Copa do Mundo

Eduardo Bolsonaro ganha apelido de desafetos após curtir jogo no Catar

Terra*

A ida do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ao Catar para curtir a vitória da Seleção Brasileira contra a Suíça na última segunda-feira, 28, rendeu muitas críticas de opositores e desafetos e até um apelido.

Após aparecer em fotos ao lado da esposa, Heloisa Bolsonaro, no Estádio 974, o filho do presidente Jair Bolsonaro (PL) foi chamado de “radical de ar-condicionado”, segundo informações da coluna de Bela Megale, do jornal O Globo.

Eduardo Bolsonaro e esposa curtem jogo do Brasil no Catar
Eduardo Bolsonaro e esposa curtem jogo do Brasil no CatarFoto: Reprodução

O batismo foi feito por moderados do partido de Eduardo - e também do presidente Jair Bolsonaro - o PL, que consideram um tiro no pé a viagem do parlamentar ao País da Copa em meio à turbulência política envolvendo o pai, que contesta o resultado de parte das urnas utilizadas no pleito.

Nas redes sociais, Eduardo também foi alvo de críticas de outros parlamentares, como Kim Kataguiri (União-SP) e o deputado federal eleito Guilherme Boulos (PSOL-SP).

https://twitter.com/KimKataguiri/status/1597299233559699456?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1597299233559699456%7Ctwgr%5Eaccafee040fa2501c3cddddb1aa97f879fcaae16%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.terra.com.br%2Fnoticias%2Fbrasil%2Fpolitica%2Feduardo-bolsonaro-ganha-apelido-de-desafetos-apos-curtir-jogo-no-catar76a400e28882c08b8159f19dd05057d7g7583yfy.html
https://twitter.com/GuilhermeBoulos/status/1597295648990457859?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1597295648990457859%7Ctwgr%5Eaccafee040fa2501c3cddddb1aa97f879fcaae16%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.terra.com.br%2Fnoticias%2Fbrasil%2Fpolitica%2Feduardo-bolsonaro-ganha-apelido-de-desafetos-apos-curtir-jogo-no-catar76a400e28882c08b8159f19dd05057d7g7583yfy.html

Além do delicado momento político no Brasil, o deputado ainda viajou para outro país com a intenção de assistir a um jogo de futebol em um dia que tinha compromissos na Câmara. O Terra consultou a agenda do parlamentar e encontrou dois compromissos de Eduardo no Brasil na mesma data em que foi para o Catar.

*Texto publicado originalmente no site Terra


Com cobranças sobre casos de racismo e degradação ambiental, Richarlison é engajado em causas sociais | Foto: Reprodução/Getty Images Europe

Revista online | As chagas da Copa do Mundo

Álvaro José dos Santos Silva*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022) 

Corriam os anos de 1982/83/84. Embora a ditadura militar brasileira estivesse agonizando por falta de apoio popular, um clube de futebol resolveu dar uma ajuda ao esforço de fechar a alça daquele caixão. Jogadores unidos ao técnico e diretoria criaram o movimento intitulado Democracia Corinthiana. Mário Travaglini, o treinador, uniu-se a jogadores como Wladimir, Casagrande, Zenon e, sobretudo, Sócrates para criarem um movimento revolucionário e contagioso no Corinthians. Em 1985, quando a ditadura militar finalmente acabou, democracia era um termo consagrado.

No caso corintiano, foi muito simples: tudo o que devia ser feito no clube e envolvia o esporte profissional tinha que ser votado antes de aprovado. O voto do jogador mais famoso – no caso, Sócrates – tinha o mesmo peso que o do roupeiro. Com tanto tempo de ditadura pela frente, estávamos todos desacostumados com esse tipo de comportamento.

Durante muitos anos, o regime de exceção que infelicitou os brasileiros entre 1964 e 1985 deixou o terreno das discussões no Brasil. No lugar dele, com todos os seus méritos e defeitos, a democracia vicejou, inclusive e também no futebol. Sócrates passou. Nunca mais um jogador aprendeu a dar passes de calcanhar como ele, mas, no reino da bola, outros profissionais, talentos consagrados ou não, assumiram o protagonismo político. Um movimento que culmina agora em 2022 com a Copa do Mundo do Catar.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

Jamais um campeonato mundial de futebol teve tanto interesse no campo da política. Maior do que o de 1978, na Argentina, quando os ditadores de lá conseguiam ser mais raivosos e criminosos do que os daqui. No caso do Catar, o cardápio de opções de protesto é muito grande. Tão vasto que transcende o próprio país anfitrião da competição.

Esta Copa está nos remetendo à luta contra a negação de direitos às mulheres, pelo reconhecimento dos movimentos LBGTQIA+, contra regimes políticos totalitários e sem apoio popular, com fundamentalismo religioso ou não, contra a islamofobia, por uma bandeira libertária que une quase todos, inclusive com protestos silenciosos representados pela negativa de cantar o hino nacional ou entrar em campo com as mãos tapando a boca, calada.

No nosso caso, exportamos para lá um pedaço considerável do ódio que foi implantado em terras brasileiras desde meados de 2018, quando Jair Bolsonaro tomou posse como presidente da República na cauda de cometa do movimento antipetista surgido depois de diversos escândalos, verdadeiros ou não, do período de governos do PT. Gilberto Gil, que viajou para o Catar em companhia da sua esposa, Flora, teve a oportunidade de constatar isso ao ser agredido com palavras grosseiras por grupos bolsonaristas no dia do jogo Brasil 2 X 0 Sérvia. Claro que isso aconteceria! A Copa do Catar é muito cara e para lá viajou boa parte de quem pode pagar alto, a fina flor do apoio ao ainda presidente.

Não por outro motivo, em algumas faixas que se apresentam nos estádios, há algumas referências veladas ao bolsonarismo, que não pode ser escancarado numa competição como essa. “Movimento Verde Amarelo” é um deles e está presente nos jogos do Brasil. Outro é a participação quase subterrânea, mas denunciada, de forma clara, do filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro, que estava presente no estádio quando o Brasil venceu a Suíça por 1 a 0 no desmontável 974. Ele não se furta a uma aproximação como essa de seu séquito, ainda que ao preço de deixar a ralé de plantão diante de quartéis o tempo todo, preferencialmente, debaixo das chuvas fortes que ainda castigam o Brasil.

Confira, a seguir, galeria:

O cantor Gilberto Gil e a empresária Flora Gil foram hostilizados por torcedores brasileiros durante a Copa do Mundo no Catar | Foto: Repodrução/Correio24horas
Torcedores fazem protesto contra o governo iraniano, que tem fortes represálias contra mulheres | Foto: Reprodução/UOL
Ativistas jogam futebol durante uma ação simbólica de associações LGBTQIA+ em frente ao museu da FIFA em Zurique, em novembro de 2022 | Foto: Fabrice Coffrini/AFP via Getty Images
Manifestante dá "cartão vermelho" para a Fifa | Foto: Reprodução/BBC.com
Jogadores alemães protestam antes das eliminatórias da Copa do Mundo | Foto: Reprodução/G1
A Democracia Corinthiana foi um movimento ocorrido no futebol brasileiro, especificamente no time paulistano Corinthians, na década de 1980 | Foto: Reprodução/Facebook
Ativistas jogam futebol durante uma ação simbólica de associações LGBTQIA+ em frente ao museu da FIFA em Zurique, em novembro de 2022 | Foto: Fabrice Coffrini/AFP via Getty Images
O cantor Gilberto Gil e a empresária Flora Gil foram hostilizados por torcedores brasileiros durante a Copa do Mundo no Catar | Foto: Repodrução/Correio24horas
Torcedores fazem protesto contra o governo iraniano, que tem fortes represálias contra mulheres | Foto: Reprodução/UOL
Ativistas jogam futebol durante uma ação simbólica de associações LGBTQIA+ em frente ao museu da FIFA em Zurique, em novembro de 2022 | Foto: Fabrice Coffrini/AFP via Getty Images
Manifestante dá "cartão vermelho" para a Fifa | Foto: Reprodução/BBC.com
Jogadores alemães protestam antes das eliminatórias da Copa do Mundo | Foto: Reprodução/G1
A Democracia Corinthiana foi um movimento ocorrido no futebol brasileiro, especificamente no time paulistano Corinthians, na década de 1980 | Foto: Reprodução/Facebook
Ativistas jogam futebol durante uma ação simbólica de associações LGBTQIA+ em frente ao museu da FIFA em Zurique, em novembro de 2022 | Foto: Fabrice Coffrini/AFP via Getty Images
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O cantor Gilberto Gil e a empresária Flora Gil foram hostilizados por torcedores brasileiros durante a Copa do Mundo no Catar | Foto: Repodrução/Correio24horas
Torcedores fazem protesto contra o governo iraniano, que tem fortes represálias contra mulheres | Foto: Reprodução/UOL
Ativistas jogam futebol durante uma ação simbólica de associações LGBTQIA+ em frente ao museu da FIFA em Zurique, em novembro de 2022 | Foto: Fabrice Coffrini/AFP via Getty Images
Manifestante dá "cartão vermelho" para a Fifa | Foto: Reprodução/BBC.com
Jogadores alemães protestam antes das eliminatórias da Copa do Mundo | Foto: Reprodução/G1
A Democracia Corinthiana foi um movimento ocorrido no futebol brasileiro, especificamente no time paulistano Corinthians, na década de 1980 | Foto: Reprodução/Facebook
Ativistas jogam futebol durante uma ação simbólica de associações LGBTQIA+ em frente ao museu da FIFA em Zurique, em novembro de 2022 | Foto: Fabrice Coffrini/AFP via Getty Images
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Mas um elemento mais revelador de como essa Copa separa os dois brasis existentes hoje pode ser notado nos casos dos jogadores Neymar e Richarlison. O primeiro, declaradamente bolsonarista, foi para o Catar com a incumbência de ser o líder de um grupo que sonha com o título mundial de futebol. O segundo é um centroavante clássico, daqueles que o futebol tem aberto mão nos últimos tempos, em parte porque nos têm faltado talentos reais para assumir o protagonismo de gols nos times e seleções. Neymar se contundiu no primeiro jogo. Contusão mais ou menos séria. Nesse mesmo jogo, Richarlison, um capixaba da pequena Nova Venécia envolvido com causas sociais, marcou os dois gols da vitória brasileira, um deles belíssimo. Bastou isso para que as redes sociais fossem inundadas por memes que pediam para Tite colocar Neymar bem à frente… de um quartel.

O técnico, declaradamente contrário a Bolsonaro, ficou fora da querela. Ele sabe que Neymar, apesar de seus incontáveis defeitos, é peça importante para um sonho do hexacampeonato de uma seleção como a do Brasil. Afinal, política colocada de lado tem muito mais competência em campo do que o centroavante de quem não gosta nem um pouco. E deixa isso claro.

