que não temos. A candidatura do Michel é a defesa do legado do governo, não do partido.
E como será a defesa do legado do partido?
O MDB hoje está vivendo papel contrário ao que desempenhou no passado. Por isso, precisa mudar. Não é a ponte para o futuro, é a ponte para a sobrevivência. Esse sentimento de necessidade de preservar o MDB não se conjuga com a candidatura do Michel e do Meirelles, não é compatível. Daí a necessidade de um cenário alternativo, que precisa ser articulado. Precisamos construir uma convergência em torno da repetição do que aconteceu em 2006, quando o MDB aprovou não ter candidatos, contra a candidatura própria do Anthony Garotinho. Ou pode caminhar para aprovar alianças. Nesse caso, indicando ou não o vice-presidente.
Ou seja, o senhor acha que não é momento de o MDB ter candidatura própria?
No passado, os oráculos da política brasileira vaticinaram o fim do MDB, e não se apagou a luz do partido, porque nós ganhamos aquela convenção, respeitando as prioridades regionais. Ou seja, as prioridades políticas programáticas eleitorais. E isso favoreceu a eleição de grandes bancadas, e o MDB, de novo, foi um dos partidos que mais tiveram votos na eleição. Mesmo não tendo candidatos nos grandes centros aos governos estaduais, teve uma votação muito grande, próxima do primeiro colocado.
O cenário atual é outro?
Hoje, esse cenário é completamente diferente. Não temos mais o número de governadores que tínhamos, pelas circunstâncias eleitorais. Alguns deixaram seus cargos para ser candidatos. Tivemos rebaixamento na Câmara e no Senado. A compreensão da necessidade de casar os interesses regionais do MDB com candidatura nacional e com aliança vai dificultar a homologação dos nomes do Michel ou do Meirelles pela fragilidade eleitoral que eles hoje significam. E, se contarmos com a presença do Michel nos palanques, muita gente vai pagar com a derrota o preço dessa incompreensão. Eu acho até que o Henrique Meirelles melhorou. Não pelos resultados que obteve na economia, mas pela grande jogada de marketing que ele fez ao posar com a cadela. Ouvi isso de muitos publicitários. Sem dúvida que ele ficou mais humano.
O senhor acha que todos os pré-candidatos vão ficar ou vai afunilar?
Acredito que todos ficarão, inclusive o Lula. E esse quadro eleitoral deverá ficar congelado até decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com efeito suspensivo para o STF (Supremo Tribunal Federal).
Só quando o Supremo der um veredito sobre a candidatura do Lula iremos destravar o quadro?
A complexidade tornou mais fácil prender o Lula não votando as ADCs do que impedir a candidatura dele com a legislação eleitoral. A própria Lei da Ficha Limpa garante aos condenados em segunda instância o direito de pedir o registro. E, pedido o registro, tem que ser tratado em igualdade de condições com os outros candidatos.
Ou seja, ele ainda pode recorrer ao Supremo depois. Então, o senhor acha que teremos candidatura de Lula?
Eu acho. Não enxergo no TSE, que é uma Corte respeitável, um procedimento igual ao do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. Que, não há dúvidas, colocou a condenação do Lula no calendário eleitoral para obrigar a sua prisão.
Como o senhor vê o Joaquim Barbosa, que surge como opção dentro do PSB?
Sempre achei Joaquim Barbosa um grande nome. Aliás, não é surpresa seu desempenho nas pesquisas. Todas as pesquisas que incluíram seu nome apontavam esses resultados.
O senhor poderia apoiá-lo?
Se o Joaquim acertar na política, ele pode entrar no jogo com mais facilidade do que o Ciro Gomes, do que a Marina Silva ou do que o próprio Geraldo Alckmin. Mas precisa acertar na política. É um nome respeitável, mas eu voto no Lula. Eu apoiaria o Lula. Eu confio na hipótese, sobretudo pelos avanços da última semana no STF, de a sua candidatura sobreviver até a eleição. Não vejo alternativa para ele senão insistir no direito que tem de ser candidato, apesar da condenação sem provas por um típico juízo de exceção.
E entre os que tentam se firmar no centro, o senhor acredita que Rodrigo Maia ainda pode ser candidato?