Mas a celeuma existe e parece não estar diminuindo com o passar dos dias. A atuação apagada de Richarlison contra a Suíça mostra que Neymar merece curar todas as suas chagas físicas em nome de uma seleção brasileira que ainda vai precisar dele por um bom tempo. Já as chagas morais, só mesmo ele será capaz de ser remédio para elas. Tomara que seja.

*Álvaro José dos Santos Silva, 72 anos, é jornalista profissional, ex-editor do jornal A Gazeta de Vitória, no qual atuou durante 27 anos. É ex-assessor de comunicação, escritor, membro da Academia Espírito-Santense de Letras (AEL) e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES). Também foi membro do PCB, PPS e Cidadania. Formou-se em Comunicação Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com especialização pela Universidade Cândido Mendes.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Ação do PL contra urnas dá fôlego a protestos e fortalece fake news

Daniela Santos e Raphael Veleda*, Metrópoles

Quase um mês após as eleições, a desinformação continua a circular nas redes sociais e alimenta a atmosfera golpista de manifestantes que ocupam rodovias e portas dos quartéis das Forças Armadas. O relatório do PL, sigla do presidente Jair Bolsonaro, que contesta a confiabilidade de milhares de urnas eletrônicas virou combustível para a máquina de fake news e mantém viva a chama dos protestos.

Para o futuro, especialistas ouvidos pelo Metrópoles avaliam que o combate ao quadro de desinformação que preponderou nas eleições deste ano impõe um grande desafio à democracia brasileira.

A iniciativa recente da sigla de Bolsonaro – de ir ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontar supostos problemas na apuração do segundo turno – serviu para manter a mobilização de apoiadores que não aceitam o resultado da eleição e se reúnem nas ruas ou em grupos de aplicativos de mensagens.

A ação encabeçada pelo PL chegou aos bolsonaristas em um momento crítico, no qual as lideranças – e o próprio Bolsonaro – temiam que o início da Copa do Mundo desmobilizasse os atos de contestação da eleição.

Desde que a nova tática teve início, a produção de conteúdo nas redes sociais foi sustentada pelo assunto. Até com mais intensidade que a ação em si, a resposta dura do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, foi o que mais acendeu a chama dos bolsonaristas que não aceitam a derrota.

A multa de R$ 22,9 milhões, estipulada em resposta à ação, e a acusação de que houve “litigância de má-fé” por parte da coligação de Bolsonaro revoltaram a militância. Assim, os manifestantes passaram a madrugada de quarta (23/11) para quinta-feira (24/11) amaldiçoando Moraes; nesta data, eles também esperavam por uma reação do presidente ou das Forças Armadas.

Na manhã de quinta, a reunião fora da agenda do atual mandatário com os chefes das Forças Armadas ajudou a reforçar a esperança dos militantes e também a produzir muitas novas notícias falsas sobre intervenção militar.

Fluxo de desinformação

A situação atual mantém um fluxo ativo antes e depois das eleições. Um exemplo disso aconteceu no último domingo (20/11), quando bolsonaristas bombardearam as redes sociais com vídeos de urnas sendo retiradas do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). A narrativa era que a Justiça Eleitoral estaria “escondendo provas”. No entanto, o órgão informou que os equipamentos nem sequer foram usados no pleito.

O problema mostra que a praga da desinformação, que tomou conta das eleições de 2018 e se repetiu neste ano, não apresenta sinais de trégua para o futuro. Entre junho e outubro deste ano, o TSE encaminhou 22.667 alertas às plataformas digitais para que providências fossem tomadas. O número representa uma média de 170 publicações por dia.

Guerra informacional

O problema escalonou durante o segundo turno, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) travaram uma guerra que envolveu desinformação sobre fechamento de igrejas, maçonaria e até canibalismo. Ao mesmo tempo, os presidenciáveis tentavam, na Justiça, estancar o estrago causado pelas fake news.

Na reta final da eleição, o TSE ampliou o próprio poder de polícia para combater a circulação de informações prejudiciais ao processo eleitoral. Com a medida, a Corte passou a ter mais autonomia para agir e, entre outras determinações, obrigou as plataformas a removerem imediatamente as URLs, URIs ou URNs consideradas irregulares, sob pena de R$ 100 mil por hora.

Para os especialistas ouvidos pelo Metrópoles, as eleições deste ano sinalizam a consolidação da desinformação como uma estratégia, o que deve se manter nos próximos pleitos.

A pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getulio Vargas Clara Almeida aponta que, embora haja avanços nos mecanismos de combate, o problema ainda é mais grave. Como parte dessas ferramentas, a especialista cita a Resolução TSE nº 23.671/2021, que incluiu a veiculação de notícias falsas ou descontextualizadas como conduta ilícita na campanha eleitoral, e o acordo com as plataformas. No entanto, o impacto dessas iniciativas ainda é incerto.

“É difícil a gente sentir o quanto essas medidas trouxeram de benefício, porque a desinformação continua ocorrendo em todas as plataformas. O TikTok, por exemplo, fez uma parceria com o TSE, mas, se você pesquisar ‘fraude’ no aplicativo, o primeiro resultado é sobre fraude nas urnas. Então, eu não acredito que a gente tenha tido um resultado muito positivo”, pontua a pesquisadora.

Otávio Catelano, cientista político e pesquisador da Unicamp, destaca que, em 2022, uma das principais novidades no campo da desinformação foi a entrada de grupos de esquerda nesse tipo de estratégia, que é dominada pela extrema direita.

“A gente teve algumas figuras da esquerda, do centro, ou mesmo da direita que chegaram a apoiar a candidatura do Lula e tentaram fazer campanhas coordenadas. Não necessariamente com base em notícias falsas, mas com coisas que deixavam aquela pulga atrás da orelha do eleitor do Bolsonaro”, explica. Como exemplo, ele menciona o vídeo de Bolsonaro em uma loja maçônica; a gravação viralizou e tinha o objetivo de desgastar a imagem do então candidato à reeleição com o público evangélico.

“Eles conseguiram atingir a campanha do Bolsonaro de maneira que ele precisou precisou fazer toda uma organização para superar essa barreira dentro da eleição. Diferentemente do que aconteceu em 2018, quando Bolsonaro atacou o tempo todo e com notícias obviamente falsas: a madeira erótica foi o grande símbolo da eleição de 2018. Agora tentaram emplacar o banheiro unissex, mas também passaram mais tempo tentando recuperar a imagem do que tentando desgastar oponente.”

“Foi uma forma que os candidatos de esquerda tiveram para tentar, digamos, ‘jogar de igual para igual’ com o adversário”, avalia a pesquisadora da FGV Clara Almeida. “O que eu, particularmente, não acho nem um pouco benéfico ao sistema democrático” completa.

Catelano corrobora a tese: “A esquerda desenvolveu uma forma de não perder tão feio nas redes sociais”.

Futuro

Os especialistas apontam que a desinformação continua sendo um desafio a ser enfrentado nas próximas eleições. O professor da Unicamp ressalta que, por mais que a Justiça Eleitoral tenha buscado respostas para o problema, é preciso um esforço maior das plataformas. Além disso, a questão também abrange a forma como as pessoas consomem conteúdo nas redes sociais.

“As pessoas não acreditam nem mudam de opinião a partir de uma notícia descaradamente falsa. Elas tendem a acreditar em notícias que reforçam suas posições políticas anteriores”, esclarece.

“O TSE fez o que estava ao seu alcance durante o período eleitoral, mas isso não compete à Corte, compete à informação, à educação digital. É algo que está fora do alcance. Isso pode fazer com que, nessas tentativas de combater, o TSE desgaste ainda mais sua imagem”, avalia.

A pesquisadora da FGV sustenta que um caminho possível é a regulação das plataformas para impedir os algoritmos de recomendar conteúdos prejudiciais. “Enquanto a gente não tiver uma regulação que alinhe esses incentivos das plataformas com o interesse público, com o sistema democrático, isso vai continuar acontecendo”, afirma.

Ao mesmo tempo, Catelano acredita que a mudança nas plataformas deve vir acompanhada de um processo educativo da população. “O esforço mais possível e necessário é a educação e o letramento digital. A população deve aprender como a gente pode usar a internet de forma consciente e menos pautada pelo ódio”, defende.

*Texto publicado originalmente no site Metrópoles


Qatar airways | Foto: reprodução Wikimedia commons

Copa do Mundo e covid: por que 'normalidade' frustra chineses

Kerry Allen*, BBC News Brasil

Os meios de comunicação estatais chineses deram grande atenção à Copa do Mundo nesta semana, mas as partidas de futebol estão alimentando a frustração da população do país, que está ficando à margem das comemorações.

Além da seleção da China não ter se classificado para o evento, cenas de comemorações sem máscara e aglomerações barulhentas no Catar irritaram os espectadores, que foram desencorajados a se reunir para assistir aos jogos.

Muitos usaram a Copa do Mundo para reclamar na internet sobre as estratégias contra a covid atualmente em vigor na China. O país mantém uma política de covid-zero, na qual comunidades inteiras entram em lockdown por causa de casos isolados do vírus, a fim de evitar que se espalhe.

A China registrou nesta semana o maior número de casos diários de covid desde o início da pandemia, apesar das medidas rígidas adotadas. Várias cidades grandes, incluindo a capital Pequim e o centro comercial do sul, Guangzhou, estão enfrentando surtos da doença.

Na quarta-feira desta semana, foram registrados 31.527 casos, frente ao pico de 28 mil em abril. No entanto, os números ainda são ínfimos para um país de 1,4 bilhão de habitantes.

Presença simbólica

O futebol é muito popular na China. O presidente, Xi Jinping, é conhecido por ser um amante do esporte, e já havia falado anteriormente que era um sonho do país vencer a Copa do Mundo.

Por isso, as partidas estão sendo transmitidas pela emissora nacional CCTV, e a imprensa estatal tem buscado ampliar a "presença" da China.

O Global Times noticiou como os produtos fabricados na China "desde os ônibus até o estádio [Lusail], e inclusive aparelhos de ar-condicionado, estão bem representados no evento".

Meios de comunicação importantes como a CCTV também divulgaram a presença de porta-bandeiras chineses na cerimônia de abertura — e como dois pandas gigantes chegaram ao Catar para "conhecer" os visitantes que chegam para o evento.

O presidente Xi Jinping chutando uma bola durante visita a Dublin em 2012
O presidente Xi Jinping é conhecido por sua paixão pelo futebol — nesta foto, ele aparece chutando a bola durante uma visita a Dublin em 2012

Mas é evidente que a covid-19 atrapalhou as comemorações. Nas principais cidades, os surtos provocaram mais uma vez o fechamento de negócios não essenciais — e as pessoas foram instadas a limitar seus movimentos.

Sem bares para onde ir, o jornal Global Times afirma que alguns torcedores estão "optando por ver os jogos em casa com suas famílias". Outros, segundo a publicação, preferiram ir acampar.

Os voos entre o Catar e a China também permanecem bastante limitados para quem deseja assistir ao evento pessoalmente.

Cartazes de Son Heung-min, Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e Virgil van Dijk são vistos em um restaurante em 20 de novembro de 2022 em Xangai, na China
Os estabelecimentos de Xangai foram preparados para receber os torcedores, mas estão vazios devido às restrições impostas para conter o vírus

Um mundo dividido

Muitos estão sentindo um forte isolamento ao assistir ao evento deste ano.

Uma carta aberta questionando a contínua política de covid-zero do país e perguntando se a China estava "no mesmo planeta" que o Catar se espalhou rapidamente no aplicativo de mensagens WeChat na terça-feira, antes de ser censurada.

Na rede social Weibo, parecida com o Twitter, não faltam comentários de espectadores falando sobre como assistir às partidas deste ano os faz se sentirem separados do resto do mundo.

Alguns compartilham a percepção de que é "estranho" ver centenas de milhares de pessoas reunidas, sem usar máscaras ou precisar mostrar evidências de um teste recente de covid-19.

"Não há assentos separados para que as pessoas possam manter distância social, e não há ninguém vestido de branco e azul [médico] nos bastidores. Este planeta ficou realmente dividido."

"De um lado do mundo tem o carnaval que é a Copa do Mundo, do outro tem a regra de não ir a lugares públicos por cinco dias", diz outro usuário.

Alguns afirmam ter dificuldade de explicar aos filhos por que as cenas do Mundial são tão diferentes daquelas que as pessoas testemunham em casa.

Uma cerca azul erguida fora de um bairro para isolá-lo e controlá-lo em Xangai, na China, em 27 de outubro de 2022
,A política 'covid zero' mantém várias cidades chinesas em isolamento para controlar a propagação do vírus

Há muita gente na China, no entanto, que critica a abertura de países no exterior, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda classifica o vírus causador da covid-19 de "emergência global aguda".

Até agora, não há uma perspectiva de término das medidas existentes na China. Nesta semana, o porta-voz da Comissão Nacional de Saúde "alertou contra qualquer afrouxamento na prevenção e controle da epidemia" — e fez um apelo por "medidas mais resolutas e decisivas" para controlar os casos da doença.

Os governos locais das principais cidades reintroduziram testes em massa e restrições de viagens — e, por fim, transmitiram a mensagem de que as pessoas deveriam tentar ficar em casa.

Mas depois de três anos de medidas deste tipo, as pessoas estão frustradas, o que provocou protestos no último mês nas cidades de Guangzhou e Zhengzhou.

*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil. Título editado


Richarlison é um dos raros casos de jogadores brasileiros convocados para a Copa do Mundo que manifestaram posições progressistas | Foto: reprodução/Brasil de Fato

Nas entrelinhas: O estranhamento de torcer pelo Brasil sem vestir a camisa amarela

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Havia uma expectativa de que a Copa do Mundo de Futebol no Catar mudasse o clima político no país, mas ainda não é o que está acontecendo. Vamos ver se os jogos da nossa Seleção — que estreou com os pés de Richarlison fazendo dois gols, um dos quais uma pintura — contribuirão para criar um novo clima de diálogo e convivência, em que todos estejamos do mesmo lado, ao torcer pelo Brasil. Não vejo em ninguém um sentimento antipatriótico, de rejeição à Seleção Brasileira de Tite, mas também não vejo a mesma sensação de pertencimento e identidade com a camisa canarinho como em outras copas. É muito esquisito!

Talvez o Catar fique longe demais, a maioria conhece muito pouco esse Emirato, que é considerado o país mais rico do mundo. Protetorado britânico, após a queda da Império Otomano, o Catar é governado há 150 anos pela mesma família, que manteve o poder com mão de ferro após a independência, em 1971. Petróleo, gás e alumínio garantem ao país receitas muito superiores ao que gasta com importações, principalmente de bens de consumo, de alimentos, que o deserto não oferece, de carros de alto luxo.

Doha, a capital, é uma das cidades mais modernas do mundo, com seus prédios altíssimos e arrojados, fruto de uma política cujo objetivo é transformar o Emirato num polo turístico, comercial e financeiro. O velho conceito de Peter Ducker, de que as cidades devem ser boas para morar, trabalhar e visitar, simultaneamente, deve ter inspirado a modernização da cidade, considerada uma das mais seguras do mundo.

O Catar é um dos países com os quais o presidente Jair Bolsonaro conseguiu manter relações bem amistosas. Havia uma forte conexão entre a autocracia local e o projeto iliberal bolsonarista, que acabou derrotado nas urnas pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Obviamente, não tem sentido romper os laços comerciais e econômicos que foram estabelecidos na visita de Bolsonaro aos Emiratos, mas nosso rumo político tem outros paradigmas, cujo eixo é o Estado democrático e não o direito divino ditado pelo Alcorão.

Vale a pena examinar melhor o contexto em que a Copa se realiza. O Catar está entre os países do Oriente que se lançaram arrojadamente na globalização, sendo um dos líderes da corrida mundial para reinventar o Estado de forma a torná-lo mais eficiente e produtivo, tendo como modelo o capitalismo de Estado de Cingapura. O fato de ser uma monarquia autoritária, com grande disponibilidade de recursos, facilita muito as coisas. Entretanto, não pode servir de paradigma para nós.

Somos um país democrático do Ocidente, com uma população muito mais numerosa e território de dimensões continentais. Nossa sociedade não segue rígidos padrões de comportamento ditados por dogmas religiosos, como é o caso das sociedades muçulmanas. Além disso, o Catar tem uma espécie de apartheid, no qual os trabalhadores estrangeiros não têm os mesmos direitos que os demais cidadãos do ponto de vista social. Um abismo social separa a elite árabe dos trabalhadores estrangeiros, entre os quais indianos, malaios, nepaleses e coreanos.

Todos juntos

A Copa no Catar vai desnudar essas duas realidades para o mundo, com certeza. Mas também há um abismo social entre aqueles que estão lá, assistindo aos jogos nos seis magníficos estádios construídos para o torneio, e os milhões e milhões de torcedores brasileiros que veem os jogos pela tevê e pelas redes sociais. Obviamente, a imprensa ocidental não se limitará à cobertura esportiva, mostrará o outro lado da realidade do país que tem a maior renda per capita do mundo.

Mas, voltando ao futebol, vamos ver se a vitória do Brasil de 2 x 0 contra Sérvia fará a torcida brasileira pegar no tranco. Como disse, a sensação ainda é muito estranha, por causa da polarização política existente e pelo fato de a camisa da Seleção Brasileira ter virado uma espécie de uniforme da extrema direita bolsonarista, que protesta à frente dos quartéis, e dos caminhoneiros que bloqueiam as estradas.

Ontem, no primeiro jogo do Brasil, era nítida a preocupação dos que ganharam as eleições com o fato de que poderiam ser confundidos com os derrotados, por causa do uniforme canarinho. Na década de 1970, a Seleção Brasileira era uma unanimidade, mas o “pra frente Brasil”, slogan da equipe, foi usado pelo regime militar para estigmatizar a oposição como antipatriótica, na base do “ame-o ou deixe-o”.

Não é o caso agora. Muitos deixam de usar a camisa da Seleção para não serem confundidos com os bolsonaristas raiz, que a transformaram em uniforme político, sequestrando um dos símbolos de nossa identidade nacional. É uma bobagem, talvez seja a hora de mostrar que somos todos brasileiros e temos direito a usá-la, não importam as convicções políticas e religiosas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-estranhamento-de-torcer-pelo-brasil-sem-vestir-a-camisa-amarela/

Cidade Maravilhosa | Foto: Wikimedia Commons

4 fatores que impedem que Brasil vire potência no turismo apesar do potencial

Shin Suzuki*, BBC News Brasil

Alguns dos elementos mais associados ao Brasil — belezas naturais, grande diversidade cultural, calendário rico em festas nacionais e regionais — valem ouro em qualquer roteiro de viagem. Mas o grande potencial do país não se traduz em números de destaque no mercado mundial de turismo. Um estudo analisou fatores que emperram o desenvolvimento nacional da área.

O futuro do turismo no Brasil a partir da análise crítica do período 2000-2019 contou com 23 pesquisadores de 17 instituições brasileiras.

A investigação observa que, mesmo durante o boom do turismo internacional na década passada, o Brasil estacionou em pouco mais de 6 milhões de visitantes estrangeiros por ano.

Nesse período, o país ainda teve a rara oportunidade de sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada no espaço de dois anos, mas o crescimento entre 2014 e 2019 foi ínfimo: uma alta ligeira (que também pode ser vista como estagnação) de 6,31 milhões para 6,35 milhões.

O Brasil não figura nem na lista da Organização Mundial de Turismo dos 50 países com mais chegadas de turistas.

Os dados são relativos a 2019, ou seja, antes da chegada da pandemia de covid. Em todo o mundo, o setor sofreu fortemente os impactos da quarentena e tenta agora ensaiar uma recuperação.

Para efeito de comparação, uma única localidade do Vietnã, a Baía de Ha Long, recebeu quase o equivalente aos números totais do Brasil: 6,2 milhões, de acordo com o Euromonitor. O Vietnã, como um todo, contabiliza 18 milhões de viajantes internacionais anualmente.

Outro exemplo, e de maior proximidade, é o México.

De limitações socioeconômicas como o Brasil, o país se firmou como um dos mais importantes destinos do turismo mundial, com 45 milhões de turistas estrangeiros.

Calçadão no Rio de Janeiro
Apesar de trunfos como o Rio de Janeiro, uma metrópole com belezas naturais, número de visitantes internacionais no Brasil é pequeno se comparado a países como Vietnã e Tailândia

Os mexicanos são muito beneficiados pela proximidade com os Estados Unidos, mas deram prioridade ao setor em sua estratégia econômica na última década, segundo observa relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).

Comparações podem ser relativizadas pelas condições específicas dos países, mas o mercado brasileiro, com trunfos turísticos bem conhecidos como o Rio de Janeiro e as Cataratas do Iguaçu e dezenas de lugares com grandes possibilidades de desenvolvimento, está claramente aquém do seu potencial.

Isso é admitido em um relatório do governo federal.

"O Brasil não faz parte das rotas do turismo global", diz uma análise feita pela Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade, vinculada ao Ministério da Economia, no ano passado.

O texto cita que "no Brasil, 93% dos visitantes são locais" e "[em 2019] a participação no PIB era de 7,7% e com alta empregabilidade, mas com um crescimento estagnado".

A permanência de velhos problemas e o aparecimento de novos levam o Brasil a deixar de aproveitar um setor que poderia ter um impacto positivo de forma considerável na economia, na melhoria dos serviços, na conservação dos espaços nas cidades, entre outros ganhos.

Para Alexandre Panosso Netto, coordenador de pós-graduação em Turismo da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores da pesquisa, esse caminho de desenvolvimento não se torna uma política séria de Estado por algumas razões.

"A concorrência de várias áreas e a incompreensão dos pontos positivos do turismo como vetor e alavanca de inclusão social, de valorização da cultura e de diversificação de pensamentos e aprendizado".