Não, não acredito. A candidatura do Rodrigo tem a mesma consistência da candidatura do Michel ou do Meirelles. Mas seria bom para a democracia a participação de candidatos com pensamentos políticos econômicos diferentes. Isso que, sem dúvida, diferenciará um debate. Mas o jogo, entendo que continuará congelado até a última semana de setembro. Porque, pelas pesquisas, uma quantidade enorme de eleitores diz que não vai votar em ninguém, vai anular o voto, não vai comparecer às eleições.
E como o senhor vê o Jair Bolsonaro?
Penso radicalmente diferente dele, mas não subestimo a candidatura.
Aliás, no mundo todo, esse fenômeno de direitização, de discurso contra política, tem crescido. E muitas vezes ganha, porque são subestimados.
Agora tem a questão do financiamento, não é? Como vai ser a questão do dinheiro?
Esse é o problema do MDB e de muitos partidos. Tentamos estabelecer regras para dar isonomia do financiamento para que não houvesse prejuízos para correntes nos partidos. Mas o presidente Michel Temer vetou. O que deixa aos partidos a definição para o financiamento, esse é outro problema que precisa ser conjugado. Porque a candidatura do Meirelles, ou do Temer, significará mais dificuldade de financiamento para o MDB.
Mas o Henrique Meirelles disse que financia a campanha dele…
Sem dúvida é outro fator que humanizará mais a candidatura. Mas o Meirelles é a versão piorada do Michel. O Michel ainda tem política, o Meirelles não tem popularidade nem política.
O ministro Carlos Marun disse,na semana passada, que o senhor faltou à reunião, mas não falta à inauguração. Como o senhor vê a crítica?
Na minha terra, costuma-se dizer que ninguém está livre de coice de burro e de pedrada de doido. Mas só rebato críticas de quem conheço. Marun? Quem é Marun? Não conheço, portanto, nem vou responder.
Se o PT trocar o Lula pelo Haddad, consegue repetir a votação no Nordeste?
Seria trocar o lulismo pelo petismo. Em português claro, não seria uma boa troca. Recomenda-se que o Lula esgote todos os meios para sua candidatura.
Mas até lá dá tempo de fazer a transferência de votos?
Com esse jogo que está aí, qualquer um que se apresentar como substituto do Lula, eles destruirão. Com aquela narrativa que eu falei: alguém, para sair da cadeia, conta um fato que não precisa provar. Hoje, me lembrei do Estado Novo, quando Graciliano Ramos foi preso por ser comunista quando nem comunista era. O que se reproduz agora na democracia com a condenação do Lula por um tríplex onde ele nunca morou e que nunca comprou, por ter reformado uma cobertura que, agora se sabe também, nunca reformou. Inacreditável. Mas é um sintoma dos tempos em que vivemos, que não são únicos no Brasil, tivemos outros.
O senhor acredita que outras pessoas que estão sob investigação vão acabar tendo o mesmo destino que o Lula?
Quando defendemos a lei do abuso de autoridade, o Moro (o juiz Sérgio Moro) veio aqui para defender a aprovação da lei, desde que ressalvasse a hermenêutica. O que significa não obrigar o juiz a julgar de acordo com a lei, com provas, mas de acordo com a convicção. Mas não basta dizer que tem, tem que mostrar para condenar. Se não, acontece o que aconteceu com Lula. Condena, mas as pessoas não se convencem. Nesse cenário, é evidente que qualquer um pode ser tratado na mesma condição que o Lula.
Na quarta-feira, o Supremo vai analisar o foro privilegiado. Como está essa questão no Congresso?
Essa intervenção no Rio de Janeiro, entre outros males, imobiliza o Congresso. Retira do Legislativo o protagonismo que ele deve exercer. Aprovamos em dois turnos no Senado, e eu me dediquei a isso, o fim do foro para os 58 mil, como qualquer democracia civilizada. Não basta acabar com o foro para 600 pessoas e garanti-lo para outros. Eu sempre defendi investigação. Toda vez que me investigam, eu defendo que é uma oportunidade para que eu possa esclarecer fatos, fazer a prova negativa. Mas todos têm que ser investigados. Todos, sem exceção. Por exemplo, por que é que não se investiga o (ex-procurador-geral da República, Rodrigo) Janot depois do que aconteceu na delação da JBS?