Museu do Amanhã, no Rio
Museu do Amanhã tornou-se uma das principais atrações turísticas do Rio

"O turista estrangeiro gastava por volta de US$ 110 por dia no Brasil até a pandemia. Em 2019 foi por volta de US$ 6 bilhões que os estrangeiros trouxeram ao país. Então dobrar ou triplicar o número de visitantes representaria dobrar ou triplicar esse montante."

O mercado de trabalho também teria a ganhar com o turismo.

"Não é só financeiro, o aumento do número de empregos gerados e o efeito multiplicador do turismo seriam grandes."

Veja abaixo alguns fatores que prejudicam que o turismo brasileiro decole:

1) Imagem ruim no exterior

Mulher viaja sozinha
Brasil foi considerado segundo país mais perigoso para mulheres que viajam sozinhas em ranking

Violência, corrupção, ambiente hostil para mulheres e para o público LGBTQ+, somados à deterioração nos últimos anos da imagem do país em campos como meio ambiente e a gestão da pandemia do coronavírus, não criam um cenário muito atraente para turistas considerarem o Brasil como destino, afirma Panosso Netto.

Seu estudo cita um índice criado pelos jornalistas Asher e Lyric Fergusson que ranqueia os países mais perigosos para mulheres que viajam sozinhas. O Brasil é listado na segunda posição, atrás apenas da África do Sul.

A mudança do slogan oficial do turismo brasileiro em 2019 também não ajudou na imagem brasileira. A frase usada para promoção, "Visit and love us" (Visite e nos ame, em tradução literal), foi considerada de pouca fluência e de construção pouco usual no inglês, além de soar com conotação sexual para alguns turistas estrangeiros.

O pesquisador também diz que a ligação do país a histórias que envolvem corrupção "influenciam como o turista nacional e internacional vê o destino Brasil. Se é um destino com notícias de corrupção, também se pode imaginar que é um destino inseguro".

Ele diz que países com problemas relacionados à corrupção como México e Turquia, mas com grande número de visitantes, conseguem contornar a questão pela proximidade a grandes mercados consumidores internacionais e a criação de ilhas de excelência turística.

2) Falta de continuidade em políticas e planejamento

"Políticas de turismo específicas precisam ser baseadas em um processo de planejamento contínuo", diz o estudo.

Para um desenvolvimento mais sustentável do setor é preciso que o Ministério do Turismo e a Embratur tenham grande qualidade técnica, com um planejamento de longo prazo.

Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS)
Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS), cidade que é citada como exemplo de boa estratégia de longo prazo, por ter começado na década de 1990 a trabalhar o potencial turístico e hoje é um destino bastante solicitado

Panosso Netto cita Bonito, em Mato Grosso do Sul, como um exemplo de um destino que vivenciou processo de melhora e desenvolvimento através dos anos.

"Há ótimos exemplos de boas práticas turísticas nos interiores do Brasil. Bonito, em Mato Grosso do Sul, com sua diversidade ecológica e turismo de alto nível, é um exemplo disso. Mas essa qualidade de Bonito não foi alcançada de uma hora para a outra. Começou no início dos anos 1990. Estamos falando, portanto, de mais de 30 anos de trabalho."

Mas problemas com a conservação ambiental derivados do desmatamento vem impactando o ecoturismo da região. A abertura de áreas para agricultura impacta na cor das suas águas, um dos grandes trunfos de Bonito. Cerca de 70% da população local depende do turismo.

Políticas de turismo também incluem a identificação de oportunidades em diferentes mercados, como o latino-americano.

"É preciso se preparar para receber o turista argentino, uruguaio, chileno, peruano, boliviano, paraguaio etc. Não podemos estar dar as costas à América Latina."

3) Qualidade dos serviços varia muito

A falta de maior profissionalização na parte de serviços é algo constantemente apontado como problemático. "Esse é um dos itens mais criticados pelos profissionais do setor", afirma Panosso Netto.

O pesquisador acha que seria também uma forma de desenvolver a própria área de empreendedorismo no país.

"O turismo é a porta de entrada de muitos empreendedores de primeira viagem. Temos que transformar isso em um ponto positivo a nosso favor. O governo pode criar programas de formação continuada do turismo, tal como já existiram no passado, a exemplo do Curso de Formação de Gestores de Políticas Públicas do Turismo Nacional."

Educação sobre como funcionam o mercado e o atendimento a turistas domésticos e internacionais, além do aprendizado efetivo de idiomas, seriam formas de capacitação.

Mas há um outro problema estrutural, segundo o professor da USP: "A dificuldade em acessar o crédito para o investimento em empreendimentos turísticos pequenos também é imensa".

4) Transporte aéreo e deslocamento

Aeroporto de Guarulhos
Aeroporto de Guarulhos:

Segundo a pesquisa, embora o ambiente entre 2000 e 2019 no mercado aéreo "tenha melhorado a oferta e a competição nas rotas principais, especialmente aquelas conectando as capitais dos Estados e grandes centros urbanos, o acesso regional ainda é caro e, na maioria dos casos, insatisfatório".

Para Panosso Netto, "o transporte aéreo está deveras caro pelo preço do querosene e a política de impostos dos combustíveis e taxas aeroportuárias. Além disso, as viagens rodoviárias são prejudicadas pelas condições das rodovias; e se as rodovias são boas, os pedágios são caros".

O tamanho continental do Brasil, que de uma forma pode ser uma vantagem pela variedade de ofertas, acaba gerando um problema pelo deslocamento.

"Acredito que os destinos regionais devam se unir mais para compartilharem os turistas que por eles passam. Ou seja, a gestão regional do turismo deve ser fortalecida, junto com a criação de roteiros regionais com produtos e serviços de alta qualidade", diz o professor da USP.

O estudo defende "alinhar o ambiente regulatório, jurídico e tributário que rege a aviação brasileira, ao ambiente internacional. A evolução que viveu o setor nestes 20 anos não permite que sigamos admitindo que o Brasil tenha sérias diferenças e distorções entre nossas regras nacionais, que acabam gerando ofertas e produtos mais caros aos consumidores, e o que se pode ofertar no exterior".

*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil


Presidente da FIFA, Gianni Infantino | Foto: Wikimmedia Commons

Guerra de quadrilhas por trás da Copa no Qatar

Leo Eiholzer e Andreas Schmid*, Outras Palavras

Uma rede de espionagem trabalha em segredo. Agentes de inteligência planejam influenciar eventos mundiais agindo secretamente. Hackers roubam informações controversas. E um cliente obscuro financia todo o projeto com centenas de milhões de dólares.

Esta é a história de uma operação secreta global.

A investigação realizada pela equipe investigativa do canal suíço SRF, a “SRF Investigativ”, mostra os detalhes de como o Estado do Catar espionou autoridades do futebol mundial. E como os críticos da próxima Copa do Mundo, de fora da FIFA, também foram visados.

O objetivo final desses esforços: evitar que o Catar perdesse a candidatura à Copa do Mundo depois que muitas críticas foram levantadas, quando a FIFA concedeu o torneio ao país autoritário em 2010.

A dimensão das atividades de espionagem é considerável. Uma única sub-operação envolveu a mobilização planejada de pelo menos 66 agentes ao longo de nove anos. O orçamento totalizou US$ 387 milhões. E as atividades abrangeram cinco continentes.

Os mais altos escalões do governo do Catar estiveram envolvidos nas atividades de espionagem, incluindo o atual chefe de Estado, o Emir do Catar.

Os documentos mostram que o país desértico queria garantir que nenhuma mudança de posição dentro da FIFA, nenhuma nova amizade, nenhuma aliança potencialmente perigosa, nada que pudesse comprometer a realização da Copa do Mundo de 2022 no Catar escapasse de sua atenção. O objetivo era obter o controle absoluto. Ou “penetração mundial”, como está escrito em um documento da operação de espionagem.

Para isso, o Catar contratou a empresa privada estadunidense Global Risk Advisors (GRA). A equipe da empresa é formada por ex-membros das agências de inteligência dos Estados Unidos. Seu fundador é o ex-agente da CIA, Kevin Chalker.

A Suíça foi um local chave na operação. O espião-chefe e seus clientes do Catar se encontraram em Zurique. E foi na Suíça que eles espionaram vários indivíduos. Assim, presume-se que os crimes foram cometidos por ordem do Catar.

Chalker nega todas as acusações. O estado do Catar não respondeu às perguntas. Logo após o contato da SRF, o emir do Catar reclamou em um discurso público sobre uma “campanha” contra seu país.

A investigação da SRF constatou que as vítimas estavam completamente à mercê dos agentes que as espionavam. Suas contas de e-mail, computadores, telefones, amigos e até familiares se tornaram alvos dos guerreiros das sombras do Catar.

A operação visava mais do que obter informações. A investigação conclui que houve uma mão invisível tentando controlar o direcionamento da FIFA durante os últimos dez anos. Os espiões afirmam ter penetrado na mais alta instância decisória da FIFA, o Comitê Executivo.

Esta é a história do “Projeto Sem Piedade”.

A história se passa em um mundo de bastidores. Os espiões são invisíveis. Suas atividades, no entanto, têm consequências na vida real. Em lugares reais.

Em 5 de janeiro de 2012, um ciberataque contra um cidadão suíço é lançado. Um ex-assessor do presidente da FIFA, Joseph Blatter, recebe e-mails estranhos. Seus remetentes parecem querer que ele abra os anexos das mensagens por todos os meios. Eles tentam repetidas vezes.

Se ele tivesse clicado nos arquivos, um software teria sido instalado secretamente em seu computador. Sem que ele percebesse, o software copiava todos os dados de seu disco rígido e os enviava aos hackers.

O homem sentado atrás do computador é Peter Hargitay. Oficialmente, ele atua como conselheiro, mas dentro da FIFA, ele é considerado uma espécie de porta-voz, um influente agente de poder nos bastidores. Ele havia sido próximo do então onipotente presidente Joseph Blatter. Mais tarde, ele foi consultor da associação australiana de futebol e de seu presidente, Frank Lowy, um bilionário. Hargitay deveria ajudar a Austrália a sediar a Copa do Mundo de 2022 e, portanto, trabalhou em estreita colaboração com Lowy.

Sem dúvida, o computador de Hargitay continha informações valiosas. Um tesouro para quem deseja ter uma boa noção do que realmente acontecia na FIFA.

Quem poderia querer tais informações tão desesperadamente a ponto de estar preparado para o risco de tomar um processo?

O líder indiano

Hargitay é cidadão suíço; sua empresa tinha um escritório em Zurique na época. Ele apresentou queixa e o ataque ao informante da FIFA se tornou um caso para as autoridades suíças.

As evidências apontaram rapidamente para a infraestrutura de uma empresa de TI com sede na Índia, a Appin Security. A SRF obteve registros do processo criminal de Zurique. Os hackers parecem ter sido descuidados em seu trabalho. O servidor que eles usaram para o ataque contém muitas evidências que indicam o envolvimento da Appin.

A Appin é uma empresa evasiva. Na época, era controlada por um empresário indiano. Oficialmente, a Appin oferecia apenas serviços jurídicos, incluindo proteção contra ataques de hackers.

Um representante legal do empresário disse à SRF que seu cliente era “um empresário internacional de sucesso com boa reputação. Ele nunca foi questionado pelas autoridades policiais em nenhum país. Ele nega claramente todas as conexões com quaisquer atividades ilegais”.

No entanto, os ataques que traziam a impressão digital da Appin começaram a atrair atenção em todo o mundo. Eles aparentemente não seguiam nenhum padrão, como se a empresa indiana estivesse atacando aleatoriamente.

De acordo com a investigação da SRF e reportagens da mídia internacional, um modelo de negócios relativamente novo está por trás do método: uma empresa ataca alvos por uma taxa e fornece as informações ao cliente. Chama-se “hackeamento de aluguel”.

O ataque ao colaborador da FIFA, Peter Hargitay, foi apenas um serviço contratado.

Mas quem é o cliente?

Documentos mostram que Peter Hargitay era alvo de uma rede secreta de espionagem que trabalhava para o governo do Catar. Um documento de planejamento altamente confidencial da Global Risk Advisors revela o que provavelmente aconteceu no caso de hackeamento. E mostra que os cidadãos suíços foram, ao que tudo indica, atacados em nome do governo do Catar.

Os documentos revelam um plano para uma campanha global de difamação, uma manipulação cínica da base de poder da FIFA. A ideia apresentada no documento era coletar informações incriminatórias sobre os membros da FIFA Hargitay e Lowy e vazá-las para o Federal Bureau of Investigation, o FBI.

O documento é intitulado “Project Clockwork: Concept of Operations” (Projeto Engrenagem: Conceito de Operações) e é datado de dezembro de 2011 – apenas um mês antes de Peter Hargitay receber os primeiros e-mails infectados.

O verdadeiro alvo era Lowy, não Hargitay, como mostram os documentos. Lowy estava trabalhando em estreita colaboração com Hargitay para a candidatura australiana à Copa do Mundo. A razão para os esforços dos espiões contra Lowy parece óbvia: o australiano era um duro adversário da realização da Copa do Mundo no Catar e havia dito publicamente que o país desértico poderia perder o direito de sediar o torneio.

O documento de planejamento diz, sob o título “o que devemos realizar”: “plano de 9 meses para neutralizar o papel e a influência de […] Frank Lowy”. Também menciona que Lowy era um alvo difícil. Sua riqueza e rede lhe davam acesso a consideráveis meios  ​​na área de contra-espionagem. O risco para os diretores da Global Risk Advisors, caso alguma coisa desse errado, foi considerado alto. O documento também especifica que o “Prazo exige ataque de força bruta”. Além disso, o documento apresenta uma foto de Peter Hargitay.

Na seção intitulada “Andando na corda bamba”, os agentes expõem como pretendiam neutralizar Lowy e Hargitay. Aparentemente, eles tinham informações internas a respeito de uma investigação das agências policiais dos EUA e planejavam usar essa investigação para seus próprios fins.

O documento alega conexões entre Hargitay, Lowy e a candidatura russa para a Copa do Mundo de 2018 e pergunta: “Podemos ajudar a conectar os pontos?”. E em seguida: “Fornecer provas de apoio às agências policiais relevantes”.

Uma investigação do FBI teria destruído a reputação de Lowy e Hargitay em âmbito global. Eles teriam sido efetivamente “neutralizados”.

De acordo com os documentos, o Catar aprovou o “Projeto Engrenagem”. E um mês após a elaboração do documento de planejamento, o computador de Hargitay foi hackeado. Que o ataque tenha sido realizado por outra empresa não é algo incomum. A Global Risk Advisors frequentemente recorre aos serviços de subcontratados para realizar operações, mostra a investigação da SRF. Essa abordagem torna mais difícil atribuir o ataque à empresa de Chalker. E mais ainda identificar o Catar como cliente. Em um documento, a empresa se compromete explicitamente a fornecer um “bode expiatório” e “para-raios” para desviar as suspeitas.  

Chalker identificou Hargitay como um alvo importante muito antes do ataque cibernético contra ele. Ele havia dito isso aos associados na época. Chalker até tinha um codinome para Hargitay: “Broken Arrow”.

A ponta de um enorme iceberg

O plano para comprometer Lowy e Hargitay, no entanto, representa a ponta de um enorme iceberg. Nos anos seguintes à decisão sobre a Copa do Mundo, que aconteceu no final de 2010, uma operação de espionagem e manipulação não detectada que ninguém poderia imaginar se desenrolou nos bastidores da FIFA.

A SRF obteve uma série de documentos que descrevem a operação. Os repórteres receberam as informações de várias fontes que autorizaram o acesso a elas.

O cérebro por trás das atividades de espionagem é Kevin Chalker, ex-membro da Agência Central de Inteligência (CIA), o serviço de inteligência internacional dos EUA. 

Chalker – de cabelos castanhos e barba ruiva – trabalhava para a CIA há pelo menos cinco anos. E não trabalhou como analista em algum escritório, atuou como “oficial de operações” e, portanto, em uma área do serviço de inteligência que realiza atividades secretas. Um verdadeiro espião.

Chalker deixou a CIA há vários anos. Posteriormente, ele primeiro negociou para trabalhar para a Diligence, uma empresa britânica de espionagem particular. Mas acabou fundando sua própria empresa, a Global Risk Advisors. Sua equipe consiste principalmente de ex-membros dos serviços de inteligência dos EUA. Por fim, a Global Risk Advisors estava trabalhando para o Catar.

Um advogado de Chalker negou todas as alegações quando procurado pela SRF para comentar o caso: “A Global Risk Advisors e o senhor Chalker não sabem nada sobre esses supostos novos hacks ou outras más condutas sugeridas em sua investigação e certamente não participaram deles de forma alguma”. Além disso, “Você afirma ter documentos da GRA para apoiar algumas das falsas acusações. Se você realmente tiver algum documento, como jornalista você deve questionar sua autenticidade”.

A SRF empregou uma série de medidas para verificar a autenticidade dos documentos. Chalker não quis comentar sobre questões específicas quanto à natureza do papel que desempenhou no Catar.

O presidente da FIFA, Joseph S. Blatter, anuncia que o Catar sediará a Copa do Mundo de 2022, em 2 de dezembro de 2010. Keystone / Walter Bieri

A investigação da SRF mostra que inicialmente, antes da premiação da Copa do Mundo em dezembro de 2010, Chalker espionou as várias licitações. Mas, com as críticas levantadas sobre corrupção e violações de direitos humanos no Catar após a conquista da Copa, o alvo mudou. Agora, a tarefa era impedir, a qualquer custo, que a FIFA tirasse a Copa do Mundo do Catar.

Chalker e sua empresa desenvolveram o plano que não deixaria nada ao sabor do acaso.

O “Projeto Engrenagem” e as atividades contra Lowy e Hargitay eram apenas parte desse plano.

A próxima parte foi o “Projeto Sem Piedade”. A descrição do projeto revela o quão elaborada era a trama do serviço de inteligência e quão ambicioso era o projeto.

“O Catar deve obter informações preditivas para alcançar a consciência informacional total”, diz o documento. O plano era conhecer os planos e intenções de vários alvos com antecedência, incluindo os de “figuras críticas dentro da FIFA”, do “presidente da FIFA Joseph Blatter” e dos “membros-chave do FIFA ExCo – presentes e futuros”. A sigla significa Comitê Executivo da FIFA.

“O objetivo final é alcançar a penetração de abrangência mundial”, especifica o documento. Os Global Risk Advisors pretendiam não perder nada. Nenhuma mudança em nenhum plano, nenhuma mudança de posição dentro da FIFA. O objetivo era obter o controle absoluto.

Especialistas em TI e especialistas em “coleta técnica” deveriam ser destacados para o projeto.

Segundo documentos internos da empresa, o “Projeto Sem Piedade” foi aprovado pelo Catar, com orçamento de US$ 387 milhões.

Esta foi apenas a “menor” opção das três apresentadas. Mas, aparentemente, causou impacto. Um documento diz: “A maior conquista até hoje do Projeto Sem Piedade […] veio de operações de penetração bem-sucedidas visando críticos vocais dentro da organização da FIFA”.

Outro documento descreve as atividades da seguinte forma: “[O projeto] é projetado para esconder o papel do Catar nas operações, enquanto utiliza tecnologia e inteligência humana para […] manipular o sentimento público”.

Os mais altos escalões do governo do Catar estiveram envolvidos nas atividades de Chalker, apurou o SRF Investigativ. De acordo com documentos analisados ​​pela SRF, o então herdeiro do trono e atual emir Tamim bin Hamad Al-Thani ordenou pessoalmente a obtenção de registros detalhados de telefone e SMS de vários membros do Comitê Executivo da FIFA antes do anúncio do país sede da Copa do Mundo.

O quanto exatamente o Emir estaria envolvido depois que a Copa do Mundo foi concedida ao Catar ainda não está claro. A operação ainda tinha um codinome para ele – “Apex” – anos depois.

Claramente, no entanto, Chalker e Qatar estavam mais do que prontos a assumir riscos e não tiveram qualquer constrangimento em mirar em figuras proeminentes. Um documento obtido pela SRF indica que Michael Garcia, principal investigador do Comitê de Ética da FIFA, pode ter se tornado alvo de operações. O documento intitulado “Target Profile” contém várias páginas descrevendo Michael Garcia.

Segundo a agência de notícias Associated Press, o FBI está investigando Chalker há vários meses. Além das possíveis violações à lei na área de lobby e exportação de tecnologia sensível, os promotores estão se concentrando nas atividades de vigilância de Chalker em nome do Catar. A Associated Press já publicou relatórios sobre as operações de Chalker para o país desértico em conexão com a Copa do Mundo.

Nem a embaixada do Catar em Berna nem o Escritório de Comunicações do Governo em Doha responderam a vários pedidos de informações da SRF. Logo após os pedidos, o emir fez um discurso na Assembleia Consultiva do Catar, uma espécie de parlamento sem poder, no qual mencionou que o Catar havia sido vítima de uma “campanha inédita” depois que o país foi escolhido como sede da Copa do Mundo. Ele disse: “Logo ficou claro para nós que a campanha continua, se expande e inclui invenções e padrões duplos, até atingir uma ferocidade tal que fez muitos se perguntarem, infelizmente, sobre as verdadeiras razões e motivos por trás dessa campanha”.

Operação de vigilância na Suíça

A investigação da SRF mostra que a Suíça foi fundamental para a operação de inteligência do Catar.

Segundo a investigação, Chalker, a mando do Catar, viajou a Zurique com o objetivo de grampear quartos de hotel de membros do Comitê Executivo e de jornalistas.

Um documento inclui fotos obviamente tiradas em segredo como parte de uma operação de vigilância. Elas foram tiradas no luxuoso hotel Baur au Lac, em Zurique. E mostram pessoas ligadas à FIFA reunidas com dirigentes e jornalistas.