O senhor acha que ele tinha que ser investigado?
Tinha que ser investigado. E tem que ser investigado na primeira instância, como qualquer outro.
Quanto tempo mais será que vai ter de Lava-Jato?
A Lava-Jato precisa continuar. Ela vai deixar muitos resultados. Mas ela não pode prender para delatar, ou então prende para continuar prisão provisória com a condenação em primeira instância, que foi o que aconteceu com o (Antonio) Palocci, deixando a delação como a única alternativa. Eu sempre defendi a Lava-Jato, sempre considerei que ela deixaria avanços civilizatórios. Mas isso não significa dizer que, por isso, pode exagerar, abusar da autoridade, passar de seus limites com vazamentos que não foram apurados, muitos deles mentirosos, com delações seletivas dirigidas. Eu nunca me esqueço de uma nota que dizia que, para todos os 77 delatores da Lava-Jato, foi feita a pergunta “nos ajude, o que você sabe sobre o Renan Calheiros?”. Isso não pode acontecer. Juízes de primeira instância, por meio da convocação de suas entidades, invadirem o STF até que ele receba uma denúncia contra o senador Renan Calheiros, que foi o que aconteceu em dezembro do outro ano. Isso não pode acontecer, porque isso desequilibra a democracia. Atemoriza as pessoas.
O senhor ficou atemorizado com aquilo?
Todo ser humano tem medo. Eu também tenho medo. Esse enfrentamento que eu fiz em alguns momentos não é heroísmo, é que ou faz isso, ou vai prevalecer a compreensão que eles querem que prevaleça, que é a generalização da corrupção na política, com a participação de todos. É um jogo bruto que acaba nivelando culpados com inocentes. E criando um cenário de substituição da política. No Paraguai, agora tivemos abstenção de 44%. Eles querem que, nesta eleição, tenhamos cenário igual no Brasil.
E acha que vamos ter esse cenário?
Acho que vamos. Por isso que falei lá atrás, o quadro ficaria congelado porque uma parcela significativa, 30% da população, diz que não vota em ninguém, 35% ou 36% votam no Lula. Aumentou depois da prisão, em Maceió. Para que o Ciro cresça um ponto, ele tem que derrubar um ponto do Alckmin, da Marina, do Álvaro, do Collor...
Como o senhor vê essa questão de a ministra Cármen Lúcia dizer que seria depenar o Supremo rediscutir a prisão em segunda instância?
Tenho o maior respeito pela ministra, consideração, mas acho que houve um equívoco no encaminhamento dessa questão, e o preço está sendo cobrado agora. Quanto mais cedo ela votasse a ADC, mais segurança jurídica se tinha, menos dúvida havia.
O senhor algum dia imaginou que o Supremo fosse ter mais protagonismo que o Legislativo?
Este cenário não é novo, quando alguém tenta afastar presidente de Congresso com uma liminar. Quando isso acontece, já dá para oferecer uma dimensão do papel que cada um exerce.
A população parece que está aprovando o novo Supremo e o juiz Sérgio Moro, o contrário do que ocorre com a classe política. Como vai ser chegar em outubro para pedir voto para o eleitor diante de uma população tão mal-humorada?
Esse fenômeno não é só brasileiro. Aqui temos especificidades, mas é preciso robustecer a ocupação de espaços, na comunicação, o equilíbrio desse debate, para que cresça a percepção de que nada se resolve sem a política. Mesmo a política com essa importância tem que responder por seus erros eventuais, por isso, a necessidade de investigações. Mas não apenas para as políticas, mas para os tribunais, por exemplo. Todos os setores.
O senhor usa muito o Twitter. A campanha vai ser mais em rede social, então?
Cada vez mais vamos ver campanhas com mais participação de redes sociais. Esta daí terá uma participação forte, porque você vai ter uma diminuição do horário eleitoral, o que valerá mais, na prática, serão as iniciações e a rede social terá um papel grande a cumprir, para o bem e para o mal.