Uma foto de vigilância de um evento da FIFA no Baur-au-Lac Hotel em Zurique. SRF

Os agentes aparentemente se sentiram à vontade na Suíça. De acordo com a investigação, Chalker se reuniu com seus clientes do Catar em Zurique para discutir as operações. Pelo menos um membro da Global Risk Advisors fixou sua base permanente na Suíça, depois que o Catar foi escolhido como sede da Copa do Mundo de 2022.

Isso é um problema. Espionar em nome de um terceiro país em solo suíço é proibido. Tais atividades podem ser indiciadas como espionagem.

No entanto, Chalker conheceu um de seus contatos mais próximos, um alto funcionário do Catar chamado Ali Al-Thawadi, em Zurique. Seu codinome era “Shepherd” (“Pastor”). Ele é o chefe de gabinete do irmão do atual emir, Mohammed bin Hamad bin Khalifa Al Thani, também conhecido como MBH.

Além disso, dois jovens tinham laços estreitos com Chalker na operação de espionagem em nome do Catar: Ahmad Nimeh, oficialmente consultor da candidatura do Catar, e um catariano chamado Ahmed Rashad. Ambos os homens têm conexões com uma misteriosa empresa com sede em Doha chamada Bluefort Public Relations. Nimeh esteve ligado às chamadas “operações negras” relacionadas à Copa do Mundo pelo jornal britânico The Sunday Times em 2018. Nimeh é genro de Patrick Theros, ex-embaixador dos Estados Unidos no Catar. Outro parceiro próximo de Nimeh, Nikos Kourkoulakos, estava trabalhando oficialmente para a candidatura do Catar à Copa do Mundo.

De acordo com o registro de empresas, Ahmad Rashad, colega de Nimeh, é o acionista majoritário da Bluefort Public Relations.

A investigação da SRF descobriu que uma pessoa-chave para a próxima Copa do Mundo, Hassan Al Thawadi, supervisionou a operação de espionagem em nome do Catar. Ele foi o CEO da bem-sucedida candidatura à Copa do Mundo e é o atual secretário-geral do Comitê Supremo, órgão que organiza a Copa do Mundo no Catar.

A FIFA aparentemente permaneceu alheia à operação de espionagem. O ex-presidente da entidade, Joseph Blatter, disse em entrevista à SRF: “Que houve um caso de espionagem organizada na FIFA, foi algo que me surpreendeu. E é alarmante”. Vários documentos mostram que Blatter era de grande interesse para os espiões. Mencionam, por exemplo, que os “planos e intenções” de Blatter devem ser conhecidos com antecedência.

A Chalker e a Global Risk Advisors estão atualmente enfrentando uma ação civil relacionada a supostas atividades semelhantes. A ação foi movida por Elliott Broidy, aliado do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Dados privados de Broidy vazaram para jornais em 2018, e ele acusa Chalker e sua empresa de um ataque de hackers em nome do Catar. Chalker nega todas as acusações. O processo ainda está pendente.

“Câncer do futebol mundial”

Houve uma figura no futebol mundial que pareceu importante o suficiente para os espiões do Catar lhe dedicarem um projeto inteiro: “Projeto Riverbed”. O codinome foi usado para o cartola do futebol alemão Theo Zwanziger.

Segundo documentos obtidos pela SRF, o Catar investiu US$ 10 milhões para espionar e influenciar Zwanziger. A Associated Press reportou a mesma cifra nesta primavera.

Zwanziger atuou como presidente da DFB, a Associação Alemã de Futebol, até 2012. E como membro do Comitê Executivo da FIFA até 2015 e, portanto, um executivo de futebol extremamente influente, associado a figuras poderosas na política mundial, ele era uma voz crítica e provocativa contra o Catar. A certa altura, ele chamou o Catar de “o câncer do futebol mundial”.

O Catar queria parar isso. Segundo documentos, uma rede foi construída em torno de Zwanziger, composta por pessoas que iriam influenciá-lo em benefício do Catar.

Para neutralizar Zwanziger, os espiões contaram com métodos de inteligência, como especificam os documentos.

Eles mencionam “operações ocultas”. Também em sua mira estava a “Família Riverbed” – que é a família de Zwanziger. Os atacantes do Global Risk Advisors aparentemente construíram relacionamentos com pessoas próximas a Zwanziger. Criaram uma rede de “recursos, fontes e contatos” ativos nos cinco continentes, trabalhando para influenciar Zwanziger.

Zwanziger receberia persistentemente uma mensagem: “A Copa do Mundo de 2022 no Catar é boa para o mundo”.

Para salvar a Copa do Mundo, o Catar queria calar as críticas. Os esforços da operação não deixaram de surtir efeito em Zwanziger. Ele foi enquadrado dentro da Fifa, como diz hoje. Ele liderou um grupo de trabalho que pressionou por mais direitos humanos e menos críticas ao Catar. Em entrevista à SRF, ele disse: “Várias pessoas me orientaram nessa direção. Claro, isso era do interesse do Catar. Para provocar precisamente essa mudança de pensamento.”

Mas esses esforços, de acordo com Zwanziger, não tiveram o efeito pretendido em suas opiniões. Na entrevista, ele disse: “O que eles subestimaram, porém, é que eu não abri mão da minha opinião no processo. Esta decisão [dar o mundial ao Catar] foi – como eu já disse – um câncer para o futebol mundial. A partir daí surgiram muitas correntes que prejudicaram o futebol mundial. Ainda hoje tenho essa opinião.”

No que diz respeito à operação de espionagem contra ele, Zwanziger acha que a FIFA tem a obrigação de agir. Ele disse: “Isso é um escândalo. Deve ser enfrentado por aqueles que estão no comando. O presidente da FIFA, Infantino, seria o primeiro. Mas ele não fará isso, é claro, porque é um vassalo do Catar.” 

A FIFA e Gianni Infantino se recusaram a comentar.

Visando os sindicatos

A Confederação Sindical Internacional (ITUC) apresentou outro problema para o Catar. Durante anos, a federação sindical, que inclui 200 milhões de filiados, repetidamente levantou questões sobre a Copa do Mundo no Catar. E trabalhou para garantir que o sofrimento dos trabalhadores no Catar chamasse a atenção do mundo e comovesse as pessoas.

O sindicato foi vítima de um ataque cibernético no final de 2015. Alguém havia copiado o e-mail da então porta-voz de mídia para o secretário-geral. E os e-mails logo apareceram – em versão alterada, segundo o sindicato – na mídia.

O ataque trazia as impressões digitais de Global Risk Advisors. A SRF obteve um documento, no qual a Global Risk Advisors identifica o sindicato como um problema tão sério para o Catar quanto a FIFA ou o Conselho de Cooperação do Golfo – importante grupo de países em nível diplomático.

Os espiões também traçaram uma rede detalhada de relacionamentos de pessoas que trabalham para o sindicato e de que forma elas estavam ligadas à FIFA. Este documento menciona a porta-voz da mídia, que foi hackeada.

Atenção do FBI

Apesar de nunca ter disputado uma partida de futebol profissional na vida, Sunil Gulati é uma das figuras mais importantes do futebol nos EUA. Ele começou carregando as toalhas dos membros da seleção nacional de juniores, antes de avançar para o cargo de presidente da Federação de Futebol dos Estados Unidos. Por décadas, ele foi o indivíduo mais influente do futebol estadunidense. As fotos tiradas naquela época o mostram com Barack Obama, Bill Clinton ou Joe Biden.

No auge de seu poder, Gulati foi espionado, seu computador foi hackeado, aparentemente sem que isso tivesse sido notado. A evidência do ataque a Gulati parece inexpressiva a princípio: uma pasta digital comum.

No entanto, a pasta contém aproximadamente 800 arquivos, todos roubados do computador de Gulati. O hacker parece ter copiado todos os arquivos PDF, Word, PowerPoint e Excel naquele computador. E essas cópias chegaram à SRF.

Os arquivos incluem documentos confidenciais, como o contrato de trabalho do então técnico da seleção americana Bob Bradley, além de cartas de e para Gulati e outros dirigentes da FIFA. O ataque não poupou a vida privada de Gulati. Há um livro de fotos nos arquivos, por exemplo, documentando os anos de infância de Gulati, e há dados de saúde.

A minuta do contrato com o novo técnico da seleção americana, Bob Bradley, contém todos os detalhes do emprego.SRF

Gulati era concorrente direto do Catar, dois anos antes, durante o processo de definição da sede da Copa do Mundo. Ele foi presidente da candidatura estadunidense para a Copa do Mundo de 2022, período durante o qual a Global Risk Advisors se interessou por ele e preparou a seu respeito um dossiê pessoal de várias páginas.

Os metadados mostram que os últimos arquivos de Gulati foram editados na primavera de 2012. Portanto, o ataque hacker provavelmente ocorreu apenas algumas semanas após o ataque a Hargitay. Os membros da FIFA, SRF, conversaram para considerar Gulati um crítico do Catar. 

Não há dúvida de que alguém cuja identidade ainda não foi esclarecida queria saber o que havia no computador de Gulati. E que eles não hesitaram em lançar um ataque cibernético contra um cidadão americano, embora o FBI investigue estritamente os crimes cibernéticos.

A inação das autoridades suíças

Agentes espionam o mundo do futebol em nome do Catar há dez anos. A SRF descobriu que o Ministério Público de Zurique sabia sobre uma suposta atividade da rede de espionagem desde o início. Eles estavam cientes do hack no computador de Peter Hargitay desde 2012 – quando os invasores iniciaram suas operações. E era óbvio que o caso Hargitay era importante.

No entanto, nada de mais aconteceu em relação às investigações do Ministério Público. Os promotores se omitiram em ações investigativas óbvias. O exemplo mais contundente disso diz respeito ao CEO da empresa indiana Appin Security, que havia sido considerado suspeito no caso. O promotor inicialmente perguntou ao CEO se ele estaria disposto a responder perguntas sobre o caso. Um advogado informou ao Ministério Público que o empresário estaria disposto a fazer isso por escrito. Mas então o promotor simplesmente não enviou nenhuma pergunta. Ainda não está claro o porquê.

Por fim, o Ministério Público encerrou o caso oito anos depois por falta de vias investigativas adequadas. O Ministério Público de Zurique disse em comunicado à SRF que, por motivos legais, não pode comentar suas próprias atividades no processo. Um porta-voz escreveu que houve esforços abrangentes para essa investigação que foi realizada dentro das disposições legais. O porta-voz disse ainda: “Não houve exercício de influência sobre nenhum membro do Ministério Público”.

O ex-CEO vive hoje na Suíça. No outono de 2020, logo após o encerramento da investigação, ele comprou uma mansão impressionante. De acordo com o cartório de registro de imóveis, ele pagou 13,5 milhões de francos suíços à filha de um oligarca ucraniano na transação. Ele agora se apresenta como um renomado investidor em startups e teve sua foto tirada para a edição francesa da revista suíça Bilanz.

O que ele teria testemunhado se tivesse sido solicitado em 2013? A história teria tomado outro rumo? Os espiões do Catar teriam reduzido seus esforços por medo de serem expostos? Não haverá resposta para tais perguntas.

Neste momento, com a Copa rolando, milhões estão de olho no Catar. Mas talvez ninguém veja as coisas da maneira que o Emir sempre desejou. Se a Copa do Mundo de 2022 for uma celebração do futebol, será manchada por agentes de inteligência, mentiras e manipulações.

*Texto publicado originalmente no site Outras Palavras


Charge parece que os golpistas estão muito animados. que nada . é gol da seleção

Revista online | Confira charge de JCaesar sobre Copa do Mundo e manifestantes

Sobre chargista

* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.

** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de outubro/2022 (49ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Copa do Mundo da FIFA Catar 2022 | Imagem: reprodução twitter/FiFA

Revista online | Copa do Mundo: poder do dinheiro comanda o espetáculo

Henrique Brandão*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022) 

A Copa do Mundo bate às nossas portas, invade o cotidiano, toma conta das conversas. Em nosso dito “país do futebol”, essa rotina se repete de quatro em quatro anos. Estamos sempre entre as seleções favoritas. Que o digam as casas de apostas londrinas, insuspeitos templos das previsões futuras, onde o Brasil aparece bem cotado a cada campeonato mundial.

Em toda edição da Copa, haverá uma seleção que será lembrada, como ocorreu com a Hungria de Puskas, em 1954; o Brasil do tricampeonato (1958,62,70), com Pelé, Garrincha, Jairzinho e Tostão; a Holanda de 1974, com seu carrossel e o talento de Cruyff; Camarões em 1990, comandada por Roger Milla; a França de 1998, com Zidane & Cia. São várias as referências, ao gosto do freguês. 

Mas o critério esportivo, nos tempos atuais, deixou de ser o único balizador a medir o sucesso de uma Copa. Os indicadores econômicos, hoje, para os burocratas da todo-poderosa Fifa, são tão ou mais importantes do que os legados surgidos em campo. 

Na véspera da abertura da Copa 2022, o Conselho Executivo da Fifa divulgou seu faturamento: US$7,5 bilhões, o melhor resultado da história da entidade. Dentre as propriedades comerciais, os direitos de transmissão televisiva são o filé mignon. Desde a Copa de 1970, a primeira a ser transmitida para o mundo inteiro, os números não param de crescer. No Catar, a história se repete.  

Para se ter uma ideia do volume de dinheiro, no Brasil os direitos da Copa do Catar são exclusivos da Globo para TV aberta e paga. O contrato, fechado na Rússia em 2018, é de US$90 milhões por ano.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

O próximo Mundial será ainda maior que o atual, disputado por 32 seleções. Em 2026, serão 48 equipes e 80 jogos, no total. O gigantismo da Copa começou a ser desenhado em 1974, quando o brasileiro João Havelange (1916-2016) foi eleito presidente com os votos de africanos, latino-americanos e asiáticos, destronando Sir Stanley Rous, o candidato da Europa.

Havelange presidiu a Fifa entre 1974 e 1998, período marcado pela expansão da entidade. Uma das promessas de campanha foi ampliar o número de vagas de África, Ásia e Concacaf – Confederação que engloba a América do Norte e a América Central – na Copa do Mundo. 

Promessa cumprida. Em 1974, quando assumiu a presidência, a Copa era disputada por 16 seleções. Em 1998, quando deixou a entidade, o Mundial tinha o dobro de participantes.

Sob o comando de Havelange, a Fifa inaugurou uma nova maneira de atuar, que perdura até hoje, marcada pela aproximação com o poder político institucional e práticas questionáveis para a manutenção do status quo interno. Desde então, nenhum outro presidente foi eleito como candidato de oposição, como foi o caso do brasileiro.

Bom de negócios, Havelange elevou a Fifa a outro patamar financeiro. Em 1974, a entidade obteve receitas de US$11 milhões. Na Copa de 1994, a última em que esteve na presidência, a arrecadação foi de US$230 milhões. Daí em diante, o volume de dinheiro só aumentou. 

Estava estabelecido o “padrão Fifa de qualidade”. Quando decidiu deixar o cargo, em 1998, Havelange indicou Josef Blatter como sucessor. Blatter, que exercia o cargo de secretário-geral desde 1981, ficou na presidência por mais 17 anos. Tanta longevidade tem explicação: era ele quem negociava todos os contratos comerciais da entidade e organizava as Copas do Mundo.

Em 2015, às vésperas de mais um Congresso para sua reeleição, Blatter foi surpreendido pela prisão, na Suíça, de sete cartolas ligados à Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) e à Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf). Diante de pressões, quatro dias depois, mesmo reconduzido, convocou novas eleições, marcadas para fevereiro de 2016. Sete candidatos se apresentaram. Gianni Infantino, secretário-geral da Uefa, foi eleito. 

A Copa do Catar é a primeira sob o comando de Infantino. Seu modus operandi não difere muito do de seus sucessores. Quando divulgou os resultados financeiros do Mundial 2022, fez um discurso que Blatter assinaria embaixo: “Arrecadamos mais em patrocínios do que na última Copa, mais em direitos de transmissão e mais em camarotes. Tantas e tantas empresas acreditam nesta Fifa. Acreditamos que limpamos a entidade. Então, quem diz que esta Copa será um fracasso está errado”, disse, exultante.

Confira, a seguir, galeria:

Giovanni Vincenzo Infantino dirige a FIFA desde 2016, sucedendo Joseph Blatter | Foto reprodução REUTERS/ Leonhard Foeger
Cerimônia de abertura da copa 2022 | Foto: reprodução/Creative Commons
O Banco Nubank é um dos apoiadores oficiais da Copa do Mundo da FIFA 2022 | Imagem: reprodução/Nubank
João Havelange presidiu a FIFA entre 1974 e 1998
Seleção brasileira tricampeã mundial na copa de 1970, no México | Foto: reprodução/CBF
Giovanni Vincenzo Infantino dirige a FIFA desde 2016, sucedendo Joseph Blatter | Foto reprodução REUTERS/ Leonhard Foeger
Cerimônia de abertura da copa 2022 | Foto: reprodução/Creative Commons
O Banco Nubank é um dos apoiadores oficiais da Copa do Mundo da FIFA 2022 | Imagem: reprodução/Nubank
João Havelange presidiu a FIFA entre 1974 e 1998
Seleção brasileira tricampeã mundial na copa de 1970, no México | Foto: reprodução/CBF
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Giovanni Vincenzo Infantino dirige a FIFA desde 2016, sucedendo Joseph Blatter | Foto reprodução REUTERS/ Leonhard Foeger
Cerimônia de abertura da copa 2022 | Foto: reprodução/Creative Commons
O Banco Nubank é um dos apoiadores oficiais da Copa do Mundo da FIFA 2022 | Imagem: reprodução/Nubank
João Havelange presidiu a FIFA entre 1974 e 1998
Seleção brasileira tricampeã mundial na copa de 1970, no México | Foto: reprodução/CBF
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Observando o estilo de governança da Fifa, fica a impressão de que a frase dita por Tancredi, um dos personagens de O Leopardo, romance do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1897-1957), adaptado para o cinema (1963) pelo genial Luchino Visconti (1906-1976), é mais atual do que nunca: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”.

Ainda bem que temos, para quem gosta de futebol, jogos que ainda nos dão imensa satisfação, pelo talento exibido em campo pelos jogadores, que, afinal, são os verdadeiros protagonistas do espetáculo. 

Viva o futebol!

Sobre o autor

*Henrique Brandão é jornalista e escritor.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Qatar airways | Foto: reprodução Wikimedia commons

Qatar proíbe a venda de cerveja em estádios da Copa a dois dias da abertura

Alex Sabino e Luciano Trindade*, Folha de S. Paulo

A Fifa confirmou no início da tarde desta sexta-feira (18), horário do Qatar, que não será mais permitida a venda de cerveja dentro e nos arredores do estádio da Copa do Mundo. A decisão foi tomada pelo Comitê da Entrega e Legado, que organiza o Mundial. O torneio terá início neste domingo (20).

"Após discussões entre o país anfitrião e a Fifa, uma decisão foi tomada para focar a venda de bebidas alcoólicas na fan fest, outros destinos turísticos e pontos autorizados, removendo pontos de venda de cerveja dos perímetros da Copa do Mundo de 2022", disse a entidade.

Consultados sobre o impacto da medida no contrato de patrocínio e na receita da competição, Fifa e Budweiser não se pronunciaram até o momento.

Bar que será usado em "fan fest" em Doha, com preços altos - Muath Freij/Reuters

A principal patrocinadora do Mundial é justamente a Budweiser, que venderia cerveja alcoólica dentro do perímetro das oito arenas, três horas antes e uma hora depois de cada jogo.

A fabricante de cerveja pagou US$ 75 milhões (R$ 405 milhões em valores atuais) para ser patrocinadora oficial do evento. A proibição da venda da bebida nos estádios representará um agravamento das tensões entre a entidade máxima do futebol e o país-sede.

Só a versão zero (sem álcool) da cerveja continuará disponível em todos os estádios

"As autoridades do país anfitrião e a FIFA continuarão a garantir que os estádios e áreas adjacentes proporcionem uma experiência agradável, respeitosa e agradável para todos os torcedores", afirmou a entidade máxima do futebol.

Ao final da nota, a Fifa fez um aceno à patrocinadora: "os organizadores do torneio agradecem a compreensão e apoio contínuo da AB InBev ao nosso compromisso conjunto de atender a todos durante a Copa do Mundo".

Desde o anúncio do Qatar como anfitrião da Copa, o tema bebida alcoólica era um problema. O contrato pelo direito de vender cervejas nos estádios é peça importante na engrenagem de milhões do Mundial. No Qatar negociar álcool não é crime, mas ser encontrado bêbado ou bebendo é, e o governo faz o possível para dificultar o consumo.

Durante a Copa, as bebidas podem ser encontradas em poucos bares, quase sempre dentro de hotéis. A reportagem da Folha encontrou um desses lugares.

Segundo o jornal The New York Times, a Budweiser recebeu ordem para posicionar suas tendas nos estádios em locais menos visíveis. A determinação teria vindo do xeque Jassim bin Hamad bin Khalifa al-Thani, irmão do emir do país.

De acordo com o site Expensivity, que calcula o valor das cervejas em diferentes nações, no Qatar está a mais cara do mundo. O governo aplica imposto de 100% na importação do produto. A medida foi apelidada de "taxa do pecado".

O único ponto de distribuição no país é controlado pela Qatar Distribution Company (QDC), uma companhia estatal que concentra todo o álcool importado no país (que não produz nada).

*Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo


Lula disse que vai usar a camisa da Seleção, não nessa, com o número 10, mas a 13 | Foto: reprodução/ Brasil de Fato

Lula diz que vai usar a amarelinha para torcer na Copa: "A camiseta não é de partido político"

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), declarou nesta quinta (10) que vai torcer pela seleção brasileira na Copa do Catar usando a camisa verde e amarela.

É sempre bom lembrar que o símbolo máximo do nosso futebol vem sendo usado há quase uma década por grupos políticos alinhados à direita, incluindo simpatizantes do presidente Bolsonaro e grupelhos golpistas inconformados com a eleição do petista.

"A Copa do Mundo começa daqui a pouco e a gente não tem que ter vergonha de vestir a camiseta verde e amarela. A camiseta não é de partido político, é do povo brasileiro. Vocês vão me ver usando a camiseta amarela, só que a minha terá o número 13", escreveu Lula em seu Twitter.

https://twitter.com/LulaOficial/status/1590721760026320898?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1590721760026320898%7Ctwgr%5E510c721989676ed17d64fa20b8d7985aa664d1a6%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.brasildefato.com.br%2F2022%2F11%2F10%2Flula-diz-que-vai-usar-a-amarelinha-para-torcer-na-copa-a-camiseta-nao-e-de-partido-politico

O "sequestro" da amarelinha já havia afastado torcedores de esquerda desde a última Copa, na Rússia, em 2018. Na época a designer mineira Luísa dos Anjos Cardoso chegou a criar uma versão alternativa, vermelha,  para atender quem não queria ser confundido com os manifestantes que haviam apoiado o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. 

:: Quem são os (poucos) jogadores progressistas na lista de convocados de Tite para a Copa? ::

Mas a camisa foi comercializada por pouco tempo, já que a CBF, dona dos direito sobre a camisa, não gostou. 


A versão vermelhinha, proibida pela CBF, tem até foice e martelo / Reprodução Facebook

Atualmente, a própria CBF está procupada com o amor perdido de muita gente que criou ranço das cores. No início da semana, quando o técnico Tite anunciou os 26 convocados, foi lançada uma peça publicitária da entidade conclamando toda a torcida a esquecer da política e abraçar o símbolo, que até há pouco parecia ser do bolsonarismo. 

:: Política em Copa do Mundo? Na Seleção Brasileira só é ok se for de direita ::

Ao UOL, o atual presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, disse que o objetivo da campanha - veiculada em rede nacional - "é para mostrar que todos podem se sentir bem com a camisa da seleção". Veja abaixo:

https://www.youtube.com/embed/JjmSs_t3t78

Mas será que vai dar certo? O fato de nosso maior craque, Neymar, ter dito que celebraria seu primeiro gol na Copa fazendo o sinal do "22", para homenagear o candidato derrotado na eleição presidencial (vocês sabem quem) não ajudou muito a sarar as feridas.

No entanto, sabemos que, uma vez que a bola comece a rolar - daqui a só dez dias -, a paixão pelo esporte pode falar mais alto até mesmo que a paixão - ou o rancor - pela política. 

Selecionamos algumas reações sobre o tema:

https://twitter.com/delucca/status/1589791819889799168?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1589791819889799168%7Ctwgr%5E510c721989676ed17d64fa20b8d7985aa664d1a6%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.brasildefato.com.br%2F2022%2F11%2F10%2Flula-diz-que-vai-usar-a-amarelinha-para-torcer-na-copa-a-camiseta-nao-e-de-partido-politico
https://twitter.com/jonesmanoel_PCB/status/1589660166315573248?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1589660166315573248%7Ctwgr%5E510c721989676ed17d64fa20b8d7985aa664d1a6%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.brasildefato.com.br%2F2022%2F11%2F10%2Flula-diz-que-vai-usar-a-amarelinha-para-torcer-na-copa-a-camiseta-nao-e-de-partido-politico
https://twitter.com/77_frota/status/1588888656043212800?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1588888656043212800%7Ctwgr%5E510c721989676ed17d64fa20b8d7985aa664d1a6%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.brasildefato.com.br%2F2022%2F11%2F10%2Flula-diz-que-vai-usar-a-amarelinha-para-torcer-na-copa-a-camiseta-nao-e-de-partido-politico

Richarlison é um dos raros casos de jogadores brasileiros convocados para a Copa do Mundo que manifestaram posições progressistas | Foto: reprodução/Brasil de Fato

Quem são os (poucos) jogadores progressistas na lista de convocados de Tite para a Copa?

Felipe Mendes*, Brasil de Fato

Passadas as eleições, o noticiário começa, aos poucos, a dar espaço a outros assuntos de maior ou menor relevância. Entre eles, a Copa do Mundo do Catar, que começa em menos de duas semanas. Nesta segunda-feira (7) o treinador Tite anunciou a lista de convocados da Seleção Brasileira. E, como política e futebol se discutem, o Brasil de Fato buscou juntar as duas coisas: quem são os jogadores progressistas chamados para a Copa?

Uma certeza: são poucos. A minoria entre os 26 convocados.

Entre eles, o mais engajado provavelmente é o atacante Richarlison, atacante do Tottenham, clube da Inglaterra. Campeão olímpico, ele chega à Copa com moral. E quando o assunto é política, ele marca posição.

Leia também: Política em Copa do Mundo? Na Seleção Brasileira só é ok se for de direita

Capixaba de Nova Venécia, Richarlison tem história de vida comum a muitos jogadores: infância pobre, ascensão social rápida por causa da bola. Sem esquecer do passado, ele procura colaborar em diversas causas sociais e políticas.

"Cara, eu já passei muito perrengue na minha vida. Eu acho que é só uma questão de se colocar no lugar de quem tá passando por uma situação difícil, ter empatia. E quem sou eu pra medir a dor dos outros? Mas acredito que, no momento, o que mais tem me chocado são os casos de racismo, além da causa ambiental", disse, em entrevista recente ao portal UOL.

No auge da pandemia de covid-19, por exemplo, o jogador se aliou à Universidade de São Paulo (USP) e ajudou a arrecadar recursos para desenvolvimento de pesquisas científicas. 

"Quando a pandemia começou a gente tinha pouca informação e não sabia muito bem o que estava acontecendo. Eu fiquei muito inquieto preso dentro de casa sem saber direito o que fazer. Aí junto com meu staff resolvi concentrar as ações em um só lugar e na divulgação de informação correta e útil para o povo, usando minhas redes sociais e as minhas aparições na imprensa também", contou ao UOL.

Na mesma entrevista, Richarlison deixou claras algumas de suas referências. Atletas como o piloto de fórmula 1 britânico Lewis Hamilton e o jogador de basquete estadounidense LeBron James, que também se dedicam a causas sociais e políticas.

Hora certa para votar

A entrevista que Richarlison deu ao UOL, citada neste texto, tem o título "Fora da curva". Nada mais justo. Posicionamentos progressistas entre jogadores brasileiros são minoria.

Entre os 26 convocados por Tite, são raros os que ao menos deixam escapar alguma tendência à esquerda.

O meia Everton Ribeiro, jogador do Flamengo, é discreto de maneira geral. Na família, quem costuma se expressar bastante nas redes sociais é a esposa, a publicitária Marília Nery, com quem é casado há 15 anos.

Em vários momentos, Nery já deixou claro o posicionamento contra o presidente Jair Bolsonaro (PL): "Gente, eu nunca escondi que sou contra esse governo desde que vi a primeira entrevista do atual presidente no extinto CQC", postou no Twitter em 2020. Se não confirma o apoio às posições políticas da esposa, o jogador ao menos não foge de estar ao lado dela em algumas manifestações.

No último dia 30, dia da votação em segundo turno que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o terceiro mandato à presidência, o casal apareceu junto em imagem no Instagram comemorando o terceiro título flamenguista na Taça Libertadores. Ela fez questão de dizer que precisavam "correr para votar", e deixou registrado o horário: "10:03". Os torcedores progressistas mais atentos identificaram (ou desejaram ver) uma referência ao 13 de Lula.

No mesmo dia, Ribeiro foi um dos poucos jogadores do Flamengo que não posou ao lado de Bolsonaro, que foi à base aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, recepcionar o time após a conquista da Libertadores. O jogo decisivo, contra o Athletico-PR, foi realizado no Equador.


Esposa de Everton Ribeiro, Marília Nery posa com o jogador e diz que quer "correr para votar" / Reprodução/Instagram

Se os (possíveis) votos em Lula entre os jogadores foram envergonhados, muitos atletas bolsonaristas não tiveram o mesmo pudor. Basta falar de Neymar, que se engajou na campanha à reeleição do hoje candidato derrotado, tendo feito postagens com dancinhas e participado de lives com o ainda presidente.

Outros jogadores da seleção, como o zagueiro Thiago Silva, também declararam voto no candidato que viria a ser derrotado. Companheiro de time de Everton Ribeiro, o atacante Pedro, também chamado à Copa, foi um dos jogadores do Flamengo que embarcaram com Bolsonaro em um passeio de helicóptero pelos céus do Rio de Janeiro após a chegada ao Brasil do elenco campeão da Libertadores no dia do segundo turno da eleição.

E Tite?

O treinador da Seleção, que vai para sua segunda Copa, já falou mais de uma vez que não pretende se encontrar com Bolsonaro "nem se ganhar, nem se perder" o Mundial. O treinador afirma que não gosta de misturar futebol e política, e procura postrar postura isenta.

Uma imagem gravada após a final da Copa América de 2019, porém, deixou alguns indícios. O presidente tentou dar um abraço efusivo no treinador, que recebia premiação pela conquista no estádio do Maracanã. Tite permitiu apenas um cumprimento protocolar, que contrastou com o caloroso abraço que teve na sequência com o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo.

Pode não dizer nada, mas também pode dizer alguma coisa.

https://www.youtube.com/embed/8NMeiYOYmu8

Confira abaixo a lista completa de jogadores brasileiros convocados para a Copa do Mundo do Catar:

GOLEIROS

Alisson - Liverpool (ING)

Ederson - Manchester City (ING)

Weverton – Palmeiras (BRA)

LATERAIS

Alex Sandro - Juventus (ITA)

Alex Telles - Sevilla (ESP)

Dani Alves – Pumas (MEX)

Danilo - Juventus (ITA)

ZAGUEIROS

Bremer - Juventus (ITA)

Éder Militão - Real Madrid (ESP)

Marquinhos - Paris Saint Germain (FRA)

Thiago Silva - Chelsea (ING)

MEIAS

Bruno Guimarães - Newcastle (ING)

Casemiro - Manchester United (ING)

Everton Ribeiro - Flamengo (BRA)

Fabinho - Liverpool (ING)

Fred - Manchester United (ING)

Lucas Paquetá - West Ham United (ING)

ATACANTES

Antony - Manchester United (ING)

Gabriel Jesus – Arsenal (ING)

Gabriel Martinelli – Arsenal (ING)

Neymar Jr. - Paris Saint Germain (FRA)

Pedro – Flamengo (BRA)

Raphinha - Barcelona (ESP)

Richarlison - Tottenham (ING)

Rodrygo - Real Madrid (ESP)

Vinicius Jr. - Real Madrid (ESP)

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato